Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0332/09.2BEBJA 0157/18
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
COOPERATIVA
BENEFÍCIOS FISCAIS
EXTINÇÃO
Sumário:O atraso na apresentação da declaração a que alude o artigo 13.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis não implica, por si só, a extinção do benefício concedido pelo artigo 10.º da Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P25411
Nº do Documento:SA2202001160332/09
Data de Entrada:02/14/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA recorreu da sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial do ato de liquidação de imposto municipal sobre imóveis com o n.º 397470403, correspondente à segunda prestação do ano de 2008, referente aos imóveis inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ……….. sob os artigos U-00333, U-00334, U-00335, U-00336, U-00337, U-04635-A, U-04633-AA, U-04633-AB, U-04633-AC, U-04633-AD, U-04633-AE, U-04633-AF e U-04633-AG, no montante de € 51.494,86.

Impugnação esta que tinha sido interposta nos termos do disposto nos artigos 102.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário por A………………. CRL, contribuinte fiscal n.º ………., com sede na ……………., Km ……….,, freguesia de ……………., Alcácer do Sal.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

A. Com ressalva do muito respeito que nos merece o Tribunal recorrido, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido;

B. Não se questiona ser aplicável, no presente caso, o Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, na redação em vigor à data dos factos, como também decidiu o Tribunal recorrido;

C. Não obstante, ainda que, de igual modo, se entenda que estavam reunidos os requisitos estabelecidos no n.º 2 do art. 10.º do EFC, como o entendeu o Tribunal “a quo”, certo é que não se pode concordar com a afirmação que a apresentação fora de prazo da declaração de inscrição na matriz não constitua uma causa extintiva da isenção de IMI, de que a Impugnante beneficiava por força do disposto do EFC;

D. E, sempre sem quebra do devido respeito, não podemos concordar com a afirmação de que “(…) se, como propugnou a própria Administração Tributária, a isenção concedida à Impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não é possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias. In casu, impunha-se a apreciação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal à luz do artigo 10.º, n.º 2 do EFC e por referência a cada um dos prédios.”;

E. É inquestionável que a impugnante, por força do estabelecido nos arts. 4.º e 6.º do EFC estava obrigada ao cumprimento das obrigações acessórias;

F. Sendo certo que a Impugnante cumpriu a obrigação de entrega da declaração modelo de IMI em conformidade com o disposto na al. d) do n.º 1 do art. 13.º do Código do IMI, muito após o prazo legalmente previsto;

G. Ora, a afirmação do douto Tribunal recorrido de que se “(…) a isenção concedida à Impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não é possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias (…)”., salvo devido respeito não se afigura correta;

H. Tal como a Exma. Senhora Procuradora da República, entendemos que com a extinção do prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240, a anterior isenção de que a Impugnante beneficiava não foi revogada, mas deixou de ter objeto, motivo porque não havia lugar à notificação prevista no art. 6.º, n.º 1 do EFC;

I. No entanto, ainda que se entenda que “(…) as frações autónomas, seja afetas a habitação ou a serviços, se logram enquadrar no objeto da cooperativa, ora Impugnante, - alíneas A) e F) do probatório (…)” como considerado pelo Tribunal “a quo”, não se pode afirmar que não seja possível “(…) equacionar extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias (…)”:

J. Como efeito, como bem refere o Tribunal recorrido, resulta da lei, in casu do artigo 3.º do EFC, que a isenção prevista no artigo 10.º, n.º 2 do EFC não carece de ser requerida e deve ser reconhecida oficiosamente;

K. Mas o EFC também cometia à Autoridade Tributária e Aduaneira (então Direcção-Geral dos Impostos) a fiscalização do cumprimento das obrigações acessórias impostas;

L. Assim, ainda que a isenção a que se referia o n.º 2 do art. 10.º, do EFC, não fosse automática, mas sim de reconhecimento oficioso (ou automático), e não carecesse de ser requerida (art. 3.º, do EFC), competia à Autoridade Tributária a fiscalização dos pressupostos da mesma, atento o art. 5.º do EFC;

