Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0973/17
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:FEIRA
FUMUS BONI JURIS
PERICULUM IN MORA
PRODUÇÃO DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:I - A submissão a um procedimento de sorteio de espaços de feira que vinham sendo ocupados há anos, mediante o pagamento de taxas, por vários feirantes, quando a norma do respectivo regulamento manda submeter a sorteio «lugares novos e lugares vagos», preenche o fumus boni juris exigido para a concessão da suspensão de eficácia daquele acto administrativo;
II - Tendo a requerente alegado factos susceptíveis de preencher o periculum in mora, e tendo sido estes impugnados na oposição, deverá ser produzida sobre eles a prova testemunhal arrolada pelas partes;
III - Não tendo sido efectuada esta instrução sumária, devem os autos baixar ao tribunal a quo para tal efeito.
Nº Convencional:JSTA00070478
Nº do Documento:SA1201801110973
Data de Entrada:10/23/2017
Recorrente:AFMRN - ASSOCIAÇÃO DE FEIRAS E MERCADOS DA REGIÃO NORTE
Recorrido 1:JUNTA DE FREGUESIA DE ERMESINDE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:PROV CAUTELAR
Objecto:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC ADM
Área Temática 2:REQUISITOS PROV CAUTELARES
Legislação Nacional:CPTA ART120 N1.
CPTA ART128 N1.
CPC ART195.
CPC ART615 N1 D.
CPC ART608 N2.
CPTA ART119 N1.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. AFMRN - ASSOCIAÇÃO DE FEIRAS E MERCADOS DA REGIÃO NORTE - identificada nos autos - interpõe «recurso de revista» do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], em 07.07.2017, pelo qual foi negado provimento ao recurso de apelação por ela interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 27.02.2017, e que lhe indeferiu o «pedido de suspensão de eficácia do acto da JUNTA DE FREGUESIA DE ERMESINDE de atribuição, por sorteio, de espaços de venda na feira de Ermesinde».

Culminou as suas alegações de recurso retirando as seguintes «conclusões»:

1º- Nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC: «É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»;

2º- Não foi admitida a inquirição das testemunhas indicadas pela requerente, que poderia concretizar factualmente o alegado no requerimento inicial e entende o TCAN que a decisão da 1ª instância não merece censura;

3º- Salvo o devido respeito, que é muito, não andou bem o TCAN na sua decisão, isto porque, conforme decorre do requerimento inicial e da réplica apresentadas, os factos alegados pela requerente, com o devido suporte documental [também não apreciado por não ter sido admitido], só poderiam ser provados com a prova testemunhal;

4º- Até porque, foi dado como assente e ao contrário do que o douto acórdão do TCAN agora refere, que «Nos 87 lugares a sortear se incluem espaços de venda que vêm sendo ocupados por representados da requerente, alguns dos quais há mais de 5 anos, designadamente, os lugares 34, 170-A, 175-A, 197, 150, 172-A, 33, 75, 31, 14, 155, 151, 152, 159, 87 e 32 [facto admitido por acordo];

5º- Isto para referir que, com a prova documental arrolada, a requerente provaria o demais invocado, que determinaria ao tribunal o decretamento da providência cautelar requerida;

6º- Diz o TCAN que «…o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder [veja-se, entre outros, acórdão deste TCAN, de 18.11.2010, processo nº02260/04.9BEPRT-A]», mas,

7º- Não só foram arroladas novas testemunhas como foram juntos documentos que o tribunal entendeu não apreciar e cita-se [449 SITAF]: «Atento o alegado pelas partes, designadamente pela requerente, a documentação já junta aos autos e, bem assim, as soluções plausíveis de direito, considerasse que a junção dos documentos requerida não se mostra relevante e necessária para a boa decisão da causa, razão pela qual se indefere o requerido»;

8º- Estes documentos [cuja junção não foi admitida pelo TAF], que nunca chegaram a ser apreciados, concatenados com o depoimento das testemunhas, conduziriam a uma convicção do julgador no sentido do decretamento da providência;

9º- Mas estranhamente refere o TCAN que «Ora, no caso presente, nenhuma questão deixou de ser resolvida, nem a recorrente identifica qualquer questão, no sentido supra exarado, que o tribunal tivesse deixado de apreciar, limitando-se a remeter vaga e genericamente para um articulado. A arguida nulidade não se verifica»;

