Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0844/14
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I - Entre as razões que podem determinar a adopção das medidas cautelares, sem necessidade de qualquer outra indagação, está “a evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” – art. 120º, nº 1, al. a) do CPTA. Como, a contrario, a evidência de que a pretensão carece de fundamento conduzirá à sua imediata rejeição.
II - Numa ou noutra hipótese, a adopção ou rejeição imediata da providência só é possível nos casos em que o triunfo ou o fracasso da pretensão deduzida ou a deduzir na acção principal é manifesto, notório ou ostensivo.
III – Se existe um fundado receio de que quando se chegue ao termo do processo principal e nele venha a ser proferida uma decisão definitiva, esteja concluído há muito o processo de privatização e consumados factos que o recorrente considera de difícil ou de improvável reparação, é de julgar verificado o periculum in mora, exigido na primeira parte do art. 120º, nº 1, alínea b) do CPTA, na vertente de «facto consumado».
IV – O art. 120º, nº 2 do CPTA introduz um critério de ponderação de interesses, de acordo com o qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente, em cada caso, da formulação de um juízo de valor relativo, tendo por base a comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos.
V – Se face aos elementos de que o Tribunal dispunha, face ao alegado pelas partes quanto a danos que resultariam da recusa (no caso do requerente) ou concessão (no caso do requerido) da providência, não se detecta qualquer erro de direito neste juízo de ponderação, não merece o acórdão recorrido censura.
Nº Convencional:JSTA000P18847
Nº do Documento:SAP201504170844
Data de Entrada:01/14/2015
Recorrente:MUNICÍPIO DE LOURES
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CM
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Município de Loures veio requerer a providência cautelar de suspensão de eficácia da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, de 3 de Abril, publicada no DR, I Série, nº 69, de 08.04.2014, que «aprovou o Caderno de Encargos do concurso público para reprivatização da A……….., SA (A…….), e determinou a abertura do respectivo concurso público, previsto no nº 2 do artigo 2º do DL nº 45/2014, de 20.03, bem como do anúncio do procedimento nº 1988/2014 que, em cumprimento daquela RCM, foi publicado no DR, 2ª Série, nº 71, de 10.04.2014, praticados pela Presidência do Conselho de Ministros».
Indicou como contra-interessados os Municípios da Amadora, Lisboa, Vila Franca de Xira, Odivelas, a Associação de Fins Específicos – Amo Mais e B………., SA, C………, SA, A………. SA e D………….., SA, todos identificados nos autos.
Requereu a título principal, o decretamento da providência sem mais indagações, se o Tribunal considerar preenchida a previsão da alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, e, subsidiariamente, a sua concessão ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito.

Este Supremo por acórdão datado de 27.11.2014 - cfr. fls. 984 a 1007 -, decidiu “rejeitar a intervenção espontânea do Município de Odivelas, indeferir a requerida declaração de ineficácia de actos de execução indevida, e julgar improcedente a pretensão cautelar”.

