Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:09/06.0BELRS-A
Data do Acordão:04/13/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:SOCIEDADE EXTINTA
EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
SUCESSÃO DE SOCIEDADE
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I – O dever de gestão processual estatuído nos arts. 87º nº 1 a) do CPTA e 6º nº 2 do CPC apenas permite o suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação.
II – A falta de personalidade jurídica da sociedade Autora, extinta antes da propositura da ação (com a inerente falta de personalidade judiciária), é insuscetível de sanação.
III – Os arts. 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais estabelecem que cumpre aos liquidatários e sócios instaurar ações tendentes à cobrança de créditos de sociedade extinta (ou que deve ser contra os mesmos intentadas as ações tendentes a cobrar dívidas da sociedade extinta) – tudo dentro do prazo de prescrição de 5 anos a contar do registo da extinção da sociedade (art. 174º nº 3 do CSC).
IV – O art. 162º do CSC - ressalvado na parte final da alínea a) do nº 1 do art. 269º do CPC e na parte final do nº 3 do art. 354º do mesmo CPC – permite a substituição da sociedade pelos sócios, representados pelos liquidatários (sem necessidade de suspensão da instância e de incidente formal de habilitação), mas apenas em “ações pendentes” aquando da extinção.
V – O incidente de habilitação, regulado nos arts. 351º e segs. do CPC, também se destina a substituir, pelos sucessores, partes falecidas (ou extintas) “na pendência da causa” (cfr. nº 1 do art. 351º). A exceção prevista no nº 3 do art. 351º - permitindo a habilitação em caso de falecimento antes da propositura da ação – compreende-se por limitar-se a situações ainda próximas (casos excecionais em que o mandato é suscetível de ser ainda exercido depois da morte do constituinte – o que remete para o disposto no art. 1175º do Código Civil).
VI – Porém, ainda que se admita que esta previsão excecional possa ser aplicável à extinção de sociedades, e não apenas ao falecimento de pessoas físicas, sempre seriam de exigir a alegação e a prova dos requisitos previstos no art. 1175º do Código Civil para a subsistência de mandato apto a justificar a propositura da ação.
VII – Tais circunstâncias, aliás não alegadas, não se coadunam com a propositura de uma ação executiva quase 5 anos após o registo, na Conservatória do Registo Comercial, da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade autora, pelo que resulta inevitável a absolvição da instância do executado demandado, nos termos dos arts. 89º nºs 2 e 4 c) do CPTA e 278º nº 1 c) e 577º c) do CPC.
Nº Convencional:JSTA00071712
Nº do Documento:SA12023041309/06
Data de Entrada:01/31/2023
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA VELHA DE RÓDÃO
Recorrido 1:A..., LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Legislação Nacional:ARTIGOS 87º nº 1 a), 89º nºs 2 e 4 c) do CPTA, 6º nº 2, parte final da alínea a) do nº 1 do art. 269º e parte final do nº 3 do art. 354º, 351 E SS, 278º nº 1 c) e 577º c) do CPC, 162º, 163º, 164º, 174º, N.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, 1175º DO CC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “MUNICÍPIO DE VILA VELHA DE RÓDÃO”, Executado na presente ação executiva contra si instaurada pela sociedade “A..., Lda.” para pagamento de quantia certa (120.638,64€ + 6.945,77€, além de juros), vem interpor o presente recurso de revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 20/10/2022 (cfr. fls. 233 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso de apelação que a sociedade Exequente interpusera do saneador-sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC/Lx), de 20/6/2018 (cfr. fls. 102 e segs. SITAF) - que havia julgado procedente a exceção dilatória insuprível da falta de personalidade judiciária da Exequente e absolvido o Executado da instância -, e que, revogando esta sentença, determinou a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para prolação de despacho no sentido de ser suprida a falta do pressuposto processual da personalidade jurídica e judiciária da Exequente.

2. O Recorrente/Executado “Município” concluiu do seguinte modo as suas alegações do presente recurso de revista (cfr. fls. 258 e segs. SITAF):

