Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01216/09
Data do Acordão:03/24/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
COIMA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
CULPA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária por dívidas de coimas prevista no artigo 8.º, n.º 1, alínea a) do RGIT apenas ocorre quando por culpa do gerente o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o pagamento.
II - O artigo 8.º do RGIT é materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da intransmissibilidade das penas (artigo 30.º, n.º 3 da CRP) e da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2 da CRP).
Nº Convencional:JSTA00066358
Nº do Documento:SA22010032401216
Data de Entrada:12/11/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO/CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART8 N1 A B.
LGT98 ART112 N1 B.
CPPTRIB99 ART148.
CCIV66 ART342 N1.
CONST97 ART18 N2 ART30 N3 ART32 N2 10.
Jurisprudência Nacional:AC TC 129/09 DE 2009/03/12.; AC STA PROC31/08 DE 2009/07/01.; AC STA PROC829/08 DE 2009/02/04.; AC TC 1147/09 DE 2009/12/16.; AC TC 220/89 IN BMJ N384 PAG326.; AC TC 265/01 DE 2001/06/19.; AC STA PROC1053/07 DE 2008/03/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG97.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a oposição à execução fiscal contra si revertida, na qualidade de responsável subsidiário, de que era originária devedora a sociedade “B…, Lda”, para pagamento das coimas de 2003 a 2006 no valor global de € 19 530,93 devidas por falta de entrega das declarações periódicas de IVA relativas aos meses de Julho a Outubro de 2004, Março e Julho de 2005 e Março de 2006, apresentando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos está em causa uma dívida proveniente de coimas fiscais aplicadas à executada originária, “B…, Lda.”, por decisões já transitadas em julgado proferidas em processos de contra-ordenação, relativas aos períodos de Junho e Setembro de 2003, Março, Junho, Setembro e Dezembro de 2004 e Março de 2005 (referente à falta de entrega do pagamento especial por conta de IRC) e aos períodos de Julho e Outubro de 2004, Março e Julho de 2005 e Março de 2006 (referente à não entrega de declarações de IVA).
2. Para pagamento das dívidas resultantes das coimas em causa foi citado, por reversão do processo de execução fiscal, o ora recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário.
3. Considerando que a responsabilidade subsidiária a que se alude nos art°s 23° e 24° da LGT reporta-se às dívidas de tributos, a transmissão das dívidas por coimas nos autos só pode radicar no disposto no artº 8°, nº 1 do RGIT.
4. Chamado a apreciar a questão da inconstitucionalidade do artº 8° do RGIT, por violação dos princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, consagrados nos art°s 30°, nº 3 e 32°, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 8° do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação. (cfr. Acórdãos nº 129/09 e 150/09, publicados no DR, II Série, nºs 74 e 95, de 16-04-2009 e 18-05-2009).
5. Em face do entendimento do Tribunal Constitucional, decidiu o Tribunal a quo” não reconhecer razão ao recorrente - quanto à questão da inconstitucionalidade invocada em sede de oposição - e considerar legalmente admissível a reversão contra este quanto à dívida por coimas aplicadas à devedora originária, B…, Lda..
6. Sucede que, ao decidir pela não constitucionalidade da norma em questão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes não assenta na mera transmissão da responsabilidade contra - ordenacional tributária (e da coima), mas num facto autónomo determinante à produção de um dano para a Administração Fiscal, gerador de responsabilidade de natureza civil extracontratual.
7. Nos termos em que se pronunciou o Tribunal Constitucional, deve, pois, concluir-se que a dívida dos autos não se trata de uma dívida por coimas, mas de uma dívida proveniente de responsabilidade de natureza civil extracontratual.
8. Ora, dispõe o artº 153°, nº 1 do CPPT que: “podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas referidas no artigo 148°, bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada”.
9. Por sua vez, o artº 148°, nº 1 do CPPT estabelece que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: a) tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais; b) coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns”.