Notificado o Requerente deste acórdão e com ele não se conformando veio dele interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
A– O ora recorrente requereu nos presentes autos de providência cautelar a suspensão de eficácia da Resolução do conselho de Ministros nº 30/2014 que aprovou o Caderno de Encargos do concurso público para reprivatização da A……… (A…….) e determinou a abertura do respectivo concurso público, previsto no n° 2 do art.° 2° do DL 45/2014, de 20 de Março, bem como do anúncio do procedimento n° 1988/2014 que em cumprimento da referida Resolução foi publicado no DR, 2a Série, n° 71 de 10 de Abril de 2014.
B- O Tribunal a quo decidiu julgar-se competente para conhecer da providência requerida pelo Município de Loures e indeferiu a providência requerida não obstante entender que se encontram verificados os requisitos do fumus boni iuri e do periculum in mora por considerar na ponderação dos interesses defendidos pela Requerente e Requerido que pesavam mais os interesses defendidos pela entidade demandada.
C- A douta decisão recorrida julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nos termos do disposto no art.° 128°, n°4.
D- Não se conformando com a solução de facto e de direito perfilhada no Acórdão recorrido, interpõe da mesma recurso pugnando pelo decretamento da providência requerida.
E- No Acórdão recorrido o Tribunal a quo faz uma errada interpretação do disposto no art.° 120°, n° 1 alínea a) do CPTA, bem como da aplicação do critério da proporcionalidade consignado no art.° 120°, n° 2 do CPTA e ainda errou na interpretação do art.° 128°, do CPTA.
F- A decisão recorrida conclui que a Resolução Fundamentada contém a enunciação de um conjunto de factos claros e congruentes que permitem perceber a motivação de se continuar a execução do acto administrativo e que a sustação do mesmo é passível de “prejudicar gravemente” o interesse nacional porque os juízos a tal respeito se mostram plausíveis
G- No entanto, na mesma decisão o Tribunal a quo refere que não pode entrar na análise da oportunidade dos actos em causa e na decisão política.
H- O recorrente demonstrou no incidente de declaração de actos de execução indevida a total falta de sustentação táctica para a decisão de não sustação da execução do acto suspendendo.
I- Foi demonstrado de modo claro e evidente que os factos alegados pelo Requerido Conselho de Ministros para justificar o prejuízo de interesse nacional não se verificam, não existem e não são verdadeiros.
J- O n.° 3 do artigo 128.° do CPTA prevê que a execução do acto é indevida quando improcedem as razões em que aquela se fundamenta.
K- Uma vez que foi suscitado o incidente estava o Tribunal a quo obrigado a verificar da existência ou não dos fundamentos da resolução, a conhecer do invocado no incidente, o que não sucedeu.
L- Deveria, pois, o Tribunal a quo ter-se pronunciado ao abrigo do disposto no n° 3 do art° 128° do CPTA.
M- A decisão recorrida está pois ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.° 615°, n° 1 alínea d) do CPC aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA.
N- A decisão recorrida faz errada interpretação do disposto na alínea a) do n° 1 do art.° 120° do CPTA.
O- O Recorrente invoca e fundamenta as ilegalidades evidentes e grosseiras de que padece o acto suspendendo, facto que determina o decretamento da providência sem necessidade de verificação de quaisquer outros requisitos.
P- O Tribunal a quo não se pronuncia sobre a evidência da procedência da pretensão formulada pelo ora Recorrente, facto que determina também a nulidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no art.° 615°, n° 1 alínea d) do CPC aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA.
Q- O Acórdão recorrido faz também uma errada aplicação do critério da proporcionalidade estabelecido no n° 2 do art.° 120° do CPTA.
R- O Tribunal a quo não tomou em consideração as pretensões requeridas pelo Requerente Município de Loures ao decidir que na ponderação dos interesses estabelecida no art° 120°, n° 2 do CPTA relevavam mais os interesses defendidos pelo Conselho de Ministros do que aqueles que defende o Município requerente.
S- O Município recorrente defende neste processo interesses que são interesses públicos, na medida em que a sua intervenção vai muito além da sua qualidade de accionista da D………, SA, os interesses que visa defender são aqueles que lhe estão legalmente cometidos no domínio dos resíduos sólidos.
T- O recorrente, ao contrário do que sustenta a douta decisão recorrida, alega e fundamenta os interesses que visa defender e acautelar com a atribuição da presente providência cautelar, conforme resulta dos artigos 114° a 126° do seu Requerimento Inicial que dão por reproduzidas.
U- A argumentação do Conselho de Ministros na defesa dos interesses que defende assenta em factos não demonstrados ou em juízos de prognose inverosímeis.
V- A apreciação jurídica exposta no Acórdão recorrido não decorre de factos que nele se mostrem provados, uma vez que apenas se julgou provado que no dia 17 de Julho de 2014, o Conselho de Ministros aprovou a “Resolução Fundamentada” que consta de fls. 221 a 229 dos autos com o conteúdo sumariamente transcrito.
W- Os factos alegados pelo Conselho de Ministros na sua Resolução Fundamentada não estão minimamente fundamentados, sequer provados não sendo suficiente a sua mera descrição.
X- O ora Recorrente no seu incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida demonstra que a argumentação do Conselho de Ministro designada de “forte e persuasiva” não resiste a uma análise da sua validade pois os mesmos não são minimamente plausíveis.
Y- Mas no requerimento inicial o Município ora recorrente alega e fundamenta os prejuízos que a não suspensão dos actos administrativos provocarão para o interesse público que também defende, pelo que, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido o requerimento inicial não padece de qualquer insuficiência quanto a esta matéria.
Z- A presente providência visa evitar que os danos alegados possam vir a concretizar-se, dado estarmos no âmbito de uma medida conservatória, cujo objectivo é a manutenção da situação actual, daí que tenham alegado e demonstrado evidentes e fundados receios que se prendem com a garantia de qualidade e de manutenção de um serviço público essencial e com a defesa dos interesses das populações que o Município representa.
AA- A douta decisão recorrida reconhece a existência dos prejuízos e receios alegados pelo ora Recorrente quando analisa o periculum in mora.
BB- O Acórdão recorrido refere que na hipótese da acção principal ser julgada procedente “...a eficácia reintegratória da decisão nela a proferir, se favorável ao ora requerente cautelar, deixará de ter grande utilidade face à concretização da venda das acções da A…….. (do Estado) a entidades privadas, à transformação jurídico-societária da mesma empresa, e à alteração e privatização da D………….. enquanto concessionária do sistema municipal para valorização e tratamento de resíduos sólidos das regiões de Lisboa e Oeste.”
CC- A conclusão retirada pelo douto Acórdão recorrido, no que concerne à verificação de periculum in mora, apenas pode ocorrer do facto de o Recorrente ter alegado factos que ocorrerão no futuro, caso o processo de privatização prossiga e comprovado que os mesmos causarão sérios e graves prejuízos impossíveis de reverter.
DD- O Município de Loures descreve a situação concreta que ocorrerá, caso os actos suspendendo sejam executados, identifica as consequências que os mesmos provocarão, relacionando os prejuízos que causará a sua execução e estabelece a relação entre a execução imediata desses actos com os danos que se verificarão e com a impossibilidade da sua reparação.
EE- Assim, tudo ponderado, nomeadamente o alegado e fundamentado pelo ora Recorrente no seu requerimento inicial e atendendo a que nenhuma prova foi feita relativamente ao prejuízo grave que advém da adopção da providência cautelar requerida que visa a suspensão da eficácia dos actos até à decisão do processo principal, conclui-se que nada justifica o afastamento, no presente caso, da posição que ao Requerente tem de ser atribuída em virtude de lhe terem sido atribuídos os dois requisitos da providência cautelar, a saber o fumus boni iuris e o periculum in mora.
FF- Ainda mais quando se demonstra que os interesses defendidos pela entidade requerida não estão provados e foram pela Requerente totalmente rebatidos por não corresponderem à verdade.
GG- Em síntese ponderados os interesses públicos em presença conclui-se que os eventuais danos para o interesse público defendidos pelo requerido que decorrerão da atribuição da providência cautelar não são superiores aos interesses públicos alegados pelo Requerente, pelo que salvo o devido respeito, não deveria ter o Tribunal a quo indeferido a providência, por força do n°2 do art.º 120º do CPTA.

Em contra-alegações o Requerido Conselho de Ministros (CM) conclui o seguinte:
«No que diz respeito ao conjunto das questões delimitadas no recurso interposto pelo recorrente Município de Loures, o acórdão recorrido procedeu a uma adequada aplicação do direito, pelo que deve ser confirmado, devendo ser alterado quanto à questão identificada pela entidade recorrida na ampliação do objecto do recurso»

Nas suas contra-alegações as Recorridas B…………….., SA, C……………, SA, A…………….., SA e D………….., SA formulam as seguintes conclusões:
1.ª Contra a decisão do STA, e fundamentação expendida no Acórdão recorrido, o recorrente sustenta que em relação à mesma ocorre uma situação de erro de julgamento e omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, que consubstancia uma causa de nulidade do Acórdão recorrido.
2.a O recorrente não demonstra, todavia, qualquer omissão de pronúncia - que se reportaria ao indeferimento do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução alegadamente indevida -, uma vez que o Tribunal julgou esta questão, e fundamentou a decisão de indeferimento.
3.a De igual modo, o recorrente não fundamenta o alegado vício de erro de julgamento, para além da mera afirmação de que o mesmo consiste na aceitação da imputação dos danos superiores para o interesse público nacional invocados pelo recorrido Conselho de Ministros.
4.a Em face da Resolução do Conselho de Ministros n.° 55-B/2014, de 19 de setembro, que selecionou o concorrente vencedor, tendo já sido celebrados os instrumentos jurídicos necessários tendo em vista a alienação de ações representativas do capital social da A…………. objeto do concurso público, torna-se até duvidoso que a presente providência mantenha alguma utilidade.
5.a A alegação dos prejuízos de difícil reparação efetuada pelo recorrente, designadamente para efeitos do juízo de ponderação previsto no artigo 120.°, n.° 2, do CPTA, mantém o seu carácter hipotético, não credível, e meramente abstrato e inconclusivo, como se concluiu no douto Acórdão recorrido.
6.a- O douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo ser confirmado na íntegra.