«1ª – Ex vi do nº 1 do art. 150º do CPTA pode haver excecionalmente recurso de revista das decisões proferidas em 2ª instância pelo TCA para o STA, quando esteja em causa uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
2ª - No caso sub judicio trata-se de uma questão de direito que consiste em saber se uma sociedade comercial, já declarada dissolvida e registada a dissolução e encerramento da liquidação à data da instauração da ação de execução, poderá ser Autora, ou se, pelo contrário, não era suscetível de ser parte, devendo ser julgada procedente a exceção dilatória da sua falta de personalidade jurídica e judiciária e absolvido o executado da instância;
3ª - O Tribunal de 1ª instância decidiu absolver o executado da instância por falta de personalidade judiciária da exequente por a ação executiva ter sido instaurada após há muito ter sido declarada e registada a sua dissolução e liquidação;
4ª – Considerando estar perante uma exceção dilatória insuprível e de conhecimento oficioso que inexoravelmente tem de determinar a absolvição da executada da instância;
5ª – Pelo contrário o TCA-Sul concedeu provimento ao recurso, por considerar que uma entidade não poderá deixar de pagar eventual dívida, a pretexto da dissolução da sociedade exequente, por tal configurar “benefício do infrator;
6ª – Mais considerando que a extinção da sociedade não invalidará que na presente execução possa ocorrer a substituição da exequente já extinta pela generalidade dos seus sócios, suprindo-se assim a falta de personalidade judiciária, nos termos do art. 6º nº 2 do CPC;
7ª – Salvo o devido respeito, que é muito, afigura-se que o acórdão recorrido enferma de manifesto erro;
8ª – Considerando-se não poder a falta de personalidade judiciária ser suprida ao abrigo do dever de gestão processual previsto no art. 6º do CPC;
9ª – E sendo certo que, extinta uma pessoa coletiva, não se extinguem as relações jurídicas de que era titular, o certo é que a execução teria de ser instaurada em devido tempo mas apenas pelos sócios seus sucessores e não pela sociedade extinta;
10ª – Trata-se in casu de uma questão de inegável relevância jurídica capaz de se replicar noutros casos, sendo a admissão do recurso de revista claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
11ª – Justificando-se, pois, in casu a intervenção corretiva do STA ditada pela necessidade duma melhor aplicação do direito, devendo, pois, o recurso de revista excecional ser admitido;
12ª – O recorrente revê-se inteiramente na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, discordando frontalmente do acórdão proferido pelo TCA-Sul;
13ª – A falta da personalidade judiciária da exequente é insuprível, sendo um vício insanável que constitui uma exceção dilatória que deve conduzir à absolvição da instância do executado;
14ª – Salvo o devido respeito, que é muito, afigura-se que, fazendo subsistir na ordem jurídica a decisão tomada pelo douto acórdão recorrido, tal consubstanciaria um claro erro de direito;
15ª – Impondo-se que o STA, como tribunal de cúpula da jurisdição administrativa corrija tal erro de direito de que enferma o acórdão do TCA-Sul e assim proceda á sua revogação;

Termos em que, com o mui douto suprimento de V.Excias, Venerandos Juízes-Conselheiros deve:
a) Ser admitido o presente recurso de revista excecional;
b) Ser concedido provimento ao presente recurso, devendo ser revogado o douto acórdão recorrido».

3. A Recorrida/Exequente “A..., Lda.”, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma (cfr. fls. 270 e segs. SITAF):