10º- Ora, não pode o tribunal escudado atrás do argumento da natureza urgente do processo, imiscuir-se de apreciar a prova - quer documental, quer testemunhal - indicada pela parte. O tribunal deveria ter indagado e conhecido os factos que lhe foram apresentados, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo;

11º- O busílis deste pleito é saber se os feirantes que ocupavam os mesmos lugares há anos, pagando a respectiva taxa pela ocupação, que apesar de terem solicitado à requerida a contratualização dos mesmos, que lhes conferiria uma redução no valor das taxas e uma maior certeza jurídica e que vêm aqueles seus lugares lhes serem retirados e sorteados por entre outros feirantes, têm ou não algum direito sobre os mesmos;

12º- Isto é, sabendo a requerida que estava a violar a lei em vigor - DL nº10/2015, de 15.01 - e bem assim o Regulamento do Município de Valongo, opta pelo sorteio daqueles lugares, retirando-os aos habituais feirantes e sorteando-os entre outros. ISTO É UM FACTO ASSENTE E ACEITE PELAS PARTES;

13º- Ao não apreciar a prova cuja produção foi requerida, e ao proferir sentença por entender que o tribunal reúne todos os elementos necessários à prolação da decisão final, esta sentença é nula, pois:

- Qual a melhor forma de provar que os associados da requerente são detentores de direitos de ocupação de lugares há vários anos, e investiram em estruturas para adequar o exercício da actividade aos lugares que ocupam e foi nesses lugares que fizeram e fidelizaram a sua clientela?

- Que tal clientela compra a crédito, pelo que para alguns desses comerciantes, o sorteio de tais lugares acarretará a perda dos seus créditos, atendendo a que a feira é o único lugar de contacto com os clientes, os quais estão habituados e facilmente localizam este ou aquele feirante no local onde actualmente se encontram, acarretando assim, a realização deste concurso, graves prejuízos e danos irreparáveis aos feirantes?

- Que se o sorteio se realizar, irão ser atribuídos espaços de venda a determinados interessados, a quem depois esses lugares poderão ser retirados [em sede de processo principal], criando atritos entre os próprios feirantes, prejudicando a paz social?

- Que o não decretamento da providência requerida redundará em prejuízos irreparáveis para os feirantes, decorrente de uma situação de facto consumado inultrapassável?

- Que a realização do sorteio provocará danos irreversíveis, pois os feirantes perderão os seus lugares de venda e o seu meio de subsistência e a decisão final que venha a ser proferida nos presentes autos, não terá qualquer efeito útil, pois os lugares já terão sido atribuídos, por sorteio, a outros feirantes?

- Que depois será impossível reconstituir a situação anterior, pois não será admissível realizar novo concurso, os novos titulares não o permitirão?

A RESPOSTA É UMA: COM PROVA TESTEMUNHAL;

14º- Ao contrário do que refere o TCAN, quando diz «Ora, quais os feirantes que ocupam já esses lugares e a que título o fazem? Responde-se: Verdadeiramente, não se sabe nos autos», salvo melhor entendimento, sabe-se! São os indicados em 11º do requerimento inicial, entre outros na dita amálgama de recibos juntos aos autos;

15º- Os titulares dos lugares indicados no ponto 11º do requerimento inicial, sendo associados da requerente, a mesma, por estar determinado pelos seus estatutos, incumbe-lhe a defesa, promoção e representação dos seus associados - artigo 5º do requerimento inicial - sendo indiferente tratar-se do António, do Joaquim ou do Manuel. A requerente actua como representante dos associados que ficam sem lugar tendo por referência a violação da lei;

16º- Determina a lei-regulamento, que a ocupação dos espaços de venda é feita por atribuição, sendo o direito atribuído pessoal e intransmissível, pelo prazo mínimo de 4 anos e máximo de 10 anos, ocorrendo periodicamente sorteio para atribuição de lugares vagos e de novos lugares. LUGARES VAGOS OU NOVOS LUGARES, NÃO LUGARES OCUPADOS HÁ ANOS SEMPRE PELAS MESMAS PESSOAS, COMO ALEGADO!

