Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01357/13
Data do Acordão:12/05/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DESPACHO LIMINAR
CORRECÇÃO DA PETIÇÃO
PETIÇÃO INICIAL
Sumário:Numa providência cautelar, após a citação da entidade requerida, nos termos do art. 117º, n.º 1, do CPTA, não é possível proferir o despacho de correcção mencionado no art. 114º, n.º 4.
Nº Convencional:JSTA000P16693
Nº do Documento:SA12013120501357
Data de Entrada:10/18/2013
Recorrente:MEC
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I Relatório

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte de 14.6.2013 que, no âmbito da providência cautelar instaurada por A……, B…….., C……., D………, E……. e F………, concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto e revogou a decisão do TAF do Porto, de 25.3.2013, determinando a sua substituição por outra que notifique os recorrentes para suprir a falta de identificação dos Contra-interessados, no prazo de 5 dias.

Para tanto alegou, vindo a concluir assim a sua peça:
A) O presente recurso de revista é legalmente admissível, nos termos do art.º 150º, 1 do CPTA por ser essa admissão “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, já que o aqui Recorrente entende que a interpretação da lei vertida no douto Acórdão recorrido se traduz numa aplicação errada do direito que prejudica manifestamente o aqui Recorrente e também o próprio interesse público, dada a importância que esta matéria assume para o Estado de Direito, por estar em causa o cabal esclarecimento do papel do juiz e das partes num procedimento cautelar, quanto aos efeitos do despacho liminar em acção cautelar, na sua relação com o despacho de aperfeiçoamento referido no art.º 114º, 4 do CPTA. Ainda, em nome desse interesse público, acolher o merecimento do Acórdão aqui recorrido seria, na prática, inviabilizar qualquer decisão que viesse a ser favorável ao aqui Recorrente, pois os contratos dos requerentes cautelares, aqui recorridos, caducam em 31.8.2013, não sendo expectável qualquer decisão antes dessa data, ou, pelo menos, com efeito útil até essa data.
B) O Acórdão recorrido vem lançar uma dúvida séria sobre o verdadeiro conteúdo do art.º 114º, 4 do CPTA e do aperfeiçoamento judicial nos processos cautelares, dúvida que deverá ser esclarecida pelo Supremo Tribunal Administrativo, dado tratar-se, para além da sua importância, também de um instituto de aplicação frequente.
C) A questão central do presente recurso é saber se após proferimento de despacho liminar de admissão de requerimento inicial em acção cautelar, e perante a invocação de falta de requisitos processuais nos articulados, deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 114º, 4 do CPTA.
D) No sentido afirmativo foi proferido o aliás douto Acórdão aqui recorrido. No sentido contrário ao desse Acórdão, enfileira o aqui Recorrente.
E) O argumento decisivo para que seja anulado o Acórdão aqui recorrido é que o despacho de aperfeiçoamento que se encontra previsto no art.º 114º, 4 do CPTA é prévio ao proferimento do despacho liminar de admissão/recusa do requerimento inicial (art.º 116º, 2 do CPTA).
F) A inserção sistemática do art.º 114º, 4 do CPTA, antecedendo o art.º 116º do CPTA, assim no-lo indica, estabelecendo claramente qual o momento processual em que poderá ter lugar o despacho de aperfeiçoamento e fixa rigorosamente as consequências do despacho de admissão e a subsequente tramitação processual, revelando a impossibilidade de convite ao aperfeiçoamento noutro momento processual, que não previsto no art.º 116º, 1 do CPTA, ou seja, logo que o requerimento inicial seja concluso ao juiz para proferimento de despacho liminar.
G) É que a lei processual regula nos arts. 114º a 119º do CPTA, de forma completa, e sem deixar espaço a aplicação de lei subsidiária, a tramitação das providências cautelares.
H) Aliás, se o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal como o Código de Processo Civil após a reforma de 1995/96, aboliu a necessidade de ser proferido despacho liminar, só o mantendo em sede de providências cautelares, parece-nos que a manutenção deste despacho só encontra justificação na celeridade deste meio processual que deve ser encarado pelo juiz como um meio simples e rápido que permite acautelar, sem delongas, os prejuízos decorrentes da demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável.
I) Celeridade essa que seria irremediavelmente posta em causa com a descida à primeira instância da presente acção, pois caducando os contratos dos requerentes cautelares, aqui recorridos, em 31.8.2013, não é expectável decisão que decida a presente providência em tempo útil de vir a ser considerada pelo aqui Recorrente, mesmo em caso de decisão que lhe seja favorável.
J) Qualquer interpretação contrária ao entendimento aqui expendido, fundamento do presente recurso, violaria o art.º 114º, 4 do CPTA.”

