Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/09
Data do Acordão:09/23/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
SINALIZAÇÃO DA VIA PÚBLICA
FACTO ILÍCITO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Competindo às câmaras municipais, por determinação da lei, o dever de, nas vias sob a sua jurisdição, sinalizar os obstáculos ocasionais que possam oferecer perigo para o trânsito de veículos e/ou dos peões, a falta de sinalização de uma caixa de saneamento aberta, por estar, temporariamente, desprovida de tampa, consubstancia um facto ilícito.
II - À responsabilidade civil extracontratual emergente de tal facto ilícito é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493º/1 do C. Civil.
III - Provada a realidade dos factos que servem de base à presunção, cumpre ao réu elidi-la, não lhe bastando, para tanto, alegar o desconhecimento da situação e provar que dispõe de múltiplas equipas de fiscalização permanente e reparação/conservação do estado das vias.
IV - Com efeito, aquela prova, sem qualquer referência ao modo de actuação no caso concreto, é insuficiente para demonstrar que os serviços da ré agiram de acordo com o standard médio de funcionamento que, com razoabilidade, se pode reclamar deles e que só as particulares circunstâncias do caso, por fortuitas ou absolutamente imprevisíveis, explicam a falta de sinalização.
Nº Convencional:JSTA00065963
Nº do Documento:SA1200909230606
Data de Entrada:06/05/2009
Recorrente:CM DO PORTO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional:CCIV66 ART342 ART487 N2 N4 ART493 N1 ART494 ART496 N3 ART563.
CE94 NAS REDACÇÕES DO DL 2/98 DE 1998/03/01 E DO DL 265-A/2001 DE 2001/09/28 ART5 N1 N2 ART8 N1 ART99 N2.
RGU DE SINALIZAÇÃO DO TRÂNSITO APROVADO PELO DL 22-A/98 DE 1998/10/01 NA REDACÇÃO DO DL 41/2002 DE 2002/08/20 ART77.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART4 ART6.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC48155 DE 2002/03/06.; AC STA PROC37410 DE 2001/06/27.; AC STA PROC39308 DE 1998/11/05.; AC STA PROC808/07 DE 2007/11/28.; AC STA PROC41297 DE 1999/03/25.; AC STA PROC1203/03 DE 2004/05/05.; AC STA PROC86/04 DE 2005/04/14.; AC STA PROC321/07 DE 2007/07/12.; AC STA PROC566/08 DE 2009/05/27.; AC STA PROC142/07 DE 2007/09/25.; AC STJ PROC05A3765 DE 2006/02/07.; AC STA PROC972/08 DE 2009/04/22.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL 10ED PAG539 PAG542 PAG890 PAG891 PAG901 PAG903.
ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VIII PAG246.
JEAN RIVERO DIREITO ADMINISTRATIVO PAG320 PAG321.
MARGARIDA CORTEZ RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO POR ACTOS ADMINISTRATIVOS ILEGAIS E CONCURSO DE OMISSÃO CULPOSA DO LESADO PAG96.
MARIA MANUEL VELOSO DANOS NÃO PATRIMONIAIS IN COMEMORAÇÕES DOS 35 ANOS DO CÓDIGO CIVIL VIII PAG544 PAG554.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A…, já devidamente identificado nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, contra a Câmara Municipal do Porto, acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de acto ilícito.
Por sentença de 23 de Dezembro de 2008, proferida a fls. 551-568, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 22 318,14 acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 17-07-2003, até integral pagamento.
1.1. Inconformada com a sentença a ré recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 23/12/2008 que concedeu provimento parcial à acção e ao incidente de liquidação, condenando a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia global de € 22.318,14, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 17/7/03 até integral pagamento.
B. A Recorrente entende, porém, que não se verificam, no caso concreto, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente a culpa e a ilicitude.
C. Analisada a factualidade alegada e apurada nos autos, e tendo presentes os considerandos tecidos em sede de enquadramento do pressuposto da culpa no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a Recorrente considera que ressalta, desde logo, a inexistência de prova de facto ilícito culposo causal para a produção do acidente aqui em apreciação.
D. O Recorrido não logrou, na verdade, provar que a queda no buraco da caixa de saneamento existente na Rua de S. Victor tenha sido provocada, em termos causais, pela falta de sinalização que veio a ser omitida, tal como era imposto pelo art. 5.°, n.° 2 do CE (preceito que prevê que os “... obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes”).
E. Note-se que o Tribunal respondeu negativamente ao quesito 5° da base instrutória, onde se perguntava, muito concretamente, “A tampa já não se encontrava no local desde pelo menos a tarde do dia 8 daquele mês?”.
F. Por outro lado, também não foi alegado, e muito menos provado, que a tampa de saneamento estivesse fora do local por motivo imputável à Recorrente, isto é, que estivessem, por exemplo, a decorrer no local trabalhos que não estavam nem foram devidamente sinalizados.