«1) Conforme resulta de fls., a Exequente/Recorrida intentou, por apenso aos autos de ação administrativa comum, sob a forma ordinária, a presente execução para pagamento de quantia certa, contra o Executado/Recorrido, na qual peticionou a execução do julgado do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 20/02/2014, e que julgou aquela ação administrativa comum, sob a forma ordinária, procedente e condenou o ora Executado no pedido, ou seja, no pagamento da quantia de € 120.638,64;
2) Peticionou ainda a condenação do Executado/Recorrente no pagamento dos juros de mora, já vencidos, no valor de € 93.071,09, acrescido dos juros legais que se vencerem até integral e efetivo pagamento, quantias essas a serem pagas pela dotação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o pagamento da quantia de € 6.945,77, acrescida do valor dos juros legais que se vencerem até integral e efetivo pagamento, a título de custas de parte, juros e sanção pecuniária compulsória;
3) Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que julgou procedente a ação administrativa comum, sob a forma ordinária, apensa, já transitou em julgado, mas o Executado não pagou as quantias em dívida, nem no prazo previsto no artigo 170.º, n.º 1 do CPTA, nem posteriormente;
4) Não se conformando com a Sentença de fls., a Exequente/Recorrida interpôs recurso alegando o que consta de fls.;
5) Por Acórdão de fls., foi decidido o acima transcrito;
6) Não concordando com o decidido, o Executado/Recorrente interpôs recurso de revista alegando o que consta de fls., nomeadamente a revogação do acórdão, em virtude da falta de personalidade judiciária, ser uma exceção dilatória insanável;
7) Com a extinção - que só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação - deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem; As ações pendentes, em que a sociedade seja parte, continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários;
8) Sempre se deverá considerar que, extinta a pessoa coletiva antes de proposta contra a si a ação, e só tendo o demandante, no caso a exequente, conhecimento desse facto já na pendência da ação, deverá ser suspensa a instância para que aquela possa requerer a habilitação dos sócios da pessoa coletiva extinta;
9) Pois o facto de ter ocorrido a extinção da sociedade em data anterior à propositura da ação, não implica, desde logo, que se decrete a absolvição da instância do executado, sem que pelo menos antes se providencie pela habilitação dos sócios, seus sucessores;
10) A lei permite que se realize a habilitação de sucessores no âmbito do incidente de habilitação previsto no CPC, mesmo que, no decorrer da tramitação processual da ação, se reconheça que a causa que gera a habilitação ocorreu em data anterior à propositura da ação, e não só nos casos da mesma ocorrer já no decurso da ação (cfr. art. 351º nº 2 do CPC);
11) No caso vertente o máximo que poderia suceder era a substituição da exequente pela generalidade dos sócios, conforme se prevê no art. 162º do CSC;
12) Mas, mesmo que assim não o entendesse, à MMª Juiz a quo impunha-se que, pelo menos, ordenasse a suspensão da instância, nos termos dos arts. 269º nº 1, al. a) e 270º, nº 1 do CPC, a fim de que a exequente providenciasse para que a habilitação dos sócios da extinta sociedade exequente se efetivasse, para efeitos do art. 163º do CSC, pois a lei impõe habilitação de sucessores, mesmo que o facto que alicerce tal habilitação tenha ocorrido em data anterior à propositura da ação;
13) Acresce que a falta de um pressuposto processual não determina, automaticamente, a extinção da instância, desde que possa suprir-se, como claramente resulta do art. 6º nº 2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de, mesmo oficiosamente, determinar a realização dos atos processuais necessários à sua regularização;
14) Partilha a Recorrida do entendimento dos Venerandos Juízes Desembargadores, tendo os mesmos interpretado e aplicado as normas ao caso em concreto;
15) Não houve erro, nem incorreta aplicação do direito ao caso em concreto;
16) A decisão tomada pelos Venerandos Juízes Desembargadores foi correta, tendo em conta as normas legais aplicadas e elencadas na sua fundamentação;
17) O recurso apresentado pelo Recorrente não merece provimento, uma vez que os Venerandos Juízes Desembargadores “quo” interpretaram bem as normas aplicáveis ao caso concreto;
18) Face a todos os motivos supra explanados, deve o Acórdão recorrido manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o Acórdão recorrido manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto pelo Recorrente, com todas as consequências daí resultantes, fazendo-se a costumada: JUSTIÇA».

4. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 12/1/2023 (cfr. fls. 288 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«2. [O Recorrente] Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista (cfr. fls. 258/264) na relevância jurídica da questão objeto de dissídio (a qual em decorrência de decisão judicial que declarou a insolvência da sociedade exequente envolve, mormente, a definição/precisão quanto ao momento da extinção/dissolução da sociedade para efeitos da aferição e existência de personalidade jurídica/judiciária da mesma e da possibilidade de suprimento da exceção) e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto nos arts. 162° do Código das Sociedades Comerciais (CSC), 06º, nº 2, 11º, 12°, 278°, nº 1, al. c), 576°, e 577º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil (CPC/2013).
3. A exequente devidamente notificada produziu contra-alegações em sede de recurso de revista (cfr. fls. 270/277) nas quais pugna pela sua improcedência.
(…)
6. O TAC/LSB julgou procedente a exceção de falta de personalidade judiciária da Exequente, pelo que absolveu o Executado da instância executiva sub specie, decisão essa que veio a ser revogada pelo TCA/S.
(…)
10. Presente o objeto de dissídio na revista sub specie temos que a concreta e atrás explicitada quaestio juris revela-se como dotada de relevância jurídica fundamental, porquanto a mesma envolve não só complexidade jurídica já que para a sua dilucidação se exige a devida concatenação de variado quadro normativo e conceptual, complexidade essa, aliás, indiciada pelos juízos diametralmente divergentes das instâncias, como também a mesma assume carácter paradigmático e exemplar, dado que dotada de capacidade de expansão da controvérsia, de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos para outras situações futuras indeterminadas e que reclamam deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras.
11. Por outro lado, a pronúncia do TCA/S, atentas as críticas que lhe foram dirigidas pelo recorrente, não se mostra isenta de alguma controvérsia e não está imune à dúvida, carecendo de devida dilucidação por parte deste Supremo para aferir do seu acerto, pelo que temos como justificada a necessidade de admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática».

5. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer (cfr. fls. 297 e segs. SITAF), no sentido de ser concedido provimento à revista.

Para tanto ponderou, designadamente:

«(…) No douto Acórdão recorrido, e depois de referenciada jurisprudência dos tribunais comuns (…) foi por isso considerado impor-se o suprimento da exceção em causa e o prosseguimento da instância executiva.
Sucede é que no caso dos presentes autos, e ao contrário do que sucedera nesses processos, a execução não se encontrava pendente aquando da extinção da sociedade, pois o que se verifica é que a ação executiva foi apresentada em juízo num momento em que a sociedade se encontrava já extinta e liquidada, o que obsta a que se possa lançar mão da aplicação do disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais (…).
É verdade que, e como se refere impressivamente no Acórdão recorrido, a extinção da sociedade não pode implicar a igual extinção de créditos de que a mesma fosse titular, e daí que aos sócios daquela seja possível efetuar a cobrança contenciosa dos mesmos e que subsistam para além do registo do encerramento da liquidação, mas (…) não pode é ser a sociedade extinta a intentar ela própria a ação para a correspondente cobrança judicial por não dispor nesse momento nem de personalidade jurídica e nem de personalidade judiciária, isto porque a sua extinção corresponde à morte civil da pessoa física.
Por outro lado, ainda a nosso ver e ao contrário do que refere a Recorrida/Exequente, não é também possível que seja a sociedade extinta a pedir a sua habilitação, porque, e como se refere no nº 1, do artigo 351º, do CPC, este incidente de alteração subjetiva da instância apenas é admissível na pendência da causa, ou, ainda que o correspondente fundamento tenha ocorrido antes da instauração da ação, tal apenas é possível na situação especifica referenciada no nº 3, do artigo 351º, do CPC, que se não confunde com o caso dos autos pois o que aí se procura resolver é a possibilidade do autor ter falecido antes da propositura da ação e desta ter sido proposta com base em mandato suscetível de ser exercido depois da morte do constituinte ou da extinção do mandante (cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Anotado, 4ª edição, Almedina, p. 692/693).
Acresce que também nos parece vedado que ao juiz seja possível notificar a sociedade extinta, ou os seus sócios, com a formulação de um convite para a apresentação de nova ação executiva em ordem à sanação da exceção e em função do dever de gestão processual (artigo 6º, nº 2, do CPC), isto precisamente porque o vicio contende com o início da própria instância (…).
Com isto não está em causa, com esta posição, um excesso de formalismo incompatível com o dever de gestão processual à luz do princípio pro actione, e por isso mesmo ultrapassável, mas sim um erro cometido nos termos em que foi proposta a ação executiva, o que vale dizer que não pode caber ao tribunal ultrapassar ou substituir-se às partes na sanação das suas próprias falhas.
Neste sentido, ou seja, sobre o princípio da natureza insuprível e insanável da falta de personalidade judiciária quando imputada à parte demandante, se vem pronunciado a jurisprudência dos tribunais comuns (…)
Neste condicionalismo, e em síntese, entendemos pois que a razão está do lado da decisão tomada na 1ª instância, isto porque com o registo de encerramento da liquidação terminou a personalidade jurídica da Recorrida/Exequente, e não tendo a mesma personalidade jurídica não tem também personalidade judiciária, isto é a suscetibilidade de ser parte, e tal constitui exceção dilatória insuscetível de sanação, que constitui vicio insuprível e obsta a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278º, nº 1, alínea c), 576º, nº 1 e 2, e 577º, alínea c), todos do CPC, com o que acarreta a absolvição da instância do Recorrente/Executado, mas sem prejuízo da possibilidade dos sócios da sociedade extinta poderem apresentar uma nova ação executiva para cobrança do credito que foi da titularidade da sociedade, e com o que podem para tanto fazer uso da prerrogativa prevista no artigo 279º, nº 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º, do CPTA».

6. A Recorrida/Exequente veio responder ao parecer, afirmando não assistir razão ao Ministério Público, insistindo, pois, pelo não provimento da revista (cfr. fls. 310/311 SITAF).

7. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*

II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

8. Constitui objeto do presente recurso de revista apreciar e decidir, no âmbito delimitado pelas alegações do Recorrente/Executado “Município” (designadamente, nas respetivas conclusões), e tendo em consideração os factos dados como provados, se o Acórdão do TCAS recorrido procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação, interposto pela Recorrida/Exequente, ao julgar, contrariamente ao decidido em 1ª instância pelo TAC/Lx, que se impunha – em vez da absolvição do Executado da instância executiva – o convite ao suprimento do pressuposto processual em falta (personalidade jurídica e judiciária da sociedade Exequente).
*

III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

9. As instâncias deram como relevantemente provados os seguintes factos:

«A. Na ação administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, apensa a estes autos de execução, intentada pela ora Exequente contra o ora Executado, foi proferida sentença, em 02 de setembro de 2010, que julgou aquela ação totalmente improcedente – cfr. fls. 318 a 341 do processo n.º 9/06.0BELRS apenso (suporte físico);

B. Por Acórdão proferido Tribunal Central Administrativo Sul, em 2 de fevereiro de 2014 a sentença referida na alínea antecedente foi revogada e a ação foi julgada procedente – cfr. fls. 398 a 440 do processo n.º 9/06.0BELRS apenso (suporte físico);

C. Do Acórdão referido na alínea antecedente não foi interposto recurso jurisdicional – cfr. processo n.º 9/06.0BELRS apenso;

D. Em 20 de agosto de 2014, a Exequente apresentou em juízo a petição de execução do presente processo - cfr. fls. 480 do processo n.º 9/06.0BELRS apenso (suporte físico);

E. Pela AP ...71, de 21 de outubro de 2009, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a dissolução e encerramento da liquidação da Exequente – cfr. documento a fls. 94 a 98 dos autos».
*

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

10. O TAC/Lx. havia decidido, em 1ª instância, a absolvição da instância do Executado “Município” em decorrência da falta de personalidade jurídica (e, inerentemente, judiciária) da Exequente, pois que a presente ação executiva havia sido instaurada pela sociedade Exequente quando esta já se encontrava extinta.

O TCAS, pelo Acórdão recorrido, revogou aquela decisão e ordenou a baixa ao tribunal “a quo” para que fosse endereçado convite em ordem a ser suprida a falta do pressuposto processual em causa.

Fundamentou da seguinte forma o Acórdão recorrido:

«(…) A presente questão, no entanto, prende-se com a circunstância da Sociedade se encontrar já extinta aquando da apresentação da Execução.
É certo, como sumariado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 12169/09.9TBVNG-A.P1, 15-12-2020 “(…) que a sociedade deva ser substituída, na execução, pela generalidade dos sócios, nos termos da norma do art. 162º nº 1 CSCom.”.
(…) Só que a presente Execução não se encontrava pendente aquando da extinção da Sociedade, tendo antes, como se disse, sido apresentada quando a Sociedade se encontrava já extinta.
Efetivamente, estabelece o nº 1, do artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais que “as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios representados pelos liquidatários”, constando do nº 2 que “a instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Com a extinção da Sociedade, que só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação, deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem.
Em qualquer caso, essa circunstância não invalidará que na presente Execução possa ocorrer a substituição da exequente, já extinta, pela generalidade dos seus sócios, representados pelos Liquidatários, suprindo-se, assim, a falta do verificado pressuposto processual.
Deste modo, na presente Execução, deveria assim ter ocorrido a substituição da exequente pela generalidade dos sócios.
A falta de um pressuposto processual não determina necessária e automaticamente, a extinção da instância, desde que possa suprir-se o mesmo, como resulta do art. 6º nº 2 do CPC, que impõe ao tribunal o dever de determinar a realização dos atos processuais necessários à sua regularização.
Se é verdade que com a extinção da sociedade deixa de existir a pessoa coletiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, em qualquer caso, as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem.
Assim, extinta a sociedade comercial, pelo registo de encerramento da liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculavam transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios.
Desde modo, à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do direito de acesso à justiça previsto no artigo 2º do CPTA e nos Artigos 20º, nº 4 e 268º, nº 4, da CRP, impõe-se determinar a revogação da Sentença Recorrida, determinar a baixa dos Autos ao Tribunal a quo, a quem caberá proferir despacho de modo a que o Exequente possa suprir a falta de personalidade nos termos supra referidos».

11. Sucede, porém, que, tal como alegado pelo Recorrente “Município”, o invocado dever de gestão processual, estatuído no nº 2 do art. 6º do CPC, apenas permite o suprimento de falta de pressupostos processuais sanáveis, o que não é o caso da falta de personalidade jurídica de uma parte (fora os casos excecionais, aqui não aplicáveis, ressalvados no art. 14º do CPC).