Em 26.02.2015 foi proferido acórdão que apreciou as duas nulidades por omissão de pronúncia apontadas ao acórdão de fls. 984 a 1007, decidindo-se «manter o acórdão ora sob recurso tal como se encontra elaborado, com a fundamentação e decisão nele expressas, porque não padece, em nosso entender, da nulidade que lhe foi imputada».

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
a) No Diário da República, 1a Série, n°69, de 08.04.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n°30/2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e na qual, nos cinco primeiros pontos, o Conselho de Ministros resolveu:
1- Determinar que são alienados 100% das acções da A……….., SA [A……..] e que o concurso público previsto no n°2 do artigo 2° do DL n°45/2014, de 20 de Março, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da A…………
2- Aprovar o caderno de encargos do concurso público, constante do anexo I à presente resolução, da qual faz parte integrante, no qual se estabelecem os termos e condições específicos a que obedece o concurso público previsto no número anterior.
3- Aprovar os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais por aqueles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a A………… é accionista, bem como do exercício do direito de preferência pelos restantes municípios da mesma entidade gestora, relativamente à referida alienação, os quais constam do caderno de encargos a que se refere o número anterior.
4 - Determinar a abertura do concurso público previsto no n°2 do artigo 2° do Decreto-Lei n°45/2014, de 20 de Março, através do envio para publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República.
5- Aprovar, no anexo II à presente resolução, da qual faz parte integrante, algumas condições da oferta pública de venda de acções da A………, dirigida exclusivamente a trabalhadores da A………., no âmbito da qual os referidos trabalhadores podem adquirir acções representativas de 5% do capital social da A……….
[...]
b) No Diário da República, 2a Série, n°71, de 10 de Abril de 2014, foi publicado o Anúncio de Procedimento nº1988/2014 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), relativo ao «Concurso público para a reprivatização da A…….., SA»;
c) O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 7 de Julho de 2014;
d) No dia 17 de Julho de 2014, o Conselho de Ministros aprovou a «Resolução Fundamentada» [que consta a folhas 221-229 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida], donde se extrai, nomeadamente o seguinte:
«O município de Loures apresentou requerimento inicial de providência cautelar no Supremo Tribunal Administrativo, 1ª Secção (Processo nº844/14), em que deduz, contra a Presidência do Conselho de Ministros, indicando como contrainteressados os Municípios da Amadora, Lisboa, Vila Franca de Xira e Odivelas, assim como a Associação de Fins Específicos — AMO MAIS pedido de suspensão de eficácia dos supostos atos administrativos consubstanciados na «Resolução do Conselho de Ministros nº. 30/2014, de 3 de Abril, publicada no DR, 1.a Série, n. ° 69, de 8 de Abril de 2014 que aprovou o Caderno de Encargos da A…………., SA. A…….., e determinou a abertura do respetivo concurso público, previsto no n.º 2 do art.º 2.º do DL 45/2014, de 20 de Março, bem como do anúncio do procedimento n.º 1988/2014 que em cumprimento da referida Resolução foi publicado no DR, 2.ª Série, n.º 71 de 10 de Abril de 2014».
Os «atos» cuja suspensão de eficácia se requer nos presentes autos são parcialmente coincidentes com os que foram objeto das providências cautelares pendentes no Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª secção, sob os números 725/14 e 799/14, bem como da providência cautelar sob o número 561/14, indeferida pelo Supremo Tribunal Administrativo. Neste contexto, entende-se que se mantêm as razões de interesse público já anteriormente invocadas no âmbito das resoluções fundamentadas juntas aos processos referidos. Com efeito, a suspensão da execução daquelas disposições implicaria a suspensão do processo de privatização da A………, em especial do concurso público em curso, que tem por objeto a alienação de 95% das ações representativas do capital daquela empresa, o que seria gravemente prejudicial para o interesse público nos termos que a seguir se expõem:
1. A A………., S.A. (adiante A………) é uma sociedade de capitais integralmente públicos, sub-holding da C……………, SA. no setor do tratamento e valorização de resíduos urbanos CRU).
2. A gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos é feita através de 11 empresas concessionárias, constituídas em parceria com os municípios servidos, que processam anualmente cerca de 3,7 milhões de toneladas de resíduos urbanos, produzidas em 174 Municípios, servindo cerca de 60% da população de Portugal, que corresponde a 6,4 milhões de habitantes.
3. O Programa do XIX Governo Constitucional estabeleceu como objetivo a promoção da sustentabilidade da política e do sistema de gestão e tratamento de resíduos, e a autonomização deste setor no seio do Grupo C…………...
4. O Governo preparou, assim, a alteração do quadro legal aplicável ao setor, designadamente um novo enquadramento regulatório, de modo a garantir-se o cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, a acessibilidade das populações servidas aos serviços de resíduos, mediante a adequação das tarifas à respetiva capacidade económica, a equidade territorial, fomentando a convergência tarifária e a promoção de soluções de maior eficiência e eficácia económica que assegurem a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência e, em última análise, a sustentabilidade económico-financeira dos sistemas.
5. Nos termos da Lei n.º 11/90, de 5 de abril - Lei-Quadro das Privatizações - o Governo tem competência exclusiva na decisão, organização e execução do processo de reprivatização. O processo de reprivatização da A………. foi cuidadosamente preparado ao longo de um ano, tendo o Governo procurado envolver os municípios no mesmo. Para tal, realizou diversas reuniões com a Associação Nacional de Municípios, em 17 de outubro, 5 e 12 de novembro (estas últimas com a participação dos Municípios) e em 16 de dezembro de 2013 e 13 de março de 2014, nas quais foi abordado um conjunto amplo de questões relativas ao enquadramento da reestruturação do setor dos resíduos urbanos, o que incluiu a privatização da A……., nomeadamente os objetivos de serviço público que serão vertidos no diploma das bases da concessão; o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020); o novo Regulamento Tarifário dos Serviços de Gestão de Resíduos Urbanos (Regulamento Tarifário), com a projeção da evolução tarifária demonstrativa do impacto da alteração do modelo tarifário, bem como os projetos de diplomas dos Estatutos da ERSAR e da “fatura detalhada” (Lei n.º 10/2014 e Lei n.º 12/2014, entretanto publicadas em 6 de março de 2014).
6. Em tal procedimento foi também envolvida a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), agora entidade independente e com novas competências nesta matéria, num processo que conduziu à aprovação do Regulamento Tarifário, que tem como uma das caraterísticas fundamentais a universalidade, ou seja, está preparado para ser aplicado a todas as entidades do setor, quaisquer que sejam as fases da cadeia de valor em que intervenham ou o modelo de governo que adotem — gestão direta, gestão delegada, incluindo parceria, ou gestão concessionada —, independentemente da natureza pública ou privada da entidade gestora.
