Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0350/12
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
ISENÇÃO TEMPORÁRIA
INCENTIVOS FISCAIS
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
Sumário:I – Nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro estavam o isentas de IRC, nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, as microempresas criadas após 1 de Janeiro de 1999, das quais resulte a criação líquida de postos de trabalho, que cumpram o instituído no n.º 3, que não apresentem no ano da sua constituição um volume de negócios anualizado superior a 30 000 contos e cujo capital social seja detido em, pelo menos, 75% por jovens entre os 18 e os 35 anos de idade.
II – Não decorre da letra, do espírito ou de interpretação sistemática do n.º 5 do artigo 45.º que a inobservância do requisito “criação líquida de postos de trabalho” no exercício de 1999 determine per si a perda do incentivo no exercício de 2001, no qual se verificou a criação líquida de postos de trabalho.
Nº Convencional:JSTA00067660
Nº do Documento:SA2201206060350
Data de Entrada:03/29/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:L 87-A/98 DE 1998/12/31 ART45 N3 N5
LGT ART43 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A……, Lda., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 30 de Junho de 2011, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2001, no montante de € 40.106,00, apresentando as seguintes conclusões:
A) A douta sentença recorrida fez errado julgamento da matéria de direito, mais concretamente quanto ao reconhecimento do direito à isenção de IRC, previsto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87-B/98.
B) Analisada aquela disposição legal (artigo 45.º) verificamos que estão aí previstos dois tipos distintos de incentivos, a saber, a redução da taxa e ou a isenção de IRC, nos anos de 1999, 2000 e 2001.
C) No n.º 5 do artigo 45º prevê-se a possibilidade das microempresas beneficiarem da isenção do IRC, nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, referindo-se, aqui, que têm de cumprir os seguintes requisitos:
i. Serem criadas após 1 de Janeiro de 1999;
ii. Criem postos de trabalho líquidos;
iii. Cumpram os requisitos referidos no n.º 3 do mesmo artigo;
iv. No ano de constituição apresentem um volume de negócios anualizado superior a 30.000 contos;
v. O capital social seja detido em, pelo menos, 75% por jovens entre os 18 e os 35 anos de idade.
D) Sendo que o requisito que está em causa e que levanta discórdia face à douta decisão recorrida é o da criação de posto de trabalho.
E) Na verdade, a criação de postos líquidos de trabalho é um requisito cumulativo, mas autónomo, dos requisitos previstos no n.º 3 do artigo 45.º, o que significa que para beneficiar da isenção de IRC, uma microempresa para além de criar postos de trabalho no triénio 1999-2001, tem de ter os salários em dia.
F) Sendo que, no n.º 5, quando a norma prevê a isenção de IRC para microempresas das quais resulte a criação líquida de postos de trabalho, não menciona que a criação de postos tem de ser efectiva em cada um dos exercícios em causa.
G) Se a lei não exige que a criação de postos de trabalho tenha de ser efectiva em todos os exercícios do triénio, não pode o intérprete e aplicador da lei ir além da letra ou efectuar uma interpretação extensiva, em obediência ao princípio plasmado no artigo 9º do Código Civil.
H) Acresce que, em matéria fiscal, e no que toca, especialmente à matéria de benefícios fiscais, vigora o princípio da legalidade e a proibição de interpretação extensiva e analógica da lei.
I) Pelo que, a douta sentença recorrida violou o disposto no n.º 5 do art.º 45.º da Lei n.º 87-B/98 de 31/12.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo ser anulada a liquidação impugnada, com o consequente reembolso do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios.

