Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0667A/12
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CREDOR COM GARANTIA REAL
VENDA DE BENS PENHORADOS
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - O n.º 4 do art. 886.º-A do Código de Processo Civil é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal.
II - A omissão da notificação do despacho determinativo da venda por negociação particular e do preço mínimo fixado pelo órgão da execução fiscal ao credor com garantia real sobre o bem imóvel penhorado e vendido constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nº Convencional:JSTA00068053
Nº do Documento:SA2201301230667A
Data de Entrada:06/15/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC96 ART886-A ART201 N1 ART909 N1 C ART904 A ART864 N3 N10 ART229 ART226 ART226-A ART3 N2
CPPTRIB99 ART257 N1 C ART239 ART249 ART276
LGT98 ART5 N1 ART95 N1 N2 J ART103
CONST76 ART2 ART20 N1 ART268 ART267 N5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC012139 DE 1990/04/24; AC STA PROC023323 DE 1998/03/01; AC STA PROC0882/02 DE 2002/12/04; AC STA PROC0117/07 DE 2008/04/30; AC STA PROC0222/08 DE 2008/07/14; AC STA PROC0805/08 DE 2009/04/02; AC STA PROC0146/09 DE 2009/04/22; AC STA PROC0180/12 DE 2012/07/05; AC STA PROC0161/12 DE 2012/07/20; AC STA PROC0244/10 DE 2010/11/03; AC TC PROC166/10 DE 2010/04/28
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED IV PAG111/112
ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLII PAG486
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, nos autos de incidente de anulação de venda executiva que corre por apenso ao processo de execução fiscal nº 1759-2005/01004018 (em que figuram como executados, por reversão da execução, B……… e C………), decidiu julgar procedente o pedido de anulação da venda deduzido pelo credor com garantia real sobre o bem imóvel vendido, A………, anulando o acto de venda e todos os actos subsequentes que dela dependam absolutamente.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A) Nos autos em referência, a douta sentença concedeu provimento à acção de anulação de venda, por haver concluído, atentos os factos dados como provados, que o autor jamais foi notificado pessoalmente da modalidade de venda mediante negociação particular e do valor base pelo qual o bem seria vendido, constituindo nulidade susceptível de afectar o acto da venda e que acarreta a sua anulação nos termos do disposto nos art. 201º, nº 1 e 909º, nº 1 c) do CPC e do art. 57º°, nº 1 c) do CPPT.
B) Ressalvado o respeito devido, que é muito, não nos conformamos com esta decisão, discordando da aplicação do direito efectuada, com base em duas ordens de motivos:
• na venda por negociação particular efectuada no processo de execução fiscal, a omissão da notificação ao executado não constitui nulidade com os efeitos determinados na douta sentença e,

• a venda não foi em exclusivo benefício do exequente.