G. Aquilo que se logrou provar, portanto, não permite perceber ou ligar as condições concretas da via municipal em questão ao acidente que vitimou o Recorrido de molde a que a ausência de sinalização de obstáculo tivesse, de algum modo, contribuído para a produção do acidente em questão.
H. Até porque o Recorrido deveria circular pelo passeio e não pela rua.
L. O Recorrido não logrou, pois, provar os factos que servem de base ao funcionamento da presunção de culpa, ou seja, da ocorrência do facto (positivo ou omissivo) causador dos danos, o facto causal ilícito, assumindo-se este, neste contexto, como o elemento desencadeador da operacionalidade da presunção de culpa.
J. Não é exigível à Administração que sinalize de imediato obstáculos a que não deu causa e que surgem inopinadamente, sobretudo quando estamos a falar de um concelho que tem cerca de 600 km de vias municipais - o Município não pode ter um fiscal 24 horas em cada local!
K. O facto de a tampa de saneamento estar fora do sítio desde momento que não se pôde apurar deveu-se seguramente a causas fortuitas, como vandalismo ou brincadeiras de mau gosto, impossíveis de controlar a todo o momento.
L. Inexistiu, por conseguinte, qualquer omissão da Recorrente que a pudesse responsabilizar, estando a presunção de culpa perfeitamente afastada atentas as circunstâncias.
M. Para além da falta do requisito da culpa, falha igualmente o requisito da imputação do facto ao lesante, pelo que, em face de tudo quanto vem dito, a decisão judicial recorrida, ao concluir pela procedência parcial da acção e do incidente, incorreu em erro de julgamento.
N.Sem prescindir, sempre se diga que a Recorrente logrou elidir a presunção de culpa que sobre si impendia, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo” — vide resposta aos quesitos 41º, 44º, 45º, 46°, 47° e 48° da base instrutória.
O. A decisão judicial recorrida, ao concluir pela parcial procedência da acção e do incidente de liquidação, incorreu em violação dos arts. 342.°, 483.°, 487.° e 493.° do C.C. e 96.° da Lei n.° 169/99.
Sempre sem prescindir,
P. Apenas são objecto de compensação os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e de forma proporcional à gravidade do dano.
Q Na fixação da compensação, deverá ter-se em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
R. Tendo em conta os factos dados como provados na sentença de que se recorre e os critérios que acima se definem, a fixação de uma indemnização de € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais afigura-se excessiva.
S. É necessário ponderar que, comparando com situações de muito maior gravidade e até de perda da vida, a indemnização agora atribuída é desproporcionada.
T. Um juízo ponderado das circunstâncias concretas do caso dos autos leva a Recorrente a concluir ser justa e equitativa uma compensação ao Recorrido a título de danos não patrimoniais não superior a € 3.000,00 (três mil euros).
U. A douta sentença violou a Lei, nomeadamente o art.° 496.° do Código Civil.
Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências dentro do Vosso Mais Alto Saber e Critério doutamente se dignarem suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida em conformidade.
Assim se fará JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“1. O presente recurso jurisdicional é interposto da sentença do TAF do Porto que julgou procedente a acção intentada pelo ora recorrido contra a Câmara Municipal do Porto para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, por danos sofridos na sequência de acidente de viação.
2. Na censura dirigida à sentença, defende a entidade recorrente a inverificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual “ilicitude” e “culpa”, insurgindo-se, ainda, contra o valor da indemnização fixada por danos morais, a qual, em seu entender, em caso de procedência da acção, não deveria exceder o valor de 3000 euros.
Vejamos.
Como consta da matéria de facto provada:
- No dia 9 de Fevereiro de 2003, pelas 4 horas da manhã, o A. caiu no buraco de uma caixa de saneamento existente na Rua S. Victor no Porto;
- Era noite e a zona é mal iluminada;
- A tampa dessa caixa encontrava-se fora do local;
- O buraco não estava vedado, quer com barreiras, quer com quaisquer fitas sinalizadoras da sua existência;
- E em resultado dessa queda fracturou os ossos da perna esquerda.
Esta factualidade permite concluir pela verificação dos pressupostos “ilicitude” e “culpa”.
As disposições conjugadas do art° 16°, alínea b), da Lei n° 159/99, de 14.09, do art° 5º, n° 1, do Código da Estrada aprovado pelo DL n° 114/94, de 03.05 (e alterado pelo DL n° 2/98, de 03.01) e dos art°s 70, n° 1, alínea d), 8°, n° 1, e art° 9°, n° 1, do DL n° 2/98, de 03.01, impunham à Ré a obrigação de diligenciar no sentido de uma circulação segura de veículos e peões no local do acidente, promovendo uma fiscalização eficaz das condições da via, o que passava, nomeadamente, pela verificação da correcta colocação das tampas das caixas de saneamento e pela sinalização adequada de buracos na faixa de rodagem e passeios.
