Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0613/11.5BECBR
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
Sumário:O prazo de prescrição do art. 3.º, n.º 1, § 1.º, do Regulamento [CE/Euratom] 2988/95, de quatro anos, a contar da data da irregularidade que deu origem à obrigação de restituir as verbas recebidas, interrompe-se com a notificação ao devedor originário para a restituição voluntária dos valores em causa, iniciando-se nessa data novo prazo de 4 anos (cf. § 3.º do n.º 1 do art. 3.º daquele Regulamento), motivo por que se a citação do responsável subsidiário ocorreu antes de esgotado este novo prazo não se verifica a prescrição.
Nº Convencional:JSTA000P25120
Nº do Documento:SA2201911060613/11
Data de Entrada:12/14/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 613/11.5BECBR
Recorrente: A…………
Recorrido: “Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE), I.P.”

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal que prossegue contra ele, por reversão, para cobrança de uma dívida proveniente de apoios recebidos do Fundo Social Europeu e do Estado Português e cuja restituição foi determinada.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A) A dívida em execução no PEF 0850200701011332 diz respeito a verbas recebidas no âmbito do Fundo Social Europeu.

B) O oponente em sede de oposição, apresentou vários argumentos de modo a afastar a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida, porém, todos eles foram julgados improcedentes.

C) A douta decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, pois não apreciou a prescrição da dívida.

D) O recorrente foi notificado para apresentar alegações nos termos do artigo 120.º do CPPT, alegações que apresentou em 27/04/2017, onde invocou a prescrição da dívida, porém, na douta sentença objecto de recurso a mesma não foi apreciada.

E) Prescrição, que para além, de ter sido invocada pelo ora recorrente (em alegações) é, ela mesma, de conhecimento oficioso como dispõe o artigo 175.º do CPPT.

F) Assim, incumbia ao Meritíssimo Juiz [do Tribunal] “a quo”, apreciar a prescrição, quer por a mesma ter sido suscitada em sede de oposição (alegações), quer por dever de ofício, porém, tal não sucedeu, apesar de constarem nos autos todos os elementos necessários à apreciação e reconhecimento da prescrição, no entanto, a douta sentença nada diz relativamente a esta, violando o dever de pronúncia ao não apreciar, e ao não reconhecer a prescrição da dívida.

G) Conforme o disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, o mesmo dispõe o artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do CPC.

H) No caso concreto, verifica-se, de facto, a omissão de pronúncia pelo não conhecimento da prescrição, dever de pronúncia que se impunha ao Tribunal “a quo”, uma vez que a dívida se encontra prescrita.

I) A execução fiscal n.º 0850200701011332 foi instaurada para cobrança coerciva de verbas recebidas no âmbito do Fundo Social Europeu (FSE), atribuídas à Associação de Desenvolvimento de ………, na sequência da sua candidatura ao apoio financeiro para garantir a realização de projectos elegíveis financiados pelo Fundo Social Europeu, no âmbito de um PO.

J) A Associação recebeu o montante de € 268.653,59, tendo-lhe sido entregue em 2005 a quantia de € 114.241,97, e em 2006 a quantia de € 154.411,62, porém, após ajustamentos e verificação da execução do projecto, foi reduzido o saldo para € 260.757,58.

L) Ou seja, o financiamento final do FSE destinado à formação profissional, passou de € 268.653,59, para € 260.757,58, ficando a Associação obrigada a restituir a quantia de € 7.896,01, correspondente à diferença entre o montante aprovado na candidatura e o saldo final aprovado.

M) Em 25/07/2007, o Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE) emitiu um ofício dirigido à Associação de Desenvolvimento de ……… solicitando a restituição de verbas, emitindo a respectiva guia no montante de € 7.896,01, ofício que foi recebido na Associação de Desenvolvimento de ……… em 28/08/2007.

N) Em 05/12/2007 foi emitida certidão por parte do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0850200701011332.