Analisando o primeiro aspecto

C) A anulação da venda nos termos do art. 201º do CPC depende de ter ocorrido relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, desde que a irregularidade possa ter influência na venda, só podendo ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda, o que não acontece no presente caso.
D) Não pode dizer-se existir irregularidade na tramitação da venda pelo órgão de execução fiscal, uma vez que o artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estabelece que o CPC é “de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos”.
E) O legislador fiscal preceituou integralmente no CPPT o regime da venda no processo de execução fiscal — a matéria da venda dos bens penhorados, encontra-se especialmente prevista na legislação fiscal — cfr. Secção IX (Da venda de bens penhorados) do capítulo II (Do processo) do título IV (Da execução fiscal) do CPPT - artigos 248º a 258º, onde se define todo o regime da venda dos bens penhorados, nomeadamente a publicidade e as formalidades a que esta está sujeita (artigos 249º e 256º), bem como o valor base dos bens e as modalidades de venda (artigos 248º, 250º, 252º e 255º).
F) No caso da venda por negociação particular, o legislador fiscal, ao contrário do legislador ordinário no CPC, não exigiu que o executado e demais credores aceitassem o comprador ou sequer o preço acordado, bastou-se com a publicação na internet, nos termos definidos pela Portaria nº 352/2002, de 3 de Abril, do nome ou firma do executado, do órgão onde corre o processo, da identificação sumária dos bens, do local, prazo e horas em que estes podem ser examinados, do valor base da venda e do nome ou firma do negociador, bem como da residência ou sede deste, como preceitua o art. 252º, nº 3, do CPPT.
G) Foi, portanto, opção do legislador excluir do processo de execução fiscal a audição do próprio executado, no caso da venda por negociação particular, sobre a decisão do valor base dos bens a vender e consequente notificação da decisão, não sendo assim de aplicação subsidiária o art. 886°-A do CPC (neste sentido, os Acórdãos do STA de 28.03.2007 - Rec. 026/07 e de 17.12.2003 - Rec. 01951/03, aqui seguidos de perto).
H) Face à questão de saber se a lei processual civil na parte que prevê que o credor hipotecário seja notificado do despacho que designa a venda por negociação particular é aqui aplicável e a omissão da notificação acarreta nulidade processual susceptível de abarcar a anulação da venda, o art. 252º do CPPT estabelece que as formalidades necessárias, e suficientes, de publicitação (conhecimento, notificação) da venda por negociação particular em processo de execução fiscal, são as previstas de modo especial no seu nº 3.
I) A jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado que o CPPT regula de modo suficiente os termos da venda executiva, pelo menos no que respeita à fase de negociação particular, pelo que, as normas do CPC - designadamente as normas dos artigos 886º-A, nº 6 do CPC (anterior nº 4), 909º, nº 1, alínea e) e 201º do CPC, não serão aplicáveis no processo de execução fiscal, face ao preceituado no nº 3 do artigo 252º, nº 3 do CPPT (com a devida vénia permitimo-nos voltar a invocar, neste sentido, o Acórdão do STA de 28-03-2007, tirado no processo 026/07, sobre uma situação semelhante de venda por negociação particular).
J) Além do mais, sendo certo que o artigo 886º-A, do CPC, sob a epigrafe “determinação da modalidade de venda e do valor base dos bens”, estabelece, nos seus nºs 1 e 4, que o Juiz, após audição do exequente, executado e dos credores com garantia sobre os bens a vender, determina a modalidade da venda e o valor base dos bens a vender, através de despacho notificado ao exequente, executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia real sobre os bens a vender, não deixa de ser verdade que se trata de uma disposição de carácter genérico, destinada a disciplinar o mecanismo da venda executiva, logo no início da fase do pagamento, mas que já se não aplica à venda por negociação particular que resulta da convolação da venda por meio de propostas em carta fechada, como aconteceu, atento o teor das disposições específicas que regem esta situação, em que apenas se impõe a obrigatoriedade de serem ouvidos os interessados presentes.
K) Por quanto se tem vindo a expender, alinhamos pelo entendimento de que o CPPT regula a questão, sem necessidade de recurso às normas supletivas do CPC, tal como, aliás, entende o Ilustre Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, no Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 2007, Volume II, nota 4 ao artigo 148º, pág. 540.
L) Relativamente à falta de notificação da venda judicial mediante propostas em carta fechada, regulam os arts. 248º e 249º, dedicando-se este último à publicidade da venda, ora, tendo em conta que o CPPT regula esta matéria de forma completa, não prevendo a notificação dos credores com garantia real, não ocorre qualquer violação do disposto no art. 886º-A do CPC, na medida em que a lei especial afasta a aplicação da regra geral aí prevista.
M) A este propósito, torna-se pertinente citar a anotação 4 ao art. 248º de Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado, 3ª Edição, Vislis, 2003: “No art. 886º-A do C.P.C., impõe-se a prévia audição do executado e dos credores com garantia sobre os bens a vender, relativamente à determinação da modalidade de venda, do valor dos bens a vender e da eventual formação de lotes. No processo de execução fiscal não se prevê expressamente tal audição, o que estará em consonância com a maior celeridade que se pretende com o processo de execução fiscal”.
N) Pelo que, encontrando-se cumprido o formalismo prescrito no art. 249º do CPPT, não era de notificar o requerente, até porque este tinha sido tempestivamente citado nos termos do art. 239º, e, esta citação aos credores com garantia real tem por função “permitir-lhes acompanhar a praça, além de reclamarem os créditos respectivos, para poderem providenciar para que não ocorra uma degradação do preço da venda e, em consequência, a insolvabilidade do crédito (transcrição parcial da anotação 11 ao art. 239º do CPPT anotado).
O) No que concerne ao facto de o requerente não ter sido ouvido sobre a venda por negociação particular, a argumentação que a nosso ver refuta a sua posição é em tudo idêntica à acima exposta, sendo que o artigo do CPPT que em especial regula esta matéria é do 252º, cujo cumprimento foi integralmente observado, com a opção pela única modalidade pertinente para a alienação de bens imóveis: a negociação particular (dada a inexistência de quaisquer propostas), neste sentido se pronunciou o STA, no acórdão tirado no processo nº 0173/05, de 16-03-2005.
P) Foi efectuada a competente publicidade, nos termos do nº 3 do respectivo artigo, e cabia ao requerente, citado nos termos do 239º do CPPT, acompanhar a praça.
Q) Finalmente, no que se refere ao valor que serviu de base à venda por negociação particular, o art. 250º do CPPT prescreve uma regra própria para a determinação de tal valor, sendo que nos termos do douto aresto citado no ponto I. supra, cabia ao órgão de execução fiscal estabelecer o preço mínimo, ou mesmo não o estabelecer.
R) Concluindo, é insusceptível de ser enquadrada no art. 201º do CPC a factualidade dada como provada na douta sentença, dado que não ocorreu a prática de qualquer acto que a lei não admita, ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, tendo-se, simplesmente, aplicado a lei especial ao processo de execução fiscal, com derrogação da lei geral, e, uma vez que, não se considera de aplicação subsidiária o regime do CPC previsto nos artigos 886º-A, nº 6, 909º, nº 1, alínea c) e 201º, não podia ter-se julgado verificada a omissão determinante da nulidade que acarretou a anulação do acto de venda.
Prosseguindo, no que concerne ao segundo aspecto focado supra (no ponto B.)

