Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0624/10
Data do Acordão:11/17/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
CÂMARA MUNICIPAL
IMÓVEL
SEGUNDA AVALIAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do n.º 1 do artigo 134.º do CPPT - aplicável por remissão do n.º 1 do artigo 77.º do Código do IMI, atenta a natureza de acto de fixação de valor patrimonial do acto de segunda avaliação do imóvel impugnado -, a legitimidade para a impugnação do resultado da segunda avaliação cabe ao contribuinte, a quem o acto é notificado, e não também ao chefe de finanças e/ou à câmara municipal, que dispõem igualmente de legitimidade procedimental para desencadear a segunda avaliação do imóvel.
II - Atenta a natureza subjectiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial em particular - no qual se não encontra espaço para a defesa de contra-interesses particulares na manutenção do acto impugnado -, há-de concluir-se não dispor a câmara municipal de legitimidade activa para a impugnação judicial do resultado da segunda avaliação do prédio, não obstante se lhe reconheça legitimidade procedimental para desencadear essa segunda avaliação (cfr. o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
Nº Convencional:JSTA00066690
Nº do Documento:SA2201011170624
Data de Entrada:07/20/2010
Recorrente:MUNICÍPIO DE PONTE DE LIMA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2010/05/07 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIMI03 ART7 ART76 ART77 N1.
CONST76 ART268 N4.
CPPTRIB99 ART134 N1 N2 N7 ART9.
L 64-A/2008 DE 2008/12/31.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 5ED PAG361.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VOLI PAG969.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Município de Ponte de Lima recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 7 de Maio de 2010, que julgou carecer a impugnante de legitimidade activa para a impugnação do resultado da segunda avaliação para determinação do valor patrimonial tributário de prédio urbano e absolveu a R. da instância, apresentando as seguintes conclusões:
1ª O presente recurso tem por objecto uma questão que é essencialmente de direito e que consiste em saber se a Câmara Municipal, impugnante do resultado da segunda avaliação de prédio urbano, efectuada ao abrigo do disposto no artº 76, nº1, CIMI, na redacção da Lei nº 64-A/08, de 31.12, tem legitimidade para deduzir impugnação judicial, ao abrigo do disposto no artº 77, do citado diploma.
2ª O artº 134º, nº1, CPPT, não é aplicável ao caso, por tratar de matéria conexa com a “impugnação dos actos de auto-liquidação, substituição tributária e pagamentos por conta”.
3ª O IMI depende do valor patrimonial dos prédios, correspondendo o seu pagamento à contrapartida dos benefícios que os proprietários recebem com obras e serviços que a comunidade proporciona.
4ª A Câmara Municipal impugnante tem legitimidade para requerer a segunda avaliação do prédio urbano, a qual lhe advém da norma do artº 76, nº1, do CIMI, na redacção da Lei nº 64-A/08, de 31.12, e da constante do artº 9º, CPPT.
5ª Tendo subsequentemente e, por isso, direito à impugnação judicial do resultado, nos termos do artº 7º, CIMI.
6ª A sentença em mérito viola as normas legais previstas nos artigos 76º, nº1 e 77º, CIMI.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, assim se fazendo JUSTIÇA.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, deve ser negada legitimidade activa à Câmara Municipal para impugnar o resultado de segunda avaliação de imóvel realizada ao abrigo do artigo 76.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
5 – Apreciando
6.1 Da falta de legitimidade activa da Câmara Municipal para impugnar o resultado de segunda avaliação de prédio urbano
A sentença recorrida, a fls. 54 a 56 dos autos, julgou a impugnante parte ilegítima na presente impugnação, absolvendo-se a Fazenda Pública da instância. Fundamentou-se o decidido, num plano mais superficial e pragmático, no facto de que o processo de impugnação judicial não está, manifestamente, desenhado para acolher tais pretensões, como resulta do facto de o principal interessado na causa – o contribuinte, não aparecer como parte no processo assim constituído!, e, no plano jurídico, na consideração de que a impugnante carecerá de legitimidade activa para ser parte na impugnação do acto tributário em questão, na medida em que não tem relativamente ao mesmo a qualidade de contribuinte, a quem os actos em causa são notificados e que os pode impugnar de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na circunstância de ter entendido que a impugnante não é minimamente lesada com o acto em causa, quando muito não beneficia tanto a impugnante como ela gostaria, no facto de a fixação do valor patrimonial tributário de imóveis não ter efeitos unicamente em sede de IMI ou IMT, únicos tributos de que a impugnante é beneficiária, e finalmente na consideração de que quando o acto de fixação do valor patrimonial tributário de imóveis é impugnado por um contribuinte, a impugnante – e os municípios em geral -, não são parte, activa ou passiva, no respectivo processo de impugnação, o que decorre, necessariamente, do facto de não ter nenhum interesse legal atendível em demandar ou contradizer (cfr. sentença recorrida, a fls. 54 e 55 dos autos).
