Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0946/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:PERDA DE MANDATO
INELEGIBILIDADE
EFEITOS
MEMBRO DE ASSEMBLEIA DE FREGUESIA
SECRETÁRIO JUDICIAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22545
Nº do Documento:SA1201711160946
Data de Entrada:10/13/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no TAF de Viseu, contra A…………, a presente Acção Administrativa de Perda de Mandato, alegando para o efeito:

«1º Na sequência das eleições autárquicas para o quadriénio de 2013 a 2017, o demandado foi eleito membro da Assembleia de Freguesia de ……, concelho de São Pedro do Sul, cargo que vem desempenhando (doc nº1).

2º Aquando dessa eleição, o demandado desempenhava as funções de Escrivão de Direito no Tribunal Judicial da comarca de …….

3º Sucede que, posteriormente às aludidas eleições autárquicas e, subsequente à sua tomada de posse, foi pela LOSJ, Lei nº de 26 de Agosto, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2014, estabelecido as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário, tendo a comarca de …… sido configurada numa nova organização de um único tribunal, com um único mapa de pessoal dos oficiais de justiça integrados numa única secretaria.

4º Assim de acordo com o novo mapa de organização do sistema judiciário, a área de competência territorial da comarca de ……, passou a integrar, entre outros, o município de São Pedro do Sul.

5º Desde o dia 1 de Março de 2016 o demandado passou a exercer as funções de Secretário de Justiça em regime de substituição, no Tribunal Judicial da Comarca de …… - Núcleo de …….

6º Nos termos do artigo 7º, nº 1, alínea b) da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto “Não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição: os secretários de justiça”.

7º Nesta situação está o demandado colocado numa situação de inelegibilidade especial prevista no artigo 7º, nº 1, alínea b) da Lei orgânica nº1/2001 de 14/8, conforme parecer até da Comissão Nacional de Eleições (doc nº 2).

8º Em tais circunstâncias, o demandado incorreu em perda de mandato, nos termos do artigo 8º nº 1 alínea b) da Lei nº 27/96 de 1/8.»


*

No TAF de Viseu foi concedido provimento à acção por se entender que o demandado/ora recorrente se encontra numa situação de inelegibilidade superveniente resultante da alteração dada ao novo mapa judiciário, de acordo com o qual passou a desempenhar funções de Secretário de Justiça, ainda que, em regime de substituição, na área da circunscrição eleitoral para o qual foi eleito, e desta forma, decidiu-se que o demandado incorria na sanção de perda de mandato enquanto eleito da Assembleia de Freguesia do ……, para a qual havia sido eleito no quadriénio de 2013/2017 [artºs 8º, nº 1, al. b), e 11º, nº 1 da Lei nº 27/96 de 01/08]

*

Desta decisão foi interposto, pelo demandado, recurso jurisdicional para o TCA Norte, o qual veio a manter a decisão, quanto à perda de mandato, mas estabelecendo como a data do início da produção de efeitos, o dia 01.09.2014, por ser a data em que entrou em vigor o novo mapa judiciário – artº 118º do DL nº 49/2014.

*

E é desta decisão, que vem interposta a presente revista, tendo o recorrente A………… apresentado as seguintes conclusões:

«1.ª A sentença que decreta a perda do mandato de um eleito da assembleia de freguesia por, na duração do mandato, passar a exercer as funções de secretário da justiça, apenas produz efeitos para o futuro, a partir do trânsito em julgado, sob pena de ofensa às situações jurídicas constituídas durante o exercício do mandato, como seja, as deliberações tomadas por aquele órgão com o voto do membro inelegível.

2.ª Não impondo a lei atribuir efeitos retroativos àquela sentença, não pode o tribunal, com base no princípio da plena jurisdição, fazê-lo.

3.ª O tribunal recorrido ao atribuir efeitos retroactivos à sentença que decretou a perda do mandato fez uma interpretação das normas dos artigos 7º nº 1 alínea b) da Lei Orgânica 1/2001 e artigo 8º nº 1 alínea b) da Lei 27/96 em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, sendo estas inconstitucionais por violação dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade consagrados no artigo 18.º daquela norma normarum.

4.ª Como são inconstitucionais, na interpretação dada pelo tribunal recorrido, quando atribui efeitos retroactivos à perda do mandato a partir da entrada em vigor no novo mapa judiciário, numa altura em que o eleito local ainda não se encontrava na situação de inelegibilidade prevista na norma».