S) Tendo em vista o interesse público subjacente aos processos executivos, o princípio da estabilidade das vendas, a que se refere o douto Acórdão nº 77/02 do Tribunal Constitucional, é ainda mais impressivo no domínio da venda em processo de execução fiscal, dada a conveniência que ela tem para incentivar potenciais compradores a fazerem aquisições neste tipo de processo executivo, conforme se depreende do estipulado no art. 257ºdo CPPT.
T) Por tal facto, a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, subordinar-se-á ao regime do nº 3 do art. 864º do CPC, ou seja, a venda ou adjudicação só será anulada quando a Fazenda Pública tenha sido a exclusiva beneficiária, - o art. 864º nº 10 do CPC é aplicável subsidiariamente ao processo de execução fiscal, porque nele não se prevê situação em que a falta das citações legalmente prescritas (executado, cônjuge e credores) coexista com a venda do bem penhorado.
U) Ora, ressalvado o respeito devido por diferente opinião, se tal disciplina se tem por válida para a falta de citação, mediante o que o credor com garantia real fica impedido de intervir no processo defendendo os seus interesses, por maioria de razão se terá por aplicável à falta de alguma notificação subsequente àquela citação.
V) Neste mesmo sentido a conclusão alcançada no acórdão proferido pelo STA, no processo nº 0575/07, em 31.10.2007, aresto que passamos a seguir na nossa exposição: “Há fundamento para a anulação da venda em processo de execução fiscal por motivo da falta de citação do credor com garantia real, apenas quando em tal venda o exequente tiver sido o beneficiário exclusivo.”
W) No caso presente não há fundamento legal para a anulação da venda porque, tendo o imóvel penhorado sido adquirido por terceiro - conforme pontos 16º a 21º dos “factos provados, com relevância para a decisão da causa”, na douta sentença recorrida - o exequente não foi exclusivo beneficiário da venda (neste sentido veja-se Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 4 edição 2003, p. 982).
X) Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 165º do CPPT, “são nulidades insanáveis em processo de execução (…) a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado” e de acordo com o nº 4 do mesmo artigo 165º do CPPT “as nulidades mencionadas são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão final”.
Y) Sob a epígrafe “Citação dos credores preferentes e do cônjuge”, o artigo 239º do CPPT dispõe, nº seu nº 1, que “Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados (…) relativamente aos bens penhorados (…), sem o que a execução não prosseguirá”.
Z) Por sua vez, o nº 10 do artigo 864° do CPC estabelece, porém, que “a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário”.
AA) Então, aquela falta de citação tem os mesmos efeitos que a falta de citação do executado, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, das quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário.
BB) Não há qualquer razão que possa justificar que em execução fiscal o comprador dos bens mereça menor protecção do que a que merece o comprador dos bens em execução comum, porquanto é idêntico o objectivo legal de promover a venda e o seu respectivo rendimento, na linha do qual estará a diminuição dos casos de risco de anulação do acto em que o comprador não seja interessado.
CC) O alcance desta disposição é o de afastar a aplicabilidade da norma em causa, permitindo a anulação da venda, nos casos em que o adquirente é o próprio exequente, casos estes em que não estão em jogo interesses de terceiros, que, ao contrário do exequente, não conhecem ou não têm obrigação de conhecer as irregularidades processuais de que eventualmente enferme o processo executivo, e cujas expectativas na estabilidade da venda, por esse facto, merecem maior consideração.
DD) Assim, efectivada a arguição da nulidade por falta de citação antes da venda, adjudicação de bens, remições ou pagamentos, se aquela falta puder prejudicar a defesa do interessado, tem sempre por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos (artigo 165º, nº 2); porém, realizada venda, adjudicação de bens, remição ou pagamentos, a anulação só pode ocorrer se o exequente foi o exclusivo beneficiário dela (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, II Vol., em anotação ao artigo 239º).
EE) Para efeitos do artigo 864º, nº 10, do Código de Processo Civil, deverá entender-se que o exequente não será o exclusivo beneficiário da venda quando não for ele o comprador ou quando algum credor além dele seja pago pelo produto da venda, estando dado como provado nestes autos que foi terceiro a adquirir o bem.