17º- Refere ainda o douto acórdão que «…prevê-se também no referido Regulamento a possibilidade de atribuição de espaço de venda a título ocasional que é efectuada no local e no momento da instalação da feira [...] em função da disponibilidade de espaço em cada dia de feira mediante o pagamento de uma taxa», mas, NESTE CASO [O DOS ASSOCIADOS DA REQUERENTE] OS LUGARES JÁ ESTAVAM ATRIBUÍDOS, A JUNTA NÃO ATRIBUÍA NADA EM FUNÇÃO DE DISPONIBILIDADE ALGUMA! NÃO HAVIA DISPONIBILIDADE... ESTAVAM OCUPADOS... PELOS ASSOCIADOS DA REQUERENTE;

18º- Esta ocupação [a dos associados da requerente] não dependia de qualquer autorização. Os feirantes tinham aquele lugar como seu. Ninguém [outro feirante] o ocupava, nem o podia ocupar. A própria requerida acautelava esse direito ao feirante em iguais circunstâncias aos feirantes que tinham o lugar contratualizado;

19º- Ao contrário do que DIZ O TRIBUNAL A QUO QUE:

«Com perplexidade se constata que nenhum destes lugares se mostra incluído na lista de 16 lugares que a requerente diz serem lugares ocupados e integrantes dos lugares a sortear [ver artigo 11º do requerimento inicial]»;

20º- Foi dado como provado na alínea i) da sentença do TAF de Penafiel, que:

I) Nos 87 lugares a sortear incluem-se espaços de venda que vêm sendo ocupados por representados da requerente, alguns dos quais há mais de 5 anos, designadamente, os lugares 34, 170, 175, 197, 150, 172, 33, 75, 31, 14, 155, 151, 152, 159, 87 e 32 [facto admitido por acordo]»;

Como é que agora não se sabe e se refere que com perplexidade se constata que nenhum destes lugares se mostra incluído na lista de 16 lugares que a requerente diz serem lugares ocupados e integrantes dos lugares a sortear?

21º- Não só se sabe, se referiu, indicou, juntou prova e foi dado como provado. Sem dúvida que foram sorteados lugares que vêm sido ocupados pelos associados da requerente, aliás como decorre do atrás descrito, mas, e se dúvidas houvesse, a junção de documentos requerida pela requerente sustentaria a tese da mesma e dissiparia as dúvidas, assim como a inquirição das testemunhas arroladas, o que permitiria ao tribunal produzir prova cabal ao decretamento da providência;

22º- Se o artigo 120º do CPTA, estabelecendo o requisito da perigosidade - periculum in mora - resultante de o decurso do tempo na obtenção da decisão sobre o litígio a tornar inútil, total ou parcialmente, exige para o decretamento da providência cautelar que «haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal», exige que o ónus dessa prova cabe ao requerente, entende-se que o requerente da providência satisfaz tal ónus, como demonstra o alegado na petição inicial, na resposta à contestação e na prova efectuada nos autos;

23º- Estava devidamente alegado que os feirantes vão perder clientes e créditos, porque feirantes há que se inscreveram e que não tiveram lugar, ou seja, não têm qualquer lugar para vender e se os feirantes deixam de ter lugar para vender, além de perderem os seus créditos porque não há meio de contactar com os devedores pois perdem o seu ponto de venda, perdem de igual modo uma receita considerável no seu orçamento semanal [se a feira de Ermesinde se realiza duas vezes por semana, representa cerca de 30% dos seus rendimentos, assim calculados = semana = 6 dias de trabalho -2 [dias de trabalho] = 4 dias de trabalho. Saber se tal prejuízo importa 50,00€ ou 500,00€, será sempre um terço dos rendimentos do feirante;

24º- Que os custos feitos para adaptar as estruturas àquele ou a outro lugar, e fala-se em estruturas de barracas, de bancas de exposição, de toldes de cobertura, que naturalmente pela natureza das estruturas dificilmente poderá ser reaproveitada. Se é certo que são custos da actividade, também é certo que decorridos tantos anos, os feirantes adaptaram as estruturas ao lugar que ocupavam, pois, apesar de não estar contratualizado a ocupação do espaço nunca foi equacionado- nem pela requerida - que pudessem ficar sem os seus lugares de venda;

25º- Se a decisão final do processo [que pode demorar anos], reverter a situação antes do sorteio, muitos desses feirantes já não regressarão, poderão até ter desistido da actividade atenta a redução drástica de rendimentos, mas presumindo que voltavam, iriam retirar daqueles lugares outros feirantes a quem por sorteio o lugar foi atribuído, não se compreendendo qual a dúvida do tribunal ao considerar que iriam existir tumultos e eventuais agressões entre os próprios feirantes e entre estes e a entidade requerida;

26º- Importará concluir que se mostra suficientemente demonstrada nos autos a produção de prejuízo de difícil reparação para a recorrente, decorrente da execução do acto suspendendo, bem como do receio da constituição de uma situação de facto consumado, pelo que se mostra verificado o requisito do periculum in mora.

