Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0449/12 |
Data do Acordão: | 05/15/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL RETENÇÃO NA FONTE IMPUGNABILIDADE |
Sumário: | I – O art. 132.º do CPPT, que prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte quando ela é feita a título definitivo (n.º 4), não prevê a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte, nos casos em que ela é efectuada por conta do imposto devido a final. II – Porém, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de o substituído impugnar este acto, uma vez que ele tem reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, deve considerar-se como lesivo para efeitos do preceituado no n.º 4 do art. 268.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT. III – A possibilidade de impugnação judicial autónoma desse acto só faz sentido quando ainda não tenha sido praticado o acto de liquidação, pois, se este já foi efectuado, aqueloutro foi consumido por ele e o direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º da CRP) fica plenamente assegurado pela possibilidade de impugnar a liquidação. |
Nº Convencional: | JSTA00068254 |
Nº do Documento: | SA2201305150449 |
Data de Entrada: | 04/27/2012 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF BRAGA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL - DIR FISC - IRS |
Legislação Nacional: | LGT98 ART34 ART20 ART9 N2 ART95 N2 CPPTRIB99 ART132 N4 ART133 CIRS01 ART98 N1 ART101 N1 A ART97 N3 ART78 N2 ART140 N2 CIRC01 ART98 N1 CONST76 ART20 ART268 N4 |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG421-22 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 654/10.0BEBRG
1. RELATÓRIO 1.1 A………………… (a seguir Impugnante ou Recorrente), na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, apresentou impugnação judicial contra «a liquidação de IRS (retenção na fonte) da quantia de € 7.878.94, do ano de 2007, que lhe foi efectuada pela B………………., S.A.» com referência aos juros de mora que lhe foram pagos relativamente a uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual (Sobre a interpretação da petição inicial, designadamente no que respeita à identificação do acto impugnado, pronunciar-nos-emos adiante.). 1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando inimpugnável o acto de retenção na fonte de IRS, absolveu a Fazenda Pública da instância. 1.3 O Impugnante recorreu da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 1.4 O Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: B. Consequentemente, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo absolveu a Fazenda Pública do pedido deduzido pelo Recorrente. C. Na PI, o Recorrente invocou a errónea qualificação e quantificação do rendimento sujeito a imposto (cfr. art. 12.º n.º 1 do CIRS) e inconstitucionalidade do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRS (hoje artigo 5.º), por violação do disposto no artigo 103.º do CRP. D. A Fazenda Pública requereu a improcedência do pedido do Recorrente. E. No seu parecer, o Magistrado do Ministério Público considerou que não [era] devido imposto sobre os juros por indemnização por acidente de viação. F. Sucede que, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo levantou a questão da eventualidade [sic] inimpugnabilidade do acto de retenção na fonte. G. O Recorrente respondeu ao douto despacho alegando que estávamos perante uma retenção na fonte equivalente ao pagamento por conta. H. Pelo que deveria ser aplicado mecanismo processual previsto no artigo 133.º do CPPT. I. Na douta sentença, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo declarou que o acto de retenção na fonte era inimpugnável, nos termos do artigo 132.º do CPPT e artigo 140.º n.º 2 do CIRS. J. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, o Recorrente não aceita a interpretação jurídica do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo. Senão vejamos, K. No acto de retenção na fonte devemos distinguir: o acto de retenção a título definitivo e o acto de retenção a título de pagamento por conta do imposto devido a final. L. No caso concreto, estamos perante um acto de retenção a título de pagamento por conta do imposto devido a final. M. Ou seja, o acto de retenção equivale ao pagamento por conta. N. Ora, a Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a entender a possibilidade de o substituído, aqui Recorrente, poder impugnar os actos de retenção na fonte, isto porque o acto tem reflexos imediatos na sua esfera jurídica. O. Pelo que o acto de retenção pode ser considerado como lesivo, nos termos do n.º 4 do art. 268.º da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT. P. Assim sendo, os casos desta natureza estão abrangidos pelo art. 133.º do CPPT, que se refere à impugnação por pagamentos por conta do imposto devido a final. Q. O Conselheiro Jorge Lopes de Sousa defende que só assim se justifica a parte final do n.º 4 do art. 132.º do CPPT (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume II, 6.ª Edição 2011, Anotado e Comentado, Áreas Editora, pág. 421 e 422). R. Acresce que, também a Jurisprudência defende que o substituído tem a possibilidade de poder reagir contra as ilegalidades nos actos de retenção na fonte, por via da reclamação graciosa e da impugnação judicial (cfr. Acórdão de 28-02-2012 do TCA Sul, proc. n.º 02786/08 e Acórdão de 02-06-2012 do TCA Sul, proc. n.º 03032/09). S. Nesta conformidade, o Recorrente pode impugnar o acto de retenção na fonte, nos termos do art. 133.º do CPPT, porque estamos perante um acto de retenção a título de pagamento por conta do imposto devido a final. T. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo tendo decidido aplicar ao caso concreto o n.º 4 do art. 132.º do CPPT, cometendo assim uma errada interpretação da lei. U. Como se referiu, o n.º 4 do art. 132.º do CPPT só se aplica às retenções a título definitivo. Nestes termos e nos demais em Direito permitido, deverão V. Ex.as proferir douto Acórdão, julgando o presente recurso procedente, por provado, anulando-se a douta sentença recorrida e consequentemente, ordenando o reenvio dos autos à primeira instância a fim de ser julgado o mérito da causa». 1.5 A Fazenda Pública não contra alegou. 1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e devolvidos os autos à 1.