Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:049/17
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
REFORMA QUANTO A CUSTAS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - A lide torna-se inútil quando ocorre um facto ou circunstância, ulterior à sua instauração, que torna desnecessário que sobre ela recaia pronúncia judicial, nomeadamente porque o pedido formulado já foi atingido por outro meio.
II - Nos termos do n.º 3, in fine, do artigo 536.º do CPC, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do réu ou requerido se a eles for imputável a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Nº Convencional:JSTA000P22294
Nº do Documento:SA120170928049
Data de Entrada:01/16/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……….., devidamente identificado nos autos, vem requerer a reforma, quanto a custas, do acórdão de fls. 441 a 451. O requerente não se conforma com a decisão em apreço na parte em que a mesma o condenou ao pagamento das custas ao abrigo do n.º 3 do artigo 536.º do CPC. Entende que a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é apenas imputável ao reclamado, Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), razão pela qual deveria ter sido aplicada a parte final do n.º 3 do referido artigo 536.º do CPC e condenado o CSMP ao pagamento das custas.

O argumento de fundo apresentado pelo requerente é o de que “A resolução fundamentada que foi deduzida no processo número 50/2017, apenas visava suspender a suspensão automática de funções da notação de medíocre, que o art.º 110.º, n.º 2 do Estatuto do Ministério Público prevê. (…) Querer ampliar efeitos da resolução fundamentada da suspensão de funções emergente da notação de medíocre, a produzir também efeitos de suspensão de funções neste processo, quando se dá como provado que neste processo não foi deduzida resolução fundamentada, é que se nos afigura incompreensível. Por outras palavras, se o requerido não deduziu resolução fundamentada neste processo, foi porque não quis e é um contrassenso, dar efeitos jurídicos a algo que ele próprio não quis fazer, ou seja, não é «…para evitar o cumprimento da sanção disciplinar no decurso do processo o requerido teria de se abster de emitir resolução fundamentada.», mas exactamente o contrário, se queria que não fosse suspenso o cumprimento da pena disciplinar, deveria tê-la deduzido aqui. Por outras palavras, se o requerido apesar de silente e de se presumir que imputou o cumprimento da pena disciplinar, apesar de não se ler isso em lado nenhum, foi porque quis e logo, o acto é-lhe imputável, porque não cumpriu os efeitos da citação e teve cobertura para isso”. Com isto, conclui o requerente da seguinte forma: “Termos em que ousamos julgar, que deverá ser aplicado o art.º 536.º, n.º 3, ‘in fine’, do CPC”.

2. O CSMP, notificado para se pronunciar sobre o requerimento de fls. 457 a 460, nada disse.

3. Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da causa, cumpre decidir.

II – Enquadramento e Apreciação da Questão

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito:

2.1. Antes de mais, cumpre assinalar que a fundamentação agora utilizada pelo ora requerente para justificar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide não é exactamente a mesma que foi utilizada quando, por requerimento de fls. 361 a 364 dos autos (agora fls. 391 a 394), peticionou, justamente, a extinção da instância por um tal motivo. Assim, aí, o raciocínio do requerente era o seguinte (cfr. fls 446-7):

“«O A. foi notificado da suspensão do exercício de funções no dia 6 de Janeiro de 2017.
Por sua vez o CSMP foi citado para os efeitos da presente acção, no dia 25 de Janeiro de 2017, produzindo efeitos imediatos a suspensão de eficácia da suspensão. No entanto, apesar das insistências do requerente, o mesmo foi impedido de exercer as suas funções [nota 1: Conforme missivas trocas entre o signatário e a Procuradoria de ……… e juntas aos autos], até à entrada do requerimento de resolução fundamentada, realizada no Âmbito do processo 50/2017.

Sem cuidarmos aqui, de qual o momento em que essa resolução fundamentada produz efeitos, (se pela simples entrada no processo, se pela notificação do requerente da mesma, ou, se pela sua admissão) [nota 2: Que segundo se julga nem sequer foi ainda admitida no âmbito do processo 50/2017], a verdade é que, face a esse impedimento voluntário por parte da ‘Entidade Patronal’, do requerente poder exercer as suas funções como trabalhador, há muito que já foram cumpridos os 25 dias da suspensão de funções, que se pretendiam ser ‘coartadas’ pela presente providência.

