Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0399/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:LITISPENDÊNCIA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - Não ocorre litispendência entre um processo de impugnação judicial deduzido contra determinada execução fiscal e um processo de oposição a essa mesma execução, pese embora a semelhança de causas de pedir gizadas em ambos os processos, porquanto o sujeito não intervém neles na mesma qualidade jurídica e o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução da impugnação – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis.
II - Se o impugnante, através do processo de impugnação, procurou ver reconhecida a nulidade da sua citação para a execução, a nulidade da certidão de dívida e a inexigibilidade da dívida exequenda, nenhuma ilegalidade imputando ao acto tributário de liquidação em si, verifica-se erro na forma do processo, que, in casu, é insusceptível de convolação por intempestividade da impugnação para ser convolada em requerimento de arguição de nulidade da citação e por pendência de oposição com idênticos pedidos e causa de pedir.
III - Consequentemente, por erro na forma de processo insusceptível de convolação, deve a petição de impugnação ser liminarmente indeferida.
Nº Convencional:JSTA000P14737
Nº do Documento:SA2201210240399
Data de Entrada:04/13/2012
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DE A...E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. MASSA INSOLVENTE DE A……. e B……, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo TAF de Viseu, a fls. 69 do processo de impugnação judicial que deduziu contra a «execução fiscal n.º 27042009011008161», e que, em sede liminar, julgou verificada a excepção dilatória de litispendência face à instauração, em primeiro lugar, de processo de oposição àquela execução fiscal, e que nesse mesmo Tribunal corre sob o n.º 176 111 B.
1.1. As alegações de recurso encontram-se rematadas com as seguintes conclusões:

1. A oposição e a impugnação judiciais estão previstas nos Arts. 204.º e 99.º, respectivamente, do CPPT e prevêem duas formas de processo distintas para diferentes fundamentos jurídicos, sendo certo que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, debatem pontos de “contacto” entre estes dois institutos jurídicos e debatem, ainda, quanto ao enquadramento e interpretação de iguais situações concretas em um ou outros desses regimes processuais tributários – não sendo, muitas vezes, tarefa fácil a sua subsunção a cada uma dessas figuras processuais.

2. A solução para o “iter processual” surpreendido pela douta sentença recorrida deveria ter sido, não a litispendência, mas sim decidir, face aos dois diferentes regimes legais (impugnação e oposição), sobre quais dos argumentos alegados pela impugnante, na p.i. destes autos, caberiam no regime legal da impugnação judicial, tal como prevista no Art. 99.º e segs do CPPT, e quais desses aí alegados, em sede de p.i. de impugnação, caberiam no regime da oposição.

3. A douta decisão recorrida, na prática, obtém o resultado juridicamente “perigoso” de impedir a recorrente de discutir em sede de impugnação os fundamentos destes autos que aqui deveriam ser discutidos – pois a oposição em causa sofrerá idêntica subsunção jurídica e aquela matéria que aí for julgada como cabendo no regime da impugnação escapará, definitivamente, ao controlo do Tribunal pois, face a esta sentença, não poderá ser reapreciada (aqui ou noutro processo, pois os prazos estabelecidos no CPPT a tal não permitirão).

4. Subsidiariamente, apenas, e em dever de patrocínio, admite a recorrente a aplicação do regime previsto no Art. 279.º nº 1 do CP Civil; através da suspensão destes autos de impugnação até à decisão daquela referida oposição – o que, nesta medida, requerem expressamente seja aplicado ao caso dos autos.

5. Esta solução teria ainda a virtude de permitir à predita oposição decidir sobre quais questões aí iriam ser debatidas ou decididas debater para, posteriormente, efectuar essa avaliação nesta impugnação judicial e não coarctaria à impugnante o direito de debater judicialmente as matérias que depositou em cada uma das suas peças (impugnação e oposição).

TERMOS EM QUE
Revogando-se a douta decisão recorrida e dando-se provimento ao presente recurso, nos termos das preditas conclusões, ou de outras com que, V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, se dignarão suprir;
Se Fará Justiça!

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso – cfr. fls. 93 e 94.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos e porque nada obsta, cumpre apreciar e decidir em conferência as questões colocadas no recurso.

2. A decisão recorrida é do seguinte teor:
«Veio MASSA INSOLVENTE DE A…… e B……, representada pela Exm.ª Administradora de insolvência, deduzir impugnação judicial à execução fiscal nº 27042009011008161

Analisando conjuntamente os presentes autos e a Oposição nº 176111B facilmente se verifica que são idênticos “ipsis verbis” variando tão só onde se diz impugnante na oposição diz-se oponente, e no cabeçalho da petição inicial em vez de se dizer que se deduz oposição, na oposição diz-se que se deduz impugnação e indicam-se também diferentes formas de enquadramento da forma processual. No demais, o articulado, pedidos, etc. é idêntico.