ª instância para aí, após ampliação da matéria de facto, se conhecer do mérito da impugnação judicial, se a tal nada mais obstar. Isto, com a seguinte fundamentação (Por razões de ordem prática, as notas de rodapé do original serão transcritas no próprio texto entre parêntesis rectos.): «Ao contrário da tese sustentada pela sentença recorrido entendemos que o acto de retenção é autonomamente impugnável. 1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando absolveu a Fazenda Pública da instância, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar da possibilidade de o substituído impugnar autonomamente o acto de retenção na fonte quando esta é efectuada por conta do imposto devido a final. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: «A- Com pertinência para a boa apreciação e decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos: 1- Por decisão judicial proferida pela Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Braga, datada de 27.06.2006, foi a B………………., S.A., condenada a pagar ao Impugnante indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, acrescida dos respectivos juros contados da citação – cfr. doc. 5 junto com a p.i. cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido. 2- Em cumprimento da sentença, a B…………….., S.A., procedeu, relativamente ao ano de 2007, ao pagamento de juros, no montante de € 52.526,00, procedendo à retenção do montante de € 7.878,94, por considerar tais rendimentos enquadráveis na categoria E do IRS (rendimentos de capitais) – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial. 3- Em 14.10.2009, deu entrada no Serviço de Finanças de Braga-2, Reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, nos termos do art. 132.º do C.P.P.T., contra a retenção na fonte que foi efectuada pela Companhia de Seguros, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 03 e 04 do P.A., que se têm por integralmente reproduzidas. 4- Por decisão de 05.02.2010, a Reclamação foi indeferida – fls. 63 do P.A. 5- Notificada desta decisão, em 11.03.2010, veio o Impugnante apresentar a presente Impugnação Judicial, em 26.03.2010 – cfr. fls. 69 e 70 do P.A. e fls. 02 e 03 dos autos. 6- Em 28.09.2009, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2009 5004893070, relativa ao ano de 2007, da qual resultou um valor a pagar de € 7.878,20, a qual teve por base a consideração de um rendimento global (categoria E) de € 52.526,00, resultando o valor a pagar da diferença entre a colecta líquida apurada (€ 15.345,62) e a retenção na fonte efectuada (€ 7.879,00) – cfr. fls. 101 a 103 e 106 dos autos. 7- Contra esta liquidação adicional de IRS apresentou o Impugnante, em 15.12.2009, Reclamação graciosa, com o teor de fls. 108 a 114 dos autos, que se dão por reproduzidas. B- Factos não provados: inexistem outros factos, com relevo para a apreciação e decisão da causa, que houvessem de ser dados como provados. C- Motivação da Matéria de Facto A matéria de facto de facto dada como provada resulta dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados pelas partes». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A INTERPRETAÇÃO DO PEDIDO E AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A AT, verificando que uma companhia de seguros, por força de uma decisão judicial, pagou ao ora Recorrente, em 2007, uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação e respectivos juros, liquidou oficiosamente IRS, relativamente àquele ano, sobre os juros, que considerou constituírem rendimentos enquadráveis na categoria E do IRS (rendimentos de capitais). 2.2.2 DA INIMPUGNABILIDADE DO ACTO A seguradora, ao efectuar o pagamento ao ora Recorrente da quantia de € 52.526,00, dos juros respeitantes à indemnização que lhe foi condenada a pagar por decisão judicial, procedeu à retenção da quantia de € 7.878,94, a título de IRS. Fê-lo ao abrigo do disposto no art. 34.º da LGT e dos arts. 98.º, n.º 1, e 101.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (CIRS), na redacção em vigor à data, que era a da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro. «As entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário constituem retenções na fonte». Podendo ser feita com carácter definitivo ou como pagamento por conta do imposto devido a final, «[e]m regra, a retenção na fonte é efectuada por conta do imposto devido a final», sendo que «[n]o caso do IRS, a natureza de pagamentos por conta da retenção na fonte está genericamente prevista no n.º 1 do art. 98.º do CIRC, apenas não tendo tal natureza os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias especiais, previstos no art. 71.º do mesmo código, e mesmos estes passarão a ter tal natureza se o contribuinte optar pelo seu englobamento no rendimento total (n.º 7 deste art. 71.º)» (Idem, anotação 2 ao art. 34.º, pág. 278.). «1 - A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido. 2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido. 3 - Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido. 4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final. 5 - Caso a reclamação graciosa seja expressa ou tacitamente indeferida, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a entrega indevida nos mesmos termos que do acto da liquidação. 6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior» Por seu turno, o art. 140.º do CIRS estipula no seu n.º 2: «Pode igualmente ser objecto de reclamação ou de impugnação, por parte do titular dos rendimentos ou do seu representante, a retenção de importâncias total ou parcialmente indevidas, sempre que se verifique a impossibilidade de ser efectuada a correcção a que se refere o n.º 4 do artigo 98.º ou de o respectivo montante ser levado em conta na liquidação final do imposto». Como bem realçou sentença recorrida, da articulação dos dois preceitos legais, parece resultar que a possibilidade da reclamação e impugnação pelo substituído, prevista para quando a retenção seja feita a título definitivo (cfr. art. 132.º, n.º 4, do CPPT), já não está prevista para os casos em que a retenção é efectuada por conta do imposto devido a final. O Juiz do Tribunal a quo admitiu esta doutrina, com base na qual o Recorrente e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo sustentam o provimento do recurso. No entanto, considerou que a situação sub judice se reveste de particulares contornos que conduzem à conclusão de que o acto de retenção é inimpugnável. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento e confirmar a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. * |