Ora, esta obrigação foi omitida pelos serviços da Ré, já que o Autor, quando passava pelo local em causa, caiu no buraco de uma caixa de saneamento cuja tampa se encontrava fora do local.
Como é sabido, face à definição ampla de ilicitude, constante do art° 6° do DL n° 48051, de 21.11.1967, tem a jurisprudência deste STA considerado ser difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa, afirmando que, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspecto subjectivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer ou de adoptar.
Por outro lado, como também este STA tem vindo a entender, é aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos fundada em acto ilícito a presunção de culpa estabelecida no art° 493°, n° 1, do CC.
Assim, no caso que se analisa, em face da conduta omissiva dos serviços da Ré, era a esta que cabia a prova de que não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente, e, de que haviam sido tomadas todas as medidas no âmbito de uma fiscalização regular e eficaz, devendo-se o acidente a falta de cuidado do Autor ou a ocorrência imediatamente anterior ao sinistro e imprevisível, determinante do afastamento da referida tampa.
Isto não sucedeu.
O ónus da prova era sobre a Ré que recaía e não sobre o Autor, sendo irrelevante a alegação da Ré de que “o recorrido deveria circular pelo passeio e não pela rua”, pois não está absolutamente vedado aos peões a utilização da faixa de rodagem, desde que tomados os cuidados exigíveis e não era certamente exigível ao Autor que se precavesse relativamente à existência de um eventual buraco numa caixa de saneamento.
Verificam-se, pois, os pressupostos “ilicitude” e “culpa”.
Quanto ao valor da indemnização arbitrada, a título de danos morais, carece igualmente a entidade recorrente de razão.
Temos por não desadequado o valor de 7500 euros em que foi fixada, atenta a gravidade acentuada dos danos, nomeadamente o natural sentimento de pesar pela incapacidade permanente geral de 10%, à qual acresce a título de dano futuro mais 5%, os incómodos com o internamento, as dores sofridas e as que o autor ainda suporta quando sujeito a esforços, a dificuldade em realizar certos movimentos, o esforço que lhe é exigido na sua actividade de vigilante. Este é, aliás, um valor que não excede os parâmetros da mais recente jurisprudência, de que é exemplo o acórdão de 2009.04.22, no processo n° 972/08, no qual a indemnização arbitrada, por danos morais, atingiu até um montante bem mais elevado.
3. Pelas razões expostas, emitimos parecer no sentido do improvimento do recurso jurisdicional.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
Na sentença recorrida foram dados por provados os seguintes factos:
1.1.- O Autor nasceu no dia 9 de Julho de 1951 (cfr. doc. de fls. 115 dos autos cujo teor aqui se tem por reproduzido)
2.1 - No dia 9 de Fevereiro de 2003, pelas 4 horas da manhã, o A. seguia na Rua S. Victor no Porto e caiu no buraco de uma caixa de saneamento existente na aludida Rua (resposta ao facto 10);
2.2 - Era noite e que a zona é mal iluminada (resposta ao facto 30);
2.3 - A tampa daquela caixa encontrava-se fora do local (resposta ao facto 3°);
2.4 - O buraco não estava vedado, quer com barreiras, quer com quaisquer fitas sinalizadoras da sua existência (resposta ao facto 4°);
2.5 - Em resultado daquela queda no buraco, o A. fracturou os ossos da perna esquerda (resposta ao facto 6°);
2.6 - De imediato recebeu assistência no Hospital Geral de Santo António (resposta ao facto 7°);
2.7 - Aí ficou internado até ao dia 10 de Fevereiro (resposta ao facto
8°);
2.8 - E recolheu à sua habitação com a perna engessada (resposta ao facto 9°);
2.9 - Socorreu-se do auxílio de canadianas (resposta ao facto 10°);
2.10 - O Autor tem cerca de 1,90 metros de altura e 100 Kilos peso (resposta ao facto 110);
2.11 - A sua casa fica situada num 4º andar sem elevador (resposta ao facto 12°);
2.12 - Foi obrigado a recolher a um lar (resposta ao facto 13°);
2.13 - Onde permaneceu desde 14 de Fevereiro de 2003 até 2 de Abril de 2003 (resposta ao facto 14°);
2.14 - Durante esse período despendeu para pagamento de um lar a quantia de € 2.250,00 (resposta ao facto 15°);
2.15 - O A. comprou pijamas e cuecas no que despendeu € 143,80 (resposta ao facto 16°);
2.16 - Despendeu também a título de taxas moderadoras do Hospital de Santo António até ao dia 28-02-2003, a quantia de € 19,97 (resposta ao facto 17°);
2.17 - E no dia 27-02-2003 a quantia de € 135,00 em serviços de enfermagem (resposta ao facto 18°);
2.18 - No dia 03-03-2003 pagou a quantia de € 5,50 em exames no Hospital da Prelada (resposta ao facto 19°);
2.19 - Ficou internado no mesmo Hospital, no dia 5 de Março de