Da mesma forma, resulta inconsequente, no caso, a invocação do princípio do acesso à justiça garantido nos arts. 2º, 20º nº 4 e 268º nº 4 do CRP.

Efetivamente, fora dos já aludidos casos excecionais, a falta de personalidade jurídica é insanável.

Referia já, a este propósito, Alberto dos Reis (“CPC Anotado”, Vol. I, p.66):
«ao passo que a falta de personalidade não tem remédio e produz, por isso, inevitavelmente o efeito indicado, a capacidade e a irregularidade podem ser remediadas ou supridas».

Também Antunes Varela (“Manual de Processo Civil”, 2ª edição, p. 116):
«ao invés da incapacidade judiciária e da ilegitimidade, a carência de personalidade judiciária é, em princípio, irremovível», admitindo as aludidas exceções relativas às sucursais, agências, filiais e às sociedades irregulares.

No mesmo sentido, Castro Mendes (“Direito Processual Civil”, Vol. II, 1987, p. 34/36), admitindo, no entanto, exceções previstas na lei, como a habilitação de sucessores de parte falecida (art. 371º CPC, atual art. 351º).

Teixeira de Sousa, já no âmbito do CPC/95 (“Estudos sobre o Novo CPC”, Lex, 1997, p. 139/140), também só admitia a sanação da falta de personalidade judiciária nos termos do art. 8º CPC (atual art. 14º), e noutros casos excecionalmente previstos na lei, como no já referido de habilitação dos sucessores de parte falecida (art. 371º do CPC, atual art. 351º).

No âmbito do atual CPC/2013, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa (“CPC Anotado”, Vol. I, Almedina, 3ª edição, p. 45, anotação 3 ao art. 11º) referem que, em princípio, a falta de personalidade judiciária é insanável, pelo que, salvo casos excecionais (v.g. art. 14º do CPC), o juiz não tem de proferir qualquer decisão com vista ao seu suprimento, devendo decretar a absolvição da instância.

Ora, o poder/dever outorgado ao juiz pelo nº 2 do art. 6º do CPC, no âmbito das suas competências processuais, refere-se, como expressamente se diz nessa norma, à falta de pressupostos processuais sanáveis, sendo, assim, inaplicável aos casos como o dos presentes autos.

12. Não obstante, há que ponderar se não será aplicável, no caso, qualquer das previsões legais, incluídas nos arts. 351º e segs. do CPC, que permita a habilitação, na presente ação executiva, dos sucessores da sociedade Exequente extinta.

É que, operando-se a extinção de uma sociedade, deixa esta de existir como pessoa coletiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária - cfr. art. 160º do Código das Sociedades Comerciais e art. 3º nº 1 t) do Código do Registo Comercial -, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta dos arts. 162º, 163º e 164º do CSC.

E o art. 162º do CSC determina, no que concerne às “ações pendentes” em que a sociedade seja parte, que as mesmas prosseguem (após a extinção), sendo a sociedade substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem que haja suspensão da instância, por não ser necessário proceder-se a habilitação.

E é este regime, previsto no art. 162º do CSC – de desnecessidade de suspensão da instância e de habilitação – que se encontra ressalvado na parte final da alínea a) do nº 1 do art. 269º do CPC e na parte final do nº 3 do art. 354º do mesmo CPC.

Sucede, porém, como o próprio Acórdão recorrido não deixou de notar, que esta hipótese não é a dos presentes autos, pois o art. 162º do CSC estipula a consequência de extinção de sociedades relativamente a “ações pendentes” (cfr. sua epígrafe), sendo que, diferentemente, nestes autos, quando a presente ação executiva foi interposta já a sociedade Exequente se encontrava extinta, carecida, portanto, “ab initio”, de personalidade jurídica e judiciária.

E, para os casos, como o dos autos, de necessidade de instauração de ações (declarativas ou executivas) tendentes à cobrança de créditos da sociedade já extinta, existe previsão legal específica quanto à legitimidade para essa instauração, deferida expressamente, pelo nº 2 do art. 164º do CSC, «aos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor ação limitada ao seu interesse».

Daqui resulta que a presente ação executiva, em face da prévia extinção da sociedade, deveria ter sido instaurada pelo liquidatário, em representação dos sócios (ou por estes, ou por qualquer um destes, limitados aos respetivos interesses).

E cabe notar que os direitos reconhecidos aos sócios por este art. 164º do CSC prescrevem no prazo de 5 anos a contar do registo da extinção da sociedade - cfr. art. 174º nº 3 do CSC: «Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo» (sublinhado nosso).