Alega, contudo, a ora recorrente ter legitimidade para impugnar o resultado da segunda avaliação do prédio, pois que o artº 134º ,nº1, CPPT, não é aplicável ao caso, decorrendo do artigo 76.º n.º 1 do Código do IMI, na redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31 de Dezembro e do artigo 9.º do CPPT a sua legitimidade para requerer a segunda avaliação do prédio urbano, tendo subsequentemente e, por isso, direito à impugnação judicial do resultado, nos termos do artº 7º, CIMI (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
Entende a recorrente que o artigo 134.º n.º 1 do CPPT – preceito no qual a sentença recorrida fundamenta o não reconhecimento de legitimidade activa ao Município para a impugnação do resultado da segunda avaliação do prédio urbano -, não seria aplicável ao caso dos autos, por tratar de matéria conexa com a “impugnação dos actos de auto-liquidação, substituição tributária e pagamentos por conta”.
Tal alegação funda-se, contudo, exclusivamente na inserção sistemática da norma em causa na estrutura do diploma a que pertence - a saber, a epígrafe da secção VIII, do capítulo II, do título III do CPPT: Da impugnação dos actos de autoliquidação, substituição tributária e pagamentos por conta -, desconhecendo em absoluto a letra do preceito em questão, que se refere expressamente à impugnação dos actos de fixação dos valores patrimoniais, sendo exactamente esta a natureza do acto sindicado nos presentes autos.
É certo que a inserção sistemática da norma no âmbito do CPPT não é nada feliz - como aliás já foi notado pela melhor doutrina, que a atribui a lapso do legislador (cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2009, nota 361, p. 394) - apenas se explicando pelo facto de que à semelhança do que sucede relativamente à impugnação de autoliquidações, retenções na fonte e pagamentos por conta, também a impugnação dos actos de fixação dos valores patrimoniais depende do prévio esgotamento da via administrativa (reclamação administrativa prévia necessária).
Não é, pois, fundada a alegação da recorrente no sentido de afastar a aplicabilidade da referida norma legal, para a qual o n.º 1 artigo 77.º do Código do IMI implicitamente remete ao estabelecer que do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois que o resultado da segunda avaliação constitui precisamente um acto de fixação de valor patrimonial (o valor patrimonial tributário do prédio dele objecto) sobre cuja impugnação rege precisamente o artigo 134.º (números 1, 2 e 7) do CPPT.
Alega, ainda a recorrente, ter a sentença recorrida desconsiderado que a Câmara Municipal impugnante tem legitimidade para requerer a segunda avaliação do prédio urbano, a qual lhe advém da norma do artº 76, nº1, do CIMI, na redacção da Lei nº 64-A/08, de 31.12, e da constante do artº 9º, CPPT, tendo subsequentemente e, por isso, direito à impugnação judicial do resultado, pelo que entende terem sido violados os artigos 76º, nº1 e 77º do CIMI.
Que a recorrente passou a ter, a partir de 1 de Janeiro de 2009 (data da entrada em vigor na actual redacção do n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI, que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-A/08, de 31 de Dezembro), legitimidade para requerer uma segunda avaliação do imóvel quando discorde do resultado da avaliação directa do prédio, é facto hoje indesmentível.
Decorre, efectiva e directamente, do confronto da letra do n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI, antes e depois daquela alteração legal, que se antes da alteração apenas o sujeito passivo e o chefe de finanças podiam, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008 também a câmara municipal dispõe de legitimidade para desencadear uma segunda avaliação do imóvel.
Desta ampliação legal da legitimidade procedimental para a segunda avaliação do imóvel não decorre, porém, a ampliação da legitimidade processual para impugnar o resultado nela apurado em caso de discordância com o valor fixado.
Assim como não tem legitimidade para impugnar judicialmente o resultado da segunda avaliação quando dele discorde o chefe de finanças que a pode promover, como expressamente anota JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2006, p. 969 – nota 9 ao art. 134.º do CPPT), não a tem igualmente, por identidade de razões, a câmara municipal.
É que, como escreve o insigne autor citado, o art. 134.º apenas (…) prevê a impugnação por parte do contribuinte, como se depreende do seu n.º 1, em que se indica a notificação ao contribuinte como termo inicial do prazo de impugnação. Por outro lado, a própria estrutura do processo de impugnação judicial, está configurado apenas para situações em que o contribuinte surge no lado activo, como se constata pelo art.110.º.
Sendo o modelo impugnatório entre nós vigente um modelo subjectivista, funcionalmente estruturado para tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos administrados (artigo 268.º n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa), que não da Administração, compreende-se que a legitimidade para a impugnação seja atribuída apenas aos particulares lesados, e não aos sujeitos activos da relação tributária ou aos destinatários da receita fiscal. É que são aqueles, e não outros, os potenciais lesados com a actuação administrativa ilegal, ao menos no plano tributário, sendo por isso apenas àqueles que haverá que reconhecer legitimidade para impugnar o acto.
Ora, atenta a natureza subjectiva do contencioso tributário em geral e à estrutura do processo de impugnação judicial em particular - no qual se não encontra espaço para a defesa de contra-interesses específicos na manutenção do acto impugnado -, há-de concluir-se que não dispor a câmara municipal da legitimidade activa para a impugnação judicial do resultado da segunda avaliação do prédio, mesmo que se lhe reconheça hoje legitimidade procedimental para a desencadear.
A sentença recorrida que assim decidiu não merece, pois, qualquer censura, improcedendo as alegações de recurso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 de Novembro de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.