Não houve contra-alegações.

O Magistrado do Ministério Público, notificado para o efeito, nada veio dizer.

Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir

II Factos

O acórdão recorrido deu por assente a factualidade nos seguintes termos:
1. Os AA./recorrentes instauraram a presente providência cautelar, contra o Ministério da Educação e “subsidiariamente contra” a Directora do Agrupamento de Escolas de ……., formulando os seguintes pedidos:
“1. “Seja decretada provisoriamente nos termos do artigo 131.º do CPTA as seguintes medidas providências cautelares:
- A) Suspender a eficácia do ato já identificado do senhor Secretário de Estado da Educação e da Administração Escolar na parte em que anulou os procedimentos concursais de contratação de Escola para o ano lectivo de 2012-2013 abertos pela Directora do Agrupamento de Escola de …….. que deram lugar aos horários preenchidos pelos Requerentes;
- B) Intimar as Requeridas para que se abstenham de anular ou revogar os contratos de trabalho dos Requerentes já descritos;
- C) Intimar as Requeridas para se absterem de abrir e realizar novos procedimentos concursais de contratação de escola para os horários que foram atribuídos aos Requerentes o ano lectivo 2012-2013, bem como de se absterem de celebrar novos contratos de trabalho com os novos docentes seleccionados;
- D) Ainda, subsidiariamente requerem que sejam as Requeridas intimadas a atribuir aos Requerentes provisoriamente os horários a que concorreram e lhes foram já atribuídos.
2. No caso de o decretamento provisório não vir a ser deferido, requerem os Requerentes o decretamento das mesmas medidas supra elencadas, mandando citar, assim que admitida a providência em causa, as Requeridas nos termos do artigo 128º do CPTA.
3.° Requer a citação urgente das Requeridas (por fax,), atento estar iminente a revogação dos contratos dos Requerente e abertura de novo procedimento concursal para o qual, aliás, já disponibilizou a primeira Requerida uma aplicação informática no site oficial”.
2. Nos termos do despacho de 31/1/2013, foi indeferido o pedido de decretamento provisório e ordenada a citação do R./Recorrido Ministério da Educação e Ciência.
3. O R./Recorrido Ministério da Educação e Ciência veio apresentar contestação onde, além do mais, suscitou a questão prévia da falta de indicação dos contra interessados e juntou a resolução fundamentada a que alude o art.º 128.º, nº 1 do CPTA.
4. Ordenada a notificação da oposição e resolução fundamentada aos AA./recorrentes, estes nada disseram.
5. Em 25/3/2013, foi proferida o seguinte despacho (decisão recorrida):
“Da Ilegitimidade Passiva do Ministério da Educação Por Falta de Indicação dos Contra-interessados.
A fls. 22 do requerimento inicial apresentado pelos Requerentes, os mesmos sustentam que nos presentes autos de providencia cautelar não existem contra interessados, alegando, para o efeito, que «O conceito de contra interessado nos processos cautelares é mais restrito que o que vem definido para as acções administrativas especiais pois a legitimidade passiva cinge-se apenas aos que possam ser directamente prejudicados com a procedências da providência e não a todos aqueles que tenham interesses legítimos.
Por isso, no caso concreto, a adopção das providências cautelares não causará aos candidatos preteridos nos concursos anulados quaisquer prejuízos directos na medida em que a sua esfera pessoal não sai directamente prejudicada com a procedência da mesma e, sendo evidente que o que ficou decidido foi o início de novos procedimentos concursais e não apenas uma retoma com aproveitamento do ato anulado». Na sua oposição, o Ministério da Educação, diversamente dos Requerentes, afirma existirem contra interessados; os quais são, desde logo, todos os candidatos opositores ao concurso para os horários em que foram seleccionados os aqui Requerentes, aberto pelo Agrupamento de Escolas de …….. e que não foram aí seleccionados, que podem ser atingidos com a procedência da providência. Conclui que, existindo contra interessados e não tendo os mesmos sido indicados pelos Requerentes houve clara violação do requisito a que deve obedecer o presente requerimento, conforme consta do art. 114º, n. 3 d) do CPTA. Apreciando e decidindo:
Segundo do disposto no art.º 57 º do CPTA «Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os Contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo», pelo que os Contra-interessados estão numa situação de litisconsórcio necessário passivo em relação à entidade autora do ato impugnado/suspendendo. Resulta do indicado art. 57º do CPTA que os contra interessados estão em situação de litisconsórcio necessário passivo em relação à Entidade Requerida, pelo que a falta de qualquer contra interessado gera a ilegitimidade passiva da Entidade Requerida, excepção dilatória que obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância da Entidade Requerida A concluir-se pela existência à contra interessados, importa ter presente que estando em causa um processo cautelar como é o presente, não assiste ao juiz o poder de proferir despacho de aperfeiçoamento do requerimento inicial apresentado, após ter sido proferido despacho liminar de admissão, não sendo aplicável aos autos o disposto nos artigos 508º, nº 3 e 265º nº 2 do Código de Processo Civil ex vi art.º 1º do CPTA. Para tal, seria necessário que se verificasse a existência de uma lacuna no âmbito do CPTA, o que não sucede, uma vez que conforme emerge da análise conjugada do disposto nos artigos 114º a 119º do CPTA, a tramitação das providências cautelares encontra-se aí regulada de forma completa, não havendo lugar à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Deste modo, forçoso é concluir que a prolação pelo juiz, neste momento processual, ou seja; já após ter proferido despacho liminar de admissão da presente providência; de um despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial consubstanciaria a prática de um ato ilegal, o que, nos termos do artigo 137º do CPC lhe está vedado realizar. A respeito desta temática; veja-se ainda o que refere Miguel Prata Roque, in Cadernos de Justiça Administrativa; nº 50, Março/Abril 2005, CEJUR, segundo o qual o novo contencioso administrativo não cedeu à vertigem da urgência a todo o custo. Ainda que seja possível evidenciar um manifesto favorecimento da posição processual do requerente continuamos a encontrar-nos perante um efectivo processo de partes norteado pelo princípio do dispositivo, ainda que temperado pelo princípio do inquisitório. Em conclusão, perante o que supra se explanou, resulta claro que o despacho de aperfeiçoamento encontra a sua justificação naquelas situações em que não houve lugar à intervenção liminar do juiz e em que não exista regulamentação que afaste essa possibilidade. Dito isto, importa verificar se na situação em análise deviam ter sido indicados contra interessados ou se, ao invés, assiste razão aos Requerentes quando afirmam, não existirem contra interessados nos presentes autos. Desde já adiantamos que se nos prefigura não assistir razão aos Requerentes, sendo para nós clara a existência de contra interessados que deviam ter sido indicados pelos Requerentes no âmbito do requerimento inicial afim de serem citados para os termos da presente providência cautelar. A este respeito, aderimos integralmente às razões apresentados pelo Ministério da Educação como justificativas da existência de contra interessados nestes autos. É que, como bem refere aquele ME, quando o ato suspendendo operar a revogação do procedimento concursal em que foram providos os Requerentes, aberto pela senhora Directora do Agrupamento de Escolas de ……., em 24.08.2012, esse acto efectuará um revogação anulatória desses mesmos procedimentos, por ilegalidade é, essa revogação, pelo seu fundamento, terá efeitos retroactivos à data do ato revogado, que será renovado. O concurso em causa, que foi aberto no Agrupamento de Escolas de …….., em 24.08.2012, uma vez extirpadas as alegadas ilegalidades que estão na base da sua anulação, as quais apenas afectam a convocação dos candidatos para aplicação do critério de selecção por que optou o referido agrupamento [avaliação curricular, e a definição de subcritérios concursais, retomará os seus termos, não estando em causa, conforme sugerem os Requerentes, um qualquer outro concurso “novo De facto, não está em causa a abertura de “novo” concurso, mas antes a repetição do concurso realizado, sem as alegadas ilegalidades que lhe foram apontadas pelo ato suspendendo, donde decorre que a Administração irá, necessariamente, retomar o procedimento em causa, sendo que o novo ato só poderá operar sobre a (i,) convocação dos candidatos e sobre a ii) redefinição dos subcritérios concursais para a avaliação curricular (critério de selecção por que optou o Agrupamento), por serem só esses factores os que se acham alegadamente eivados de ilegalidade, segundo o ato suspendendo. Deste modo, forçoso é concluir que todos os candidatos opositores ao concurso para os horários em que foram seleccionados os aqui Requerentes, aberto pelo Agrupamento de Escolas de …….. e que não foram aí seleccionados, que podem ser atingidos com a procedência da providência em causa, são contra interessados.
Em conclusão, não tendo os mesmos sido indicados pelos Requerentes como Contra-interessados no requerimento inicial na senda das considerações por nós explanadas, impõe-se dar por verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da Entidade Requerida, o que obsta ao prosseguimento dos autos conduzindo à sua absolvição da instância - cfr artigos 493º nº 2 e 494º al. e) do CPC aplicável ex vi art.º 1º do CPTA. Decisão
Nestes termos, julgo procedente, por provada, a excepção da ilegitimidade passiva do Ministério da Educação e, em consequência, absolvo-o da instância”.