13. Não sendo aplicável ao presente caso o regime de dispensa de suspensão da instância e de dispensa de habilitação previsto no art. 162º do CSC (regime ressalvado, como vimos, no CPC), resta ponderar se, ainda ao abrigo das disposições dos arts. 351º e segs do CPC, é possível, não obstante as circunstâncias destes autos, a substituição da sociedade Exequente pelos seus sucessores (liquidatário ou sócio/s).

Ocorre, porém, que o regime de habilitação-incidente previsto no art. 351º e segs. do CPC está também pensado para a substituição de sucessores de partes em processos pendentes – “sucessores da parte falecida na pendência da causa” (cfr. nº 1 do art. 351º do CPC).

Assim, a habilitação destina-se, como regra, a colocar na lide os sucessores de parte falecida na pendência de uma causa. E as exceções previstas – nomeadamente nos nºs 2 e 3 do referido art. 351º - compreendem-se por se tratar de hipóteses ainda próximas daquela regra: ou hipótese de demandado de que se vem a conhecer o seu decesso apenas no ato, frustrado, da citação (hipótese do nº 2); ou hipótese de demandante de que o próprio mandatário judicial desconhecia o decesso ao instaurar a ação, ou que esta ação tinha de ser instaurada com urgência sob pena de frustração de interesses imediatos dos sucessores (hipótese do nº 3).

Ora, não sendo caso de substituição dos sucessores da sociedade em processo pendente, já que a presente ação executiva não estava pendente – e, se fosse este o caso, nem seria, como vimos, necessária a suspensão da instância nem a habilitação (por aplicação, então do art. 162º do CSC) -, resta averiguar se a hipótese dos autos se pode integrar na previsão do nº 3 do art. 351º do CPC (ainda que sem dispensa, neste caso, da suspensão da instância nem da necessária habilitação).

14. Como já referimos, o nº 3 do art. 351º constitui uma exceção (tal como, aliás, o nº 2) à regra estabelecida no nº 1, de que a habilitação se destina a assegurar a substituição dos sucessores de partes falecidas “na pendência da causa”.

Efetivamente, admite, esse nº 3, a substituição, pelos sucessores, de partes falecidas “antes da instauração da ação”.

Porém, como exceção que é à mencionada regra do nº 1, apenas admite essa substituição em dois casos bem precisos e delimitados (por remissão para o art. 1175º do Código Civil): ou no caso de falecimento de demandante de que o próprio mandatário judicial desconhecia o decesso ao instaurar a ação; ou no caso de necessidade urgente da instauração da ação para obviar à frustração de interesses imediatos dos sucessores.

Na exata expressão da norma (nº 3 do art. 351º do CPC):
«Se o autor falecer depois de ter conferido mandato para a proposição da ação e antes de esta ter sido instaurada, pode promover-se a habilitação dos seus sucessores quando se verifique algum dos casos excecionais em que o mandato é suscetível de ser exercido depois da morte do constituinte».

Salvador da Costa (“Os incidentes da instância”, Almedina, 11ª edição, 2020, p. 199) defende que esta norma (nº 3 do art. 351º do CPC) é apenas aplicável ao decesso de pessoas físicas, sendo inaplicável à extinção de sociedades, argumentando:
«Considerando que a extinção das sociedades comerciais está sujeita a registo, facto que pode ser conhecido pela sua mera consulta, e que o referido normativo é excecional, pelo que é insuscetível de aplicação analógica, conforme decorre do artigo 11º do Código Civil, propendemos em considerar que se não aplica ao caso de as referidas sociedades já se terem extinguido aquando da instauração da execução».

Porém, este Autor não deixa de citar um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em sentido contrário.

15. Mas, ainda que se admita que o disposto no nº 3 do art. 351º do CPC é, em tese, também aplicável aos casos de extinção das sociedades comerciais, o certo é que sempre se encontrará limitada, a sua aplicação, aos casos excecionais nela mencionados: “casos excecionais em que o mandato é suscetível de ser exercido depois da morte [ou, admitindo-se: extinção] do constituinte”.

