Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0833/08 |
Data do Acordão: | 11/19/2008 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANTÓNIO CALHAU |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL NÃO ADUANEIRA RECURSO JURISDICIONAL MOTIVAÇÃO FALTA |
Sumário: | I - O regime dos recursos jurisdicionais em processo contra-ordenacional tributário é o que resulta do artigo 83.º do RGIT e dos artigos 74.º e 75.º do RGCO, com aplicação subsidiária do regime do processo penal, por força do que dispõem a alínea b) do artigo 3.º do RGIT e o artigo 41.º do RGCO. II - Na falta de motivação, o recurso é rejeitado (artigos 411.º, n.º 3 e 414.º, n.º 2 do CPP). III - A decisão que em 1.ª instância admitiu o recurso não vincula o tribunal superior (artigo 414.º, n.º 3 do CPP). |
Nº Convencional: | JSTA00065355 |
Nº do Documento: | SA2200811190833 |
Data de Entrada: | 10/03/2008 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TAF LOULÉ PER SALTUM. |
Decisão: | NÃO TOMAR CONHECIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO. |
Área Temática 2: | DIR PROC CIV. |
Legislação Nacional: | RGIT01 ART83 ART3 B. RGCO ART74 ART75 ART41. CPP87 ART411 N2 N3 ART414 N2 N3. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – A..., Lda., com sede em Faro, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Loulé que lhe negou provimento ao recurso interposto da decisão do Director de Finanças de Faro de 1/1/2008 que lhe aplicou a coima de € 9.300,00, dela interpôs recurso para este Tribunal. Admitido este pelo Mmo. Juiz “a quo”, veio, então, a recorrente apresentar as suas alegações, onde formula as seguintes conclusões: 1.ª- À Recorrente foi instaurado processo de contra-ordenação pela Administração Tributária, com o fundamento em falta de entrega e entrega insuficiente de pagamentos por conta de IRC, relativas ao ano de 2002. 2.ª- A Recorrente apresentou Defesa com o fundamento em prescrição do direito do procedimento para aplicação da coima, ao abrigo do n.º 2 do artigo 33.º do RGIT. 3.ª- Tal Defesa improcedeu, invocando a Administração Tributária a aplicação do n.º 1 do citado artigo e diploma. 4.ª- De tal decisão, a ora Recorrente reagiu para o Tribunal de 1.ª Instância apresentando Recurso Judicial, com o mesmo fundamento. 5.ª- Por sua vez, o Recurso Judicial improcedeu com o fundamento de, muito simplesmente, os pagamentos por conta não se tratarem de liquidações de imposto. 6.ª- Entende a ora Recorrente ter-se verificado errada interpretação e aplicação da norma legal (art.º 33.º do RGIT) pelo Tribunal de 1.ª Instância, ao proferir a decisão de que ora se recorre. 7.ª- O cerne da questão é saber se deve aplicar-se o n.º 1 ou o n.º 2 do artigo 33.º do RGIT e, ainda, qual o momento a partir do qual se conta o prazo de prescrição. 8.ª- Quando o legislador diz no n.º 2 do citado artigo e diploma “à liquidação da prestação tributária” quer dizer ao cálculo da prestação tributária (liquidação em sentido amplo) e não somente a liquidação (também cálculo) definitiva (stricto sensu) do imposto relativo a um período tributário. 9.ª- Quando, seguidamente, diz “… depender daquela liquidação”, quer também dizer depender daquele cálculo. 10.ª- O acto tributário de liquidação é constituído por uma sucessão de actos intermédios (intercalares ou interlocutórios) que culmina no acto definitivo de liquidação (stricto sensu). 11.ª- O acto tributário de liquidação é um acto complexo (liquidação “lato sensu), não acontece num instante. 12.ª- Os pagamentos por conta do imposto que irá ser liquidado em definitivo mais tarde pertencem à sucessão de actos intermédios que irão culminar no acto de liquidação definitivo (stricto sensu). 13.ª- Estas “liquidações” parcelares e provisórias são tidas em conta na liquidação definitiva, após apurada a matéria colectável do exercício em causa. 14.ª- Os pagamentos por conta funcionam como uma “auto-liquidação” parcial e provisória, por antecipação integrada na sucessão de actos intermédios ou interlocutórios da liquidação definitiva. 15.ª- O valor da coima não depende do imposto (IRC) liquidado definitivamente. 16.ª- Mas sim da prestação calculada (liquidação lato sensu) com base no imposto liquidado no ano anterior (75 ou 85% x matéria colectável ano anterior : 3), no momento em que é exigida cada uma das prestações. 17.ª- A delimitação do valor da coima acaba por estar dependente do cálculo a efectuar (liquidação lato sensu). 18.ª- O n.º 2 do artigo 33.º do RGIT é aplicável às infracções cometidas por falta ou insuficiências nos pagamentos por conta, isto é, 19.ª- Deve-se considerar como prazo de prescrição o período de 4 anos e não o de 5. 20.ª- A redacção utilizada no n.º 2 do citado artigo e diploma, ao referir que o valor da infracção depende do imposto “liquidado” (lato sensu), pretende aplicar o prazo prescricional indexando-o ao prazo de caducidade de 4 anos (art.º 45. LGT). 21.ª- A doutrina que se tem ocupado sobre esta matéria preconiza o mesmo entendimento, nomeadamente Carlos Paiva, em “Da Tributação à Revisão dos Actos Tributários”, Almedina, Set. 2005, ponto 3.4, págs. 115 e seg. e ponto 3, págs. 93 e seg.. 22.ª- Para o início da contagem do prazo de prescrição, deverá ser tida em conta a data em que deveria ter sido praticado o acto ou o tenha sido de forma insuficiente (31.07, 30.09 e 31.12) e não qualquer outra. 23.