M. Para que a Administração Tributária pudesse apreciar da verificação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal à luz do artigo 10.º, n.º 2 do EFC e por referência a cada um dos prédios correspondente a cada fração autónoma, como referido na sentença ora sob recurso, seria necessário que a Impugnante procedesse à entrega da modelo 1 de IMI;

N. Declaração Modelo 1 de IMI que a Impugnante entregou muito após o termo do prazo estabelecido no art.13.º do CIMI, como se disse, atendendo à data de conclusão das obras como informado pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal;

O. Em cumprimento dos deveres de fiscalização impostos pelo art. 5.º do EFC, a Autoridade Tributária verificou, assim, que a impugnante havia incumprido as obrigações acessórias a que estava obrigada;

P. Motivo porque não poderia a Autoridade Tributária reconhecer à Impugnante o direito de isenção de IMI para cada uma das frações autónomas;

Q. E não se diga que não foi efetuada a notificação prevista no n.º 1 do Art. 6.º do EFC pois que, só com a apresentação tardia da Modelo 1 de IMI, tomou a Autoridade Tributária conhecimento do incumprimento, pelo que tal notificação, a ser efetuada, representaria um ato inútil (cfr. artigo 137.º do CPC vigente à data) e, como tal, proibido por lei, pois que a obrigação acessória já havia sido, tardiamente, repisa-se, cumprida;

R. Consequentemente, ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” violou disposto nos arts. 4.º, n.º 1; 5.º e 6.º, n.º 1, todos do EFC, aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, incorrendo em erro de julgamento por errada aplicação do direito.

Pediu fosse dado provimento ao recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por acórdão que julgasse a impugnação improcedente com as devidas e legais consequências.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que condensou nas seguintes conclusões:


A. A Recorrente vem interpor recurso da douta sentença da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida nos presentes autos, a 24.05.2017, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida contra o acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) da segunda prestação do ano de 2008, respeitante ao prédio urbano situado na freguesia e concelho de ……….., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4633 (ex-4240), no valor total de € 51.494,86 (cinquenta e um mil, quatrocentos e noventa e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), por entender que «(…) ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” violou disposto nos arts. 4.º, n.º 1; 5.º e 6.ª, n.º 1 todos do EFC, aprovado pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, incorrendo em erro de julgamento por errada aplicação do direito.»

B. Ora, não pode a Recorrida concordar e acompanhar a tese do Recorrente, por entender que a Mma Juiz a quo andou bem, decidindo no sentido da procedência da impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação adicional de IMI, 2.ª prestação de 2008, sindicado, com fundamento na violação, dos actos em crise, «[d]o disposto no artigo 10.º, n.º 2 do EFC, por não ter sido oficiosamente reconhecida a isenção de IMI, verificando-se, como se verificam os pressupostos objectivo e subjectivo aí previstos, ou seja trata-se de uma cooperativa de primeiro grau e destinarem-se os imóveis em apreço ao exercício das actividades do ramo da construção e habitação e serviços, prosseguidos pela Impugnante.», não tendo, por essa razão, a douta sentença recorrida claudicado na aplicação do direito, e não tendo, em consequência, cometido qualquer erro de julgamento, pelo que não é a mesma, do ponto de vista da Recorrida, objecto de qualquer crítica ou censura. Pois vejamos,