Como explica Salvador da Costa (ob. citada, p. 198), esta solução legal encontra-se relacionada com o regime substantivo, previsto nos arts. 1174º a) e 1175º do Código Civil, que determina que, não obstante o falecimento do mandante, o mandatário deve continuar a gestão do mandato, designadamente instaurando a ação tendente por exemplo à interrupção da prescrição ou ao impedimento da caducidade do direito de acionar até que os sucessores daquela a assumam, de modo a evitar-lhes prejuízo:
«Em suma, este normativo reporta-se aos casos em que o mandato foi conferido para a propositura da ação, o mandante faleceu e a ação foi intentada depois do seu decesso por o mandatário ignorar o falecimento, ou não o ignorando, se agiu em vez dos sucessores do “de cujus”, a fim de lhes evitar prejuízo.
Na hipótese de o mandatário saber do decesso do mandante e atuar ao abrigo da segunda parte deste normativo, deve alegar na petição inicial, complementarmente, os motivos justificativos do acionamento, em termos de convencer em juízo que a demora afetaria negativamente o interesse dos sucessores do mandante.
(…) No caso de o mandante ignorar, aquando da propositura da ação o decesso do mandante, tanto ele como a parte contrária, logo que o conheçam, devem juntar a certidão do seu registo, nos termos do nº 2 do artigo 270º, e o juiz em regra declara imediatamente a suspensão da instância, declaração essa que marca o começo do incidente de habilitação».

Trata-se, pois, de uma solução excecional - face à regra da habilitação de sucessores de parte falecida “na pendência da causa” – e que se compreende por ter em vista situações ainda próximas, de desconhecimento do óbito (naturalmente recente) do mandante, ou de necessidade de prover a urgente acautelamento de interesses imediatos dos sucessores, em decorrência desse (recente) falecimento do mandante.

Como se dispõe no art. 1175º do C.C.:
«1 - A morte do mandante ou a sentença de acompanhamento a ele relativa não faz caducar o mandato quando este tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro.
2 - Nos outros casos, só o faz caducar a partir do momento em que sejam conhecidas do mandatário, ou quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros».

E, como se julgou neste STA-Pleno da Secção de C.A. (Acórdão de 14/1/2010, proc. 012059):
«De acordo com o disposto no art. 1175º do Código Civil (parte final), se dela resultarem prejuízos para o mandante ou seus herdeiros, a caducidade do mandato judicial, por morte do mandante, não opera imediatamente com o óbito, devendo o mandatário prosseguir com a execução do seu mandato na medida do necessário para evitar os danos».

Ora, ainda que se admita a sua aplicabilidade também a casos de extinção de sociedades, o certo é que, tendo em conta as circunstâncias dos presentes autos, não se vê que o regime legal (excecional) previsto neste nº 3 do art. 351º do CPC, de habilitação dos sucessores de parte falecida (ou extinta) antes da propositura da ação, possa aqui ser utilizado, já que manifestamente não se enquadra nas hipóteses excecionais nele fixadas - “casos excecionais em que o mandato é suscetível de ser exercido depois da morte do constituinte”.

Na verdade, resulta dos factos dados como provados pelas instâncias que a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade aqui Exequente foi registada na Conservatória do Registo Comercial ... em 21/10/2009 (facto E) e que a presente ação executiva foi intentada em 20/8/2014 por aquela sociedade, extinta em 21/10/2009 (facto D).

Ou seja, a sociedade Exequente intentou a presente ação executiva (em 20/8/2014) cerca de 4 anos e 10 meses após a sua extinção (em 21/10/2009). Tal circunstância afasta, só por si, a aplicabilidade do regime excecional previsto no nº 3 do art. 351º do CPC (ainda que se admita, em tese, a sua aplicabilidade à extinção de sociedades), pois que não é possível admitir, no caso, o desconhecimento de uma suposta extinção recente, não conhecida pelo mandatário (facto, aliás, nem sequer alegado), nem a urgência de acautelamento de interesses imediatos dos sucessores, em decorrência da extinção, que não tivesse permitido a atempada instauração da ação executiva por quem de direito (no caso, liquidatários ou sócios, nos termos estatuídos no nº 2 do art. 164º do CSC), facto também nem sequer alegado.

16. Em face de tudo o exposto, é de concluir que nenhuma decisão podia ser tomada que não fosse a expressada pelo tribunal de 1ª instância, de absolvição do Executado “Município” da instância, por falta, insanável, de pressuposto processual de personalidade jurídica (e judiciária) da sociedade Exequente, não se mostrando possível, no caso, a habilitação dos liquidatários ou sócios como seus sucessores na presente lide.


*

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Conceder provimento ao presente recurso de revista interposto pelo Recorrente/Executado “Município de Vila Velha de Ródão”, revogando-se o Acórdão do TCAS recorrido, e mantendo-se o julgamento de absolvição da instância firmado em 1ª instância, no TAC/Lx.

Custas a cargo da Recorrida/Exequente.

D.N.

Lisboa, 13 de abril de 2023 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.