Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02307/10.0BELSB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ESTADO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30268
Nº do Documento:SA12022112402307/10
Data de Entrada:11/15/2022
Recorrente:A.............
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A……… - autor desta acção administrativa «comum» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCAS - de 14.07.2022 - que, concedendo parcial provimento à sua apelação, revogou a sentença do TAC de Lisboa no segmento relativo à prescrição do direito de indemnização reportado à rescisão contratual decretada pela Resolução do Conselho de Ministros nº8/94 [RCM nº8/94, publicada no DR, 2ª série, nº99, de 29.04] e, em substituição, decidiu julgar improcedente o respectivo pedido indemnizatório e absolver o réu - ESTADO PORTUGUÊS - do pedido na sua totalidade.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

O recorrido - ESTADO PORTUGUÊS - contra-alegou defendendo - além do mais - a não admissão do «recurso de revista» por falta dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor da acção - então dita «comum» - pediu ao tribunal a condenação do réu - ESTADO PORTUGUÊS - a indemnizá-lo na quantia global de 358.153,31€ - 270. 000,00€ a título de «lucros cessantes», 8.153,31€ a título de «danos emergentes», e 40.000,00€ a título de «danos não patrimoniais» - com base na sua responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito - DL nº48051, de 21.11.1967 -, tendo densificado a causa de pedir na «ilicitude» da referida RCM nº8/94 - que rescindiu o contrato de concessão de exploração que o réu tinha celebrado com a B…………. [Sociedade …………., SA] -, na «recusa da averiguação de factos indiciadores da prática de crime» por parte da Direcção Distrital de Finanças, na «demora na tramitação de processos» que - segundo diz - motivou a prescrição dos factos por parte dos serviços do Ministério Público da comarca de Loulé, no «não exercício do poder de direcção» referente ao «inquérito nº1040/94», por parte do Procurador dessa mesma comarca, e na «notificação tardia aos autos de insolvência da B……….. do arquivamento dos procedimentos criminais», por parte do referido Procurador.

No fundo - em essência - alega que o réu, ao rescindir o contrato de concessão celebrado com a B………. - para exploração de jogos de fortuna e azar na zona de jogo permanente do Algarve - com base em ilícitos prescritos, fez com que esta sociedade, impedida de continuar o processo de recuperação de empresa, requeresse a insolvência, e, assim, sentenciou a frustração dos créditos dos respectivos credores, entre os quais ele se encontra [crédito de 2.500,00€]. Face a este comportamento do réu - perante os alegados «ilícitos» e a «falta de punição» dos alegados agentes por decurso do prazo de prescrição sobre a prática dos factos - «extinguiu-se a parceria que ele tinha com o Casino …………..» - explorado pela B………. -, e daí a extinção das receitas do seu hotel e a desvalorização do seu património, para além de se ter visto impedido de deduzir pedido cível contra os alegados agentes dos ilícitos penais.

O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - decidiu, em sede de sentença, «julgar prescrita a eventual obrigação de indemnização baseada na ilegalidade da RCM nº8/94», e julgar «totalmente improcedente» o pedido de indemnização relativo à alegada incúria do réu no exercício e promoção da acção penal e na notificação das decisões de arquivamento por não verificação - desde logo - do requisito da ilicitude - na sua «vertente subjectiva». Foi o ESTADO PORTUGUÊS, assim, «absolvido do pedido».

O tribunal de 2ª instância - TCAS - concedeu «parcial provimento» à apelação deduzida pelo autor, muito embora tenha mantido a «absolvição do réu do pedido. Ou seja, o tribunal de apelação «revogou a decisão de prescrição» - da eventual obrigação de indemnização baseada na ilegalidade da RCM nº8/94 - mas, conhecendo em substituição dessa causa de pedir, julgou-a improcedente, mantendo o julgamento da 1ª instância quanto ao demais.

Novamente o autor - e apelante - discorda da decisão judicial, e pede revista do acórdão proferido pelo tribunal de apelação apontando-lhe «erro de julgamento». Alega que o acórdão erra ao considerar «não provados» danos verificados e derivados da actuação do réu e erra ao entender não preenchidos os pressupostos da responsabilidade deste, pois que a «falência» da B………… foi injustificada, e os credores - entre os quais ele - foram impedidos de agir contra os responsáveis uma vez que as entidades competentes nada fizeram nem deixaram fazer. Alega que lhe foi negado acesso ao direito e aos tribunais e o seu direito a decisão em prazo razoável. E alega terem sido violados «os artigos 20º, 22º e 266º, da CRP, 137º, do DL nº422/89, de 02.12, 304º, nº1, do CC, 15º, 42º, 43º e 44º, do DL nº20-A/90, de 15.01, 4º, nº1, alínea a), do DL nº184/88, de 25.05, e 48º a 53º do CPP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. E que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina. Por seu lado, a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

Feita, no presente caso, a dita apreciação preliminar sumária, resulta que a revista não deverá ser admitida. Das respectivas alegações ressuma, com particular clareza, que o recorrente não evidencia qualquer «questão» que necessite claramente de uma melhor aplicação do direito, limitando-se a discordar, em bloco, do julgamento de direito feito pelo acórdão recorrido. Note-se que relativamente ao que pode consubstanciar erro de julgamento de facto encontra-se a competência do «tribunal de revista» balizada pelo disposto no nº4 do artigo 150º do CPTA, e que a alegação sobre o direito de acesso ao direito e aos tribunais e violação do prazo razoável é nova, pois não se mostra tratada pelo tribunal de 2ª instância.

O acórdão recorrido manteve o julgamento de direito do tribunal de apelação «no que respeita ao julgamento de improcedência do pedido de indemnização com fundamento na alegada incúria do réu no exercício e promoção da acção penal e na notificação das decisões de arquivamento», apenas tendo inovado no que respeita ao pedido baseado na ilegalidade da RCM nº8/94, o qual «julgou improcedente» com base no desmérito e não na prescrição.

Tais decisões mostram-se juridicamente consistentes, não ostentam erros lógicos nem jurídicos, aplicam um regime jurídico e quadro legal adequados, e, embora a respectiva matéria de facto surja complexa, o certo é que foi enquadrada no direito de um modo juridicamente razoável, resultando a decisão final como aceitável, e a não necessitar de modo claro de ser revista em ordem a «uma melhor aplicação do direito».

A complexidade patenteada nos autos resulta pois, e como dissemos, muito mais da factualidade apurada do que de eventuais dúvidas sobre o quadro legal aplicável e sua efectiva aplicação. Daí que a relevância jurídica das «questões subjacentes ao alegado erro de julgamento de direito» não lhes confira «importância fundamental». O mesmo se diga da relevância social a qual se mostra fortemente dissipada quer pelo aparente acerto da decisão trazida à pretensão de revista quer pela vincada singularidade deste caso, o que lhe retira vocação paradigmática.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.