Julga-se, sem prejuízo da apreciação das duas questões supra elencadas e mesmo da validade jurídica da oposição por parte da entidade patronal de permitir que o requerente exercesse as suas funções de trabalhador, que estamos perante uma inutilidade superveniente da presente lide por comportamento totalmente imputável ao requerido.
Aliás, para os efeitos da atribuição de culpabilidade, relevante, p. ex. para efeitos de pagamento de custas processuais, acreditamos ser importante ver apreciada a questão do incumprimento por parte da requerida, dos efeitos da citação de uma providência cautelar – impossibilidade de execução de acto cautelarmente impugnado!»” [negrito nosso].

Da leitura destes excertos pode inferir-se que o requerente entende que foi a conduta da “’Entidade Patronal’” (designação vaga que encobre a identidade do autor da conduta alegadamente ilegal, ou seja, a do Procurador da República Coordenador do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ………) que deu azo à inutilidade superveniente da lide, uma vez que, ao impedi-lo de trabalhar durante o período imediatamente subsequente à citação do CSMP nos autos, fez com que a pena de suspensão de 25 dias acabasse por se ver cumprida. Já no requerimento em que peticiona a reforma do acórdão quanto a custas o requerente apresenta dois argumentos. Efectivamente, ao ora reclamado será imputável a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – e, por esse motivo, deveria o mesmo ter sido condenado ao pagamento das custas –, porque não apresentou resolução fundamentada neste processo (Proc. n.º 49/17) e porque não foram cumpridos os efeitos da citação do CSMP no âmbito da providência cautelar de que tratam os presentes autos.
Deixando de lado a diferença acabada de assinalar entre as fundamentações que subjazem ao requerimento de fls. 361 a 364 dos autos (agora fls. 391 a 394) e ao pedido de reforma do acórdão quanto a custas, analisemos os argumentos em apreço e da sua viabilidade para sustentar a imputabilidade da inutilidade superveniente da lide ao reclamado.
Quanto ao argumento de que o reclamado podia ter apresentado resolução fundamentada no caso dos autos e não o fez, cabe relembrar que, em abstracto, a não apresentação de resolução fundamentada tem como consequência a suspensão dos efeitos do acto que se pretende impugnar. Ora, havendo esta suspensão de eficácia, não poderia a pena disciplinar de suspensão de funções ter sido cumprida, com o que se torna incompreensível o pedido de extinção de instância por inutilidade superveniente da lide apresentado pelo requerente. É certo que este último entende que uma tal pena disciplinar foi cumprida porque ele foi impedido de trabalhar nos termos já indicados. Mas, e desde logo, ao pretender que este seja o motivo da imputabilidade da extinção da instância ao requerido, isso significa que o requerente pretende atribuir a consequência do cumprimento da pena disciplinar a um acto que ele próprio considera ilegal e que, aliás, prontamente impugnou – não sendo, contudo, este Supremo Tribunal competente para julgar essa questão, tal como decidido pelo acórdão recorrido. Mas, e abstraindo igualmente desta incongruência, o que é facto é que o requerente pretende imputar ao R., ora requerido, CSMP, um acto praticado pelo Procurador da República Coordenador do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ………. Ora, o n.º 3, in fine, do artigo 536.º do CPC claramente refere a imputabilidade da causa da inutilidade superveniente da lide ao “réu ou requerido”.
Em síntese, e pelos motivos expostos, nenhum dos argumentos apresentados pelo requerente é idóneo para fundamentar o seu pedido de reforma do acórdão quanto a custas, razão pela qual o pedido de reforma em apreço não pode ser deferido.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir o pedido de reforma quanto a custas interposto pelo A., ora requerente

Custas a cargo do requerente.

Lisboa, 28 de Setembro de 2017. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.