Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:024/11
Data do Acordão:03/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
ISENÇÃO FISCAL
PRÉDIO URBANO
PARTE INDIVISA
Sumário:A aquisição de parte indivisa de um prédio urbano não goza de isenção de Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis prevista no artº 9º do CIMT.
Nº Convencional:JSTA00066834
Nº do Documento:SA220110302024
Data de Entrada:01/13/2011
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A ... E OUTRA E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IMT.
Legislação Nacional:CIMSISD91 ART11 N22.
CIMT03 NA REDACÇÃO DA L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART9.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC14826 DE 1994/05/25.; AC STA PROC20231 DE 1997/11/26.; AC STA PROC421/09 DE 2009/10/28.; AC STA PROC1023/09 DE 2010/10/20.
Referência a Doutrina:PINTO FERNANDES E OUTRO CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES 4ED PAG150 PAG191.
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI PAG18.
FRANCESCO FERRARA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS PAG150 PAG151.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não se conformando com a sentença por este proferida, que julgou improcedente, por não provada, a impugnação judicial deduzida por A… e B…, melhor identificados nos autos, do indeferimento tácito da reclamação graciosa da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), referente à compra de 5/6 de fracção autónoma de prédio devidamente identificado nos autos, dela veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
I - O recurso em apreciação nos autos, apresentado pelo Ministério Público, reporta-se à aliás douta sentença proferida na data de 15.10.2010, de fls. 112 a 120, nos termos da qual o Mmo. Juiz a quo decidiu julgar improcedente por não provada a impugnação judicial apresentada por A… e B…, relativamente ao indeferimento tácito da reclamação graciosa e ao anterior acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no montante de €5.145,80.
II - A liquidação do imposto refere-se à aquisição, para habitação própria e permanente dos Impugnantes, de 5/6 da fracção autónoma designada pela Letra “H”, do prédio urbano sito em Queluz, e inscrito sob o artigo n° 180, da matriz predial urbana da Freguesia de Queluz, do Concelho de Sintra, sendo que o Impugnante A… já antes era titular de 1/6 do direito de propriedade da fracção em causa.
III - Na sentença ora em recurso decidiu-se que, e apesar de não estar em causa o destino que os Impugnantes pretendem dar à fracção adquirida, o de habitação própria e permanente dos mesmos, todavia, a circunstância de a transmissão apenas integrar 5/6, e não a totalidade da fracção autónoma, é de modo a impedir que a transmissão seja isenta do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos e de acordo com a isenção estabelecida no artigo 9°, do CIMT.
IV - Para tanto, sustenta o Mmo. Juiz a quo que, e de acordo com o referido no artigo 9°, do CIMT, na redacção da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (a aplicável ao caso face à data em que ocorreu a transmissão), a isenção de imposto a que alude tal norma reporta-se às aquisições destinadas exclusivamente a habitação própria e permanente cujo valor para cálculo da liquidação do imposto não exceda a quantia de € 85.500 mas apenas relativamente à totalidade do imóvel ou fracção autónoma, não beneficiando da isenção a aquisição de mera fracção ou quota daqueles.
V - A nosso ver, porém, a sentença fez errada interpretação e aplicação da referida norma de isenção uma vez que a mesma, se é certo que não admite interpretação analógica particularmente face à sua natureza excepcional, ainda assim admite interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11°, do Código Civil, e no artigo 11°, n° 1, da Lei Geral Tributária.
VI - No caso em apreciação a razão de ser da isenção fiscal consiste num benefício dado pelo legislador com vista à aquisição de habitação própria e esse desiderato tanto é possível de conseguir quer com a aquisição da totalidade do direito de propriedade sobre o imóvel ou fracção autónoma, ou quer com a aquisição de parte ou de uma quota do mesmo, e isso torna-se mais evidente quando, como agora sucede, sendo o adquirente já titular de 1/6 adquire os restantes 5/6 do direito de propriedade, pois que a razão de ser é justamente a mesma.
VII - E, ainda a nosso ver, a igual conclusão se pode chegar por via ou em função de um critério de interpretação funcional, ou por objectivos, da norma que estabelece aquela isenção fiscal, pois que a finalidade estabelecida pela isenção também é possível de alcançar mediante a aquisição de parte ou fracção do direito de propriedade.
VIII - Assim, face ao exposto, entendemos que a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da apontada norma que estabelece a isenção fiscal, pelo que será de revogar a mesma e, em consequência, de determinar a procedência da impugnação judicial apresentada nos autos.
Porém, V.Exas. Senhores Conselheiros, apreciarão e decidirão como for de Direito!
A Fazenda Pública não contra-alegou.
Os autos não foram com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, uma vez que o recorrente é o Magistrado do Ministério Público, junto da 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A. Por inscrição datada de 15/05/1998, foi registada provisoriamente por dúvidas a aquisição pelo impugnante de 1/6 da fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Queluz, concelho de Sintra, sob o artigo 180.°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.° 00292 (Doc. 2 da petição inicial).
B. Por inscrição datada de 17/04/2007, foi registada a aquisição pelo impugnante de 1/6 da fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Queluz, concelho de Sintra, sob o artigo 180°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.° 00292 (Doc. 2 da PI).