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O Ministério Público, por seu turno, apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:

«A. O recurso deve ser admitido uma vez que a determinação do momento de produção de efeitos da decisão de perda de mandato é juridicamente relevante e resulta da posição adoptada pelo Tribunal a quo, que entendeu pronunciar-se especificamente sobre esse ponto.

B. O acórdão recorrido, na parte em que decide pela perda de mandato, não merece qualquer censura e deve ser mantido na ordem jurídica.

C. Como vem abundantemente fundamentado na decisão, a verificação de uma situação de inelegibilidade, ainda que por facto superveniente, mesmo que não imputável ao eleito, e mesmo no caso de se tratar de situação (ainda) não definitiva, leva, nos termos da lei, inexoravelmente à perda de mandato.

D. O acórdão recorrido, na parte em que decide pelo início da produção de efeitos da declaração de perda de mandato em 1 de Setembro de 2014, deve ser alterado.

E. Na verdade, os efeitos da declaração de perda de mandato resultam da lei, em particular do artigo 12º da Lei da Tutela Administrativa, produzindo-se a partir do trânsito em julgado da decisão».


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 21 de Setembro de 2017, nele se tendo consignado:

«(…)

3. O Demandado, ora Recorrente, discorda dessa decisão e, por isso, requer a admissão desta revista para se reapreciem as seguintes questões:

“Início dos efeitos da declaração da perda de mandato de um membro de uma assembleia de freguesia: efeitos a partir do trânsito em julgado ou, efeitos a partir da ocorrência do facto gerador de inelegibilidade;

Exercício temporário, regime de substituição, do cargo de secretário de justiça e a perda de mandato, definitiva.”

4. Como resulta do antecedente relato as instâncias concordaram que a circunstância do Requerido ter sido nomeado para Secretário de Justiça do Tribunal Judicial da comarca de …… determinava a perda do mandato para que fora eleito na freguesia de ……, do concelho de S. Pedro do Sul, mas discordaram na identificação da data em que essa perda se concretizava, visto o TAF ter entendido que a mesma produzia efeitos desde o início do mandato, enquanto o TCA fixou essa data no dia em que o novo mapa judiciário entrou em vigor, isto é, em 01.09.2014. Sendo certo que o Requerido só passou a exercer o cargo de Secretário de Justiça, em regime de substituição, em 1 de Março de 2016.

(…)


*

Sem vistos, cumpre decidir.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

«1) Na sequência das eleições autárquicas para o quadriénio de 2013/2017, o demandado foi eleito membro da Assembleia de Freguesia de ……, Concelho de São Pedro do Sul – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.

2) Aquando dessa eleição o demandado desempenhava as funções de Escrivão de Direito no Tribunal Judicial da comarca de …….

3) De acordo com o novo mapa de organização do sistema judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), a área de competência territorial da Comarca de ……, passou a integrar, entre outros, o Município de São Pedro do Sul.

4) Desde o dia 1 de Março de 2016, o demandado passou a exercer as funções de Secretário de Justiça, em regime de substituição, no Tribunal Judicial da Comarca de …… até à presente data – cfr. documento junto a fls. 44.»


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2.2. O DIREITO

A presente acção de perda de mandato intentada pelo Ministério Público contra A………… assenta no facto de, em 01.09.2014 [data da entrada em vigor da Lei Orgânica do Sistema Judicial] o ora recorrente, que desempenhava as funções de Escrivão de Direito no Tribunal Judicial da comarca de ……, em virtude da entrada em vigor do novo mapa de organização do sistema judiciário, ter passado a desempenhar as funções de Secretário de Justiça, em regime de substituição, no Tribunal Judicial da comarca de …… – Núcleo de …… – e, dessa forma, segundo o Ministério Público, resultar violado o disposto nos artº 7º, nº 1, al. b) da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto e artº 8º, nº 1, al. b) da Lei nº 27/96 de 1/8.

O recorrente, atentas as conclusões de recurso que apresenta, insurge-se contra o decidido no TCAN que manteve a decisão de perda de mandato, mas apenas no segmento respeitante à questão de saber, a partir de quando se iniciam os efeitos da declaração de perda de mandato de um membro da assembleia de freguesia: se a partir do trânsito em julgado ou, a partir da ocorrência do facto gerador de inelegibilidade.