7. Paralelamente, e no cumprimento das exigências decorrentes da integração europeia, foi preparado um novo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020), instrumento base da política de gestão de resíduos, atualmente em fase de Avaliação Ambiental Estratégica, que se segue à discussão pública promovida pelo Conselho Consultivo da ERSAR, ocorrida no dia 12 de junho de 2013, na qual a ANMP tem assento. O novo PERSU tem em vista o cumprimento das metas e da estratégia europeias para a prevenção, reciclagem e valorização do resíduo como recurso e, em sequência, visa uma minimização da deposição em aterro, de acordo com os seguintes objetivos: até 31 de dezembro de 2020, um aumento mínimo global para 50% em peso relativamente à preparação para a reutilização e a reciclagem de resíduos urbanos, incluindo o papel, o cartão, o plástico, o vidro, o metal, a madeira e os resíduos urbanos biodegradáveis, bem como a garantia de reciclagem de, no mínimo, 70% em peso dos resíduos de embalagens; até julho de 2020, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterro devem ser reduzidos para 35% da quantidade total, em peso, dos resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995. Simultaneamente, pretende garantir-se a necessária compatibilização das ações a preconizar com o próximo período de financiamento comunitário 2014-2020, bem como assegurar a sustentabilidade dos sistemas de gestão e tratamento de resíduos urbanos, maximizando a eficiência destes, numa lógica de uso eficiente de recursos. Qualquer atraso na execução das disposições suspendendas poderá inviabilizar a obtenção do financiamento comunitário indispensável a assegurar uma evolução tarifária mais favorável aos cidadãos. Os próximos anos serão anos exigentes para a A………., bem como para as empresas por ela participadas, tendo em conta este novo enquadramento e as novas metas ambientais, prevendo-se investimentos acumulados de EUR 327 milhões e de EUR 645 milhões até 2020 e 2034, respetivamente. Estes investimentos têm em vista o cumprimento das metas ambientais acordadas com a Comissão Europeia no âmbito do Acordo de Parceria (Portugal 2020) e refletidas no PERSU, bem como o cumprimento dos objetivos de serviço público propostos pelos Municípios que serão vertidos no diploma das bases da concessão.
8. De facto, a concretização das metas do PERSU implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e da captação de recursos pelos acionistas das empresas concessionárias. A alienação da A……… tem em vista contribuir para a viabilização do esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, promover soluções de maior eficiência e eficácia económicas que asseguram a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência e, em última análise, a sustentabilidade económico- financeira dos sistemas, para além de dotar a A……… das melhores práticas no domínio ambiental e de um projeto estratégico adequado aos objetivos de desenvolvimento da economia nacional.
9. Num quadro, de todos conhecido, marcado pela necessidade de contenção do défice orçamental, designadamente através da redução da despesa pública, obrigando a que o Estado redefina o seu papel e se reforme, a abertura da gestão do setor dos resíduos a capital privado constitui um imperativo de interesse nacional que ao Governo cumpre constitucionalmente assegurar. A privatização da A……… constitui um passo importante na garantia da sustentabilidade do setor neste exigente quadro nacional e europeu.
10. A privatização da A………. encontra-se prevista no Programa de Assistência Económica e Financeira que envolve a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, no quadro das medidas a adotar com vista à promoção do ajustamento macroeconómico nacional.
11. Desta forma, no cumprimento do programa do Governo e das exigências decorrentes do Memorando de Entendimento, o Conselho de Ministros decidiu abrir, no passado dia 8 de abril, o concurso público de reprivatização da A………., tendo expirado o prazo de apresentação de propostas não vinculativas no passado dia 20 de maio.
12. O concurso ocorre num momento de viragem de ciclo da nossa economia, no qual, a par com a estabilidade orçamental, o crescimento económico é uma prioridade indeclinável. Trata-se de um momento crucial, marcado pela crescente confiança dos investidores, nacionais e estrangeiros, na economia nacional. Neste sentido, não pode ficar em risco todo o esforço feito pelos portugueses ao longo destes últimos anos com as medidas de austeridade.
13. A entrega das propostas no passado dia 20 de maio veio confirmar o elevado interesse que a privatização da A……… tem para os investidores, assim como a crescente confiança dos mesmos na economia nacional, materializados na entrega de sete propostas, por quatro concorrentes estrangeiros e três nacionais.
14. A providência requerida, que tem em vista defender os interesses de um município numa das entidades gestoras de sistemas multimunicipais — a D……………., S.A. —, tem um alcance muito mais extenso do que o respeitante aos interesses do requerente, pois implica a paralisação de todo o processo de privatização da A……………., a qual é uma empresa detentora de dez entidades gestoras para além da D……….., envolvendo 174 municípios, e constituindo um instrumento ao serviço do interesse nacional no setor dos resíduos urbanos.
15. A paralisação, neste momento, do concurso de privatização da A………., desde logo pelo tempo necessário para o processo cautelar, é suscetível de defraudar o interesse legítimo dos municípios que já declararam formalmente aderir à opção de venda nas mesmas condições de venda da participação do Estado, traduzido na possibilidade de venda das suas ações em condições extremamente favoráveis e com impacto direto nas respetivas receitas, nos termos do artigo 42.º do Caderno de Encargos.
16. Acresce que, com toda a probabilidade, também poderia acarretar gravíssimos prejuízos para os Investidores que já incorreram em custos na preparação das propostas não vinculativas, uma vez que destruiria a confiança que os mesmos depositaram no processo, gerando um risco muito sério de os mesmos desistirem de apresentar propostas vinculativas no momento em que o processo fosse retomado.
17. A suspensão do concurso causaria uma situação de incerteza sobre o desfecho do mesmo, a qual não é compatível com o clima de confiança incutido nos investidores, que importa, em nome do interesse nacional, defender,
18. A suspensão do concurso poderia significar o seu fim e mesmo a inviabilização da privatização da A……… — não apenas do presente processo, mas da própria possibilidade de alguma vez a levar a cabo —, pois implicaria não só que os investidores desistissem de apresentar propostas vinculativas neste concurso, como certamente que se desinteressassem de qualquer eventual processo de reprivatizaçao do capital desta empresa — já que ninguém quererá investir num quadro marcado por tão elevado grau de incerteza.
19. Ficaria, assim, em perigo a própria privatização da A………, o que, nos termos expostos, acarretaria o incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento pondo ainda em risco a política de sustentabilidade do setor dos resíduos adotada pelo Governo e, nessa medida, o interesse dos cidadãos.
20. As condicionantes do programa de apoios comunitários Portugal 2020 impõem a necessidade de um novo modelo de gestão que favoreça a sustentabilidade económica dos sistemas e infraestruturas existentes no setor, o qual, conforme referido anteriormente, também ficaria em causa com a inviabilização da privatízação da A…………
21. Acresce que o clima de incerteza traduzido pela eventual suspensão do concurso não afetaria apenas a sua viabilidade, alastrando os seus efeitos negativos a outros setores da economia, com um enorme potencial de destruição da confiança dos investidores e dos mercados na Economia Nacional. Ora, esse é um risco que Portugal não pode correr.
22. O interesse público nacional que ao Governo cumpre defender sairia gravemente prejudicado pela paralisação neste momento, e por tempo indeterminado, do processo de privatízação da A………, pelo que se adota a presente resolução.
Assim, através desta resolução fundamentada, reconhece-se que existe grave prejuízo para o interesse público no diferimento da execução das disposições suspendendas, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 128º, n.º 1, do CPTA.
Esta resolução fundamentada foi aprovada por deliberação do Conselho de Ministros do dia 17 de julho de 2014.»

