Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0449/12
Data do Acordão:05/15/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RETENÇÃO NA FONTE
IMPUGNABILIDADE
Sumário:I – O art. 132.º do CPPT, que prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte quando ela é feita a título definitivo (n.º 4), não prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte, nos casos em que ela é efectuada por conta do imposto devido a final.
II – Porém, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de o substituído impugnar este acto, uma vez que ele tem reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, deve considerar-se como lesivo para efeitos do preceituado no n.º 4 do art. 268.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT.
III – A possibilidade de impugnação judicial autónoma desse acto só faz sentido quando ainda não tenha sido praticado o acto de liquidação, pois, se este já foi efectuado, aqueloutro foi consumido por ele e o direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º da CRP) fica plenamente assegurado pela possibilidade de impugnar a liquidação.
Nº Convencional:JSTA00068254
Nº do Documento:SA2201305150449
Data de Entrada:04/27/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL -
DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART34 ART20 ART9 N2 ART95 N2
CPPTRIB99 ART132 N4 ART133
CIRS01 ART98 N1 ART101 N1 A ART97 N3 ART78 N2 ART140 N2
CIRC01 ART98 N1
CONST76 ART20 ART268 N4
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG421-22
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 654/10.0BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A………………… (a seguir Impugnante ou Recorrente), na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, apresentou impugnação judicial contra «a liquidação de IRS (retenção na fonte) da quantia de € 7.878.94, do ano de 2007, que lhe foi efectuada pela B………………., S.A.» com referência aos juros de mora que lhe foram pagos relativamente a uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual (Sobre a interpretação da petição inicial, designadamente no que respeita à identificação do acto impugnado, pronunciar-nos-emos adiante.).
Sustentando, em síntese, que os referidos juros não estão sujeitos a tributação, concluiu a petição inicial com a formulação do pedido nos seguintes termos: «devendo a liquidação de IRS do ano de 2007 (retenção na fonte) ser anulada, e devolvida ao impugnante a quantia de 7.878.94 €, como é de inteira justiça».

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando inimpugnável o acto de retenção na fonte de IRS, absolveu a Fazenda Pública da instância.
Para tanto, em síntese, considerou que o acto de retenção tem carácter provisório, sendo apenas impugnável o posterior acto de liquidação que fixou de forma unilateral e definitiva o objecto da relação jurídica tributária e que tinha já sido praticado quando o Impugnante reclamou graciosamente contra aquele acto.

1.3 O Impugnante recorreu da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 O Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. O presente recurso é deduzido contra a decisão proferida no processo supra referenciado, onde o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo declarou inimpugnável o acto de retenção na fonte

B. Consequentemente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo absolveu a Fazenda Pública do pedido deduzido pelo Recorrente.

C. Na PI, o Recorrente invocou a errónea qualificação e quantificação do rendimento sujeito a imposto (cfr. art. 12.º n.º 1 do CIRS) e inconstitucionalidade do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRS (hoje artigo 5.º), por violação do disposto no artigo 103.º do CRP.

D. A Fazenda Pública requereu a improcedência do pedido do Recorrente.

E. No seu parecer, o Magistrado do Ministério Público considerou que não [era] devido imposto sobre os juros por indemnização por acidente de viação.

F. Sucede que, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo levantou a questão da eventualidade [sic] inimpugnabilidade do acto de retenção na fonte.

G. O Recorrente respondeu ao douto despacho alegando que estávamos perante uma retenção na fonte equivalente ao pagamento por conta.

H. Pelo que deveria ser aplicado mecanismo processual previsto no artigo 133.º do CPPT.

I. Na douta sentença, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo declarou que o acto de retenção na fonte era inimpugnável, nos termos do artigo 132.º do CPPT e artigo 140.º n.º 2 do CIRS.

J. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, o Recorrente não aceita a interpretação jurídica do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo. Senão vejamos,

K. No acto de retenção na fonte devemos distinguir: o acto de retenção a título definitivo e o acto de retenção a título de pagamento por conta do imposto devido a final.