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRC (exercício de 2001) no montante de € 40 106,00
FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença impugnada exprime o entendimento de que o benefício da isenção de IRC, contemplado na norma constante do art. 45º nº5 Lei nº 87-B/98, 31 Dezembro não é aplicável se, em algum dos exercícios dos anos 1999, 2000 e 2001 não se verificarem os requisitos cumulativos previstos no art. 45º nº3 do diploma citado.
2. Este entendimento não pode ser sufragado, pelos motivos seguintes:
a. O IRC incide sobre o lucro tributável apurado em cada exercício económico o qual coincide, como regra, com o ano civil; e não sobre um eventual lucro tributável apurado no final do triénio em causa (art. 8.º nº1 CIRC)
b. O legislador não estabeleceu qualquer exclusão explícita da isenção, em conformidade com o entendimento expresso na sentença
c. A expressão “em cada exercício” inscrita na norma constante do art. 45º nº3 Lei nº 87-B/98 31 Dezembro não aponta no sentido da exclusão do benefício em todos os exercícios económicos, por inverificação dos requisitos legais em um deles (como sustenta a sentença); antes significa que a isenção opera se, em cada exercício económico, se se verificarem os respectivos requisitos legais previstos nas alíneas a)/g)
d. A falta de verificação de requisito legal para a concessão da isenção nos exercícios de 1999 (inexistência de criação líquida de postos de trabalho) não pode contaminar o exercício de 2001, no qual ficou provada a criação de três novos postos de trabalho (probatório nº 6)
e. A interpretação da norma controvertida propugnada não contraria minimamente a intenção do legislador ao conceder a isenção, consistente em incentivo fiscal à criação de microempresas por jovens empresários que criem postos de trabalho, desta forma estimulando a actividade económica e contribuindo para a redução da taxa de desemprego
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da procedência da impugnação judicial e anulatório da liquidação de IRC.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
É a de saber se, nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1999), a não criação de qualquer posto de trabalho no exercício de 1999 obsta à aplicação do incentivo fiscal às microempresas consubstanciado na isenção temporária de IRC previsto naquela norma no exercício de 2001.

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. A 22/04/1999, é averbada na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade A……, Lda, sendo o objecto social, o comércio de cereais, sementes, alimentos para animais, simples e compostos e produtos agrícolas e, ainda, o comércio de produtos relacionados com a agricultura e com a produção animal; pecuária e actividades de serviços relacionados – cfr. fls. 12 a 14 dos autos;
2. O capital social, á data da constituição da empresa impugnante, era assim constituído: B…… (quota de € 2.500) e, C…… (quota de € 2.500) – o primeiro nascido a 09/12/1973 e, o segundo nascido a 29/10/1976 – cfr. fls. 13 e 15 e 16 dos autos;
3. Em 21/04/1999, é entregue pela impugnante a declaração de início de actividade – cfr. fls. 59 dos autos;
4. Durante o exercício de 1999, a impugnante não apresentou custos com o pessoal, tendo declarado um prejuízo fiscal no montante de Esc 27.274$00 (€136,04) – cfr. fls. 17 a 19 dos autos;
5. No exercício de 2000, declarou como volume de negócios, o valor de € 613.746,44 e declarou custos com o pessoal – remuneração de dois sócios não gerentes e a remuneração de um funcionário em Dezembro – cfr. fls. 34 dos autos;
6. No exercício de 2001, declarou um volume de negócios no montante de 178.049,85 e, criou três novos postos de trabalho – cfr. fls. 48 dos autos;