III Direito

1. Por acórdão de 26.9.13 da formação a que alude o n.º 5 do art. 150º do CPTA foi deduzido, pelo MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA, o presente recurso de revista do acórdão do TCA Norte de 14.6.2013 que, no âmbito da providência cautelar instaurada pelos autores, concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto e revogou a decisão do TAF do Porto, de 25.3.2013, determinando a sua substituição por outra que notifique os recorrentes para suprir a falta de identificação dos Contra-interessados no prazo de 5 dias.
2. Os fundamentos de admissão do presente recurso, onde se definem as questões a que urge responder, encontram-se naquele acórdão explanados nos seguintes termos:
“A questão jurídica suscitada centra-se assim em saber se a falta de notificação para o requerente de uma providencia suprir a omissão de indicar os Contra-interessados, incumprindo o artigo 114.º n.º 4 do CPTA, pode ainda dar lugar a correcção desta falta em momento posterior, ou se fica prejudicada dada a especial celeridade a imprimir às providencias cautelares, a possibilidade de ser ordenada a intervenção dos Contra-interessados e deste modo coarctada a iniciativa do juiz quanto a este pressuposto. O Acórdão recorrido optou pelo entendimento de que é ainda possível e deve ser ordenado o aperfeiçoamento com vista a permitir remediar a ilegitimidade passiva decorrente de não serem chamados a intervir no pleito os Contra-interessados, não havendo assim lugar a declarar-se a manifesta ilegitimidade de que fala a al. c) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA. Esta é uma solução que se apresenta controversa face às referencias do n.º 4 do artigo 114.º, n.º 2, c), do art.º 116.º e parte inicial do n.º 1 do art.º 117.º, aliada à expressa previsão de a falta poder permitir a apresentação de nova providência mencionada no n.º 4 do artigo 116.º. Mas acolhe-se à relevância da excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio que dá lugar a tratamento expresso no artigo 117.º e ao princípio “pro initiata instantia”.
Trata-se de questão frequente que não mereceu ainda um tratamento específico na jurisprudência do Supremo e sobre a qual a emissão de orientação pode contribuir para a certeza e previsibilidade do direito e assim para uma melhor administração da justiça em sentido objectivo.”
3. Vejamos então. As requerentes da presente providência cautelar vieram pedir a suspensão da eficácia de um acto do Secretário de Estado da Educação e da Administração Escolar na parte em que anulou os procedimentos concursais de contratação de uma Escola para o ano lectivo de 2012-2013, abertos pela Directora do Agrupamento de Escola de ……. que deram lugar aos horários preenchidos pelos Requerentes.
A primeira questão que o acórdão recorrido resolveu consistiu em ter determinado que todos os concorrentes que foram opositores ao concurso anulado eram contra-interessados nestes autos por terem interesse legítimo na sua manutenção no procedimento concursal, após a correcção dos critérios de selecção e da expurgação dos vícios que determinaram a sua anulação, tendo agora a legítima expectativa de virem a conseguir um dos lugares postos a concurso. Esta conclusão é inatacável e também não está em discussão.