C. Nas suas alegações, a Recorrente manifesta o entendimento de que a sentença recorrida se encontra viciada, por um lado, por considerar que “não obstante, ainda que, de igual modo, se entenda que estavam reunidos os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, como entendeu o Tribunal “a quo”, certo é que não se pode concordar com a afirmação que a apresentação fora de prazo da declaração de inscrição na matriz não constituam causa extintiva da isenção de IMI, de que a Impugnante beneficiava por força do disposto no EFC.» (Vide ponto C) das Conclusões das alegações apresentadas pela AT), e por outro, que: “(…) a afirmação do douto Tribunal recorrido de que se “(…) a isenção concedida à Impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não é possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias (…), salvo o devido respeito não se afigura correta;», pois, «[t]al como a Exma Senhora Procuradora da República, entendemos que com a extinção do prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240, a anterior isenção de que a Impugnante beneficiava não foi revogada, mas deixou de ter objecto, motivo porque não havia lugar à notificação prevista no art.º 6.º, n.º 1 do EFC.» (Vide pontos G) e H) das Conclusões das alegações apresentadas pela AT).

D. Ora, não pode a Recorrida concordar com os argumentos aduzidos pela Recorrente, por considerar, por um lado, que, cumpriu as suas obrigações acessórias, nomeadamente, com a entrega da Declaração de IMI após a conclusão das obras e edificações que levaram à alteração da matriz, e que resultaram na atribuição de novo artigo matricial, e, por outro, que preenchendo os pressupostos para usufruir do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, e que sendo este um benefício automático, é manifesto que o mesmo não pode ser extinto, mormente porque os seus pressupostos nunca deixaram de se verificar. Pois,

E. …reportando-se o artigo matricial 4240 – sobre o qual incidia o benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC de que a Recorrida beneficiava, e sobre o qual a AT não levantou quaisquer problemas, tendo-o inclusive “reconhecido” - a um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilidade independente, o qual acabou por se “extinguir”, em virtude das edificações levadas a cabo pela Recorrida, e, consequente, constituição no regime de propriedade horizontal, por alteradas as suas características ou elementos matriciais, entende a Recorrida que tal não conduz ou determinou a eliminação do prédio em causa, dado que esta só ocorreria no caso de demolição do mesmo.

F. Na verdade, nestas circunstâncias, o artigo matricial originário acaba por ser alterado, sendo atribuído um novo, quando não se trate de meras actualizações, no entanto, o prédio físico e jurídico (na acepção do CIMI) mantém-se. Ora, sem embargo, de estas realidades civilísticas serem díspares – propriedade horizontal vs vertical – a verdade é que tal disparidade não colide com o facto de tanto uma como outra se destinarem ao escopo social da cooperativa, preenchendo, deste modo, os pressupostos do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, andando, por esta razão bem a sentença recorrida, ao determinar que «(…) a isenção concedida à Impugnante por referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 4240 cessou com a extinção deste mesmo prédio, não [sendo por isso], possível equacionar a extinção daquele benefício por força da violação de quaisquer obrigações acessórias. In casu, impunha-se a apreciação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal à luz do artigo 10.º, n.º 2 do EFC e por referência a cada um dos prédios.»

G. No que toca ao cumprimento das obrigações acessórias, entende a Recorrida que as cumpriu cabalmente, por forma a que a AT pudesse desempenhar o seu dever de fiscalização – argumento alegado pela Recorrente – e, consequentemente aferir da verificação dos pressupostos do benefício em causa.

H. Com efeito, se estes não se verificassem, aí, sim, seria legítimo à AT proceder e notificar à cooperativa o acto de liquidação de IMI aqui em apreço, isto, sublinhe-se, se os pressupostos do n.º 2 do artigo 10.º do EFC não se verificassem ou se se tivessem deixado de verificar – o que nunca aconteceu!

I. Tendo a Recorrida preenchido desde sempre quer o elemento subjectivo – por ser uma cooperativa de primeiro grau - e o objectivo - o prédio em causa (mesmo sofrendo uma alteração, dada a constituição do mesmo no regime de propriedade horizontal), sempre se destinou e continuou a destinar à sede e ao exercício das actividades que constituem o seu objecto social – pelo que esteve sempre em condições de lhe ser concedido e “reconhecido” o do benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 10.º do EFC, por ser o mesmo automático, i.e, de aplicação imediata e por depender directamente da lei, sem necessidade de qualquer reconhecimento por parte da AT.