L. No caso concreto, estamos perante um acto de retenção a título de pagamento por conta do imposto devido a final.

M. Ou seja, o acto de retenção equivale ao pagamento por conta.

N. Ora, a Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a entender a possibilidade de o substituído, aqui Recorrente, poder impugnar os actos de retenção na fonte, isto porque o acto tem reflexos imediatos na sua esfera jurídica.

O. Pelo que o acto de retenção pode ser considerado como lesivo, nos termos do n.º 4 do art. 268.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT.

P. Assim sendo, os casos desta natureza estão abrangidos pelo art. 133.º do CPPT, que se refere à impugnação por pagamentos por conta do imposto devido a final.

Q. O Conselheiro Jorge Lopes de Sousa defende que só assim se justifica a parte final do n.º 4 do art. 132.º do CPPT (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume II, 6.ª Edição 2011, Anotado e Comentado, Áreas Editora, pág. 421 e 422).

R. Acresce que, também a Jurisprudência defende que o substituído tem a possibilidade de poder reagir contra as ilegalidades nos actos de retenção na fonte, por via da reclamação graciosa e da impugnação judicial (cfr. Acórdão de 28-02-2012 do TCA Sul, proc. n.º 02786/08 e Acórdão de 02-06-2012 do TCA Sul, proc. n.º 03032/09).

S. Nesta conformidade, o Recorrente pode impugnar o acto de retenção na fonte, nos termos do art. 133.º do CPPT, porque estamos perante um acto de retenção a título de pagamento por conta do imposto devido a final.

T. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo tendo decidido aplicar ao caso concreto o n.º 4 do art. 132.º do CPPT, cometendo assim uma errada interpretação da lei.

U. Como se referiu, o n.º 4 do art. 132.º do CPPT só se aplica às retenções a título definitivo.

Nestes termos e nos demais em Direito permitido, deverão V. Ex.as proferir douto Acórdão, julgando o presente recurso procedente, por provado, anulando-se a douta sentença recorrida e consequentemente, ordenando o reenvio dos autos à primeira instância a fim de ser julgado o mérito da causa».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e devolvidos os autos à 1.ª instância para aí, após ampliação da matéria de facto, se conhecer do mérito da impugnação judicial, se a tal nada mais obstar. Isto, com a seguinte fundamentação (Por razões de ordem prática, as notas de rodapé do original serão transcritas no próprio texto entre parêntesis rectos.):

«Ao contrário da tese sustentada pela sentença recorrido entendemos que o acto de retenção é autonomamente impugnável.
Como o ensina o ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na anotação 9 ao artigo 132.º do CPPT 1 [1 Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, págs. 421/422] “Não se prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte, nos casos em que ela é efectuada por conta do imposto devido a final.
Porém, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de o substituído impugnar estes actos de retenção, uma vez que eles têm reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, devem considerar-se como lesivos para efeitos do preceituado no n.º 4 do art. 264.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT.
Na verdade, como é evidente, embora os pagamentos a mais efectuados através da retenção na fonte venham a ser tidos em conta na liquidação final, a não disponibilidade das quantias indevidamente retidas a mais constitui um prejuízo autónomo para o devedor do tributo.
Aliás, esse carácter potencialmente lesivo dos actos de pagamento por conta é mesmo expressamente reconhecido na alínea a) do n.º 2 do art. 95.º da LGT.
Por isso, estas situações deverão considerar-se abrangidas no art. 133.º do CPPT, que se refere à impugnação nos casos de pagamento por conta, sendo essa previsão especial que justifica a ressalva efectuada na parte final do n.º 4 deste art. 132.º”.
Portanto, no caso em análise, ainda que a sindicada retenção tivesse sido tida em conta aquando da posterior liquidação não deixa a mesma de constituir um prejuízo autónomo para o recorrente e, como tal, ser impugnável autonomamente.
Aliás, note-se que a retenção foi feita no ano de 2007 e a liquidação final onde o montante retido foi tido em conta foi efectuada em 2009, portanto, decorridos dois anos.
A sentença recorrida deve, assim ser, revogada.
Importa, agora, saber se este STA deve, em substituição do tribunal recorrido, conhecer das questões de fundo e que ficaram prejudicadas pela decisão recorrida (artigos 726.º e 715.º/2 do CPC).
Segundo nos parece é jurisprudência reiterada do STA 2 [2 Entre outros acórdão de 9 de Maio de 2012, proferido no recurso n.º 0245/12, disponível no sítio da Interne www.dgsi.pt] que os juros de mora não são tributáveis em IRS quando forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta, mas já o serão se o valor da indemnização foi corrigido monetariamente.
Ora, da matéria de facto apurada pela instância não consta factualidade donde se possa inferir se o valor da indemnização foi corrigido monetariamente e, como é sabido o STA não conhece de facto (artigo 729.º/2 do CPC).
Assim sendo, devem os autos baixar à 1.ª instância para conhecer do fundo da causa após necessária ampliação da matéria de facto».