A segunda questão, aquela que determinou a admissão da revista, consiste em esclarecer, e decidir, se após o despacho de citação é possível a correcção da petição inicial no sentido de permitir ao requerente da providência cautelar a identificação de contra-interessados (que não indicou no requerimento inicial nem na resposta à contestação, peça onde a questão foi levantada).
O acórdão recorrido concluiu que sim.
Sobre o assunto regem os seguintes artigos do CPTA:
114º, epigrafado de “Momento e forma do pedido
(…)
2.
c) Identificar a entidade demandada;
d) Identificar os contra-interessados a quem a adopção da providência cautelar possa directamente prejudicar;
(…)
4. Na falta de indicação de qualquer dos elementos enunciados no número anterior, o interessado é notificado para suprir a falta no prazo de cinco dias.
116º, epigrafado de “Despacho liminar
1. Sobre o requerimento do interessado recai despacho de admissão ou rejeição.
2. Constituem fundamento de rejeição:
a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;
b) A manifesta ilegitimidade do requerente;
c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida;
(…)
3. A rejeição com os fundamentos indicados nas alíneas a) e c) do número anterior não obsta à possibilidade de apresentação de novo requerimento.
4. A rejeição com os fundamentos indicados nas alíneas b) e d) do n.º 2 não obsta à possibilidade de apresentação de novo requerimento com fundamentos diferentes ou supervenientes em relação aos invocados no requerimento anterior.
117º, epigrafado de “Citação dos contra-interessados
1. Não havendo fundamento para rejeição, o requerimento é admitido, sendo citados para deduzir oposição a entidade requerida e os contra-interessados, se os houver, no prazo de 10 dias.
(…).
4. Assim, temos que os requerentes no requerimento inicial não indicaram contra-interessados; constatou-se, posteriormente, que existiam. Essa peça não foi mandada corrigir, nos termos do art. 114º, n.º 4, o que é para ser feito no despacho liminar do art. 116º, n. 1.
A este propósito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha no seu “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, 2007, pag. 671, referem o seguinte:
“Como é evidente, o n.º 4 deste artigo 114º, ao prever um despacho de aperfeiçoamento em momento prévio à citação, afasta a aplicabilidade do artigo 508º, n.º 3, do CPC, que só seria aqui porventura de admitir, por analogia, em caso de lacuna. O despacho de aperfeiçoamento precede, assim, necessariamente o despacho liminar de admissão ou rejeição do requerimento cautelar, e, caso não seja proferido, o despacho liminar de admissão consolida-se, de modo que as irregularidades ou deficiências do requerimento que possam existir e não tenham sido detectadas só poderão depois porventura determinar o indeferimento da providência em decisão de mérito. Note-se que a falta do despacho de aperfeiçoamento não constitui sequer uma nulidade processual, visto que não se trata de uma formalidade processual que a lei especialmente prescreva e que deva ter sempre lugar, mas de um poder-dever do juiz, para cujo incumprimento não existe sanção específica”.