2003 e submeteu-se a uma intervenção cirúrgica em que foi feita osteosíntese, após redução, com parafusos de compressão inter - fragmentária (resposta ao facto 20°);
2.20 - Na operação despendeu € 1.796,00 (resposta ao facto 21°);
2.21 - Bem como € 220,60 correspondente a duas noites no Hospital da Prelada (resposta ao facto 22°);
2.22 - E ainda € 54,80 por duas noites no mesmo Hospital relativas a acompanhante (resposta ao facto 23°);
2.23 - Após alta voltou a casa com a perna engessada (resposta ao facto 24°);
2.24 - E continuou a ser acompanhado no Hospital da Prelada, onde é periodicamente observado (resposta ao facto 25°);
2.25 - Despendeu também a quantia de € 12,25 em consultas e meios complementares de diagnóstico (resposta ao facto 25°-A);
2.26 - No dia 10 de Março de 2003 despendeu € 2,20 em taxa moderadora no Centro de Saúde da Batalha (resposta ao facto 26°);
2.27 - Desde a data da referida queda despendeu € 348,00 em ambulâncias, quer para se deslocar de e para o Hospital de Santo António, quer para se deslocar de e para o Hospital da Prelada (resposta ao facto 27º);
2.28 - O suportou a quantia de € 5,00 em serviço de táxi (resposta facto 28°);
2.29 - O A. gastou em medicamentos a quantia de € 25,82 (resposta ao facto 29°);
2.30 - Em meias elásticas € 33,85 (resposta ao facto 30°);
2.31 - De 09-02-2003 a 02-04-2003 sofreu o Autor enormes dores e angústias, quer com as lesões sofridas, quer com o facto de ser privado da privacidade e comodidade da sua casa, e ainda pelo facto de não se poder deslocar ou de só o conseguir fazer com muita dificuldade (resposta ao facto 31°);
2.32 - Quando saiu do lar locomovia-se com muito esforço e com a ajuda de duas canadianas (resposta ao facto 32°);
2.33 - Só no mês de Maio passou a deslocar-se sem a ajuda das canadianas (resposta ao facto 33°);
2.34 - O Autor tem dores quando sujeito a esforços e dificuldade em realizar certos movimentos (resposta ao facto 34°);
2.35 - O Autor é vigilante e passa várias horas de pé (resposta ao facto 37°);
2.36 - Em resultado das lesões sofridas o Autor até ao fim da sua vida suportará um esforço acrescido e que, em termos de rebate profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, nomeadamente nas tarefas que necessitem de permanência prolongada em períodos de ortostatismo ou marcha, ou de carga sobre os membros inferiores (resposta ao facto 38°);
2.37 - O Autor aufere mensalmente a quantia de € 554,76, a que acresce a quantia de € 4,86 diários a título de subsídio de alimentação (resposta ao facto 39°);
2.38 - O despendeu a quantia de € 21,25 na obtenção de certidão de registo de nascimento (resposta ao facto 40°);
2.39 - Os serviços do SMAS deslocaram-se ao local assim que tiveram conhecimento do ocorrido através da informação prestada pela PSP (resposta ao facto 41°);
2.40 - O passeio ali existente, tinha um pequeno buraco na ordem dos
5 cm provocado pela deterioração de um tubo de águas pluviais que liga à guia do passeio (resposta ao facto 44°);
2.41 - Os serviços do SMAS oficiaram à R. para que esta procedesse à sua reparação (resposta ao facto 45°);
2.42 - A reparação foi efectuada por uma das brigadas da R. (resposta ao facto 46°);
2.43 - As vias municipais da cidade do Porto têm uma extensão global que ascende a 600 Km (resposta ao facto 47°);
2.44 - A R. dispõe de múltiplas equipas de fiscalização permanente e de reparação/conservação do estado das vias, que velam pela manutenção do estado do respectivo piso (resposta ao facto 48°);
2.45 - O A. à data do acidente a que se reportam os autos trabalhava, e ainda hoje trabalha, para a empresa de segurança “B…, Lda.” (resposta ao facto 50°);
2.46 - Sendo que à data do acidente a que se reportam os autos auferia mensalmente € 554,76 - 14 meses/ano (resposta ao facto 51°);
2.47 - O vencimento mensal que auferia em 2003 de € 554,76 tem vindo a ser objecto de actualizações anuais sendo que no momento actual - Janeiro de 2008 - se cifra em € 595,13 mensais (resposta ao facto 52°);
2.48 - Em consequência do acidente a que se reportam os autos, o Autor ficou com uma incapacidade permanente geral de 10% à qual acresce, a título de dano futuro mais 5%) (resposta ao facto 53°)
2.2. O DIREITO
Na sua alegação a ré, ora recorrente, defende que a sentença enferma de erro de julgamento primeiro, porque na acção inexiste prova de “facto ilícito culposo causal para a produção do acidente”, segundo, porque a ré “logrou elidir a presunção que sobre si impendia” e terceiro, porque a indemnização de € 7 500,00, por danos não patrimoniais, é excessiva, à luz do critério normativo do art. 496º do C. Civil, não devendo, a este título, atribuir-se ao autor uma compensação superior a € 3 000,00.