Termina pedindo o provimento da «revista», a revogação do acórdão recorrido, e o deferimento da providência cautelar solicitada.

2. A recorrida - JUNTA DE FREGUESIA DE ERMESINDE - não contra-alegou.

3. O recurso de revista «foi admitido» por acórdão deste STA, e proferido pela formação a que alude o artigo 150º, nº5, do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da «negação de provimento ao recurso de revista» [artigo 146º, nº1, do CPTA].

5. Sem vistos, dado tratar-se de processo de natureza urgente, cumpre apreciar e decidir este recurso de revista [artigo 36º, nº1 alínea f), e nº2, do CPTA].

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêm sumariamente provados das instâncias:

A) A AFMRN-Associação de Feiras e Mercados da Região Norte, no artigo 1º dos seus Estatutos, ponto 1, refere que não tem fins lucrativos, e, no ponto 2, diz que tem âmbito regional, abrangendo a região norte de Portugal [ver documento nº2 junto ao requerimento inicial];

B) Em Assembleia Geral de sócios, de 30 de Janeiro de 2009, foi aprovado, por unanimidade, o Regulamento Interno da AFMRN [ver documento nº1 junto ao requerimento inicial];

C) O artigo 2º dos Estatutos determina que «A Associação tem como fim genérico a representação, defesa e promoção dos interesses comuns dos associados, seu prestígio e dignificação» [ver documento nº2 junto ao requerimento inicial];

D) A requerente possui associados que realizam a feira de Ermesinde-Valongo, a qual se realiza duas vezes por semana, à 2ª e à 6ª feira [facto admitido por acordo];

E) Em 04.08.2016 foi realizada reunião ordinária da Junta de Freguesia de Ermesinde, na qual, além do mais, foi deliberada «Ponto cinco - Deliberação sobre a abertura do procedimento para sorteio de lugares vagos na Feira e designação da Comissão para o mesmo efeito» e «Ponto seis - Aprovação do Programa de Procedimento do concurso referido no ponto 5», deliberações que foram aprovadas por unanimidade [ver folhas 1 a 5 do PA, inserto no processo principal, e cujo teor se dá por reproduzido];

F) Em 05.08.2016 foi elaborado pela Junta de Freguesia de Ermesinde documento designado «Atribuição, por sorteio, de espaços de venda na Feira de Ermesinde - Programa de Procedimento» [ver folhas 6 a 8 do PA inserto no processo principal e cujo teor se dá por reproduzido];

G) A requerente tomou conhecimento, através da página da Internet da requerida, da publicação de um «edital» com o seguinte teor [ver documento nº3 junto ao requerimento inicial, e cujo teor se dá por reproduzido]:



H) Faziam parte do «edital» referido supra, a planta dos lugares a sortear, com a sua devida identificação, bem como a ficha de inscrição no sorteio para atribuição de espaços de venda e, ainda, o Regulamento do Município de Valongo, ao qual pertence a freguesia aqui requerida [ver documentos nºs 4, 5, e 6, juntos ao requerimento inicial, e cujo teor se dá por reproduzido];

I) Nos 87 lugares a sortear incluem-se espaços de venda que vêm sendo ocupados por representados da requerente, alguns dos quais há mais de 5 anos, designadamente, os lugares 34, 170-A, 175-A, 197, 150, 172-A, 33, 75, 31, 14, 155, 151, 152, 159, 87 e 32 [facto admitido por acordo];

J) Os feirantes que vêm ocupando os lugares referidos na anterior I) não têm qualquer contrato celebrado com a requerida [facto admitido por acordo];

K) A feira de Ermesinde realiza-se duas vezes por semana, à segunda e à sexta feiras e os lugares acima indicados, entre outros, são sempre ocupados pelos mesmos feirantes, pagando a taxa devida, como atrás se referiu, alguns deles há 5 anos [facto admitido por acordo];

L) Os feirantes referidos supra investiram em estruturas para adequar o exercício da actividade aos lugares que ocupam [facto admitido por acordo];

M) Dá-se por reproduzido o teor do documento nº7 junto ao requerimento inicial;

N) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos de folhas 120/127 do processo físico;

O) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos de folhas 259/273 do processo físico;

P) Dá-se por reproduzido o teor de folhas 9/10 do PA;

Q) Em 02.11.2016 a requerente deu entrada à acção principal de que dependem os presentes autos [ver folhas 1/128 do SITAF].