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando absolveu a Fazenda Pública da instância, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar da possibilidade de o substituído impugnar autonomamente o acto de retenção na fonte quando esta é efectuada por conta do imposto devido a final.
Se a essa questão for dada resposta positiva, cumprirá ainda averiguar da possibilidade de conhecer do mérito da impugnação judicial em substituição.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«A- Com pertinência para a boa apreciação e decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

1- Por decisão judicial proferida pela Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Braga, datada de 27.06.2006, foi a B………………., S.A., condenada a pagar ao Impugnante indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, acrescida dos respectivos juros contados da citação – cfr. doc. 5 junto com a p.i. cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido.

2- Em cumprimento da sentença, a B…………….., S.A., procedeu, relativamente ao ano de 2007, ao pagamento de juros, no montante de € 52.526,00, procedendo à retenção do montante de € 7.878,94, por considerar tais rendimentos enquadráveis na categoria E do IRS (rendimentos de capitais) – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.

3- Em 14.10.2009, deu entrada no Serviço de Finanças de Braga-2, Reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, nos termos do art. 132.º do C.P.P.T., contra a retenção na fonte que foi efectuada pela Companhia de Seguros, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 03 e 04 do P.A., que se têm por integralmente reproduzidas.

4- Por decisão de 05.02.2010, a Reclamação foi indeferida – fls. 63 do P.A.

5- Notificada desta decisão, em 11.03.2010, veio o Impugnante apresentar a presente Impugnação Judicial, em 26.03.2010 – cfr. fls. 69 e 70 do P.A. e fls. 02 e 03 dos autos.

6- Em 28.09.2009, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2009 5004893070, relativa ao ano de 2007, da qual resultou um valor a pagar de € 7.878,20, a qual teve por base a consideração de um rendimento global (categoria E) de € 52.526,00, resultando o valor a pagar da diferença entre a colecta líquida apurada (€ 15.345,62) e a retenção na fonte efectuada (€ 7.879,00) – cfr. fls. 101 a 103 e 106 dos autos.

7- Contra esta liquidação adicional de IRS apresentou o Impugnante, em 15.12.2009, Reclamação graciosa, com o teor de fls. 108 a 114 dos autos, que se dão por reproduzidas.

B- Factos não provados: inexistem outros factos, com relevo para a apreciação e decisão da causa, que houvessem de ser dados como provados.