Passamos a apreciar, pela ordem indicada, por ser a que respeita, igualmente, os imperativos da precedência lógica entre as questões suscitadas.
2.2.1 O tribunal a quo considerou que, no caso em apreço, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da ré, sendo que o essencial do seu entendimento se encontra no seguinte excerto do discurso justificativo da sentença:
No caso presente, cabe notar que está demonstrado que no dia 9 de Fevereiro de 2003, pelas 4 horas da manhã, o A. seguia na Rua S. Victor no Porto e caiu no buraco de uma caixa de saneamento existente na aludida Rua, sendo que era noite e que a zona é mal iluminada, verificando-se que a tampa daquela caixa encontrava-se fora do local e o buraco não estava vedado, quer com barreiras, quer com quaisquer fitas sinalizadoras da sua existência.
Em resultado daquela queda no buraco, o A. fracturou os ossos da perna esquerda.
Ora, no que se reporta à ilicitude, é sabido que o facto ilícito pode consistir tanto num acto jurídico, como num acto material, podendo, também, consistir numa omissão, só que, neste último caso, apenas quando exista obrigação de praticar o acto omitido (Acs. do S.T.A. de 25-03-99 – Rec. nº 41297, de 13-05-99 – Rec. nº 38081 de 20-01-2000 – Rec. nº 44023-T e de 15-02-2001 – Rec. nº 47003).
À luz do artigo 6º do DL 48051, de 21-11-67, consideram-se ilícitos: “os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
No caso em análise, e tendo em atenção o enquadramento descrito, era sobre a R. que impendia a obrigação de, num primeiro momento, conservar a via em apreço no sentido de manter, concretamente, aquele corredor operacional, por forma a permitir o normal trânsito de peões pelo local em apreço e, depois, sinalizar eventuais obstáculos ou quaisquer elementos que condicionem a circulação naquele sítio, por se tratar de via camarária, ou seja, neste domínio, era sobre a R. que impendia a obrigação de sinalizar o obstáculo existente que, nas condições descritas, constituía uma verdadeira armadilha para qualquer transeunte, como o A. aliás demonstrou, sobre ela existindo, por isso, a obrigação de praticar o acto omitido (a conservação do espaço e depois a sinalização do mencionado buraco) sendo que, não o tendo feito, verificado está o pressuposto relacionado com a ilicitude.
Ora, é inequívoco que não existia qualquer sinalização indicando a presença daquele buraco ou outros perigos, sendo o facto de o local estar naquelas condições que determinou a queda do A. e os danos sofridos pelo A..
Com efeito, o nexo de causalidade que releva para efeitos de afirmação de responsabilidade civil extracontratual é o que se reporta, em termos de causalidade adequada (art. 563° do C. Civil), ao facto ilícito directamente desencadeador do resultado danoso (no caso, a omissão de sinalização de perigo), e não a qualquer facto anterior a este, que só indirecta e reflexamente se repercute na produção do dano, o qual sempre poderia ter sido evitado se, apesar do dito facto – a existência do buraco, neste tivesse sido colocada a devida sinalização de perigo.
(…)
Se a sinalização tivesse sido colocada, como se impunha, o referido buraco não teria, segundo juízos de probabilidade, normalidade e adequação, causado os danos que o A. comprovadamente sofreu, ou então, a terem eles ocorrido, não seriam já da responsabilidade da R. Câmara pois que imputáveis a culpa do próprio sinistrado, traduzida na inobservância da aludida sinalização.
No que concerne à culpa, constitui jurisprudência do S.T.A. que nas acções de responsabilidade civil extracontratual dos Entes Públicos, por facto ilícito, funciona a presunção de culpa “in vigilando”, estabelecida no n° 1 do artigo 493” do C. Civil (…)”
A ré discorda deste entendimento defendendo que o autor, ora recorrido, não logrou provar os factos que servem de base ao funcionamento da presunção de culpa, ou seja a ocorrência do facto (positivo ou negativo) causador dos danos, o facto causal ilícito.
Em abono da sua tese argumenta, no essencial, que:
(i) o recorrido não provou que a queda no buraco tenha sido provocada em termos causais, pela falta de sinalização que veio a ser omitida, tal como era imposto pelo art. 5º, nº 2 do C.E. (preceito que prevê que “…os obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes”);
(ii) não foi alegado e muito menos provado que a tampa de saneamento estivesse fora do local por motivo imputável à recorrente;
(iii) aquilo que se logrou provar não permite perceber ou ligar as condições concretas da via municipal em questão ao acidente que vitimou o recorrido, de molde a que a ausência de sinalização do obstáculo tivesse, de algum modo, contribuído para a produção do acidente em questão;
(iv) até porque o recorrido deveria circular pelo passeio e não pela rua. Vejamos, pois.
