Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01075/14
Data do Acordão:10/21/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ACTIVIDADE EXCEPCIONALMENTE PERIGOSA
Sumário:Justifica-se admitir o recurso excepcional de revista de acórdão do TCA Norte que qualificou a responsabilidade civil prevista no art. 8º do DL 48051, como sendo responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e culposos, idêntico ao previsto no art. 493º, 2 do C. Civil, isto é, contendo tão só uma presunção de culpa.
Nº Convencional:JSTA000P18085
Nº do Documento:SA12014102101075
Data de Entrada:10/06/2014
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:FIGUEIRA GRANDE TURISMO, EM E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………… e outros, devidamente identificados, recorreram, nos termos do art. 150º, 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte que, em 2ª instância, revogou a sentença proferida pelo TAF de Coimbra que, na ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM tinha condenado a ré FIGUEIRA GRANDE TURISMO – E. M. a pagar-lhes uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

1.2. Nada alegaram quanto à admissibilidade do recurso de revista.

1.3. A ré considera que o recurso não deve ser admitido, desde logo, porque os recorrentes nem sequer invocam qualquer dos requisitos do art. 150º do CPTA, que consideram não estar preenchidos.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acórdão recorrido delimitou a questão a decidir nos termos seguintes: “O ponto de discórdia relativamente à sentença prende-se com a interpretação do preceituado naquele artigo 8º (do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967), bem como a consequente subsunção do caso concreto nesse preceito”.

A tese sustentada no acórdão recorrido (contrariando neste ponto a sentença do TAF de Coimbra é a de que “(…) nesse art. 8º não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco mas sim uma responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa”. Partindo deste pressuposto e interpretando o art. 8º do DL 48051, como consagrando uma presunção de culpa, o acórdão recorrido, considerou ilidida tal presunção, afastando desse modo o dever de indemnizar, nos termos seguintes:

“(…)

Em suma:

-o lançamento de fogo de artifício é considerado uma actividade perigosa;

-a responsabilidade da Recorrente pelos danos provocados no desempenho destas actividades tem de ser analisada à luz do artº 8º do DL 48051, diploma vigente ao tempo da produção dos danos;

-nesse artº 8º não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, ao contrário do entendimento seguido na decisão recorrida;

-estamos, sim, em pleno domínio da responsabilidade civil extra-contratual assente na culpa;

-aquele artigo estabelece, contudo, uma inversão do ónus da prova, presumindo-se a culpa de quem exerce uma actividade perigosa;

-de acordo com o mesmo, essa presunção será ilidida se se provar que os danos foram causados por “força maior”, por um “terceiro” ou pelo “próprio lesado”, desde que tenham sido adoptadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir;

-no caso em concreto a ora Recorrente logrou provar tal desiderato;

-efectivamente ficou apurado que os danos foram ocasionados pelo rebentamento de uma das granadas no interior de um tubo de lançamento;

-não obstante não se descortinar quem, por acção ou omissão, provocou este rebentamento, forçoso é concluir que este acto causador dos prejuízos não foi provocado pela Recorrente /organizadora do evento;

-afastada a presunção de culpa contida no artº 8º, falta logo um dos pressupostos da responsabilidade.

Logo, a sentença recorrida que, por assentar toda a sua construção na premissa de que, por se estar na presença de uma actividade perigosa, se está perante um caso de responsabilidade civil pelo risco, descurando a apreciação dos pressupostos acima elencados, não pode manter-se na ordem jurídica.

(…)”

3.3. Não obsta à admissão da revista a circunstância do recorrente nada alegar nesse sentido, uma vez que o art. 150º do CPTA não impõe esse ónus, contrariamente ao que faz, por exemplo, o art. 672º, 2 do actual CPC.

3.4. Justifica-se, por outro lado, admitir a revista, com vista a uma melhor aplicação do direito, relativamente à qualificação da responsabilidade civil extracontratual pelo exercício de actividades especialmente perigosas prevista no art. 8º do Dec. Lei 48051 (actualmente no art. 11º da Lei 67/2007) e respectivas consequências jurídicas no caso em apreço. Na verdade, a tese acolhida no acórdão, segundo a qual, tal regime é em todo idêntico ao previsto no art. 493º, 2, do C. Civil, estabelecendo apenas uma “presunção de culpa” e não um caso de responsabilidade objectiva (pelo risco) é controversa, justificando, portanto, que este Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie e a clarifique.

4. Decisão

Face ao exposto, admite-se a revista.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Outubro de 2014. – São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.