E, isto porque o recorrente não questionou o decidido nas instâncias, no que foram convergentes, no que respeita à violação do disposto no artº 7º, nº 1, al. b) da Lei Orgânica nº 1/2001 pelo facto daquele exercer as funções de Secretário de Justiça, em regime meramente transitório, uma vez que, pese embora o referir no corpo das alegações, não o transmitiu nas respectivas conclusões, como exigido pelo artº 639º do CPC, que esclarece que as conclusões delimitam o objecto do recurso.

Há assim que enfrentar a única questão trazida ao recurso jurisdicional que é a relativa ao início da produção de efeitos da declaração de perda de mandato.

Vejamos, no que concerne à legislação em vigor.

De acordo com o disposto no artº 8º, nº 1, alínea b) da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou, relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição.

Trata-se de solução legal há muito enraizada no nosso ordenamento jurídico, já que a situação de «inelegibilidade» ocorrida após a eleição para cargos electivos se encontrava prevista, como fundamento da «perda de mandato», no Código Administrativo aprovado pelo DL nº 31.095, de 31.12.1940 [cfr. artºs 20º e 41º].

E o art. 11º da citada lei determina:

1- As decisões de perda do mandato e de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são da competência dos tribunais administrativos de círculo.

2 - As acções para perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são interpostas pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção.

3 - O Ministério Público tem o dever funcional de propor as acções referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.

4 - As acções previstas no presente artigo só podem ser interpostas no prazo de cinco anos após a ocorrência dos factos que as fundamentam.

Por seu turno, dispõe o artº 7º da lei Orgânica da eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais [Lei Orgânica nº 1/2001 de 14.08] sob a epígrafe “Inelegibilidades especiais”

«1 - Não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição:

(…)

b) Os secretários de justiça e administradores judiciários»

(…).


*

Mas em norma nenhuma se esclarece a partir de quando se devem começar a produzir os respectivos efeitos desta declaração de perda de mandato, que tem subjacente esta inelegibilidade.

Nem mesmo, a jurisprudência uniforme que se vem constituindo do Tribunal Constitucional no sentido de que o regime da inelegibilidade previsto nos nºs 1 e 2 do artº 7.º da LEOAL visa garantir a dignificação e a genuinidade do acto eleitoral, bem como garantir a isenção e a independência com que os titulares dos órgãos autárquicos devem exercer os seus cargos e, assim, gerir os negócios públicos, esclarece esta questão (cfr. entre outros, Acs. T. Constitucional nº 495/01, de 20/11/2001, nº 505/01, de 21/11/2001, nº 510/01, de 26/11/2001, nº 511/01, de 26/11/2001, nº 515/01, de 26/11/2001, nº 516/01, de 28/11/2001 todos in: «www.tribunalconstitucional.pt)».

Importa, pois, determinar a partir de quando se iniciam os efeitos da declaração de perda de mandato de um membro da assembleia de freguesia: se a partir do trânsito em julgado da decisão que a declara ou a partir da ocorrência do facto gerador da inelegibilidade.

Decidiu o TAF de Viseu que o recorrente ao assumir em 01.03.2016 as funções de Secretário de Justiça, em regime de substituição, no Tribunal Judicial da Comarca de ……, tal implicou a sua inelegibilidade e consequente perda de mandato; contudo, na parte decisória, que julgou procedente a acção e declarou a perda de mandato, não fez retroagir os efeitos àquela data nem a qualquer outra, pelo que se terá de entender que os efeitos apenas se produziriam com o trânsito em julgado da decisão judicial.

Ao invés, o TCAN, fazendo apelo aos princípios constitucionais da proporcionalidade, adequação e necessidade, bem como ao princípio da proibição dos efeitos retroactivos de um direito constitucional consagrados nos nºs 2 e 3 do artº 18º da CRP, entendeu que, tendo o novo mapa judiciário entrado em vigor em 01.09.2014 [artº 118º do DL nº 49/2014], seria a partir desta data que se verificava o início de produção de efeitos desta declaração, dado que a situação de inelegibilidade do recorrente resulta da aprovação da Lei nº 62/2013 de 26.08 [Lei de Organização do Sistema Judiciário] e do DL nº 49/2014 de 27.03 [Regulamento] diplomas que consagraram a reforma do mapa judiciário que extinguiu a comarca de ……, que abrangia a área do círculo eleitoral por onde aquele foi eleito e criou a nova comarca de …….