Para a sentença condenatória foi determinante a falta de sinalização do buraco, omissão essa que relevou como ilícita, culposa e causalmente adequada.
Ora, está provado na acção que o autor, de noite e em zona mal iluminada da Rua de S. Victor, no Porto, caiu no buraco de uma caixa de saneamento aí existente, cuja tampa “se encontrava fora do local”, sendo que “o buraco não estava vedado, quer com barreiras, quer com quaisquer fitas sinalizadoras da sua existência”.
Está, igualmente, provado que o autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais originados pela queda.
Posto isto, começando pela ilicitude, temos, desde logo, como factos incontroversos, que: na data, local e hora do acidente existia, na dita Rua, uma caixa de saneamento aberta e não havia qualquer vedação e/ou sinalização do buraco.
E é fora de dúvida que o buraco era um factor de risco para a segurança dos peões que por ali transitassem.
Assim, de acordo com o previsto nas disposições combinadas dos arts. 5º/1 do C. Estrada (aprovado pelo DL nº 114/94 de 03.5, alterado pelo DL nº 2/98 de 3/1 e pelo DL nº 256-A/2001 de 28/9) e art. 77º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de Outubro (na redacção do DL nº 41/2002 de 20/8) foi omitido o dever de prevenir os utentes da existência de tal obstáculo ocasional, mediante colocação de adequada sinalização temporária, sendo que, na circunstância, estando a via sob a sua jurisdição, a sinalização da via competia à ré (art. 8º/1 do C. Estrada).
Portanto, a ré estava legalmente obrigada a sinalizar e omitiu esse seu dever de agir. Assim, é-lhe imputável uma omissão que viola o disposto nas normas legais atrás indicadas e que, por via disso se deve reputar de ilícita à luz do disposto no art. 6º do DL nº 48051 de 21.11.1967. “Para os efeitos deste diploma consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam essas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidos em consideração”.
Saltando para causalidade, temos que os factos assentes constituem base probatória suficiente do juízo de certeza Juízo de certeza entendido, como na lição de Alberto dos Reis, (in Código do Processo Civil Anotado, III, p. 246), “(…) não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social (…)”. feito pelo tribunal a quo de que se o buraco estivesse vedado ou sinalizado a queda do autor não teria ocorrido e este não teria sofrido os danos que dela lhe advieram. Deste modo é certo que, no plano naturalístico, a falta de sinalização foi condição necessária do resultado danoso. E certo é, também, que a essa condicionalidade concreta acresce a adequação abstracta daquela conduta omissiva.
Na verdade, conforme a jurisprudência firme deste Supremo Tribunal (vide entre outros, os acórdãos de 2002.03.06 – recº nº 48155, de 2001.06.27 – recº nº 37410 e de 1998.11.05 – recº nº 39308), convergindo com a doutrina (Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, 10ª ed., pp. 890/891) o artigo 563º do C. Civil consagra a teoria da causalidade adequada, devendo adoptar-se a sua formulação negativa segundo a qual “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.”
Neste quadro, a omissão de sinalização, em abstracto, de acordo com as regras da experiência comum, tem aptidão para provocar a queda do peão e, não havendo a interposição de circunstâncias excepcionais ou anómalas que expliquem o dano, deve, por consequência, dar-se por verificado, também, o nexo de causalidade que é pressuposto da responsabilidade do Réu.
Por conseguinte, como bem decidiu a sentença recorrida, estão verificados os requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade. Requisitos esses que se não afastam pela alegação de que o autor “deveria circular pelo passeio e não pela rua”. Esta circunstância só poderia ter o efeito de excluir a ilicitude e/ou o nexo de causalidade se o dano registado não fizesse parte do âmbito de protecção das normas infringidas e fosse estranho ao círculo de interesses privados que as mesmas visam tutelar Vide, a propósito, Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, I, 10ª ed., pp. 539-542 e 901-903 e acórdão STA de 2007.11.28 – rec. nº 808/07. Não é o caso. Os peões também podem transitar pela faixa de rodagem, nos termos previstos no art. 99º/2 do Código da Estrada (ao tempo em vigor) aprovado pelo DL nº 114/94, de 3 de Maio, com as redacções introduzidas, sucessivamente, pelo DL nº 2/98 de 3 de Janeiro e DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro e, por via disso, o dever legal de sinalizar os obstáculos ocasionais que, porventura, nelas existam, destina-se, também, a acautelar a sua segurança. Razão pela qual o autor figura entre os titulares dos interesses protegidos pelas normas infringidas e os danos por ele sofridos se registaram no círculo de interesses privados que a norma visa tutelar.