C. No dia 15/06/2007, os impugnantes adquiriram, através de escritura pública de compra e venda, 5/6 da fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Queluz, concelho de Sintra, sob o artigo 180°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.° 00292, pelo preço global de € 79.163,00 (setenta e nove mil, cento e sessenta e três euros) (Docs. 2 e 3 da PI).
D. No dia 31/05/2007, a Administração Fiscal emitiu liquidação de IMT a pagar pelo 1.º impugnante, referente à aquisição referida no ponto C, no valor de € 2.572,90 (dois mil, quinhentos e setenta e dois euros e noventa cêntimos) (Doc. 4 da PI).
E. O 1.º impugnante procedeu ao pagamento da liquidação na data da sua emissão (Doc. 4 da PI).
F. No dia 31/05/2007, a Administração Fiscal emitiu liquidação de IMT a pagar pela 2.ª impugnante, referente à aquisição referida no ponto C, no valor de € 2.572,90 (dois mil, quinhentos e setenta e dois euros e noventa cêntimos) (Doc. 5 da PI).
G. A 2.ª impugnante procedeu ao pagamento da liquidação na data da sua emissão (Doc. 5 da PI).
3 – O objecto do presente recurso consiste em saber se a isenção prevista no artº 9º do CIMT, na redacção da Lei nº 53-A/06 de 29/12, abrange ou não a aquisição de parte indivisa de imóvel destinado à habitação.
Esta questão foi já objecto de apreciação e decisão neste Supremo Tribunal no que diz respeito à Sisa.
Todavia e uma vez que o artº 11º, nº 22 do Código da Sisa tem uma formulação idêntica ao predito artº 9º, apenas divergindo quanto ao valor sobre que incide o imposto, vamos aqui seguir, uma vez que não vemos motivo que justifique a sua alteração, a jurisprudência que foi então fixada e que era no sentido de que a aquisição de parte indivisa não goza desse benefício.
Dispõe o predito artº 9º, na redacção de então, que estava isenta de sisa a aquisição de prédio ou fracção autónoma de prédio destinado exclusivamente à habitação, desde que o valor sobre que incidisse o imposto de sisa não ultrapassasse € 85.500,00.
Como se refere no acórdão desta Secção do STA de 25/5/94, in rec. nº 14.826, prolatado a propósito do imposto de Sisa, mas cuja jurisprudência tem aqui perfeita aplicação, “É manifesto que a aquisição de metade indivisa, ou, melhor se dirá, de direito a parte indivisa de um prédio ou de uma sua fracção autónoma, não encontra guarida no citado normativo. Objecto da aquisição que a lei claramente beneficia é o prédio urbano, edifício considerado na sua estrutura unitária, ou uma fracção dele, destinados a habitação. O que bem se compreende, pois, por um lado, tal concepção unitária evita a evasão fiscal, facilmente alcançável através de escalonadas transacções de parcelas de um direito de propriedade fraccionado, e, por outro lado, porque manifestamente se pretendeu fomentar, através do benefício da isenção, a aquisição de fogos, de habitações, com a destinação que lhes é própria, fim que, compreensivelmente, não é alcançado quando o objecto da aquisição é um direito sobre uma parte não determinada de um prédio”.
Por outro lado, não cremos que seja possível aplicar, analogicamente ou por interpretação extensiva, a norma que prevê a isenção às situações de transmissão de metade indivisa de prédio urbano destinado à habitação.
Como escrevem Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, in CIMSISSD, anotado, ed. 4ª, pág. 191, citando Francesco Ferrara, “Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra, 1963, pág. 150 e 151” e Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, Volume I, 1967, pág. 18”, “situada no domínio dos direitos indisponíveis, como é o imposto, a isenção representa um privilégio excepcional, ditado por considerações de conveniência social ou por razões de ordem económica, estimulando o desenvolvimento de actividade de superior interesse nacional ou regional. É por isso que não pode ser interpretada analogicamente, embora se admita a interpretação extensiva, conforme o artº 11º do Código Civil. Esta, porém, só é possível quando se possa concluir com certeza que o legislador disse menos do que pretendia, por imprecisão de linguagem ou formulação estreita de mais. Se a hermenêutica nos conduzir a tal resultado, não pode já falar-se em lacuna ou omissão, pois o caso foi contemplado pelo legislador, cabendo então ao intérprete reintegrar o pensamento legislativo”.
Ora, no caso em apreço, é evidente que, por um lado, a isenção na aquisição de metade indivisa não está contemplada na previsão legal, já que nela não se fala desse tipo de aquisição e, por outro, o legislador não quis dizer menos do que queria.
O que o legislador pretendeu foi isentar de IMT apenas o prédio ou a fracção autónoma do prédio.
Isto quer para evitar a evasão fiscal, quer para fomentar a aquisição de fogos para habitação.
Assim sendo e como vimos, há que concluir que a aquisição de partes indivisas de um prédio não goza de isenção.
Para além dos arestos citados e no mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão desta Secção do STA de 26/11/97, in rec. nº 20.231, de 28/10/09, in rec. nº 421/09, em que o Relator é o mesmo e de 20/10/10, in rec. nº 1.023/09.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações do recurso.
4 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso, e manter a sentença recorrida.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 2 de Março de 2011. – Pimenta do Vale (relator) – António Calhau – Casimiro Gonçalves.