Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01156/20.1BEPRT
Data do Acordão:03/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ESTRANGEIRO
AFASTAMENTO COERCIVO
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que manteve juízo firmado pelo TAF que havia julgado improcedente ação administrativa na qual se impugnava o ato que determinou o afastamento coercivo do território nacional e que desatendeu autorização de residência se o entendimento firmado se apresenta como plausível e razoável, dado não se vislumbrar, no plano dos raciocínios lógicos ou jurídicos, a ocorrência de erros manifestos, seja em termos da estrita interpretação das regras, seja no plano da confrontação com os princípios pertinentes, e em que o mesmo juízo se mostra assente nas particularidades ou singularidades factuais do caso concreto e, assim, desprovido de uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso.
Nº Convencional:JSTA000P29190
Nº do Documento:SA12022032401156/20
Data de Entrada:03/16/2022
Recorrente:A......
Recorrido 1:DIREÇÃO REGIONAL DO NORTE DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………. [doravante A.] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 17.12.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 270/287 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso de apelação que o mesmo deduziu, por inconformado, com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT] - cfr. fls. 173/197 -, que havia julgado improcedente a ação administrativa de impugnação por si instaurada contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF)], da decisão proferida pela Diretora Nacional Adjunta do SEF, de 06.11.2019, que «determinou o afastamento coercivo do A. do território nacional», «a sua interdição de entrada em território nacional por um período de três anos» e «a sua inscrição no Sistema de Informação Schengen - SIS, de pessoas não admissíveis pelo período da referida interdição de entrada, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 96.º, apreciável nos termos do artigo 122.º, ambos da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen», peticionando que fosse anulada aquela decisão e condenado o R. a «conceder ao A. a respetiva autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada, em respeito do disposto no artigo 88.º, n.ºs 1, 2 e 6, da Lei n.º 23/2007, de 04/07» [cfr. petição inicial, a fls. 01/25].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 294/322] na relevância jurídica e social da questão/objeto de litígio [relativas à existência de «razões humanitárias» que justificam/permitam a permanência no território nacional e natureza oficiosa do procedimento excecional previsto no art. 123.º da Lei n.º 23/2007, de 04.07 (diploma que procedeu à aprovação do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional)] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação dos arts. 88.º, n.º 6, e 123.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 23/2007, 62.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05.11 [na redação introduzida pelo art. 02.º do Decreto-Regulamentar n.º 9/2018, de 11.09], 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa [CRP], e 09.º do Código Civil [CC].

3. Não foram produzidas quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 323 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT julgou totalmente improcedente a pretensão do A., aqui recorrente, considerando no seu discurso fundamentador, nomeadamente, que «o Autor está impedido de lograr a regularização da sua situação, através do procedimento extraordinário de residência, nos termos do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007 … uma vez que, à data da prolação do ato administrativo impugnado, não possuía um contrato de trabalho há mais de um ano, não tendo também feito prova da existência do mesmo através de um dos meios disponibilizados pela alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º da referida Lei. Sublinhe-se, ainda que o Autor apenas celebrou um contrato de trabalho em 7 de fevereiro de 2020, isto é, após a notificação da decisão de afastamento coercivo, notificada em novembro de 2019», que «o regime previsto no referido artigo 123.º configura um regime excecional» e que «não há qualquer procedimento de iniciativa oficiosa promovida por proposta do Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigida ao Ministro da Administração Interna, nem tão-pouco pelo próprio Ministro da Administração Interna», sendo que «no que respeita à alegada existência de um “contexto humanitário” que justifica a sua permanência em Portugal, a verdade é que in casu, e como se viu supra, face ao alegado pelo Autor não se vislumbram preenchidas as razões humanitárias previstas no n.º 2 do artigo 62.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007 …, posto que, como atrás vimos, não se encontra preenchido o critério de inserção no mercado laboral por período superior a um ano».