C- Motivação da Matéria de Facto

A matéria de facto de facto dada como provada resulta dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados pelas partes».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO E AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A AT, verificando que uma companhia de seguros, por força de uma decisão judicial, pagou ao ora Recorrente, em 2007, uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação e respectivos juros, liquidou oficiosamente IRS, relativamente àquele ano, sobre os juros, que considerou constituírem rendimentos enquadráveis na categoria E do IRS (rendimentos de capitais).
Assim, sendo aqueles juros do montante de € 52.526,00, e tendo a seguradora procedido à retenção do montante de € 7.878,94, na liquidação, efectuada em 28 de Setembro de 2009, a AT apurou um montante a pagar de € 7.878,20 (€ 7.466,62 de imposto acrescido de € 411,58 de juros compensatórios), resultante da diferença entre a colecta líquida apurada (€ 15.345,62) e a retenção na fonte efectuada.
O ora Recorrente reclamou graciosamente, em 14 de Outubro de 2009, contra a retenção na fonte que lhe foi efectuada pela seguradora e, em 15 de Dezembro de 2009, contra a liquidação do imposto.
A primeira daquelas reclamações foi decidida por decisão de 5 de Fevereiro de 2010, notificada ao ora Recorrente em 11 de Março de 2010.
Em 26 de Março de 2010, o mesmo fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos.
Nessa petição inicial disse vir «deduzir impugnação judicial contra a liquidação de IRS (retenção na fonte) da quantia de € 7.878.94, do ano de 2007, que lhe foi efectuada pela B……………….., S.A.» e, a final, formulou o pedido nos seguintes termos: «devendo a liquidação de IRS do ano de 2007 (retenção na fonte) ser anulada, e devolvida ao impugnante a quantia de 7.878.94 €, como é de inteira justiça».
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, considerando que o acto impugnado é a retenção na fonte e que esta se refere a montantes referentes ao pagamento de juros, que originaram a liquidação de imposto em que a retenção foi tida em conta, considerou que apenas este acto de liquidação é impugnável, e já não o acto de retenção, que assume aqui um carácter provisório e foi consumido pela liquidação.
Consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância.
O Impugnante, interpôs recurso dessa decisão, sustentando que o acto é impugnável, pois estamos perante uma retenção na fonte equivalente a pagamento por conta do imposto devido a final, situação em que quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a entender que é possível o substituído impugnar os actos de retenção na fonte, que têm reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, devem ser tidos como lesivos e ficar sujeitos ao regime do art. 133.º do CPPT, que se refere à impugnação por pagamentos por conta do imposto devido a final.
Assim, a primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o acto impugnado é, ou não, impugnável, o que passa, desde logo, por indagar qual o acto tributário impugnado.
A nosso ver, pese embora o modo, salvo o devido respeito, algo equívoco como o Impugnante identificou o acto impugnado, a petição inicial não permite outra interpretação senão a de que o acto impugnado é o acto de retenção de imposto que lhe foi efectuado pela seguradora.
Em todo o caso, permitimo-nos afirmar que, discordando o Impugnante que sobre os juros que lhe foram pagos pela seguradora com a indemnização incida IRS, melhor teria andado, do ponto de vista dos seus interesses, em reagir judicialmente contra a liquidação do imposto, que tinha já sido efectuada na data em que foi apresentada a petição inicial (Na verdade, sem prejuízo do que diremos adiante, a procedência da presente impugnação judicial nunca levaria senão à anulação da retenção, sendo que se manteria incólume a liquidação de IRS efectuada pela AT.).
Seja como for, a verdade é que na presente impugnação judicial apenas vem discutir a retenção que lhe foi efectuada pela seguradora com o fundamento de que sobre os juros não incide IRS.
A questão que cumpre apreciar e decidir nos presentes autos é, pois, a de saber se esse acto de retenção é ou não impugnável.