FF) Pelo exposto, não existe fundamento legal para a anulação da venda efectuada no processo de execução fiscal, mas ainda que se considerasse ter existido preterição de formalidade, tal facto não poderá determinar a anulação da venda, na medida em que o exequente não foi o exclusivo beneficiário da mesma.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso e de manter a sentença recorrida, porque, em síntese, «Parece que, tendo sido omitida a notificação ao executado e ao credor reclamante quanto à modalidade de venda, nomeadamente por negociação particular, conforme prevista no art. 886º-A do CPC, tal provocou nulidade com influência na venda, nos termos dos artigos 201º nº 1 e 909º nº 1 al. c) do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão efectuada no art. 248º nº 5 do CPPT, ao que não impede o disposto no art. 864º nº 10 do CPC.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Na sentença recorrida foi julgada como provada a seguinte factualidade:
1. Correm termos no Serviço de Finanças de Amarante o processo de execução fiscal nº 1759200501004018 e aps., instaurados contra a firma D………, Ldª, por dívidas de IVA e Coimas.
2. Em virtude da insuficiência de património da firma executada, procedeu-se á reversão contra os sócios gerentes B……… e C……….
3. Em Maio de 2007 foi efectuada a penhora pelo referido Serviço de Finanças do artigo 1758 urbano de ………, pertencente aos revertidos B……… e C……….
4. Por despacho de 13.10.2009 do Chefe do Serviço de Finanças foi marcada a venda do imóvel penhorado, na modalidade de proposta em carta fechada, para o dia 16.12.2009.
5. O Requerente foi citado para reclamar os créditos em 08.10.2008.
6. Em virtude da inexistência de propostas em carta fechada, a venda não se realizou.
7. Por despacho de 25.01.2010 do Chefe do Serviço de Finanças, foi determinado que a venda do imóvel fosse efectuada por negociação particular.
8. O valor base para a venda foi fixado em 61.946,47 euros, correspondente a 50% do valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do IMI.
9. Em cumprimento das instruções aprovadas pelo despacho nº 797/2004 - XV, de SESEAF 23/03/2004, procedeu-se ao sorteio para designação da entidade intermediária na venda por negociação particular. Foi sorteada a empresa E………, Ldª.
10. Em 26 de Janeiro de 2010 foram enviadas notificações ao executado e aos credores, de entre os quais A………, dando-lhes conhecimento da data da venda por negociação particular, crf. doc. de fls.128 do processo executivo.
11. A carta do credor A……… não foi recebida.
12. Foi devolvida dos CTT com a indicação de “Objecto não reclamado, Devolvido” – cfr. doc. De fls. 8 a 10 dos autos.
13. Em 19.03.2010 a E……… vem informar que a melhor proposta recebida era do valor de 62.550,00 euros.
14. Em 18.03.2010 foram enviados pelo referido Serviço de Finanças notificações ao Executado B……… e a todos os credores, incluindo o A………, da existência da referida proposta e para, querendo, no prazo de 8 dias, apresentar interessado com melhor proposta – cfr. doc. De fls. 146 do processo executivo.
15. A carta em nome do credor A……… não foi recebida e foi devolvida dos CTT com a indicação de “Objecto não reclamado, Devolvido” – cfr docs. De fls. 12 a 14 dos autos.
16. Em 06.04.2010 veio o negociador particular E……… informar que a máxima oferta conseguida foi de 72.050,00 euros, apresentada pela sociedade F………, Ldª.
17. Por despacho de 06.04.2010, foi aceite a proposta apresentada do valor de 72.050,00 euros - cfr.doc. de fls.153 do processo executivo.
18. No mesmo despacho foi nomeado mandatário para celebrar a escritura de compra e venda o Sr. G………, em representação da mediadora.
19. Em 15.04.2010 foi depositado o valor do preço.
20. No mesmo dia foram pagos os restantes encargos, Imposto de Selo e IMT.
21. Em 19.04.2010 foi emitido o título de compra e venda no Serviço Casa Pronta da CRP de Celorico de Basto - cfr.doc. de fls.167 do processo executivo.
22. Em 15 de Junho de 2010 foi deduzida a presente Acção de Anulação de Venda.
23. O Autor, como credor reclamante, foi citado para reclamar o seu crédito.
24. Foi igualmente citado de que a venda iria ter lugar mediante propostas em carta fechada.
25. O ora Autor, em 4 de Junho de 2010, foi nos termos e para os efeitos do disposto no art. 866º, nº 1, 2 e 3 do CPC, notificado para impugnar os créditos reclamados.
26. Só nessa data tomou conhecimento de que o prédio tinha sido vendido em 2 de Abril de 2010.

3. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à questão de saber a decisão recorrida fez correcto julgamento ao considerar que a falta de notificação, ao credor reclamante com garantia real, do despacho que determinou a venda do bem imóvel penhorado na execução fiscal mediante negociação particular, integra uma nulidade processual susceptível de provocar a anulação dessa venda.
Com efeito, a decisão recorrida julgou procedente o incidente de anulação da venda suscitado pelo credor com garantia real sobre o imóvel penhorado na execução fiscal, ora Recorrido, com base no facto de este credor, depois de ter sido citado para reclamar o seu crédito e notificado de que a venda iria ter lugar mediante propostas em carta fechada, não foi ulteriormente notificado dos demais termos do processo executivo, particularmente do despacho que determinou que o imóvel fosse vendido mediante negociação particular, só vindo a ter conhecimento da venda quando, posteriormente à sua realização, foi notificado para impugnar os créditos reclamados.
Nesse pressuposto, e acolhendo a doutrina vertida no acórdão proferido por esta Secção do STA em 22/04/2009, no recurso nº 0146/09, julgou-se na decisão recorrida que a norma contida no art. 886º-A do CPC tem aplicação supletiva no processo de execução fiscal, pelo que «o credor com garantia real tem de ser notificado, nomeadamente, do despacho que determina a venda por negociação particular e o preço mínimo por que ela deve ser realizada», constituindo a omissão dessa notificação uma nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT.E porque «o Autor jamais foi notificado pessoalmente da modalidade da venda mediante negociação particular e do valor final oferecido pelo prédio e pelo qual acabaria por ser vendido, (…), estamos perante uma nulidade susceptível de afectar o acto da venda e que acarreta a sua anulação nos termos do disposto nos artigos 201º, nº 1 e 909º, nº 1, alínea c), do CPC e do art.257º, nº 1, alínea c), do CPPT e dos actos posteriores ao acto de venda mediante propostas em carta fechada no âmbito do processo de execução fiscal. Pelo exposto, procede a presente acção.».
A Fazenda Pública insurge-se contra esta decisão, não porque discorde da julgada falta de notificação ao credor reclamante – que ali foi considerada como provada e que não é minimamente questionada neste recurso – mas porque sustenta a posição jurisprudencial acolhida no acórdão proferido por esta Secção do STA em 28/03/2007, no recurso nº 026/07, onde se julgou que não são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução fiscal as normas do Código de Processo Civil relativas à notificação da decisão sobre a venda ao credor com garantia sobre os bens a vender – art. 886.º-A, n.º 4 – e à audição do credor com garantia real sobre o comprador e o preço de venda por negociação particular – art. 904.º, alínea a).
Razão por que defende, em primeiro lugar, que a omissão da notificação do ora Recorrido não constitui nulidade com os efeitos determinados na sentença e, por outro lado, que nunca poderia ter sido anulada a venda em face do disposto no art. 864º nº 10 do CPC, dado que o exequente não foi o seu exclusivo beneficiário.
Vejamos.
Efectivamente, o ora Recorrido é um credor com garantia real sobre o imóvel penhorado e vendido no âmbito da execução fiscal nº 1759200501004018 e apensos, tendo sido oportunamente citado nos termos do artigo 239º do CPPT para reclamar o seu crédito. Contudo, não foi posteriormente notificado do despacho que determinou a alteração da modalidade de venda e o preço mínimo para ela fixado.
Donde decorre, desde logo, que tendo este credor sido citado para a execução, não há que chamar à colação a norma invocada pela Recorrente, contida no n.º 10 do art. 864º do CPC, que estabelece que a falta de citação das pessoas nele referidas (entre as quais figura o credor titular de direito real de garantia) «tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas (...) das quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário, ficando salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja imputável a falta de citação».