7. O TCA/N confirmou este juízo decisório, perfilhando-o e reiterando-o in toto, extraindo-se da motivação que a «questão que importa determinar prende-se com o determinar da utilidade da apreciação, por parte deste Tribunal, da invocada violação do artigo 88.º n.º 6 da Lei n.º 23/2007 … quando o Recorrente, no recurso, não atacou a decisão recorrida no segmento que fundamentou – igualmente – a decisão de improcedência no não cumprimento do disposto no nº 2 do referido preceito, de acordo com o qual a autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada exige que o requente possua um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por representante de comunidades migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as Condições do Trabalho, requisito que o T.A.F. considerou que o Recorrente não cumpria, fundamento que o Recorrente deixou incólume», sendo que «acresce ainda que, até à data da decisão impugnada, o Recorrente não tinha requerido, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, qualquer requerimento de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada, o que impede, naturalmente, que o Tribunal condene o ora Recorrido a conceder ao Recorrente a referida autorização de residência, pelo que a apreciação da violação, por parte da sentença recorrida, do n.º 6 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007 … se afigura inútil», para além de que não foi rebatido «o fundamento, igualmente aduzido na sentença recorrida, segundo o qual o procedimento previsto no artigo 123.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/2007 … e do n.º 2 do artigo 62.º do Decreto Regulamentar é um procedimento oficioso, não existindo “…qualquer procedimento de iniciativa oficiosa promovida por proposta do Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dirigido ao Ministro da Administração Interna, nem tão-pouco pelo próprio Ministro da Administração Interna”, fundamento de improcedência da ação que, por não ter sido atacado, sempre permaneceria mesmo que o Tribunal concluísse pela procedência da alegação do Recorrente, que sempre seria infrutífera dado ser insuficiente para mudar o decidido pelo T.A.F. do Porto», termos em que «o procedimento previsto no n.º 2 do referido art. 88.º, e conforme decorre expressamente dos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 54.º, do Decreto Regulamentar 84/2007, na redação do Decreto Regulamentar 2/2013 … é um procedimento oficioso …, ou seja, a sua abertura depende de decisão de um órgão da Administração – in casu, do Ministro da Administração Interna (sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências), por sua iniciativa ou mediante proposta do diretor nacional do SEF -, sendo certo que a manifestação de interesse … não tem a virtualidade de despoletar, isto é, de iniciar o procedimento administrativo, ao contrário do que acontece nos procedimentos particulares, em que o requerimento do interessado é, no plano prático, o próprio ato de abertura do procedimento. … Assim sendo, e perante a manifestação de interesse descrita … apenas impendia sobre o recorrido um dever de resposta - que implica a ponderação sobre a abertura (ou não) do procedimento administrativo em causa (cfr. art. 13.º, n.º 1, do CPA de 2015) - e não também um dever de decisão sobre a solicitação de concessão de autorização de residência, isto é, sobre a pretensão jurídica substantiva do recorrente, visto que esse dever de decisão apenas existe após a Administração se decidir pela abertura do procedimento administrativo em causa».

8. O A., ora Recorrente, insurge-se contra o juízo de improcedência da sua pretensão, acometendo-o de erro de julgamento, mercê da incorreta aferição pelas instâncias do quadro normativo supra enunciado.

9. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação, por este Supremo Tribunal, é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

10. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que não se mostra persuasiva a motivação/argumentação expendida pelo A., aqui recorrente, não se descortinando a relevância jurídica e social fundamental, nem quanto ao juízo firmado se revela uma necessidade de melhor aplicação do direito.

11. Assim, não se vislumbra, por um lado, que as concretas questões colocadas e a tratar no quadro da revista reclamem labor de interpretação, ou que se mostrem de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise venha suscitando dúvidas sérias, aliás não suficientemente sinalizadas, antes se apresentando com um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a temática em presença.

12. E para além do manifesto interesse que o caso concreto terá para o recorrente não se vislumbra no mesmo uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso e a sua singularidade, tanto mais que o juízo nele firmado se mostra, em grande medida, assente nas particularidades factuais do caso.

13. Por outro lado, não se descortina a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, pois a alegação expendida pelo A., ora recorrente, não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que primo conspectu as instâncias decidiram com pleno acerto, tanto mais que o juízo firmado, mormente o do TCA/N no acórdão sob censura, não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, fundamentado não só numa interpretação cuidada, coerente e razoável do quadro normativo convocado, mas, também, no que derivou dos termos e limites decorrentes da impugnação que havia sido dirigida à decisão do TAF, o que torna desnecessária a intervenção do Supremo para melhor aplicação do direito.

14. Em suma, no presente recurso não se mostram colocadas questões que assumam relevância social e jurídica fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação feita das mesmas pelas instâncias que reclame claramente a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que tudo conflui para a conclusão de que a presente revista se apresenta como inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do A./recorrente, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
D.N..


Lisboa, 24 de março de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.