Estas considerações, a que se adere sem reservas, resolvem definitivamente a questão. Se não vejamos. O art. 114º, n.º 3, enumera os pontos que devem constar do requerimento inicial, vendo-se, na alínea d), que é obrigação do interessado, entre outras, “identificar os contra-interessados …”, e no n.º 4, que na ausência dessa identificação ele é notificado para suprir a falta. Não se vê na lei qualquer sanção para a omissão desta notificação. Em bom rigor não se trata propriamente de uma falta do tribunal. Trata-se, antes de mais, de uma falta do próprio requerente, que não cumpriu, como interveniente principal, uma obrigação que a lei lhe impunha, incumprimento de que o juiz não é responsável e de que se não apercebeu.
Passada a fase dos três primeiros números do art. 114º, cujo cumprimento cabe ao requerente da providência, passa-se à do art. 116º, ao despacho liminar. Com o n.º 1 o tribunal tem a possibilidade de fazer corrigir o requerimento inicial, diligenciando nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art. 114º. O n.º 2 permite-lhe rejeitar o pedido, evidentemente desde que se aperceba do facto que a determina. Se não se aperceber (ou não existir) segue-se a citação de todos os intervenientes, contemplada no art. 117º, n.º 1 (apesar da epígrafe do preceito se referir apenas à “Citação dos contra-interessados”). Chegados aqui não é possível regressar à fase anterior. Segue-se a fase da produção de prova (art. 118º) e a da decisão (art.s 119º e ss). Esta ordenação por fases resulta de opção legislativa, evidenciada pelo teor dos próprios preceitos e a sua inserção no Código, onde se vê uma vontade de ir encerrando portas à medida que se vai avançando, de modo a não reabrir a discussão de aspectos já ultrapassados e assim conseguir uma decisão mais célere, quebrando com procedimentos que vinham da LPTA. Desiderato que se vê, igualmente, na acção administrativa especial como decorre do n.º 2 do art. 87º, a do momento da primeira intervenção (na normalidade das coisas) do juiz no processo.
Se o tribunal apenas se aperceber da falta de indicação de contra-interessados nesta fase (ou outro dos restantes pontos referidos no art. 116º, n.º 2) terá que o afirmar na sentença. A constatação desse facto nesse momento concede ao interessado “a possibilidade de apresentação de novo requerimento”, nos termos do art. 116º, n.º 3, por equivaler à rejeição prevista neste preceito para a fase do despacho liminar (se o interessado pode apresentar novo requerimento mesmo após o convite, não respeitado, para suprir a falta por maioria de razão o pode fazer, ainda que mais tarde, quando um tal convite não existiu).
A alusão ao princípio constante do art. 7º do CPTA não faz sentido in casu. Em primeiro lugar, a decisão de mérito que era possível dar naquele momento já foi dada. Depois, o princípio pro actione não pode ser invocado para alterar o sentido impositivo das normas, o que seria o caso se os preceitos em questão fossem interpretados de forma diferente.
Procede, assim, inteiramente o presente recurso.

IV Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em conceder a revista, em revogar o acórdão recorrido e em fazer subsistir a decisão do TAF (absolvição do recorrente da instância com fundamento na sua manifesta ilegitimidade passiva por falta de indicação dos contra-interessados, nos termos da supra transcrita alínea c) do n.º 2 do art. 116º).

Custas no TAF e no TCA a cargo dos recorridos. Sem custas neste STA por não ter havido contra-alegações.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2013. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – António Bento São Pedro – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.