Inexistem outros factos provados, ou não provados, com relevo para a decisão da causa.

III. De Direito

1. A AFMRN requereu junto do TAF de Penafiel a «suspensão de eficácia do acto da JUNTA DE FREGUESIA DE ERMESINDE que determinou a atribuição, por sorteio, de espaços de venda na feira de Ermesinde». Formulou este pedido cautelar como preliminar de acção administrativa que iria intentar para impugnar a validade do referido acto administrativo.

Como causa do pedido cautelar, alega que o publicitado sorteio é «ilegal», pois tudo indica que viola o artigo 9º do Regulamento do Município de Valongo - que reserva a atribuição de espaços de venda, através de sorteio, a lugares novos ou deixados vagos - e o princípio constitucional [artigo 266º, nº2, da CRP] e legal [artigo 6º-A do CPA] da boa-fé - dado que a actuação da requerida, autorizando, desde há vários anos, a ocupação de espaços de venda por associados seus, e recebendo as respectivas taxas, gerou um clima de confiança que agora destrói - bem como, a não ser suspenso tal acto na sua eficácia, a respectiva execução gerará prejuízos de difícil reparação e, até, facto consumado, porque os espaços de venda que vêem sendo ocupados por feirantes seus associados constituem o indispensável ponto de encontro entre a sua oferta e a procura da «clientela» que foram fidelizando, e que, juntamente com «créditos» concedidos, se arriscam a perder. Além disso, diz, a atribuição de espaços de venda, que, no caso de procedência da acção principal, terão de ser desocupados e devolvidos aos primitivos ocupantes, ferirá a paz social, que é valor público a preservar.

A JUNTA DE FREGUESIA DE ERMESINDE apresentou «resolução fundamentada» - ao abrigo do artigo 128º, nº1, do CPTA - cujas razões foram afastadas pelo TAF, por serem «genéricas, conclusivas», e algumas até «contraditórias». E por via disso, foram declarados como «ineficazes todos os actos de execução praticados após a emissão do acto suspendendo, nomeadamente o sorteio realizado a 07.09.2016» [folhas 145 a 154 dos autos].

Aquando da prolação da sentença, o TAF começou por indeferir o aditamento de documentos, bem como o pedido de produção de prova testemunhal, requerido pelas partes. De seguida, com base nos factos que considerou como pertinentes e provados, indeferiu o pedido cautelar, por entender que não se verificava nem o periculum in mora nem o fumus boni juris exigidos pelo nº1, do artigo 120º, do CPTA.

O TCAN, conhecendo da apelação que lhe foi dirigida, pela requerente cautelar, negou-lhe provimento e manteve a decisão de 1ª instância. No acórdão, foram apreciadas e julgadas improcedentes as seguintes questões: - nulidade processual, por falta de despacho sobre requerimento de substituição e aditamento de testemunhas [artigo 195º do CPC]; - nulidade substantiva por omissão de pronúncia sobre documentos e «alegações» produzidas em desenvolvimento do requerimento inicial [artigos 615º nº1 alínea d), e 608º nº2, do CPC]; - erro de julgamento sobre o periculum in mora e o fumus boni juris [artigo 120º nº1 do CPTA].

De novo a requerente cautelar discorda do decidido, e alega agora na «revista» que o julgamento realizado sobre as duas nulidades invocadas na «apelação» é errado e se repercute na apreciação, também ela errada, dos dois pressupostos indispensáveis ao deferimento da providência cautelar solicitada [periculum in mora e fumus boni juris].

2. O pomo do litígio tem a ver com o facto da autarquia recorrida ter submetido a procedimento de sorteio espaços de venda, na Feira de Ermesinde, que vinham sendo ocupados, há vários anos, por feirantes associados da ora recorrente - o procedimento de sorteio para atribuição de 87 espaços de venda foi lançado ao abrigo dos artigos 80º do DL nº10/2015, de 16.01, e 10º do «Regulamento do Comércio a Retalho Não Sedentário do Município de Valongo» [Regulamento do Município de Valongo].