O) Em 29/07/2011, o recorrente foi citado.

P) O prazo dentro do qual pode ser pedida a devolução das quantias recebidas no âmbito do Fundo Social Europeu, vem regulada no Regulamento (CE EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias.

Q) No referido Regulamento, e no que diz respeito à prescrição, pode ler-se no artigo 3.º: “1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1 do artigo 1.º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos. (...)”

R) De acordo com a referida disposição e tendo em conta que a comparticipação financeira do FSE foi recebida em 2005 e 2006, o prazo para a sua cobrança terminou 2009 e 2010.

S) Ora, a restituição das quantias indevidamente recebidas, só veio a ser exigida (notificada) ao executado em 29/07/2011, aquando da sua citação.

T) Nessa data já tinha decorrido o prazo de 4 anos, estando, obviamente, a dívida prescrita quanto ao recorrente.

U) Não obstante, a questão da prescrição das dívidas ao FSE tenha sido alvo de diversas decisões judiciais, o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA o Acórdão n.º 1/2015, de 26/02/2015 no processo n.º 173/13, publicado no DR - I Série de 7 de Maio de 2015, veio fixar jurisprudência no sentido de que “Na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art. 3.º, n.º 1, do Reg. (CE Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável”. A jurisprudência agora fixada pelo STA, vai, de resto, ao encontro do que tem sido a jurisprudência do TJUE nesta matéria.

V) De acordo com a fundamentação expendida neste aresto e para a qual remetemos, entende-se hoje que o prazo de prescrição, das quantias das ajudas comunitárias irregularmente concedidas, é o que está definido no n.º 1 do art. 3.º do Reg. 2988/95, por se tratar de norma jurídica directamente aplicável na ordem interna (artigo 288.º, parágrafo 2.º do CE e art. 8.º, n.ºs 3 e 4 da CRP) e porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo prescricional superior.

X) Recentemente o STA, também se pronunciou sobre esta questão, acórdão proferido no processo 0912/15, de 07/06/2018, mantendo o mesmo entendimento “I- O prazo para ser pedida a devolução de quantias recebidas irregularmente é o prazo de 4 anos, previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 (CE EURATOM), do Conselho de 18/12, relativo à “protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias”.

Z) Concluindo, assim, o recorrente que a dívida em cobrança coerciva é inexigível por decurso do prazo prescricional de 4 anos (a contar da data em que foi praticada a irregularidade, ou seja, foi recebida indevidamente a comparticipação do FSE), devendo como tal ser declarada.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, ser declarada a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto à prescrição. Prescrição que deve ser apreciada no âmbito do presente recurso por constarem dos autos todos os elementos que permitem a sua apreciação, fazendo-se assim a Costumada Justiça».

1.3 O IGFSE não contra-alegou.

1.4 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em face da arguição da nulidade por omissão de pronúncia e invocando expressamente o disposto no n.º 2 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e salientando que «fica[va] o que agora vai ser decidido em matéria de prescrição, como sendo parte integrante da sentença proferida nestes autos», entendeu suprir a nulidade. Assim, apreciando e decidindo a questão da prescrição da dívida em cobrança coerciva, julgou-a improcedente e conclui nos seguintes termos: «em complemento da sentença proferida nestes autos, considera-se que inexiste a invocada prescrição».

1.5 Notificado dessa decisão, o Recorrente nada disse.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e a Procuradora-Geral Adjunta, salientando que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra sanou a nulidade por omissão de pronúncia invocada nas alegações de recurso, mediante despacho em que conheceu da invocada prescrição e que passou a fazer parte integrante da sentença recorrida, emitiu parecer no sentido do não conhecimento do recurso. Isto, com a seguinte fundamentação:

«[…]
5- Constatamos, que o presente recurso tem como fundamento a então patente omissão de pronúncia pretendendo ver conhecida a invocada prescrição.
Questão que, entretanto, foi ultrapassada pelo supra citado despacho que reparou o vício invocado conhecendo da prescrição, julgando no sentido de se não verificar, “in casu” o decurso do prazo prescricional com fundamento de que:
[…]

6- Esta fundamentação não se mostra atacada, por via recursiva, pois o recorrente não veio interpor recurso quanto a este segmento decisório, nada disse, não tendo vindo, por ex., com aditamento às alegações e conclusões, o que a nosso ver fazia sentido face à posição assumida nos autos. E porquê? O recorrente conformou-se com o decidido e nada disse?