Improcede, pois, a alegação da ré, nesta parte (conclusões A. a L., inclusive).
2.2.2. Diz a sentença, invocando a jurisprudência deste Supremo Tribunal que, no caso sujeito, de efectivação de responsabilidade extracontratual por acto ilícito, emergente da omissão do dever de sinalização, funciona a presunção de culpa “in vigilando” estabelecida no art. 493º/1 do C. Civil.
A ré, ora recorrente, considera, igualmente, que assim é. Mais entende, em sintonia com a sentença, que, por via disso, ocorre uma situação de inversão das regras relativas ao ónus da prova previstas no art. 342º do C. Civil, cabendo ao lesado, apenas, “o ónus da prova que serve de base à presunção, entendida como o facto conhecido de que se parte para firmar o facto desconhecido, cabendo ao autor da lesão a prova principal de que não teve qualquer culpa no acidente gerador dos danos, bem como a de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, adequadas a evitar o acidente, ou de que este se deveu a caso fortuito ou de força maior só por si determinante do evento danoso” (sic).
Discorda, contudo, da decisão, neste capítulo da culpa, porque, segundo ela, primeiro, não se fez prova do facto que serve de base à presunção e, segundo, porque logrou elidir a presunção de culpa que sobre si impendia.
Sem razão, porém.
Quanto à prova do facto ilícito que serve de base à presunção – falta de sinalização – a resposta está dada no ponto anterior do presente acórdão, para o qual remetemos.
Passemos à invocada elisão da presunção.
“Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” (Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, I, p. 571).
Por força do disposto do art. 4º do DL nº 48051, a culpa é apreciada, nos termos do art. 487º nº 2 do C. Civil, isto é, “na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”
Este paradigma da conduta diligente implica, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, a comparação do concreto comportamento apurado, com o que seria de exigir a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor (vide acórdão deste STA de 1999.03.25 – recº nº 41 297) e, quando transposto, para a falta do serviço, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, a comparação com os standards de actuação que se devem esperar daquele serviço a funcionar normalmente, isto é com o nível médio de funcionamento que, com razoabilidade, se pode reclamar dele (vide, Jean Rivero, “Direito Administrativo”, pp. 320/321 e Margarida Cortez, “Responsabilidade Civil da Administração Por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado”, p. 96).
No caso em apreço, a alegada omissão ilícita e causal – falta de sinalização – não vem assacada a um certo e determinado funcionário. Termos em que a responsabilidade civil decorrerá do mau funcionamento dos serviços da ré cumprindo a esta, para elidir a presunção de culpa, alegar e provar que está devidamente organizada, que fiscaliza, com diligência, regular e sistematicamente as estradas e caminhos municipais e que só as particulares circunstâncias do caso concreto, por fortuitas ou absolutamente imprevisíveis, explicam a falta de sinalização. Isto é, cabia-lhe demonstrar que a sua conduta não se situou abaixo do nível médio de funcionamento que lhe era exigível.
Para tanto não serve o simples desconhecimento da situação, nem a prova de que “os serviços do SMAS deslocaram-se ao local assim que tiveram conhecimento do ocorrido através da informação prestada pela PSP”. Tão-pouco vale a prova de que “as vias municipais da cidade do Porto têm uma extensão global que ascende a 600 Km” e que “a Ré dispõe de múltiplas equipas de fiscalização permanente e de reparação/conservação do estado das vias, que velam pela manutenção do estado do respectivo piso”.
Neste ponto sufragamos o discurso justificativo do tribunal a quo, na linha do entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal. Acórdãos:
1203/03 de 2004.05.05; 86/04 de 2005.04.14; 321/07 de 2007.07.12 e 566/08 de 2009.05.27
Passamos a transcrever a sentença recorrida.
“ (…) a prova destes factos é manifestamente insuficiente para elidir a aludida presunção de culpa, impondo-se uma prova bastante mais minuciosa e exigente, atentas as razões de prevenção geral efectiva que lhe estão subjacentes.
Efectivamente, para além desta prova abstracta, era indispensável que a R. tivesse alegado, e provado, de que forma, em concreto, procediam os serviços para evitar acidentes como aquele que ocorreu, enunciando as específicas providências adoptadas, indicando, por exemplo, com que periodicidade a fiscalização das vias era efectuada, de que modo se desenvolvia (apeada ou motorizada), se existiam contactos telefónicos publicitados que permitissem aos munícipes comunicar, de imediato, aos serviços camarários a ocorrência de incidentes nas vias e, ainda, toda panóplia de outros procedimentos capaz de demonstrar que só as particulares circunstâncias do caso, por fortuitas e absolutamente imprevisíveis, permitiam explicar a falta de sinalização da existência de uma tampa fora do local naquelas condições em termos de constituir uma armadilha para os transeuntes.”