E na verdade, não é de todo indiferente que, no caso concreto, a perda de mandato produza efeitos desde o início do mandato, desde o trânsito em julgado da decisão que declara a perda de mandato ou desde que se verificou a situação de inelegibilidade ou qualquer outro.

Vejamos:

Nos termos do artº 48º, nº 1 da CRP “todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos” direito que, por constituir um dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente assegurados e por ser integrador do Estado de Direito fundado na soberania popular e no sufrágio universal, directo e secreto, deve ser considerado um direito fundamental.

Desta forma, como sustentado na doutrina e na jurisprudência, a perda de mandato constitui uma significativa diminuição do direito ao jus in officio e a inelegibilidade, mesmo que temporária, não deixa de ser uma significativa perturbação do direito fundamental de ser eleito para cargos públicos – cfr. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, págs. 271 e segs.

Com efeito, a existência de um regime de inelegibilidades deverá ter sempre em conta, o artigo 50º, nº 3, da CRP, de acordo com o qual: «No acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos».

Ou seja, as inelegibilidades surgem, sempre como uma obstrução à integral fruição da capacidade eleitoral passiva dos cidadãos, o que constitui um entrave à plenitude do princípio geral de direito eleitoral que resulta do artigo 48º da mesma Lei Fundamental, relativo à participação dos cidadãos na vida pública, e do artigo 50º que prevê o direito de acesso aos cargos públicos. Este último direito, constituindo expressão do primeiro, resulta num direito de natureza política, que integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias.

Significa isto que a norma em causa consagra uma verdadeira barreira jurídica à capacidade eleitoral, pelo que não pode ser passível de compressões, de interpretações extensivas ou analógicas, até porque é sabido que em sede de eleitoral, «as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contém enumerações taxativas e não meramente exemplificativas» [entre outros, ver AC do Tribunal Constitucional nº 515/01, de 26.11.2001, Proc nº 735/01].

No entanto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional «tem sempre afastado as dúvidas àcerca da constitucionalidade do dispositivo legal em causa, ainda que analisado à luz da redacção dada ao artigo 50º, nº 3 da CRP pela revisão constitucional de 1989, firmando o entendimento de que tal inelegibilidade, constituindo uma restrição ao direito fundamental de participação política e, em simultâneo, uma compressão à capacidade eleitoral passiva, traduz, não obstante, uma solução adequada e proporcional à salvaguarda de valores e interesses que a lei, através dela, pretende assegurar: a isenção e independência do exercício dos cargos nos diversos órgãos do poder local.

Com o estabelecimento dessa inelegibilidade, o legislador ordinário respeitou os condicionalismos constitucionais das restrições dos direitos fundamentais, nomeadamente a proibição do excesso e a exigência de adequação, tendo em conta os interesses em presença» - Ac. do TC nº 382/2001 de 26/09.

Dito isto, cremos que, no caso sub judice e tendo presentes todos estes princípios, direitos e restrições, o facto objectivo do exercício de funções de secretário judicial é sem dúvidas, o determinante da situação de inelegibilidade.

E este só ocorreu quando o recorrente assumiu as funções de Secretário de Justiça, ainda que em regime de substituição, ou seja em 01.03.2016 de acordo com a factualidade provada, pois só a partir desta data, se pode afirmar a potencialidade de diminuição ou comprometimento da isenção e imparcialidade que está subjacente a esta inelegibilidade, porque só a partir desta data, o recorrente começou a poder praticar actos que a lei visava acautelar.

Na verdade, não se pode corroborar a decisão do TCAN quando fixa a data do início da produção de efeitos da declaração de perda de mandato em 01.09.2014, pois nesta data, pese embora, ter entrado em vigor o regime do novo mapa judicial, tal não fez com que simultaneamente o recorrente iniciasse de imediato as funções de secretário judicial, que são as únicas que o impedem de exercer funções na Assembleia de freguesia do …….

Mas o recorrente propugna a tese do trânsito em julgado da decisão judicial que declara a perda de mandato, alegando que se trata de uma declaração constitutiva, pelo que, a não se entender assim violar-se-iam normas constitucionais que indica.