7- Nestes termos, entendemos que não deve ser conhecido do recurso por não existir».

1.7 Notificado desse parecer, o Recorrente veio apresentar requerimento, do qual nos permitimos destacar o seguinte segmento:

«[…]
Assim, o douto tribunal “a quo” pronunciou-se sobre a prescrição da dívida, em 19/11/2018, considerando essa pronúncia um complemento da sentença.
A Digníssima Procuradora Geral Adjunta considera que o recorrente não “veio interpor recurso quanto a este segmento decisório”, entendendo, inclusivamente, que o recorrente devia ter feito um aditamento às alegações e conclusões.
Ora, entende o Recorrente que não é necessário efectuar qualquer aditamento às alegações e conclusões, pois as mesmas, ainda que não façam uma referência expressa ao complemento da douta sentença onde se apreciou a prescrição da dívida, colocam em causa a decisão do tribunal “a quo” quanto à prescrição.
A douta sentença (complemento) entende que a “prescrição do procedimento continua a correr até o programa estar encerrado” o “que significa que esta norma estabelece um regime de prescrição distinto para este tipo de programas, determinado que a mesma só cesse com o encerramento definitivo do programa e tal, no caso presente, este só se dá meados de 2009”.
Ora, o recorrente faz uma interpretação diferente da referida norma, pois considera que o prazo de prescrição de quatro anos se inicia na data em que foi praticada a irregularidade, isto é, na data em que foi recebida indevidamente a comparticipação, que no presente caso ocorreu em 2005 e 2006.
Este entendimento está vertido na motivação do recurso, bem como nas conclusões [J), R), S), T), V), X) e Z)].
Face ao exposto, o recurso apresentado pelo recorrente coloca em causa o segmento da douta sentença que apreciou a prescrição, pelo que deverá o presente recurso ser apreciado».

1.8 Remetidos de novo os autos ao Ministério Público, a Procuradora-Geral Adjunta emitiu novo parecer no qual, após historiar a marcha do processo ulterior à interposição do recurso, e considerando que «o presente recurso prende-se, agora, tão só ao conhecimento da verificação ou não da prescrição da dívida em causa», se pronunciou no sentido de que seja negado provimento ao recurso, aderindo à tese adoptada na sentença quanto à prescrição.

1.9 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal a quo efectuou o julgamento da matéria de facto nos termos que constam da sentença de fls. 185 a 205 do processo electrónico, que aqui se dá por reproduzido (cf. art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil), dando nota apenas daqueles ora tidos por relevantes para a decisão a proferir:

«A- Em 25.07.2007, o Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu emitiu um ofício dirigido à Associação de Desenvolvimento de ……… solicitando a restituição de verbas, emitindo a respectiva guia no montante de € 7.896,01 (cf. docs. a fls. 16 e 18 dos autos e que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

B- O ofício referido na alínea anterior foi recebido na respectiva associação em 28.08.2007 (cf. docs. a fls. 17 a 20 dos autos e que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

C- Em 05.12.2007 foi emitida «certidão» por parte do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P. (cf. doc. a fls. 15 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

D- Com base na certidão referida na alínea anterior foi instaurado presente processo de execução fiscal (PEF) n.º 0850200701011332 (cf. docs. a fls. 14 e segs. dos presentes autos).