3. O Direito
O acórdão recorrido julgou improcedente o incidente deduzido nos termos do art. 128º, nº 4 do CPTA.
Quanto ao mérito da providência cautelar considerou não se encontrar verificado o requisito da alínea a) do nº 1 do art.120º do CPTA, dada a complexidade das questões jurídicas suscitadas e os argumentos das partes em sentido divergente quanto às mesmas. Mais julgou que se verificava o fumus boni iuris exigido pela alínea b) do nº 1 do referido preceito, bem como o periculum in mora, este na perspectiva da existência de uma situação de «facto consumado».
Procedendo, seguidamente, à ponderação dos interesses em presença, de acordo com a previsão do nº 2 do art. 120º do CPTA, entendeu que ela devia “reverter em desfavor da concessão da providência requerida”.
Contra esta decisão deste Supremo, e fundamentação aduzida no acórdão recorrido, sustenta o Recorrente que o mesmo contém uma errada interpretação do disposto no art. 120º, nº 1, al. a) do CPTA, bem como do critério da proporcionalidade consignado no nº 2 do indicado preceito, e, ainda errou na interpretação do art. 128º do CPTA.
Mais invoca que o acórdão recorrido deveria ter-se pronunciado nos termos do disposto no nº 3 do art. 128º do CPTA, estando ferido de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.
Tendo, ainda, incorrido na referida nulidade de decisão ao não se haver pronunciado sobre a evidência da procedência da pretensão formulada pelo aqui Recorrente.

As questões a decidir no presente recurso são, pois, as de saber se o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia e dos erros de julgamento que o Recorrente lhe imputa.
Uma vez que nas suas contra-alegações o Recorrido CM pediu a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no art. 636º, nº 1 do CPC, quanto ao preenchimento do periculum in mora, defendendo que este não se encontra preenchido (o que dispensaria que se procedesse à ponderação do nº 2 do art. 120º do CPC) também esta questão será apreciada.

Diremos, desde já, que nenhum dos fundamentos do recurso procede.
Vejamos porquê:

3.1 Das nulidades do acórdão
O Recorrente imputa ao acórdão recorrido as omissões de pronúncia acima indicadas geradoras da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
É jurisprudência pacífica que a nulidade de decisão por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do CPC). Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes no que se refere à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC).
Significa isto que conhecer uma questão não implica debater todos os argumentos ou razões utilizados pelas partes em favor da sua posição. E, só a falta de apreciação das «questões», já não a discussão de todos os «argumentos» ou «razões» invocados para concluir sobre aquelas, integra a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
Ora, basta ler o acórdão recorrido para se ver que no respectivo ponto 1.3 (fls. 993 e 994) foi apreciada a decidida a questão atinente ao incidente de “declaração de ineficácia dos actos de execução indevida” que o aqui Recorrente havia suscitado.
Assim, após discorrer sobre o regime previsto no art. 128º do CPTA, o acórdão recorrido, constatando que foi emitida “Resolução Fundamentada”, a qual “contém a enunciação de um conjunto de factos, ou se quisermos, de juízos de valor sobre factos, que a levam a concluir que o «interesse público nacional que ao Governo cumpre defender seria gravemente prejudicado pela paralisação neste momento, e por tempo indeterminado, do processo de privatização da A……….»”.
Conclui, após transcrever uma passagem da resolução, que esta contém “(…) um acervo de razões factuais, claras e congruentes, que permitem aos destinatários, mormente ao tribunal, perceber a motivação que conduziu à necessidade de «continuar com a execução», e de perceber que a sustação da mesma é passível de «prejudicar gravemente» o interesse nacional, pois que os juízos a tal respeito emitidos se mostram perfeitamente plausíveis.
Naturalmente que ao ajuizar sobre este tipo de «fundamentação», não poderá o tribunal entrar na análise da «oportunidade» dos actos em causa, nem invadir aquilo que são as margens da «decisão política». Daí que as críticas efectuadas pelo requerente a esse respeito se mostrem insubsistentes, e se imponha o seu desatendimento.
Em suma: deve ser julgado improcedente o incidente em apreço, deduzido nos termos do artigo 128º, nº 4, do CPTA”.
Assim, dúvidas não restam de que o acórdão recorrido emitiu pronúncia sobre a questão que havia sido suscitada, não tendo incorrido na nulidade apontada.
Igualmente não se verifica omissão de pronúncia sobre o decretamento da providência ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, como claramente resulta da leitura do ponto 2.1 (fls. 996 a 1001) do acórdão recorrido, no qual se procede a uma indicação exaustiva das questões de direito suscitadas, pondo em relevo a dimensão e complexidade dos problemas jurídicos invocados.
Efectivamente, o acórdão recorrido apesar de ter desde logo constatado, face às diversas ilegalidades e inconstitucionalidades imputadas aos actos suspendendos pelo Recorrente, a que a Entidade demandada contrapõe o fumus malus da providência, não ser possível emitir um juízo valorativo de evidente procedência do pedido formulado ou a formular na acção principal, não deixou de proceder a uma análise do quadro jurídico aplicável à recolha e tratamento de resíduos urbanos (a que nem estaria obrigado dada a sumariedade e perfunctoriedade do conhecimento inerente aos meios cautelares).
No entanto, atendendo a tais inconstitucionalidades e ilegalidades invocadas (e que enuncia) conclui o seguinte:
A complexidade dos problemas jurídicos a enfrentar, tendo em conta a análise sumária dos autos, e o que cada parte alegou em abono das respectivas teses, levam o Tribunal a concluir que não está em condições de tomar posição sobre a evidência da pretensão que o Requerente irá formular no processo principal, que impõe apreciação mais fina e aprofundada, com indagações e ponderações mais cuidadas e exigentes, que não cumpre realizar nesta sede cautelar”.
O que significa que o acórdão recorrido face àquela complexidade dos problemas jurídicos que detectou considera não poder ter-se como verificado o requisito do art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, como expressamente refere: “(…), não podemos concordar com o Requerente no sentido de que se deve considerar verificado o requisito do artigo 120º, nº 1, alínea a), do CPTA, ou seja, no sentido de ser possível emitir, com base numa análise sumária, perfunctória, um juízo valorativo sobre a «evidência» da procedência do pedido formulado ou a formular na acção principal”.
Improcede, consequentemente, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

3.2 Do mérito do acórdão
Alega o Recorrente que o acórdão recorrido errou na interpretação do art. 128º do CPTA e fez errada interpretação do disposto no art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, bem como é errada a aplicação feita do critério da proporcionalidade do nº 2 do art. 120º do referido diploma.
No que respeita à resolução fundamentada entendeu o acórdão recorrido que a mesma contém a enunciação de um conjunto de factos claros e congruentes que permitem perceber a motivação de se continuar a execução do acto administrativo e que a sustação deste é susceptível de prejudicar gravemente o interesse público nacional.
O recorrente defende que no incidente de “declaração de ineficácia dos actos de execução indevida” demonstra a falta de sustentação fáctica para a decisão de não sustação da execução do acto suspendendo.
O nº 1 do art. 128º do CPTA exige para a legalidade e eficácia duma resolução fundamentada que a mesma seja proferida no prazo de 15 dias (contados de acordo com o aí preceituado), pela autoridade administrativa competente, e que nela se explicitem as razões que determinam que no caso concreto o deferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
O nº 3 do art. 128º do CPTA prevê que a execução do acto é indevida quando improcedem as razões em que aquela se fundamenta.
Como se salienta no acórdão deste STA de 06.11.2014, processo 858/14: «(…) a emissão por parte da Administração duma resolução fundamentada faz impender sobre a mesma especiais deveres/ónus de avaliação/ponderação da concreta situação e de fundamentação/motivação daquela sua decisão, das premissas e razões concretas que justificam a prossecução da execução do ato suspendendo por a sua sustação gerar grave prejuízo para o interesse público prosseguido, tanto para mais que só assim se permite e se possibilita a sua adequada impugnação pelo requerente cautelar e o seu controle jurisdicional».
Na resolução fundamentada consta, designadamente o seguinte:
“(…), e no cumprimento das exigências decorrentes da integração europeia, foi preparado um novo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020), instrumento base da política de gestão de resíduos, atualmente em fase de Avaliação Ambiental Estratégica, que se segue à discussão pública promovida pelo Conselho Consultivo da ERSAR, ocorrida no dia 12 de junho de 2013, na qual a ANMP tem assento. O novo PERSU tem em vista o cumprimento das metas e da estratégia europeias para a prevenção, reciclagem e valorização do resíduo como recurso e, em sequência, visa uma minimização da deposição em aterro, de acordo com os seguintes objetivos: até 31 de dezembro de 2020, um aumento mínimo global para 50% em peso relativamente à preparação para a reutilização e a reciclagem de resíduos urbanos, incluindo o papel, o cartão, o plástico, o vidro, o metal, a madeira e os resíduos urbanos biodegradáveis, bem como a garantia de reciclagem de, no mínimo, 70% em peso dos resíduos de embalagens; até julho de 2020, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterro devem ser reduzidos para 35% da quantidade total, em peso, dos resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995. Simultaneamente, pretende garantir-se a necessária compatibilização das ações a preconizar com o próximo período de financiamento comunitário 2014-2020, bem como assegurar a sustentabilidade dos sistemas de gestão e tratamento de resíduos urbanos, maximizando a eficiência destes, numa lógica de uso eficiente de recursos. Qualquer atraso na execução das disposições suspendendas poderá inviabilizar a obtenção do financiamento comunitário indispensável a assegurar uma evolução tarifária mais favorável aos cidadãos. Os próximos anos serão anos exigentes para a A……., bem como para as empresas por ela participadas, tendo em conta este novo enquadramento e as novas metas ambientais, prevendo-se investimentos acumulados de EUR 327 milhões e de EUR 645 milhões até 2020 e 2034, respetivamente. Estes investimentos têm em vista o cumprimento das metas ambientais acordadas com a Comissão Europeia no âmbito do Acordo de Parceria (Portugal 2020) e refletidas no PERSU, bem como o cumprimento dos objetivos de serviço público propostos pelos Municípios que serão vertidos no diploma das bases da concessão.
E que: “(…) A providência requerida, que tem em vista defender os interesses de um município numa das entidades gestoras de sistemas multimunicipais — a D……………, S.A. —, tem um alcance muito mais extenso do que o respeitante aos interesses do requerente, pois implica a paralisação de todo o processo de privatização da A……, a qual é uma empresa detentora de dez entidades gestoras para além da D………., envolvendo 174 municípios, e constituindo um instrumento ao serviço do interesse nacional no setor dos resíduos urbanos.
15. A paralisação, neste momento, do concurso de privatização da A……., desde logo pelo tempo necessário para o processo cautelar, é suscetível de defraudar o interesse legítimo dos municípios que já declararam formalmente aderir à opção de venda nas mesmas condições de venda da participação do Estado, traduzido na possibilidade de venda das suas ações em condições extremamente favoráveis e com impacto direto nas respetivas receitas, nos termos do artigo 42.º do Caderno de Encargos.”
Entendemos, tal como o acórdão recorrido, que estas e outras razões invocadas na resolução fundamentada em questão, explicitam de forma clara e suficiente os motivos pelos quais ocorreria grave prejuízo para o interesse público decorrente do impedimento da prática de actos de execução do acto suspendendo, sendo que o que o recorrente expressa é uma discordância quanto a tais razões. E mesmo a alegação do recorrente da falta de sustentação fáctica dos argumentos invocados na resolução (pela sua não real e efectiva demonstração ou verificação), não geram uma falta de fundamentação da mesma, para os efeitos do nº 3 do art. 128º do CPTA.
Tal como se refere no acórdão deste STA de 06.11.2014, acima indicado:
«Ao apreciar as razões vertidas na resolução fundamentada não pode o Tribunal, por um lado, entrar na análise da bondade e legalidade substancial do ato suspendendo, nem, por outro lado, invadir aquilo que são as margens da decisão política, das suas opções e critérios que a norteiam, e, bem assim, invadir aquilo que é margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que a mesma dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público e a oportunidade da decisão suspendenda no seu contexto e tempo».
Assim, ao ter julgado improcedente o incidente deduzido nos termos do art. 128º, nº 4 do CPTA, o acórdão recorrido não merece censura.