Igualmente o Ministério Público, autor da presente acção, sustenta a tese do trânsito em julgado, convocando para o efeito, na conclusão E) das contra alegações que “(…) os efeitos da declaração de perda de mandato resultam da lei, em particular do art. 12º da lei da Tutela Administrativa, produzindo-se a partir do trânsito da decisão”.

É certo, que o art. 12º da Lei 27/96, de 1/08 sob a epígrafe “efeitos das decisões de perda de mandato” não refere expressamente a data a partir da qual se produzem os efeitos da sentença.

Este artigo 12º da Lei da Tutela Administrativa tem a seguinte redacção:


“Artigo 12º

«Efeitos das decisões de perda de mandato e de dissolução

1 - Os membros de órgão dissolvido ou os que hajam perdido o mandato não podem fazer parte da comissão administrativa a que se refere o nº 1 do artigo 14º.

2 - No caso de dissolução do órgão, o disposto no número anterior não é aplicável aos membros do órgão dissolvido que tenham votado contra ou que não tenham participado nas deliberações, praticado os actos ou omitido os deveres legais a que estavam obrigados e que deram causa à dissolução do órgão.

3 - A renúncia ao mandato não prejudica o disposto no n.º 1 do presente artigo.

4 - A dissolução do órgão deliberativo da freguesia ou da região administrativa envolve necessariamente a dissolução da respectiva junta».

Embora nada diga quanto à questão “sub judice”, podemos encontrar no referido artigo alguns elementos relevantes.

Em primeiro lugar, o silêncio do legislador quanto ao momento da produção de efeitos de uma sentença judicial significa, se o contrário não resultar de outras disposições legais, que a mesma só produz efeitos a partir do trânsito em julgado; ou caso tenha sido interposto recurso se ao mesmo não for atribuído efeito suspensivo.

Em segundo lugar, a regra contida no nº 1 do art. 12º, lida em articulação com o art. 14º, nº 1, (Processo decorrente da dissolução de órgão: 1 - Em caso de dissolução do órgão deliberativo de freguesia ou de região administrativa ou do órgão executivo municipal, é designada uma comissão administrativa, com funções executivas, a qual é constituída por três membros, nas freguesias, ou cinco membros, nas câmaras municipais e nas regiões administrativas) não é compatível com uma eficácia retroactiva. É impossível – dada a irreversibilidade do tempo - designar uma comissão administrativa e constituí-la para exercer funções executivas num tempo que já passou. A regra do nº 4 do art. 12º determinando a dissolução da junta de freguesia (quando for dissolvido o órgão deliberativo) também não parece poder ser aplicada para o passado.

Ora, conjugando o art. 12º, 1 e 4 e o art. 14º, 1, da citada lei (de onde resulta que após a dissolução do órgão deliberativo freguesia ocorra a dissolução da respectiva junta e se proceda à nomeação de uma comissão administrativa com funções executivas) podemos concluir que os efeitos da perda de mandato ou da dissolução do órgão só podem produzir-se depois do acto que o determina ser eficaz, isto é depois do trânsito em julgado da decisão judicial.

Acrescem por outro lado, razões pragmáticas e de segurança jurídica para que a perda de mandato não tenha eficácia retroactiva, mais concretamente, as razões que justificam a validade dos actos entretanto praticados e que nada tenham a ver com a causa da perda do mandato ou dissolução do órgão.

Por último, tratando-se de uma decisão de natureza sancionatória e não resultando o contrário de qualquer disposição legal, deve aproveitar ao interessado o benefício da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da decisão de perda do mandato (art. 32º, 10 da CRP), o que é incompatível com a eficácia retroactiva da condenação.

Concluímos, pois, que a perda do mandato só é eficaz depois de declarada pelo tribunal e, portanto, a mesma só produz efeitos depois do trânsito em julgado da respectiva decisão, não estando prevista na lei a possibilidade de lhe ser atribuída eficácia retroactiva.


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3: DECISÃO

Atento o exposto, e com os fundamentos supra enunciados, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida no segmento objecto do recurso.

Sem custas, por delas estar isento o recorrido.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto de Araújo Veloso (Voto a decisão mas não parte da fundamentação, pois entendo que a sentença que decreta a perda de mandato retira a qualidade de autarca desde a data em que foi assumida a actividade de secretário judicial.).