E- Em informação dos serviços da AT, datada de 11.11.2010, propôs-se que fossem revertidas para o ora Oponente e outros as dívidas referentes ao presente processo de execução fiscal (cf. doc. a fls. 23 a 25 dos autos e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

[…]

I- Da decisão referida na alínea anterior [que reverteu a execução fiscal contra o ora Recorrente] foi dado conhecimento ao Oponente por ofício dos serviços da Exequente, datado de 19.07.2011 e recebido a 29.07.2011 (cf. docs. a fls. 43 a 47 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

[…]».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrente, chamado por reversão a uma execução fiscal instaurada para cobrança de uma dívida proveniente de apoios recebidos do Fundo Social Europeu e do Estado Português e cuja restituição foi determinada, veio deduzir oposição com diversos fundamentos, que todos foram julgados improcedentes.
Notificado dessa sentença, veio interpor recurso, cuja alegação resumiu nas conclusões que ficaram transcritas em 1.2 supra e das quais resulta que considerou que a sentença enfermava de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à questão da prescrição, questão que, apesar de não ter invocado na petição inicial, invocou em sede de alegações pré-sentenciais, previstas no art. 120.º do CPPT, aplicável em sede de oposição à execução fiscal ex vi do art. 211.º do mesmo Código (Note-se que, para a verificação da nulidade por omissão de pronúncia relativamente a uma questão do conhecimento oficioso, não basta que a questão não tenha sido apreciada pelo tribunal, exigindo-se também que o seu conhecimento tenha sido suscitado pelas partes. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume I, nota 11 ao art. 125.º, pág. 365. ). Mais resulta que o Recorrente se conformou com o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra no que respeita às demais questões por ele suscitadas.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, reconhecendo a omissão de pronúncia sobre a questão da prescrição e dando cumprimento ao disposto no art. 617.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, sanou a nulidade, apreciando a prescrição da dívida exequenda e concluindo pela improcedência desse fundamento de oposição. Notificado desse despacho, que, como o Juiz do Tribunal a quo referiu expressamente, passou a fazer parte da sentença (cfr. n.º 2 do art. 617.º do CPC), o Recorrente nada disse ou requereu.
Já neste Supremo Tribunal Administrativo, tendo a Procuradora-Geral Adjunta suscitado a questão de saber se o recurso, em face da sanação da nulidade, tinha perdido o objecto, o Recorrente, ouvido sobre a questão, sustentou que o recurso ataca a sentença também quanto à decisão sobre a prescrição e que não lhe era exigível «qualquer aditamento às alegações e conclusões, pois as mesmas, ainda que não façam uma referência expressa ao complemento da douta sentença onde se apreciou a prescrição da dívida, colocam em causa a decisão do tribunal “a quo” quanto à prescrição»; assim, porque «[a] sentença (complemento) entende que a “prescrição do procedimento continua a correr até o programa estar encerrado” o “que significa que esta norma estabelece um regime de prescrição distinto para este tipo de programas, determinado que a mesma só cesse com o encerramento definitivo do programa e tal, no caso presente, este só se dá meados de 2009», enquanto «o recorrente faz uma interpretação diferente da referida norma, pois considera que o prazo de prescrição de quatro anos se inicia na data em que foi praticada a irregularidade, isto é, na data em que foi recebida indevidamente a comparticipação, que no presente caso ocorreu em 2005 e 2006», concluiu, que «[e]ste entendimento está vertido na motivação do recurso, bem como nas conclusões [J), R), S), T), V), X) e Z)]», o que significa que «o recurso apresentado pelo recorrente coloca em causa o segmento da douta sentença que apreciou a prescrição, pelo que deverá o presente recurso ser apreciado».
Em face do exposto, impõe-se, antes do mais, averiguar se, suprida que foi a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, a questão da prescrição, rectius o julgamento que foi feito dessa questão, se inclui ou não no âmbito do recurso. Se a resposta for positiva, cumprirá também averiguar se a sentença, através do complemento por que foi sanada a nulidade por omissão de pronúncia, fez correcto julgamento quanto à questão da prescrição.