Deste modo consideramos que a sentença, enquanto considerou que a ré não logrou elidir a presunção de culpa que sobre ela impendia, não enferma de erro de julgamento.
Por conseguinte, improcede o recurso também nesta parte.
2.2.3. Resta apreciar a questão do montante da indemnização por danos não patrimoniais.
O tribunal de 1ª instância fixou a indemnização, a este título, no montante de € 7 500,00, ancorado nos danos provados e que enumerou do seguinte modo:
“(…) de 09-02-2003 a 02-04-2003 sofreu o Autor enormes dores e angústias, quer com as lesões sofridas, quer com o facto de ser privado da privacidade e comodidade da sua casa, e ainda pelo facto de não se poder deslocar ou de só o conseguir com muita dificuldade e quando saiu do lar locomovia-se com muito esforço e com a ajuda de duas canadianas, sendo que só no mês de Maio passou a deslocar-se sem a ajuda de canadianas.
O Autor tem dores quando sujeito a esforços e dificuldade em realizar certos movimentos, verificando-se que o Autor é vigilante e passa várias horas de pé e que em resultado das lesões sofridas o Autor até ao fim da sua vida suportará um esforço acrescido e que, em termos de rebate profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, nomeadamente nas tarefas que necessitem de permanência prolongada em períodos de ortostatismo ou marcha, ou de carga sobre os membros inferiores.
Diga-se ainda que em consequência do acidente a que se reportam os autos, o Autor ficou com uma incapacidade permanente geral de 10% (à qual acresce, a título de dano futuro mais 5%)” .
A Ré não concorda com a decisão, restringindo a sua discordância quanto ao montante, que reputa de exagerado, defendendo que a indemnização, para ser equitativa, não deve exceder o montante de € 3 000,00.
Vejamos.
Como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2007.09.25 - rec. nº 142/07, que passamos a citar:
“Em matéria de danos não patrimoniais é particularmente difícil a tarefa cometida ao tribunal de arbitrar uma indemnização equitativa (art. 496°/3 do C Civil).
Para a quantificação, os critérios ressarcitórios mais cheios que a lei nos fornece são apenas o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado (arts. 496°/3 e 494° C. Civil).
Depois, dada a impossibilidade de aceder à consciência do outro, ninguém pode, verdadeiramente, saber qual é o cortejo de vivências dolorosas contidas em cada segundo de sofrimento individual.
A mais disso estamos num domínio paradoxal. Como assinala Antunes Varela (Das Obrigações Em Geral, 10ª ed., p. 499), estão em causa prejuízos (as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, por um lado, por atingirem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado são insusceptíveis de avaliação pecuniária, mas que, por outro lado, só podem ser compensados com uma obrigação pecuniária.
Daí a nossa adesão à jurisprudência que, a partir da infungibilidade dos bens que desencadeiam os danos não patrimoniais e realçando as funções compensatória e sancionatória da respectiva indemnização (Vide, a propósito, Maria Manuel Veloso, Danos Não Patrimoniais, in “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil”, III, p. 554 e segs.) considera que esta, enquanto lenitivo para os danos suportados não deve ser miserabilista e que, de todo o modo, “a sua expressão não deve nem pode ser meramente simbólica, mas também não deve nem pode representar negócio” (Vide acórdão STJ de 2006.02.07 — Proc° n° 05A3765 e demais jurisprudência nele citada) (...)“.
Consideramos ainda que, a exemplo do que no mesmo aresto se afirmou a respeito dos danos patrimoniais, também em relação aos danos não patrimoniais, para não criar insegurança e prevenir discrepâncias configuráveis, porventura, como verdadeiras “lotarias indemnizatórias” (na expressão de Maria Manuel Veloso, ob. cit., p. 544 ), na fixação do montante da indemnização não devem, igualmente, descurar-se, na medida do possível, os padrões adoptados nas decisões precedentes em casos semelhantes”.
Dito isto, tendo-se provado que o autor suportou enormes dores físicas decorrentes da fractura dos ossos da perna esquerda e da intervenção cirúrgica a que foi submetido, que teve que abandonar o seu domicílio e recolher a um lar durante dois meses, por dificuldades de locomoção, que ficou com uma incapacidade parcial permanente actual de 10%, mas que no futuro alcançará os 15%, e que até ao fim da sua vida suportará um esforço acrescido na realização das tarefas próprias da sua profissão habitual de vigilante e tendo em conta o padrão adoptado por este Supremo Tribunal, recentemente, em caso com algumas semelhanças, no acórdão de 2009-04-22 – recº nº 0972/08, entende-se que não é excessivo o montante atribuído de € 7 500,00.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida, inclusive em matéria de custas.
Sem custas, nesta instância.
Lisboa, 23 de Setembro de 2009. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Rosendo Dias José – Jorge Manuel Lopes de Sousa.