ª- Seria ilógico que a infracção por falta de liquidação definitiva do IRC prescrevesse ao fim de 4 anos e a infracção por falta de um pagamento por conta referente ao mesmo período de tributação prescrevesse ao fim de 5 anos, ou seja, posteriormente àquela, quando este acto é anterior. 24.ª- São actos tributários da mesma natureza e pertencem à mesma sucessão de actos conducentes ao acto definitivo. 25.ª- Deve ser aplicado o n.º 2 do art.º 33.º do RGIT ao caso concreto. Em resposta veio o MP dizer que: 1- Não tendo a motivação do recurso sido apresentada simultaneamente com o respectivo requerimento, mas sim posteriormente, depois do termo do respectivo prazo legal, deverá proferir-se decisão que não admita o recurso, nos termos das disposições conjugadas do art.º 3.º, al. b) do RGIT, art.º 41.º do DL 433/82 e art.º 414.º, n.º 2 do CPP. 2- Se assim não se entender, é de manter a decisão recorrida, dada a não prescrição do procedimento contraordenacional, por força do disposto no art.º 33.º, n.º 1 do RGIT, uma vez que a infracção em causa não depende de qualquer liquidação a efectuar pela AF, não estando assim abrangida pelo art.º 33.º, n.º 2 do RGIT. 3- A douta sentença recorrida não violou quaisquer preceitos legais pertinentes. O Exmo. PGA junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado deserto, por falta de alegações (art.º 690.º, n.º 3 do CPC). Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Mostra-se assente a seguinte factualidade: A) Com fundamento na falta de entrega do pagamento por conta referente ao período 2002/07, foi elaborado, em 12/07/2007, o auto de notícia de fls. 6 dos presentes autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. B) A arguida, notificada em 23/07/2007, por carta registada com aviso de recepção, apresentou a defesa que consta de fls. 18 e segs dos presentes autos. C) Em apreciação da defesa apresentada foi elaborada a informação seguinte (fls. 23): «Vem A... Lda., NIPC ..., requerer que seja declarado extinto o procedimento contra ordenacional, por prescrição. Em face do que dispõe o n.º. 1 do art.° 33.° do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos 5 (cinco) anos. Assim, parece-nos que a requerente não pode ser absolvida da instância, devendo os presentes autos prosseguir para fixação da coima devida. Aos 2008/01/10» D) Em 10/01/2008, foi proferida decisão de aplicação da coima, ora sob recurso, que aqui se dá por integralmente reproduzida, cfr. fls. 22 e 23 dos presentes autos. E) A decisão a que se refere a alínea anterior foi notificada à Recorrente por carta registada com aviso de recepção, recebida em 21/01/2008, cfr. fls. 30 e 31 dos presentes autos. F) O requerimento de interposição de recurso foi apresentado em 07/02/2008, cfr. fls. 33. III – Vem o presente recurso interposto da sentença do Mmo. Juiz do TAF de Loulé que negou provimento ao recurso da decisão do Director de Finanças de Faro que aplicou a coima de € 9.300,00 à ora recorrente, por falta de entrega do pagamento por conta de IRC referente ao período 2002/07. Suscita o Exmo. Magistrado do MP a questão da oportunidade da apresentação das alegações de recurso no caso em apreço. Vejamos. O regime dos recursos jurisdicionais em processo contra-ordenacional tributário é o que resulta do artigo 83.º do RGIT e dos artigos 74.º e 75.º do RGCO, com aplicação subsidiária do regime do processo penal. O recurso é, assim, interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho, da audiência de julgamento ou, caso o arguido não tenha comparecido, da notificação da sentença (n.º 3 do artigo 83.º do RGIT). Por nesta norma se fixar apenas o prazo de interposição do recurso e ser a mesma omissa quanto à forma da sua interposição e motivação, há que aplicar aqui subsidiariamente as normas do processo penal, por força do disposto nos artigos 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º do RGCO, as quais dispõem, respectivamente, “são aplicáveis subsidiariamente às contra-ordenações e respectivo processamento o regime geral do ilícito de mera ordenação social” e “sempre que o contrário não resulte deste diploma são aplicáveis devidamente adaptados os preceitos reguladores do processo criminal”, e não as normas correspondentes do CPPT. Assim sendo, estabelece o n.º 3 do artigo 411.º do CPP que o requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso. Por seu turno, determina o n.º 2 do artigo 414.º do CPP que o recurso não é admitido, entre outras razões, quando faltar a motivação. Ora, no caso em apreço, o requerimento de interposição do recurso apresentado pela ora recorrente em 28/5/2008 (v. fls. 69 dos autos) não contém a necessária motivação, nem a mesma foi junta dentro do prazo de que a recorrente dispunha para recorrer, já que as respectivas alegações apenas foram apresentadas em 15/7/2008 (v. fls. 83 dos autos). E, na falta de motivação, o recurso deve ser rejeitado, nos termos das disposições legais supra citadas. Sendo certo que, nos termos do n.º 3 do artigo 414.º do CPP, a decisão que admitiu em primeira instância o recurso não vincula o tribunal superior. A procedência desta questão prejudica, assim, o conhecimento do objecto do recurso. IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em rejeitar, por falta de motivação, o recurso interposto pela ora recorrente a fls. 69 dos autos. Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6. Lisboa, 19 de Novembro de 2008 – António Calhau (relator) – Jorge de Sousa – Brandão de Pinho. |