A omissão que foi invocada e que conduziu à procedência do pedido traduziu-se, não na falta de citação para a execução do credor com garantia real sobre o bem a vender, mas na falta de notificação da decisão que determinou e fixou a modalidade da venda e o preço que para ela foi fixado, pelo que se torna irrelevante saber se o exequente foi ou não o seu exclusivo beneficiário.
Recorde-se que o mesmo não acontecia no âmbito do regime do Código de Processo Tributário, em que a venda era efectuada antes da reclamação de créditos, pelo que os credores com garantia real ainda não detinham, à data da venda, a qualidade de reclamantes de créditos para quaisquer efeitos, nomeadamente para os previstos no art. 886.º-A do CPC, e que, por isso, não tinham de ser notificados do despacho que ordenava a venda. Essa era, aliás, a razão pela qual a jurisprudência vinha defendendo que o credor com garantia real não dispunha de legitimidade para pedir a anulação da venda executiva com o fundamento na nulidade por omissão da notificação prevista no nº 4 do art. 886.º-A do CPC, e que só podia invocar, por analogia, a omissão do preceituado no nº 3 do art. 864.º do CPC (falta de citação dos credores com garantia real para a execução), nulidade que só importava, porém, a anulação da venda se o exequente tivesse sido o seu exclusivo beneficiário (Cfr. os acórdãos do STA proferidos em 24/04/90, no Rec. nº 12139, em 1/03/98, no Rec. nº 23323 e em 4/12/2002, no Rec. nº 0882/02. E os acórdãos do TCAS proferidos em 18/10/05, no Rec. nº 00715/05 e em 11/07/06, no Rec. nº 01073/06).
.
Assim, a questão colocada no presente recurso prende-se com a aplicabilidade ao processo de execução fiscal da norma contida no art. 886.º-A do CPC, tendo em conta que o pedido de anulação da venda se fundou na previsão do art. 909.º, nº 1, alínea c), do CPC, no qual se determina que a venda fica sem efeito «se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201.º», e na previsão deste art. 201.º, que prevê o regime das nulidades processuais não especialmente reguladas, estabelecendo que «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
No caso em apreço, quando foi proferido o despacho determinativo da venda a Recorrida já detinha, como vimos, o estatuto de credora reclamante para todos os efeitos legais, mas não foi notificada do despacho que determinou que a venda fosse feita por negociação particular e do preço que para ela foi fixado pelo órgão da execução fiscal, em clara violação do disposto no n.º 4 do art. 886º-A do CPC, que obriga, além do mais, à notificação da modalidade de venda escolhida e do valor base dos bens a vender.
Embora no passado a jurisprudência desta Secção do STA se tenha dividido quanto à aplicabilidade desse preceito do Código de Processo Civil ao processo de execução fiscal (Enquanto nos acórdãos proferidos em 30/04/2008, 14/07/2008, 2/04/2009, 22/04/2009, 8/07/2009, 7/07/2010 (nos proc. nº 117/08, 222/08, 805/08, 146/09, 431/09, 188/10, respectivamente) se entendeu que era aplicável o disposto no artigo 886°-A do CPC ao processo de execução fiscal, impondo-se, assim, a notificação ao credor reclamante dos aludidos despachos, já nos acórdãos proferidos em 17/12/2003, 28/03/2007, 28/11/2007 e 4/11/2009 (nos proc. nº 1951/03, 26/07, 662/07 e 686/09, respectivamente) entendeu-se não haver lugar àquela aplicação supletiva.), podemos afirmar que ela se encontra actualmente consolidada no sentido de que a melhor interpretação da lei é a que responde afirmativamente à questão, isto é, que o art. 886º-A do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, como se pode ver pela leitura dos seguintes acórdãos:
– de 30 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 117/07