2.2.2 DO ÂMBITO DO RECURSO APÓS O SUPRIMENTO DA NULIDADE PELO JUIZ DO TRIBUNAL A QUO EM MATÉRIA DO CONHECIMENTO OFICIOSO

Diz o art. 617.º do CPC:
«1- Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.
2- Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objecto a nova decisão.
3- No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.
4- Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente.
5- Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objecto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.
6- Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença».
Como resulta do artigo que vimos de citar, se for arguida nas alegações de recurso a nulidade da sentença compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
No caso, o recurso interposto da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra tinha como único fundamento a nulidade por omissão de pronúncia relativamente à questão da prescrição da dívida exequenda. No entanto, como é óbvio, a arguição da nulidade por omissão de pronúncia só faz sentido no pressuposto de que a questão cujo conhecimento foi omitido seja decidida favoravelmente àquele que argua a nulidade.
É certo que à data em que o recurso (modo de impugnação da sentença) foi interposto, não podia ter como fundamento o erro de julgamento quanto à prescrição, que não foi conhecida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra senão quando apreciou a nulidade por omissão de pronúncia invocada nas alegações de recurso. Em face da invocação da nulidade por omissão de pronúncia seria, aliás, despropositado invocar o erro de julgamento da sentença quanto à prescrição, que o Recorrente, manifestamente, não invocou (se não havia julgamento da questão, o que justificava a invocação da nulidade, não podia haver erro de julgamento). O que o Recorrente fez – e bem, prevenindo o reconhecimento da invocada nulidade por omissão de pronúncia – foi alegar desde logo os motivos por que sustenta a prescrição da dívida exequenda. Aliás, mal se compreenderia que o Recorrente invocasse a nulidade por omissão de pronúncia se não estivesse convencido ou, pelo menos, não sustentasse que a dívida exequenda está prescrita.
Ou seja, as alegações de recurso não podiam questionar, e não questionam, o julgamento da questão da prescrição pela simples razão de que, à data, não havia julgamento algum sobre essa questão. Foi por isso que o Recorrente invocou a nulidade por omissão de pronúncia. Só passou a existir julgamento da questão da prescrição quando o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra supriu a nulidade por omissão de pronúncia.
No entanto, por força do disposto no já citado n.º 2 do art. 617.º do CPC, deve considerar-se que o despacho por que o Juiz do tribunal a quo sanou a nulidade passou a integrar a sentença e que o recurso interposto ficou a ter como objecto a nova decisão.
Ora, como deixámos dito, as alegações anteriormente apresentadas já continham as razões por que o Recorrente entendia que se verificava a prescrição da obrigação tributária e que não foram acolhidas pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra quando da sanação da nulidade.
Assim, só numa interpretação estritamente formal e, por isso, contrária aos cânones hermenêuticos legalmente impostos (cf. art. 7.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), se poderia sustentar a obrigação de o Recorrente ter vindo ampliar o objecto do recurso (possibilidade prevista no n.º 1 do art. 617.º do CPC) sob pena de não se conhecer do erro de julgamento.
Ademais, não podemos perder de vista que a prescrição da obrigação tributária é do conhecimento oficioso (cf. art. 175.º do CPPT), pelo que nunca se exigiria ao Recorrente mais do que invocar a questão para que o Tribunal ad quem houvesse de a conhecer.
Concluindo, diremos que, tendo a prescrição invocada pelo opoente antes da sentença sido conhecida pelo tribunal a quo apenas na sequência do recurso por que aquele arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a essa questão (cf. art. 617.º, n.º 1), é de considerar que o tribunal ad quem está obrigado a reapreciar o julgamento efectuado quanto a essa questão – que, por força do n.º 2 do mesmo artigo 617.º do CPC, se considera parte integrante da sentença e abrangida pelo âmbito do recurso –, ainda que o recorrente não tenha vindo alargar o âmbito do recurso ao abrigo do n.º 3 ainda do mesmo artigo.
Impõe-se-nos, pois, apreciar e decidir se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra fez correcto julgamento da prescrição.