J. Resulta, assim, do supra exposto, que as liquidações controvertidas se encontram feridas de ilegalidade por não terem tido em consideração o preenchimento dos pressupostos do benefício fiscal (automático) de que a Recorrida beneficiava ao abrigo do n.º 2 do artigo 10.º do EFC, nos termos expostos na douta sentença recorrida, pelo que, deve improceder o recurso e respectivas alegações apresentadas pela Recorrente, e consequentemente manter-se a decisão recorrida nos seus exactos termos, assim se fazendo a acostumada justiça.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve dar-se provimento ao recurso «considerando que, não tendo a recorrida cumprido a obrigação declarativa prevista no art. 13.º do CIMI para além de 90 dias, o benefício fiscal não se mantinha, nos termos do art.6.º n.º 1 do mesmo diploma e do art. 65.º, n.º 5, do C.P.P.T.».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

A questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a apresentação fora do prazo da declaração de inscrição na matriz não constitui causa extintiva da isenção de imposto municipal sobre imóveis prevista no Estatuto Fiscal Corporativo.



3. Dos fundamentos de facto

Na douta sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

A. Em 20/10/1994, foi constituída, por escritura pública, uma cooperativa de primeiro grau, no ramo da construção e habitação, do sector cooperativo, com a denominação de “A……………….. DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” e que, de acordo com o documento complementar se dedica ao ramo de habitação e construção, sendo o objeto da cooperativa a construção, para os seus membros de fogos situados em zonas rurais e podendo, ainda, desenvolver outros ramos do sector cooperativo, nomeadamente agrícola e de serviços (cfr. documento n.º 2 junto com a Petição Inicial – P-I. e fls. 19 a 33 do PAT);

B. Em 27/02/2006, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 016449003, referente ao ano de 2005, do qual resulta o imposto devido no total de € 150,45, a pagar em Abril de 2006, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 4 junto com a PI);

C. Em 02/10/2006, por escritura pública, foram alterados os estatutos da Impugnante a qual passou a englobar no seu objeto os ramos de habitação e construção, agrícola e serviços e alterou-se a sua sede para a ………….. …….., Km ………., …….., Alcácer do Sal (cfr. documento n.º 1 junto com a P.I. e fls. 36 a 48 do PAT);

D. Em 10/03/2007, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 2733331103, referente ao ano de 2006, do qual resulta o imposto devido no total de € 152,05, a pagar em Setembro de 2006, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 3 junto com a PI);

E. O prédio referido na alínea B) supra inscrito na matriz sob o artigo 4240 deu origem ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4633, da freguesia de ………………, Concelho de Alcácer do Sal, com as frações A, AA a AZ, B, BA a BZ, C, CA a CZ, D, DA a DR, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X e Z (cfr. fls. 3 a 9 do PAT);

F. Em 23/05/2007, a Impugnante apresentou a declaração Modelo 1 de IMI, na qual declarou que as obras foram concluídas em 02/05/2006 e que o prédio tinha andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e que a fetação das mesmas se destinava a serviços (cfr. fls. 3 a 9 do PAT);

G. Em 08/03/2008, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 279856603, referente ao ano de 2007, do qual resulta o imposto devido no total de € 145,19, a pagar em Abril de 2008, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 5 junto com a PI);

H. Em 08/03/2008, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 279856703, referente ao ano de 2007, do qual resulta o imposto devido no total de € 145,18, a pagar em Setembro de 2008, referente aos seguintes prédios:

(cfr. documento n.º 5-A junto com a PI);

I. Em 30/06/2008, a Câmara Municipal de Alcácer do Sal informou o serviço de finanças sobre a data de conclusão das obras das diversas frações autónomas que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4633 (cfr. fls. 10 a 13 do PAT);

J. Em 19/08/2008, o Chefe de Finanças de Alcácer do Sal proferiu despacho com o seguinte teor:

«À data da conclusão das obras tem efeitos relevantes para determinar o ano de início da sujeição dos prédios a IMI, considerando-se estes concluídos na primeira das datas referidas no n.º 1 do art. 10º do Código do I.M.I.