Verifica-se, indubitavelmente, uma situação de litispendência, sendo que estes autos foram propostos em segundo lugar. Na verdade facilmente se reconhecem os requisitos previstos no artigo 498º do Código de Processo Civil ex vi artigo 2º al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, sem mais considerandos, verificada a referida excepção dilatória da litispendência nos termos dos artigos 498º, 495º, 494 al. i) e 493º, nº2 do CPC ex vi norma e diploma supra aludidos, determina-se a extinção da instância.

Custas pela Impugnante sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.».

3. A questão colocada neste recurso é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por desacertada interpretação de lei adjectiva, ao julgar que se verificava a excepção dilatória da litispendência neste processo de impugnação judicial deduzido contra a execução fiscal n.º 27042009011008161, face à pendência de processo de oposição a essa mesma execução fiscal, instaurada em primeiro lugar e que, visando a apreciação de igual pedido, se funda na mesma causa de pedir.

Questão idêntica foi apreciada por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 19/09/2012, no recurso jurisdicional n.º 472/12 – que teve por objecto decisão idêntica, proferida pelo mesmo Juiz noutro processo de impugnação judicial pendente no mesmo TAF de Viseu, com intervenção das mesmas partes, a mesma causa de pedir e pedido formulado pela impugnante MASSA INSOLVENTE DE A……. e B……. – que a presente Relatora subscreveu como 2ª Adjunta e cujo discurso fundamentador se acolhe e se passa a reproduzir, por inteiramente aplicável ao presente caso.

Como ali se deixou dito, «O despacho recorrido considerou que “verifica-se, indubitavelmente, uma situação de litispendência” entre a oposição deduzida e a impugnação que está na origem dos presentes autos, pois que “facilmente se reconhecem os requisitos previstos no artigo 498º do Código de Processo Civil (…)”.
Ora, como é sabido, a litispendência, como o caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr. o artigo 497.º do Código de Processo Civil - CPC).
Dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do CPC que: «Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir» e o n.º 2 do mesmo artigo que: «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica».
No caso dos autos, (...), embora os pedidos formulados numa e noutra acção sejam os mesmos e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica - pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação – não se verificando, pois, repetição da causa.
É que, numa situação como a dos autos, não ocorre risco de contradição ou repetição de decisões, pois que o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução de impugnação judicial – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis, tendo, aliás, por objecto, actos diversos.
Não se verifica, pois, a excepção de litispendência, não se podendo manter o despacho recorrido, que assim o julgou e determinou, erroneamente, a extinção da instância de impugnação.
É certo que, no caso dos autos, através da impugnação (e também da oposição, ao que parece) visou o impugnante, em concreto, ver reconhecida a nulidade da citação efectuada no processo de execução fiscal, da certidão de dívida que está na origem dos autos bem como a inexigibilidade da dívida, em razão da declaração de insolvência (cfr. a petição inicial de impugnação a fls. 12 a 19 dos autos), nenhuma ilegalidade imputando ao acto de liquidação, como é próprio e específico deste meio processual (cfr. os artigos 99.º e 124.º n.º 1 do CPPT).
Verifica-se, pois, erro na forma do processo, que, in casu, é insusceptível de convolação – que deve ser determinada sempre que possível – cfr. os artigos 97.º n.º 3 da Lei Geral Tributária e 98.º, n.º 4 do CPPT) -, pelas razões bem expostas no parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, ou seja, por intempestividade da impugnação para ser convolada em requerimento de arguição de nulidade da citação e por pendência de oposição com idênticos pedidos e causa de pedir.
O erro na forma de processo insusceptível de convolação traduz-se em nulidade insanável, determinante do indeferimento liminar da petição de impugnação por ocorrer a excepção dilatória insuprível (artigo 234.º-A n.º 1 2.ª parte do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT).
Não há, pois, que determinar, como requerido subsidiariamente, a suspensão da impugnação até à decisão da oposição (ex vi do disposto no artigo 279.º do CPC), pois que não há prejudicialidade entre as causas nem ocorre motivo justificado.
Assim, pelo exposto, há-de concluir-se que, embora não possa manter-se o despacho recorrido, há que indeferir liminarmente a petição de impugnação por ocorrer a excepção dilatória insuprível de erro na forma de processo face à insusceptibilidade de convolação.».

Por conseguinte, assiste razão à Recorrente quando defende que não se verifica a excepção dilatória de litispendência, mas deve indeferir-se liminarmente a petição de impugnação judicial por ocorrer a excepção dilatória de erro na forma de processo insusceptível de convolação na forma de processo adequada, isto é, a insusceptibilidade de convolação em processo de oposição à execução fiscal.


4 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e indeferir liminarmente a petição de impugnação por erro na forma de processo insusceptível de convolação.

Custas pela recorrente em 1.ª instância e sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

Lisboa, 24 de Outubro de 2012. - Dulce Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.