2.2.3 DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO SUBJACENTE À DÍVIDA EXEQUENDA

A dívida exequenda refere-se à reposição de quantias indevidamente recebidas do Fundo Social Europeu.
A sentença entendeu, em síntese, que nos programas plurianuais a prescrição do procedimento continua a correr até o programa estar encerrado, nos termos da 2.ª parte do § 2.º do art. 3.º do Regulamento [CE, Euratom] n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro; que, apesar disso, ainda antes do encerramento definitivo do programa, em 2009, já a Executada tinha sido notificada decisão de aplicação da medida administrativa de reembolso de parte dos montantes pagos, em 28 de Agosto de 2007; que a partir desta data se conta novo prazo de prescrição de quatro anos (cf. § 3.º do n.º 1 do art. 3.º do referido Regulamento); que quando o Oponente foi citado do despacho de reversão, em 29 de Julho de 2011, não havia sido ultrapassado o novo prazo de quatro anos, tendo aquela efeito interruptivo duradouro, que aqui perdura.
A tese do Recorrente, em síntese, é a de que o prazo de prescrição começa a correr na data em que foi praticada a irregularidade que determinou a reposição e que no caso «ocorreu em 2005 e 2006», motivo por que, quando o ora Recorrente foi citado, em 29 de Julho de 2011, já esse prazo se tinha esgotado.
Note-se que a sentença e o Recorrente confluem no entendimento – actualmente pacífico na jurisprudência deste Supremo Tribunal (Após a pronúncia pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no âmbito de pedido de reenvio (acórdão de 17 de Setembro de 2014, proferido no processo com o n.º C-341-13), no sentido de que o prazo de 20 anos excede o que é necessário para atingir o objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo alterou-se, passando a entender-se que o prazo de prescrição é o de 4 anos previsto no Regulamento n.º 2988/95, por não haver norma no direito interno especialmente previsto. Vide o acórdão de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo com o n.º 398/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e821630724cdc0d880257d6d003d717b, no âmbito do qual foi efectuado o referido reenvio prejudicial ao TJUE e que marcou a viragem na jurisprudência da Secção.) – de que o prazo de prescrição é de quatro anos, nos termos do art. 3.º, § 1.º, do referido Regulamento [CE Euratom] n.º 2988/95, do Conselho, de 28 de Dezembro, divergindo apenas quanto ao termo inicial desse prazo: o Recorrente situa-o na data em que ocorreu a irregularidade, sem mais, por apelo ao § 1.º do art. 3.º do Regulamento; a sentença, não pondo em causa esse entendimento, adita-lhe que é de ter em conta que na data em que a devedora originária foi notificada para proceder ao reembolso (em 28 de Agosto de 2007, ou seja, dentro daquele prazo), se interrompeu a prescrição e se iniciou novo prazo de quatro anos, o qual ainda estava em curso à data em que o ora Recorrente foi citado (em 29 de Julho de 2011).
A nosso ver, a tese adoptada na sentença não merece censura. Na verdade, dispõe o § 3.º do n.º 1 do art. 3.º do Regulamento: «A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção».
Em conclusão, o prazo de prescrição do art. 3.º, n.º 1, § 1.º, do Regulamento [CE/Euratom] 2988/95, de quatro anos, a contar da data da irregularidade que deu origem à obrigação de restituir as verbas recebidas, interrompe-se com a notificação ao devedor originário para a restituição voluntária dos valores em causa, iniciando-se nessa data novo prazo de 4 anos (cf. § 3.º do n.º 1 do art. 3.º daquele Regulamento), motivo por que se a citação do responsável subsidiário ocorreu antes de esgotado este novo prazo não se verifica a prescrição.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente (cf. art. 527.º do CPC).


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Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Neves Leitão – Nuno Bastos.