A conclusão das obras das diversas fracções que constituem o art. 4633 da freguesia de ………….. ocorreram em datas diferentes da indicada na dec.mod.1 de IMI apresentada nestes serviços em 2007/05/03 conforme se constata pelo mapa anexo que acompanhou o ofício nº 1054 de 2008/06/19 da Câmara Municipal de Alcácer do Sal. Verificando-se tal facto e atento ao disposto no n.º 2 do art. 10º do Código do I.M.I., fixo como data da conclusão das obras a data indicada no citado mapa para cada uma das frações autónomas que constituem o dito prédio» (cfr. fls. 16 do PAT);

K. Em 21/08/2008, foi remetido à Impugnante o oficio n.º 1972, com o assunto «NOTIFICAÇÃO – N.º 2 DO ARTº 10 DO CIMI», pelo qual se comunicou o ofício da Câmara Municipal de Alcácer do Sal e o despacho do Chefe de Finanças (cfr. fls. 14 e 15 do PAT);

L. Em 08/04/2009, foi emitida a liquidação de IMI com o n.º 397470403, referente à segunda prestação do ano de 2008, da qual resulta o imposto devido no total de € 51.494,86, correspondente às seguintes frações:

[imagem]

(cfr. documento n.º 1 junto com a PI );

M. Em 20/05/2009, foi emitido o alvará de utilização n.º 82/2009 em nome de A……………….. CRL, que titula a autorização de utilização do ………… sido na …………………, em Alcácer do Sal (cfr. documento n.º 6 junto com a PI );

N. Em 07/10/2009, a Impugnante remeteu, por SITAF, a petição inicial da presente impugnação (cfr. fls. 1 a 11 dos autos).



4. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial do ato de liquidação de imposto municipal sobre imóveis n.º 2008 397470403, relativo ao ano de 2008, a que respeita a segunda prestação identificada nos autos.

Com o assim decidido não se conforma o RECORRENTE, por entender que a liquidação impugnada não padece do vício concretamente apreciado na sentença recorrida. A saber: a violação do artigo 10.º, n.º 2, do Estatuto Fiscal Corporativo então em vigor – Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro.

E não padece desse vício porque, no entendimento do RECORRENTE, o sujeito passivo já não beneficiava da isenção prevista nesse dispositivo legal. Porque o benefício fiscal correspondente se extingue pelo incumprimento das obrigações acessórias previstas da legislação fiscal. E o sujeito passivo não deu cumprimento à obrigação acessória de apresentação da declaração de inscrição na matriz no prazo legal previsto no artigo 13.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

A questão sobre a qual este tribunal é chamado a pronunciar-se é, por isso, a de saber se o artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro deve ser interpretado no sentido de que a falta de apresentação da declaração de inscrição na matriz importa a extinção do benefício fiscal a que aludia o n.º 2 do artigo 10.º do mesmo diploma.

A esta questão respondemos negativamente.

Importa referir, antes de mais, que este tribunal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a questão suscitada no presente recurso no acórdão de 20 de março de 2019 e no âmbito do processo n.º 08/09.0BEBJA, que correu termos entre as mesmas partes e onde era suscitada uma questão em tudo idêntica a propósito de liquidações do mesmo imposto e referente aos mesmos imóveis em anos anteriores.

Nesse acórdão, pronunciou-se este tribunal no sentido de que a simples entrega da declaração modelo 1 fora do prazo não podia fundamentar a extinção o benefício, porque aquele normativo prevê que tal incumprimento pode ser sanado no prazo de 90 dias contados da notificação para o efeito.

E é esse entendimento jurisprudencial que agora se reafirma.