Quanto à alegação de que o acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto no art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, por o recorrente “ter invocado e fundamentado as ilegalidades evidentes e grosseiras de que padece o acto suspendendo”, também não assiste razão ao recorrente.
Aliás, este nada alega concretamente sobre tal invocado erro de julgamento, antes censurando o acórdão por não ter emitido pronúncia sobre a verificação do requisito daquele preceito, fundamento que, como acima se explicitou, não procede.
Entre as razões que podem determinar a adopção das medidas cautelares, sem necessidade de qualquer outra indagação, está “a evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” – art. 120, nº 1, al. a) do CPTA. Como, a contrario, a evidência de que a pretensão carece de fundamento conduzirá à sua imediata rejeição.
Numa ou noutra hipótese, a adopção ou rejeição imediata da providência só é possível nos casos em que o triunfo ou o fracasso da pretensão deduzida ou a deduzir na acção principal é manifesto, notório ou ostensivo (cfr. neste sentido o acórdão do Pleno deste STA de 13.11.2014, processo 0561/14, em matéria em tudo idêntica à aqui em discussão).
Ora, conforme resulta do expendido no acórdão recorrido e das considerações já produzidas a propósito da alegada nulidade do mesmo por omissão de pronúncia, no caso presente não se configura qualquer ilegalidade manifesta ou palmar do acto suspendendo.
Antes se verifica que perante a complexidade dos problemas jurídicos conforme vêm alegados pelo Recorrente e contestados pelos Recorridos não é possível emitir um juízo cautelar de evidência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Assim, ao considerar não verificado o fumus boni iuris especialmente intenso exigido pelo preceito aqui em causa, o acórdão recorrido fez uma correcta interpretação do normativo legal em questão.
Entendeu o acórdão recorrido que se verificava, no entanto, o fumus boni iuris, conforme exigido na alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, ou seja, o fumus non mali iuris, o que não vem questionado.
Já quanto ao periculum in mora (o outro dos requisitos cumulativos exigidos por este preceito) para o decretamento da providência defende o CM, pedindo a ampliação do objecto do recurso neste ponto, que não devia ter sido considerado verificado.
Não lhe assiste razão.
De facto, o periculum in mora pode assumir duas vertentes: ou o “fundado receio” de que quando o processo principal chegue ao fim, sendo sobre ele emitido uma decisão definitiva, esta já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas em causa no litígio, verificando-se, como tal, uma situação de facto consumado; ou o receio da produção de prejuízos de difícil reparação.
Assim, considerou o acórdão recorrido que a situação se configurava como de caso consumado, uma vez que: «(…) o que o requerente cautelar realmente pretende com esta sua pretensão, é impedir a reprivatização da A………., e, com ela, impedir, na sua perspectiva, a «privatização» indirecta da D……….., já que tal operação fere, alegadamente, os seus interesses enquanto entidade autárquica, e os seus direitos enquanto accionista da D…………….
Verdade é que a acção principal, ou melhor, a eficácia reintegratória da decisão nela a proferir, se favorável ao ora requerente cautelar, deixará de ter grande utilidade face à concretização da venda das acções da A……… [do Estado] a entidades privadas, à transformação jurídico-societária da mesma empresa, e à alteração e privatização da D………. enquanto concessionária do sistema multimunicipal para valorização a tratamento de resíduos sólidos das regiões de Lisboa e Oeste.
(…)
A situação de «facto consumado», como a própria expressão indica, faz apelo à realidade empírica, e não necessariamente à realidade jurídica, pelo que cremos que a sua verificação não se poderá limitar a casos de «impossibilidade jurídica» de reintegração abrangendo também os casos em que essa impossibilidade se configura como meramente empírica, casos em que a situação que se pretendia evitar ganhou a irreversibilidade própria daquilo que está acabado, terminado, e se mostra praticamente impossível de reverter.»
Considerando ser isso que acontece com a reprivatização da A………, entendeu, e bem, o acórdão recorrido que, no caso, se verifica o requisito do periculum in mora, exigido na primeira parte do art. 120º, nº 1, alínea b) do CPTA, na vertente de «facto consumado».
Efectivamente, existe um fundado receio de que quando se chegue ao termo do processo principal e nele venha a ser proferida uma decisão definitiva, esteja concluído há muito o processo de privatização e consumados factos que o recorrente considera de difícil ou de improvável reparação, pelo que é de julgar verificado o periculum in mora, tal como fez o acórdão recorrido. E, em situações em tudo semelhantes quer fáctico-jurídicas, quer de pretensão, assim julgou este STA, nos acórdãos de 09.07.2014, Proc. 0561/14, de 25.09.2014, Proc. 0799/14, de 23.10.2014, Proc. 0725/14 e de 06.11.2014, Proc. 0858/14.
Improcede, consequentemente, o alegado pelo recorrido CM.