Daí que esta venha - ao abrigo do seu Regulamento Interno - em representação e defesa dos seus associados, pedir a suspensão de eficácia do procedimento de sorteio, por entender que ele apenas deveria abranger lugares novos ou deixados vagos - segundo o disposto no artigo 9º do referido «Regulamento do Município de Valongo» - e não aqueles que vêm sendo ocupados, há anos, e mediante pagamento de taxas, pelos seus associados.

Alega, para tanto, e como já sumariamente dissemos, que a «execução do acto em causa», conjugada com a inevitável demora da tramitação da acção principal, gera fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, já que os seus associados investiram em estruturas para adequar o exercício da sua actividade ao lugar que ocupam - artigo 16º do requerimento inicial - e no qual angariaram e fidelizaram clientela - artigo 17º do requerimento inicial - muita da qual faz compras a crédito - artigo 18º do requerimento inicial - sendo que o lugar que vêm ocupando na referida feira é o «ponto de encontro» tanto para essas transacções comerciais como para as respectivas cobranças de créditos - artigos 18º e 19º do requerimento inicial. Ora, toda esta situação, conquistada ao longo dos anos pelos seus associados, deixará de existir, com os consequentes danos para os mesmos, caso se mantenha o propósito da requerida em levar a sorteio todos os espaços já ocupados pelos feirantes e não apenas os lugares novos e vagos existentes - artigo 20º do requerimento inicial.

Além disso, alega ser provável que a pretensão impugnatória - a deduzir na acção principal - venha a ser julgada procedente, dado que a submissão a «sorteio» de espaços ocupados não só viola o disposto no artigo 9º, do referido regulamento municipal [artigos 23º a 27º do requerimento inicial], como a confiança gerada nos feirantes, ao longo dos anos, de, mediante o pagamento das respectivas taxas, ocuparem os mesmos lugares de feira [artigos 28º a 32º do requerimento inicial].

Acrescenta que a provável procedência da acção principal, e consequente troca lugares entre feirantes, imposta, perturbará certamente a «paz social».

3. Dos alegados erros de julgamento de direito.

A ora recorrente entende que o acórdão recorrido errou ao julgar improcedente a nulidade processual consistente na falta de despacho sobre o seu requerimento de substituição e aditamento de testemunhas.

Mas carece de razão.

Na verdade, embora não tenha sido proferido despacho com o objectivo directo, e expresso, de apreciação do requerimento relativo à substituição e aditamento de testemunhas, certo é que, aquando da sentença, e como seu preliminar, foi proferido o seguinte despacho: «Atenta a natureza urgente do processo e o disposto no nº1 do artigo 119º do CPTA, apresentada a oposição pela entidade requerida e entendendo o tribunal que o processo reúne todos os elementos necessários à prolação da decisão final, indefere-se o pedido de produção de prova testemunhal requerido pelas partes pelo que, não havendo lugar à produção de mais diligências de prova passaremos, de seguida, à prolação da sentença» [folha 1 da sentença e 316 dos autos].

Como é bom de ver, o decidido neste despacho retira utilidade à prolação de um outro despacho expressamente vocacionado para apreciar e decidir o pedido de substituição e aditamento de testemunhas. Indeferido o pedido de produção de prova testemunhal, inútil se torna apreciar pedido de substituição e aditamento de testemunhas.

Aliás, mesmo que, e porque teria de ser logicamente anterior, considerássemos ocorrer uma efectiva omissão desse reclamado despacho, o certo é que, face ao posterior indeferimento da produção de prova testemunhal, essa irregularidade não seria susceptível de influir no exame ou decisão da causa [artigo 195º, nº1, do CPC, ex vi 1º do CPTA].

Defende ainda a recorrente que o TCAN errou ao julgar improcedente a omissão de produção de prova testemunhal, uma vez que esta se mostra «necessária» à aquisição de um conjunto de factos, pertinentes para a justa decisão do pedido cautelar, nomeadamente no tocante ao pressupostos do periculum in mora.

A este respeito escreve-se no acórdão recorrido [folha 13 do acórdão e 396 dos autos] que «A sentença recorrida entendeu - e bem - que a recorrente não alegou factos susceptíveis de demonstrar o periculum in mora na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo, nem na vertente da constituição de facto consumado, pois a requerente produziu apenas alegações gerais e vagas».