O n.º 1 do artigo 6.º citado concretiza o dever de colaboração recíproca a que se encontram subordinados os órgãos da administração tributária e os contribuintes e a que alude actualmente o artigo 59.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. E que inclui – como deriva da alínea c) do n.º 3 daquele dispositivo legal, a assistência necessária ao cumprimento pelos contribuintes dos seus deveres acessórios.

A assistência necessária ao cumprimento pelos contribuintes dos seus deveres acessórios inclui, não apenas a assistência que se revele necessária ao cumprimento em si mesmo, mas também o alerta para situações de incumprimento nas situações em que o legislador o considere necessário, seja para promover a sua sanação (privilegiando a descoberta da verdade material), seja para se assegurar da natureza e da gravidade do incumprimento.

É inequívoco, face à parte final do n.º 1 daquele artigo 6.º, que o legislador pretendeu promover a sanação das situações de incumprimento antes de se partir para a medida mais gravosa da extinção dos benefícios. Privilegiando, deste modo, a função pedagógica da administração da sua relação com os contribuintes, na medida em que esta não prejudicasse a função de controlo e fiscalização.

O que passaria, neste caso (e por expressa imposição legal), pela notificação dos contribuintes, alertando-os para a situação de incumprimento, quando estes se atrasassem no envio da declaração.

O que o RECORRENTE vem agora dizer a este respeito é que a notificação seria, neste caso, completamente inútil. Porque não se pode sanar a falta de apresentação da declaração dentro do prazo apresentando-a fora do prazo.

Em boa verdade, parece-nos que o entendimento da RECORRENTE se estriba numa redacção deficiente daquele artigo 6.º e para a qual se entende dever alertar: é que, apesar da epígrafe daquele dispositivo legal aludir à extinção e suspensão dos benefícios fiscais, o texto acabou por aludir apenas às situações de extinção, obliterando completamente os casos de suspensão.

No entanto, o confronto entre a redacção do dispositivo e a sua epígrafe indica fortemente que esteve na mente do legislador a suspensão (ou o impedimento à constituição) do benefício enquanto a situação de incumprimento não se tornasse definitiva. O que ocorreria apenas depois da notificação para a sua sanação.

A esta luz, a apresentação da declaração fora do prazo nunca poderia conduzir à extinção, sem mais, do benefício e a comunicação da situação de incumprimento (seria, porventura, mais adequado dizer: «situação de atraso no cumprimento») nunca seria inútil enquanto não fosse confirmado o incumprimento definitivo (sendo que das consequências do atraso no cumprimento não cumpre tratar aqui, visto que não foi esse o fundamento da tributação).

É claro que uma tal interpretação do dispositivo implica também que o cumprimento fora do prazo de uma obrigação acessória (espontânea – não confundir com o prazo para a regularização) não torna inútil aquela notificação por se ter consumado o incumprimento, mas porque a situação foi, entretanto, regularizada.

E bem se compreende que assim seja porque os benefícios fiscais automáticos são aqueles a que o legislador atribuiu maior relevância jurídica, por estarem directamente suportados em razões de interesse público de relevo superior ao da própria tributação. A sua natureza indisponível e irrenunciável – que deriva do artigo 14.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – implica que só se deva partir para a tributação quando se confirma a impossibilidade da sua aplicação.

Uma tal interpretação do preceito é também a que satisfaz uma reacção proporcionada às situações de incumprimento e que o legislador pretendeu acautelar no funcionamento de outros benefícios ou desagravamentos fiscais, o que pode ser ilustrado exemplificando com a que vem regulada no artigo 9.º, n.º 5, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

De todo o exposto decorre que a decisão recorrida não merece censura e deve ser confirmada.



5. Conclusão

O atraso na apresentação da declaração a que alude o artigo 13.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis não implica, por si só, a extinção do benefício concedido pelo artigo 10.º da Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro.



6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo RECORRENTE.

D.n.

Lisboa, 16 de janeiro de 2020. - Nuno Bastos (relator) – Francisco Rothes – José Gomes Correia.