– de 14 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 222/08

– de 2 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 805/08,

– de 22 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 146/09

– de 8 de Julho de 2009, proferido no processo n.º 431/09

– de 7 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 188/10,

– de 3 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 244/10

– de 22 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 353/11.

- de 20 de Junho de 2012, proferido no processo nº 161/12

- de 5 de Julho de 2012, proferido no processo nº 180/12.

Aliás, em favor desta posição jurisprudencial, recorde-se que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do disposto no art. 2º da CRP (princípio do Estado de direito), a norma que resulta das disposições conjugadas da alínea e) do nº 1 do art. 2º e nº 3 do artigo 252º do CPPT e dos artigos 201º, 904º e al. c), do nº 1, do art. 909º do CPC, quando interpretada “no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente” – acórdão nº 166/2010, de 28 de Abril de 2010.
Deste modo, e como a presente Relatora teve já oportunidade de expressar no acórdão proferido em 3 de Novembro de 2010, no proc. nº 244/2010, o artigo 249º do CPPT ao estabelecer que uma vez determinada a venda se procederá “… à respectiva publicitação, mediante editais, anúncios e divulgação através da Internet”, não visa eliminar a notificação às partes ou intervenientes processuais da decisão sobre a venda proferida no âmbito do processo judicial de execução fiscal, até porque essa notificação se imporia por força do princípio, vigente para os processos de natureza judicial, da obrigatoriedade de notificação às partes de todos os despachos que lhes possam causar prejuízo, e que constitui, aliás, um corolário da proibição da indefesa ínsita no direito à tutela jurisdicional efectiva contida no artigo 20º da CRP.
O objectivo do preceito é dar a mais ampla publicidade à venda no processo de execução fiscal, obrigando a uma maior divulgação relativamente à execução comum, tendo em conta o facto de estar em causa a cobrança de receitas tributárias que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (art. 5º, nº 1, da LGT), de forma a obter o maior e melhor preço possível, não se pretendendo, com isso, excluir o cumprimento dos deveres legais de notificação pessoal às partes impostas pela legislação processual civil.
E como também se deixou frisado no acórdão proferido por esta Secção em 14 de Julho de 2008, no proc. n.º 222/08, cuja fundamentação sufragamos, essa necessidade de notificação às partes de todos os despachos que lhes possam causar prejuízo está expressamente prevista no artigo 229.º do CPC, segundo o qual devem ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes, cumprindo ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação.
Por outro lado, é compreensível essa necessidade de notificação à luz do princípio da boa fé e da cooperação consagrado nos artigos 226.º e 226.º-A do CPC, que impõe que as partes tenham conhecimento de todos os actos que os possam prejudicar, a fim de poderem providenciar pela defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos estabelecida no n.° 3 do artigo 268.º da CRP que, pelas mesmas razões, será aplicável a actos praticados em processos judiciais em que vigora um princípio geral de proibição da indefesa (artigo 20.°, n.° 1, da CRP).
Como se deixou dito naquele aresto, mesmo nos casos em que a escolha da modalidade de venda é vinculada, «pode haver uma decisão errada do órgão da execução fiscal na sua determinação (Por exemplo, optar pela venda por negociação particular, com fundamento em urgência, quando ela não exista, ou optar pela venda por propostas em carta fechada em situação em que, por haver urgência, deveria ser ordenada a venda por negociação particular.), pelo que aos interessados que podem ser afectados pela decisão tem de ser reconhecida a possibilidade de controlarem o decidido e impugnarem a decisão, se dela discordarem. Assim, em face dessa potencial lesividade da decisão prevista sobre a modalidade de venda, valor base dos bens a vender e eventual formação de lotes, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de ela ser impugnada através de reclamação, nos termos dos arts. 95.º, nºs 1 e 2, alínea j), da LGT e 276.º do CPPT, em consonância com a imposição constitucional da impugnabilidade de todos os actos lesivos, que resulta do n.º 4 do art. 268.º da CRP. (...)
As especialidades que caracterizam o processo de execução fiscal em relação ao processo de execução comum são justificadas pela maior celeridade que se quer imprimir àquele, mas a efectivação das notificações previstas no art. 886.º-A, n.º 4, do CPC não implica qualquer atraso na tramitação do processo. Na verdade, as notificações às partes são efectuadas por correio, pelo que se trata de um acto instantâneo que não impõe qualquer paragem do processo de execução fiscal, pelo que não vale como fundamento do seu afastamento a preocupação legislativa em incutir celeridade ao processo de execução fiscal.».
E como também salienta JORGE LOPES DE SOUSA (No “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 6.ª Edição, vol. IV, págs. 111/112.), «… é certo que a maior celeridade que se pretende para o processo de execução fiscal, relativamente ao processo de execução comum, pode justificar que se suprimam diligências, mas este objectivo não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser conseguido à custa dos direitos dos cidadãos constitucionalmente protegidos, como é o caso da defesa em processos judiciais de direitos e interesses legalmente protegidos e o direito de participação nas decisões que lhes digam respeito, garantidos pelos arts. 20.º, n.º 1, e 267.º, n.º 5, da CRP e concretizado, nos processos judiciais (categoria em que se engloba o processo de execução fiscal, em face do disposto no art. 103.º, n.º 1, da LGT), no art. 3.º,n.º 2, do CPC, em que se estabelece que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Haverá manifesta desnecessidade em ouvir a parte contrária quando não seja aceitável séria controvérsia sobre as questões a apreciar por parte de quem possua os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais. No caso da opção não vinculada por uma modalidade de venda, não se está perante uma situação que, na perspectiva legislativa, se possa qualificar como sendo de manifesta desnecessidade de audição dos interessados, como resulta patentemente do facto de o art. 886.º-A, n.º 1 do CPC, a impor.
Por isso, nestas situações, justifica-se a audição prévia do exequente (se não for representado pelo órgão da execução fiscal), o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, nos termos previstos naquele art. 886.º-A, n.º 1, do CPC».