Alega ainda o Recorrente que o acórdão recorrido fez também uma errada aplicação do critério da proporcionalidade estabelecido no nº 2 do art. 120º do CPTA.
Não tomou em consideração as pretensões do Requerente por ter entendido que na ponderação dos interesses estabelecida do nº 2 do art. 120º do CPTA, relevavam mais os interesses defendidos pelo CM do que aqueles que defende o requerente, sendo certo que da conclusão retirada do acórdão recorrido, no que se refere à verificação do periculum in mora (cfr. 2º § acima transcrito), apenas pode resultar que o recorrente alegou factos que ocorrerão no futuro, caso o processo de privatização prossiga e que os mesmos causarão sérios e graves prejuízos impossíveis de reverter.
Alegou o Recorrente no seu requerimento inicial nesta matéria o seguinte:
«- uma vez operada a reprivatização, a A………. e as concessionárias em que participa, entre as quais a D………., passarão para a esfera privada, o que acarretará uma quebra na relação de confiança institucional. Existente entre o accionista público maioritário e os accionistas públicos minoritários;
- Os resíduos sólidos urbanos produzidos actualmente constituem uma importante fonte de matéria-prima de elevado interesse económico e social. A transferência da sua gestão para interesses privados significará uma forma de favorecimento económico de interesses particulares, em prejuízo do interesse público e do conjunto dos cidadãos;
- A alienação da A………. em curso e a consequente transformação do serviço público da gestão e tratamento de resíduos sólidos num negócio privado visando apenas o lucro, determinará inevitáveis aumentos das tarifas com efeitos devastadores na factura mensal das famílias que constituem as populações, cujos interesses o requerente tem de defender;
- A perspectiva do lucro privado irá sobrepor-se ao esforço de redução da produção de resíduos, um dos objectivos centrais da política ambiental, bem como ao volume de investimentos a realizar pela entidade gestora (maioritariamente privada), designadamente em infra-estruturas, instalações e equipamentos, e outros bens que sirvam com eficácia e equidade as populações e os municípios utilizadores do sistema multimunicipal;
- O processo de reprivatização viola o quadro legal e normativo que rege a vida da D………., retirando aos Municípios a possibilidade de adquirirem as acções que o Estado pretende vender, exercendo o direito de preferência consignado nos estatutos da D………. (art.º 8º nº 4 dos Estatutos da D…………».

Por sua vez o Requerido CM contrapõe a estes interesses (particulares e/ou públicos locais), alguns danos que, segundo alega, resultariam da concessão da providência requerida.
Na síntese feita no acórdão recorrido alegou o CM que:
«(…) a reprivatização da A……….. é necessária para garantir a sustentabilidade económico-financeira do sector dos «resíduos sólidos urbanos» num tempo em que o Estado tem escassos recursos, e em que, para garantir a estabilidade orçamental, tem que reduzir a despesa pública.
Só a reprivatização da A……… permitirá, pelo que diz, viabilizar o esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, e promover soluções de maior eficiência, e eficácia, que assegurem a prestação aos utillizadores de um serviço de excelência.
Esse esforço financeiro depende em parte de financiamento comunitário, sendo que as condicionantes do «Programa de Apoio a Portugal» impõem a necessidade de novo modelo de gestão, que favoreça a estabilidade económica dos sistemas de infra-estruturas existentes no sector.
E, conclui, suspender o concurso de reprivatização seria inviabilizar a venda da A……….. tanto agora como no futuro, já que nenhum investidor arriscaria participar em concurso com tal grau de incerteza, seria inviabilizar o esforço financeiro de que o sector necessita, acarretaria, também, o incumprimento do «Memorando de Entendimento» e a destruição do clima de retoma da confiança na economia nacional, o que seria grave para o interesse público, local e nacional».

Nos termos do preceituado no nº 2 do art. 120º do CPTA deve o juiz recusar a providência cautelar requerida “quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa …”.
O preceito introduz um critério de ponderação de interesses, de acordo com o qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente, em cada caso, da formulação de um juízo de valor relativo, tendo por base a comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos – cfr. neste sentido Mário Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 708.
Como se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 06.11.2014, acima referido, «…Os índices dos interesses públicos cuja “tutela” em termos de perdas ou de danos impõem a eficácia imediata do ato têm que se encontrar na circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelo requerido, sendo necessário, no entanto, ter presente que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do ato não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade».

No caso presente o acórdão recorrido, tendo tomado em consideração os danos supra indicados, alegados pelas partes, concluiu que:
«Assim, quer porque o requerente cautelar não concretizou quaisquer danos que possam resultar da recusa da providência, limitando-se a invocar interesses, e, quanto muito, temores e perigos cuja probabilidade de ocorrência nem sequer ficou sumariamente demonstrada, quer porque a alegação feita pelo requerido, neste aspecto, se mostra mais densificada e consistente, permitindo uma melhor avaliação por parte do julgador cautelar, resulta que o julgamento realizado nos termos do nº 2 do artigo 120º do CPTA deve reverter em desfavor da concessão da providência requerida».
Ora, face aos elementos de que o Tribunal dispunha, face ao alegado pelas partes quanto a danos que resultariam da recusa (no caso do requerente) ou concessão (no caso do requerido) da providência, não se detecta qualquer erro de direito neste juízo de ponderação, não merecendo o acórdão recorrido a censura que o Recorrente lhe aponta.

Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso confirmando o acórdão recorrido.
Sem custas a cargo do Recorrente (art. 4º, nº 1, alínea g) do RCP, sem prejuízo do disposto nos nºs 6 e 7 do referido preceito, tanto neste Pleno como na Secção).

Lisboa, 17 de Abril de 2015. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – voto com a declaração de que me reconheço na declaração de voto feita constar no acórdão recorrido pela Senhora Conselheira Fernanda Maçãs. – Vítor Manuel Gonçalves GomesAlberto Acácio de Sá Costa ReisJorge Artur Madeira dos SantosAntónio Bento São PedroCarlos Luís Medeiros de CarvalhoJosé Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.