E este julgamento foi secundado, sem novidades assinaláveis, pela 2ª instância.

É claro que, embora tal não venha formalmente discriminado nas conclusões da «revista», este apontado «erro de julgamento» tem mais a ver com o mérito do citado despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal, do que com a, assim alegada, «omissão» de prova testemunhal.

E relativamente a esta questão assiste razão à recorrente.

Efectivamente, e limitando-nos, sempre, ao plano do direito, constata-se que os factos assinalados no parágrafo terceiro do anterior ponto 2 são susceptíveis de relevar para a apreciação do pressuposto do periculum in mora, indispensável ao julgamento de deferimento ou indeferimento da pretensão cautelar [artigo 120º, nº1, do CPTA], sendo certo que, pelo menos na sua maioria, se encontram impugnados na oposição deduzida pela autarquia requerida [folhas 114º a 119º dos autos].

E trata-se de matéria suficientemente concretizada para poder ser submetida à prova testemunhal, tanto mais que a requerente cautelar vem em defesa de um grupo de feirantes seus associados que, obviamente, estão limitados ao universo de lugares de feira indicados no artigo 11º do requerimento inicial.

Importaria, pois, submetê-los a produção de prova sumária, pois que, em face daquilo que é exigido na lei, trata-se de matéria pertinente para a solução a dar à causa cautelar, independentemente do ulterior e efectivo sentido da mesma.

Não pode manter-se, assim, o indeferimento da produção de prova testemunhal quer arrolada pela requerente quer arrolada pela requerida.

4. Este entendimento, é certo, só terá «repercussão» na tramitação ulterior dos autos se o acórdão recorrido carecer de razão no julgamento realizado quanto ao fumus boni juris, que, no seguimento da 1ª instância, entendeu não ocorrer.

É que, tratando-se de requisito indispensável para a concessão da providência cautelar, a par do periculum in mora, de nada serviria «prosseguir com os autos» para aferição deste se, desde já, fosse certo faltar aquele.

Vejamos.

O actual direito processual administrativo exige, sempre, a ocorrência de fumus boni juris positivo, isto é, que «seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente» [artigo 120º, nº1, 2ª parte, do CPTA].

Terá o julgador cautelar de poder concluir, portanto, por «análise perfunctória» das razões invocadas pela requerente, que é provável a procedência do pedido deduzido ou a deduzir na acção principal.

No presente caso, dispõe o artigo 9º do «Regulamento do Comércio a Retalho Não Sedentário do Município de Valongo» - aprovado na sequência da entrada em vigor do DL nº10/2015, de 16.01, que «aprova o regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração» - sobre a atribuição de espaço de vendas em feiras, que esta «é efectuada pela câmara municipal, ou pela entidade gestora, através de sorteio, por acto público, com periodicidade regular, devendo ser aplicado a todos os lugares novos ou deixados vagos, por áreas, de acordo com a especificação dos produtos a vender».

Ora, o facto de a recorrida ter, alegadamente, feito tábua rasa da situação dos feirantes que vinham ocupando sistematicamente os «mesmos lugares de feira», fazendo-o mediante o pagamento da respectiva taxa à autarquia, é susceptível, efectivamente, e num juízo perfunctório de mera probabilidade, de desrespeitar esse artigo 9º, como, também, a confiança que foi sendo gerada pela interacção entre os feirantes interessados nos espaços de venda e a autarquia interessada na arrecadação das devidas taxas de ocupação.

Deste modo, a probabilidade da requerente cautelar ter ganho de causa em sede de acção impugnatória existe, e tanto basta para se verificar o fumus bonus que é exigido na lei.

5. Ressuma do exposto que, verificado que está o pressuposto do «bom direito», se justifica a continuação do processo cautelar para apurar, mediante produção de prova testemunhal, os factos articulados e pertinentes para aferir do periculum in mora, cujo julgamento de direito foi indevidamente truncado dos mesmos.

III. Decisão

Nestes termos, concedemos provimento ao recurso de revista, revogamos o acórdão recorrido, e ordenamos a baixa dos autos ao Tribunal «a quo» para agir em conformidade com o ora decidido.

Sem custas, por não ter havido contra-alegações.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.