2.2.2 DA INIMPUGNABILIDADE DO ACTO

A seguradora, ao efectuar o pagamento ao ora Recorrente da quantia de € 52.526,00, dos juros respeitantes à indemnização que lhe foi condenada a pagar por decisão judicial, procedeu à retenção da quantia de € 7.878,94, a título de IRS. Fê-lo ao abrigo do disposto no art. 34.º da LGT e dos arts. 98.º, n.º 1, e 101.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (CIRS), na redacção em vigor à data, que era a da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
Através do mecanismo da retenção na fonte verifica-se a substituição tributária, quando, por força da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte (Nos termos do art. 20.º da LGT, «A substituição tributária verifica-se quando a prestação tributária, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte» (n.º 1) e «A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido» (n.º 2).). «A retenção na fonte é o fenómeno que se verifica quando a lei, aproveitando a circunstância da existência de pagamento de um para outro sujeito e cuja constituição está conexionada com a existência dos factos tributários, atribui a obrigação de reter uma certa quantia a título de imposto e de a entregar nos cofres do Estado a uma pessoa diferente (o substituto) daquela em relação à qual se verificam esses factos tributários (o substituído)» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Encontra da Escrita Editora, 4.ª edição, anotação 7 ao art. 95.º, pág. 826.).
A LGT definiu-a no seu art. 34.º nos seguintes termos:

«As entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário constituem retenções na fonte».

Podendo ser feita com carácter definitivo ou como pagamento por conta do imposto devido a final, «[e]m regra, a retenção na fonte é efectuada por conta do imposto devido a final», sendo que «[n]o caso do IRS, a natureza de pagamentos por conta da retenção na fonte está genericamente prevista no n.º 1 do art. 98.º do CIRC, apenas não tendo tal natureza os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias especiais, previstos no art. 71.º do mesmo código, e mesmos estes passarão a ter tal natureza se o contribuinte optar pelo seu englobamento no rendimento total (n.º 7 deste art. 71.º)» (Idem, anotação 2 ao art. 34.º, pág. 278.).
Na situação sub judice, como aceitam todos os intervenientes processuais, a retenção foi efectuada como pagamento por conta do imposto devido a final.
A questão que se nos coloca é a de saber se o ora Recorrente, como sustenta, podia impugnar judicialmente essa retenção de IRS que lhe foi feita pela seguradora ou, pelo contrário e como sustenta o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (que admite, em tese geral, essa impugnação), essa retenção só poderia ser atacada na impugnação judicial do acto de liquidação do imposto.
Diz o art. 132.º do CPPT:

«1 - A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

5 - Caso a reclamação graciosa seja expressa ou tacitamente indeferida, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a entrega indevida nos mesmos termos que do acto da liquidação.

6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior»

Por seu turno, o art. 140.º do CIRS estipula no seu n.º 2:

«Pode igualmente ser objecto de reclamação ou de impugnação, por parte do titular dos rendimentos ou do seu representante, a retenção de importâncias total ou parcialmente indevidas, sempre que se verifique a impossibilidade de ser efectuada a correcção a que se refere o n.º 4 do artigo 98.º ou de o respectivo montante ser levado em conta na liquidação final do imposto».

Como bem realçou sentença recorrida, da articulação dos dois preceitos legais, parece resultar que a possibilidade da reclamação e impugnação pelo substituído, prevista para quando a retenção seja feita a título definitivo (cfr. art. 132.º, n.º 4, do CPPT), já não está prevista para os casos em que a retenção é efectuada por conta do imposto devido a final.
No entanto, como também salientou o Juiz do Tribunal a quo, apesar de esta possibilidade de impugnação pelo substituído da retenção na fonte quando esta é efectuada por conta do imposto devido a final não estar prevista, tal impugnação terá de se admitir, sob pena de violação do princípio da tutela judicial efectiva [cfr. art. 20.º da Constituição da República (CRP)]. Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de o substituído impugnar estes actos de retenção, uma vez que eles têm reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, devem considerar-se como lesivos para efeitos do preceituado no n.º 4 do art. 264.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT.
Na verdade, como é evidente, embora os pagamentos a mais efectuados através da retenção na fonte venham a ser tidos em conta na liquidação final, a não disponibilidade das quantias indevidamente retidas a mais constitui um prejuízo autónomo para o devedor do tributo.
Aliás, esse carácter potencialmente lesivo dos actos de pagamento por conta é mesmo expressamente reconhecido na alínea a) do n.º 2 do art. 95.º da LGT.
Por isso, estas situações deverão considerar-se abrangidas no art. 133.º do CPPT, que se refere à impugnação nos casos de pagamento por conta, sendo essa previsão especial que justifica a ressalva efectuada na parte final do n.º 4 deste art. 132.º» ( Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 ao art. 132.º, págs. 421/422.).

