Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01154/15.7BEAVR
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ORDEM
NOTÁRIO
PRESTAÇÕES
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito como por não se vislumbrar a sua importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P28817
Nº do Documento:SA12022011301154/15
Data de Entrada:12/15/2021
Recorrente:ORDEM DOS NOTÁRIOS
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A ORDEM DOS NOTÁRIOS - demandada nesta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste «recurso de revista» do acórdão do TCAN, de 24.09.2021, que negou provimento à sua «apelação» e manteve a sentença do TAF de Aveiro - de 22.01.2021 - que «julgou parcialmente procedente a acção» e a condenou a pagar a A……………… - autora -, por intermédio do «Fundo de Compensação», a quantia de 36.745,61€ - acrescida de juros de mora vencidos e vincendos - e a absolveu do demais peticionado.
Defende que a «revista» interposta - e que pretende ver admitida - é necessária face à «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito», bem como à «relevância jurídica do caso».

A recorrida – A………….. - por sua vez defende a «não admissão da revista», entendendo não estarem preenchidos, no caso, os pressupostos legalmente exigidos para o efeito.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A autora – A…………. - pediu ao tribunal administrativo que condenasse a ORDEM DOS NOTÁRIOS no pagamento, através do Fundo de Compensação, da quantia de 76.170.57€ - a título de «prestações de reequilíbrio» - sendo que na pendência da acção a entidade demandada procedeu ao pagamento voluntário do montante de 24.424,96€ - referente aos 2º e 3º trimestres de 2015 -, e daí a condenação apenas em 36.745,61€ - referente aos 3º e 4º trimestres de 2014 e 1º de 2015.

Para chegar a este desfecho, as instâncias - TAF de Aveiro e TCAN -, e mormente o acórdão ora recorrido, procederam a uma interpretação e aplicação dos artigos 61º e 62º do DL nº27/2004, de 04.02 - que aprova o Estatuto do Notariado aqui aplicável - com a qual a autora da revista não concorda, porque defende que uma correcta interpretação dessas normas impõe a conclusão de que os pressupostos da atribuição da prestação de reequilíbrio são dois - um de natureza objectiva: o «carácter deficitário do cartório notarial em causa»; e outro de natureza subjectiva: a «demonstração de que o notário em causa coloca no exercício da sua actividade o empenho e a diligência exigíveis» - e que, por isso mesmo, aplicando as regras da «distribuição do ónus da prova» - artigo 342º nº1 e nº3, do CC -, competiria à autora alegar e provar que o carácter deficitário do seu cartório - que levou aos pedidos de «prestações de reequilíbrio» - «não lhe era imputável». Entender o contrário, alega, traduz-se no desrespeito pelos princípios da solidariedade, equidade e justiça entre notários. Além disso, alega, o tribunal não poderia avaliar se a invocada «má localização do cartório notarial da autora» e a «falta de uma sala de escrituras independente do seu gabinete de trabalho» é demonstrativo da «falta de empenho e diligência» da mesma, já que isso viola o «princípio da separação de poderes» - artigos 2º, da CRP e 3º, nº1, do CPTA.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

No presente caso estamos perante uma decisão «unânime» das instâncias, em que se procede a uma interpretação e aplicação da lei - mormente dos «artigos 61º, nº1, e 62º, do DL 27/2004, de 04.02 - perfeitamente lógica, fundamentada, razoável e juridicamente aceitável pelo que não emerge, nos termos assinalados, a «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito». Deste modo, e com todo o respeito pelo dissenso reiterado pela ORDEM DOS NOTÁRIOS, não se apresenta, com base neste pressuposto, «justificada a admissão da revista». Sublinhe-se, ainda, que uma das questões suscitadas pela ora recorrente - a relativa à «separação de poderes» - nem sequer foi tratada no âmbito do acórdão recorrido, razão pela qual não podia ser objecto de apreciação pelo tribunal de revista.

A jurisprudência desta «Formação» tem considerado também, que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência ou da doutrina. E que a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

No presente caso as questões suscitadas não se apresentam como deveras complexas, como decorre, aliás, da solução jurídica, lógica e aceitável, das duas instâncias, nem se apresentam - face aos seus contornos - vocacionadas para gerar decisões paradigmáticas.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela ORDEM DOS NOTÁRIOS.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.