Concluímos, assim, que a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva contida no art. 20.º da CRP e o princípio da boa-fé e da cooperação entre os intervenientes processuais justificam plenamente que valha também para o processo fiscal o dever de notificação existente nas execuções comuns, constituindo a aplicação subsidiária da norma do artigo 886.º-A, n.º 4, do CPC [expressamente prevista na al. e) do art. 2.º do CPPT] a forma de assegurar a compatibilidade constitucional do processo de execução fiscal.
Em face do exposto, é de concluir que o art. 886º-A, nº 4, do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal na parte em que impõe a notificação aos credores com garantia real do despacho que determina a modalidade de venda, fixa o valor base dos bens a vender (e eventual formação de lotes) e designa dia para a abertura de propostas em carta fechada, no caso de ser esta a modalidade de venda adoptada. Também no que se refere à fixação do valor base da venda, o STA afirmou a aplicabilidade do art. 886º-A, nº 4, do CPC ao processo de execução fiscal, no acórdão de 12/9/2007, proc. nº 699/07.
Devendo o credor com garantia real ser notificado do despacho determinativo da venda por negociação particular e do preço mínimo fixado, e não o tendo sido no caso vertente, torna-se inquestionável que foi omitida uma formalidade prescrita na lei, sendo que essa omissão só constitui nulidade se puder influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do disposto no art. 201º do CPC).
Por outro lado, quanto à argumentação da Recorrente no sentido de que não pode ser anulada a venda dado o disposto no art. 864º nº 10 do CPC, já que o exequente não foi o seu exclusivo beneficiário, sufragamos a posição firmada no acórdão de 22 de Abril de 2009, no proc nº 146/09, e reiterado no acórdão de 3 de Novembro de 2010, no proc nº 244/2010, segundo a qual o disposto na predita norma – onde se estipula que a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu mas não importa a anulação das vendas das quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário – não tem aplicação à situação vertente, na medida em que «esta disposição legal tem a ver com a estabilidade das relações jurídicas, impedindo assim que uma venda, efectuada por exemplo anos atrás, venha ser anulada por falta de citação de algum dos interessados, que não o próprio executado (vide art. 909º, nº 1, b) do CPC). Ao passo que a situação que analisamos tem a ver com uma nulidade processual, a arguir em prazo curto. O que é coisa diferente.».

Resta então agora averiguar se as irregularidades ocorridas nos autos são de molde a determinar a anulação da venda, tal como decidido pela sentença recorrida.
A anulação da venda nos termos deste art. 201º do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (nºs. 1 e 2 do artigo referido). Ou seja, a regra, relativamente à prática de acto não admitido ou à omissão de acto ou formalidade prescrita, é a de que, se a lei não referir expressamente como consequência a invalidade do acto, o vício do acto processual só deve produzir nulidade quando dele resulte prejuízo para a relação jurídica contenciosa.
Deste modo, e como já ensinava ALBERTO DOS REIS (In “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol II, pág. 486.), é ao Tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou na decisão da causa, pois que “os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticarem garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; Pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticarem ou omitirem actos ou deixarem de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e, portanto, a instrução, a discussão ou o julgamento dela”. É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Pelo que, o princípio da redução de nulidade à mera irregularidade, sem consequências, só acontece quando o acto haja atingido o seu fim, e só caso a caso e segundo a prudência e a ponderação dos juízes, pode resolver-se a questão de saber se o acto atingiu o seu fim. E, deste modo, a anulação da venda deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, puder afirmar-se a sua susceptibilidade para influenciar a venda.
Ora, no caso vertente, a falta de notificação do referido despacho inviabilizou a intervenção do credor com garantia real sobre o imóvel na fase da venda deste bem, o que nos permite precisar que a omissão dessa notificação não constitui uma mera irregularidade, sem consequências, na medida em que esse acto não atingiu o seu fim: assegurar a participação da reclamante credora na fase da venda e proteger os seus interesses, proporcionando-lhe quer o acompanhamento do desenvolvimento processual normal, quer a realização de diligências no sentido de alcançar a melhor proposta possível de venda e evitar ou minimizar a degradação do respectivo preço, garantindo que a venda se realize pelo preço mais alto possível.
Não fora a referida omissão e a venda poderia ter sido efectuada a diferente pessoa, por valor superior. Pelo que não se pode afastar a possibilidade de a omissão da referida notificação poder ter influenciado o resultado e o valor da venda.
É, pois, axiomático que a irregularidade cometida constitui uma nulidade nos termos do artigo 201.º, nº 1º, do CPC, que importa não só a nulidade do acto da venda em si como dos actos subsequentes que dele dependam absolutamente.
Pelo que se impõe manter a sentença recorrida e negar provimento ao recurso.

4. Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.


Lisboa, 23 de Janeiro de 2013. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.