O Juiz do Tribunal a quo admitiu esta doutrina, com base na qual o Recorrente e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo sustentam o provimento do recurso. No entanto, considerou que a situação sub judice se reveste de particulares contornos que conduzem à conclusão de que o acto de retenção é inimpugnável.
E, a nosso ver, fez a melhor interpretação da lei.
É certo que, como bem adverte JORGE LOPES DE SOUSA, pese embora a lei não prever a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte nos casos em que ela é efectuada por conta do imposto devido a final, se impõe admitir essa possibilidade, mesmo que os pagamentos a mais venham a ser tidos em conta na liquidação final, pois a não disponibilidade das quantias retidas a mais constitui um prejuízo autónomo para o devedor do tributo.
No entanto, essa possibilidade apenas se justifica que seja exercida através de impugnação autónoma, i.e., sem ser na impugnação do acto de liquidação (onde se procederá ao acerto final, nos termos do art. 97.º, n.º 3, do CIRS, deduzindo-se à colecta as importâncias retidas, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 78.º do mesmo Código), enquanto este acto não estiver efectuado. Só nessa situação se pode, com propriedade, afirmar que se impõe permitir ao substituído a impugnação do acto de retenção que é feita por conta do imposto devido a final, porque, sendo tal acto em si mesmo lesivo (por privar o devedor do imposto de um montante superior ao devido), não se justificaria obrigá-lo a aguardar pela liquidação para reagir contra ele.
Mas, tão logo a liquidação do imposto esteja efectuada, não faz sentido permitir a impugnação judicial autónoma do acto de retenção na fonte efectuada por conta do imposto devido a final, acto que, na expressão da sentença, acaba por ser consumido pelo acto de liquidação, ficando a tutela judicial efectiva plenamente assegurada através da impugnação deste último.
Ademais, a admissibilidade da impugnação autónoma do acto de retenção nesses casos poderia levar a uma duplicação de meios impugnatórios indesejável, porque susceptível de resultados contraditórios (caso as impugnações do acto de retenção e do acto de liquidação viessem a ser decididas em sentido diferente (Hipótese que não é de descartar liminarmente, tanto mais que os processos respeitantes às impugnações judiciais poderiam ficar a cargo de diferentes juízes.)) ou, pelo menos, inútil (caso essas impugnações fossem decididas no mesmo sentido) (Com o inerente prejuízo para a segurança jurídica, para além do desprestígio para os tribunais, no primeiro caso, e desperdício de recursos materiais, no segundo.), o que poderá explicar por que o legislador, sensatamente, não previu a possibilidade de impugnação judicial por parte do substituído nos casos em que a retenção é feita por conta do imposto devido a final.
Assim, entendemos que a decisão não é merecedora de censura, pois fez a melhor interpretação das normas em causa, motivo por que deve manter-se na ordem jurídica.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O art. 132.º do CPPT, que prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte quando ela é feita a título definitivo (n.º 4), não prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte, nos casos em que ela é efectuada por conta do imposto devido a final.
II - Porém, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de o substituído impugnar este acto, uma vez que ele tem reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, deve considerar-se como lesivo para efeitos do preceituado no n.º 4 do art. 268.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT.
III - A possibilidade de impugnação judicial autónoma desse acto só faz sentido quando ainda não tenha sido praticado o acto de liquidação, pois, se este já foi efectuado, aqueloutro foi consumido por ele e o direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º da CRP) fica plenamente assegurado pela possibilidade de impugnar a liquidação.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 15 de Maio de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.