Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:088/18.8BEPNF
Data do Acordão:03/01/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ELEITOS LOCAIS
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Sumário:Deve admitir-se revista relativamente à questão de saber se um Presidente da Junta e, por inerência, membro da Assembleia Municipal da entidade adjudicante pode ser adjudicatário de um contrato de empreitada de obras públicas, face ao disposto no art. 4º, b) v) do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei 29/87, de 30/8, segundo o qual os eleitos locais não “podem celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão”.
Nº Convencional:JSTA000P24280
Nº do Documento:SA120190301088/18
Data de Entrada:02/08/2019
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LOUSADA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)


1. Relatório

1.1. A………….., LDA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 23 de Novembro de 2019, que na ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL por si intentada O MUNICÍPIO DE LOUSADA indicando como contra - interessada B………… LDA manteve a sentença proferida pelo TAF de Penafiel, que por seu turno tinha julgado a acção improcedente.

1.2. Justifica a admissão da revista, pela relevância jurídica e social da questão e ainda por entender necessária a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

1.3. A contra-interessada pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância julgou a acção improcedente e decidiu ainda levantar o efeito suspensivo automático. No essencial foram apreciadas duas questões jurídicas – quanto ao mérito: (i) possibilidade do Presidente da Junta de Freguesia de ....... celebrar, por si ou através da empresa de que é sócio-gerente celebrar o contrato de empreitada de obras públicas com o Município de Lousada; (ii) caducidade da adjudicação por o adjudicatário não ter demonstrado que o Director da Obra indicado é titular das qualificações exigidas para o efeito. A sentença entendeu que do regime jurídico aplicável não resultava a impossibilidade do Presidente da Junta de Freguesia de ......... celebrar, na qualidade de sócio gerente da empresa adjudicatária, o contrato de empreitada com o Município de ........ e que não ocorria a caducidade da adjudicação.

3.3. O TCA, em recurso daquela decisão, começou por dizer que a caducidade da adjudicação era “matéria fora do objecto do recurso” e apreciou as questões suscitadas emergentes do facto do sócio - gerente da empresa adjudicatária ser Presidente da Junta de ........ e, por inerência, membro da Assembleia Municipal de Lousada. Depois de afastar as várias nulidades imputadas à sentença, entendeu – quanto ao mérito – que o recurso não merecia provimento. Em suma, entendeu não haver qualquer impedimento “ao nível normativo”, centrando a sua análise no art. 4º, b) v) do Estatuto dos Eleitos Locais aprovado pela Lei 29/87, de 30/8, segundo o qual os eleitos locais não “podem celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão” nem se vislumbrar em concreto a violação do princípio da imparcialidade.

3.4. A questão essencial a discutir é a de saber se o regime previsto na Lei 29/87, de 30/8, que proíbe os eleitos locais de celebrarem contratos com a autarquia, tem aplicação em situações como a presente em que foi adjudicado um contrato a uma empresa em que o seu principal sócio e gerente é Presidente de uma Junta de Freguesia e por inerência membro da Assembleia Municipal da entidade adjudicante.

Julgamos que a questão merece ser reapreciada pelo STA, por poder vir a colocar-se no futuro – contratação pública e eleitos locais - e ainda por se tratar de uma matéria central da actuação dos titulares dos cargos políticos, como seja o seu exercício de forma transparente e imparcial.

4. Decisão

Face ao exposto, admite-se a revista.

Porto, 1 de Março de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.