6 – Apreciando
6.1 - Do incentivo fiscal às microempresas previsto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87.º-A/98 de 31 de Dezembro
A sentença recorrida, a fls. 80 a 85 dos autos, julgou a impugnação deduzida pelo ora recorrente contra liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2001 improcedente por ter entendido não se encontrarem verificados os requisitos legais para a isenção temporária de IRC para o exercício de 2001 (cfr. sentença recorrida, a fls. 85 dos autos).
Fundamentou-se o decidido numa interpretação literal e sistemática do n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87-B/98, de 31/12, apelando ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo para o qual o n.º 5 remete, para concluir, em face da referência contida no n.º 3 de que “o regime previsto no presente artigo, será aplicável, em cada exercício”, à relação de interdependência, em relação a cada exercício, que é estabelecida entre várias das alíneas do n.º 3 e ainda ao disposto na sua alínea f) (não haver salários em atraso), que o requisito “criação líquida de postos de trabalho” tem de verificar-se em cada um dos três exercícios em relação aos quais aquela lei prevê o incentivo de isenção temporária de IRC para as microempresas, daí que, como nenhum posto de trabalho havia sido criado em 1999, e não obstante o terem sido em 2000 e 2001, o ora recorrente não beneficiaria de isenção temporária de IRC em 2001 (cfr. sentença recorrida, a fls. 83 a 85 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando que a criação de postos líquidos de trabalho é um requisito cumulativo, mas autónomo, dos requisitos previstos no n.º 3 do artigo 45.º, o que significa que para beneficiar da isenção de IRC, uma microempresa para além de criar postos de trabalho no triénio 1999-2001, tem de ter os salários em dia, mais alegando que no n.º 5, quando a norma prevê a isenção de IRC para microempresas das quais resulte a criação líquida de postos de trabalho, não menciona que a criação de postos tem de ser efectiva em cada um dos exercícios em causa (cfr. as conclusões E) e F) das suas alegações de recurso).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.
Vejamos.
A norma a cuja interpretação importa proceder nos presentes autos - o n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro - dispõe nos seguintes termos: «Estão isentas de IRC, nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, as microempresas criadas após 1 de Janeiro de 1999, das quais resulte a criação líquida de postos de trabalho, que cumpram o instituído no n.º 3, que não apresentem no ano da sua constituição um volume de negócios anualizado superior a 30 000 contos e cujo capital social seja detido em, pelo menos, 75% por jovens entre os 18 e os 35 anos de idade».
Em causa nos autos está apenas o eventual incumprimento do requisito “criação líquida de postos de trabalho”, pois que foi apenas o incumprimento deste requisito no ano de 1999 que fundamentou a impugnada liquidação adicional de IRC do ano de 2001.
Resulta da letra do transcrito n.º 5 do artigo 45.º que o requisito “criação líquida de postos de trabalho” não vem expressamente reportado a cada um dos exercícios para os quais a lei prevê o incentivo fiscal de isenção temporária de IRC e, embora a letra da lei consinta a dúvida sobre se o incentivo concedido é necessariamente para os três exercícios ou se pode verificar-se apenas em algum ou alguns deles (nos três, no limite, desde que todos os requisitos sejam cumpridos em cada um dos três exercícios), parece-nos que a remissão contida no n.º 5 do preceito para o seu n.º 3 – em cujo corpo se contém a referência «o regime previsto no presente artigo será aplicável, em cada exercício, se: (…)» -, esclarece a dúvida no sentido de que o incentivo não opera necessariamente “em bloco”, antes “exercício a exercício”, daí que a não observância de algum requisito num dos exercícios não “contamine” necessariamente os demais.
Ao contrário do decidido, não se vê que a letra do n.º 5 do artigo 45.º ou uma interpretação sistemática deste imponha a conclusão, além do mais irrazoável, de afastamento da isenção de IRC aí prevista num exercício onde todos os requisitos legalmente estabelecidos foram cumpridos, pela razão de um deles – o da criação líquida de postos de trabalho – o não ter sido no primeiro ano de funcionamento da empresa, ao menos no caso, como o presente, em que não há lei expressa a impor que em cada um dos exercícios haja criação líquida de postos de trabalho.
Ao fim ao cabo, a interpretação adoptada na sentença recorrida, ao reportar a exigência de criação líquida de postos de trabalho a cada um dos anos de aplicação do regime de isenção temporária de IRC restringe, sem fundamentação material bastante - pois que não justifica ser esse o espírito da lei ou que o desígnio do legislador na criação do incentivo fique comprometido se adoptada interpretação diversa -, a letra do n.º 5 do artigo 45.º, não se descortinando razões substantivas bastantes para assim proceder.
É que, como bem sublinha o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e supra transcrito a falta de verificação de requisito legal para a concessão da isenção nos exercícios de 1999 (inexistência de criação líquida de postos de trabalho) não pode contaminar o exercício de 2001, no qual ficou provada a criação de três novos postos de trabalho (probatório nº 6), sendo que a interpretação da norma controvertida propugnada não contraria minimamente a intenção do legislador ao conceder a isenção, consistente em incentivo fiscal à criação de microempresas por jovens empresários que criem postos de trabalho, desta forma estimulando a actividade económica e contribuindo para a redução da taxa de desemprego.

Conclui-se, pois, que o recurso merece provimento, havendo que revogar a sentença recorrida por errada interpretação da lei e julgar procedente a impugnação oportunamente deduzida, anulando-se o acto de liquidação sindicado e ordenando-se a restituição do imposto indevidamente pago (IRC/2001), acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pois que a liquidação adicional de IRC impugnada tem na sua origem uma errada interpretação do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro imputável à Administração fiscal.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação de IRC oportunamente deduzida pelo ora recorrente, anulando-se a liquidação sindicada, ordenando-se a restituição do imposto pago e condenando-se a Administração ao pagamento dos juros indemnizatórios oportunamente peticionados.

Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância, porque não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 6 de Junho de 2012. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.