10. Assim, “se a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária é uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas, a cobrança destas dívidas de responsabilidade civil não figura entre as dívidas que podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, uma vez que tal cobrança não está prevista no predito artº 148°.” (cfr. Ac, do STA de 01-07-2009, como nº convencional JSTA000P10653, in www.dgsi.pt)
11. Não sendo admissível a cobrança de tais dívidas em sede de execução fiscal, é consequentemente ilegal a reversão da execução fiscal contra o recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário, para o pagamento da dívida exequenda. (cfr. artº 148° do CPPT)
12. Sendo certo que, é o recorrente parte legítima nos autos de execução fiscal para cobrança da dívida dos autos. (cfr. artº 153° do CPPT)
13. Ao entender de forma diversa, a douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas constantes do disposto nos art°s 8° do RGIT e 148° e 153° do CPPT.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Afigura-se-nos que o presente recurso merece provimento.
Na verdade a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária devedora é uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas - é o que decorre, aliás, da epígrafe do artº 8° do RGIT responsabilidade civil pelas multas e coimas.
Trata-se pois de uma responsabilidade civil subsidiária e solidária relativa ao pagamento de multas e coimas que se efectiva perante a Administração Tributária. (Cf. António Augusto Tolda Pinto e Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, pag. 50).
Acresce dizer que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a questão da constitucionalidade material do artº 8° do Regime Geral das Infracções Tributárias, e da não violação dos princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência, consagrados nos arts 30°, nº 3 e 32°, nº 2 da Constituição da República, no acórdão 129/09 de 12 de Março de 2009, o qual decidiu não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 8° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação.
A questão essencial é, como se sublinha no referido aresto, o facto de não estar em causa «a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas».
O acórdão do Tribunal Constitucional teve também em conta a circunstância da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assentar, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
Daí que se entenda que assiste razão ao recorrente ao concluir, na esteira do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 1.07.2009, recurso 31/09, que «se a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária é uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas» então a arrecadação «destas dívidas de responsabilidade civil não figura entre as dívidas que podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, uma vez que tal cobrança não está prevista no predito art 148°.»
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1- Os processos executivos n. 0353200401017772 e 0353200501117157, foram instaurados contra a firma «B…, Lda”, para cobrança da quantia global de 19530,93 €, respeitante IVA dos anos de 2003, 2004, 2005, IRC dos anos de 2003 e 2004 e coimas fiscais de 2003, 2004, 2005 e 2006.
2- Constatada a inexistência de bens na sociedade executada, veio a execução a reverter contra o oponente, na qualidade de gerente da sociedade, por despacho datado de 09.05.2008 do Chefe do Serviço de Finanças de Barcelos.
3- Em consequência, foi o oponente citado, por reversão, na sua qualidade de responsável subsidiário, para o pagamento da dívida exequenda supra referida.
4- O oponente procedeu ao pagamento, no montante de € 15284,41, no decurso do prazo de pagamento voluntário, correspondendo tal pagamento às quantias exequendas, com excepção das correspondentes a coimas.
5- Tais dívidas constam das seguintes certidões de dívida:
a. Nº 2005/5000360, de 27-11-2005, no montante global de €65,01;
b. Nº 2006/5000107, de 16-03-2006, no montante global de €102,76;
c. Nº 2006/5000359, de 18-04-2006, no montante global de € 285,24;
d. Nº 2006/5005450, de 30-11-2006, no montante global de € 287,63;
e. N.º 2007/5001028, de 01-06-2007, no montante global de € 301,75.
6- Estas quantias são provenientes de coimas e encargos aplicados à executada originária, “B…, Lda.”, por decisões já transitadas em julgado proferidas em processos de contra-ordenação instaurados com base na falta de entrega do pagamento especial por conta de IRC relativos aos períodos de Julho e Outubro de 2004, Março e Julho de 2005 e Março de 2006.
7- Bem como constam das certidões de dívida:
a. N.º 2005/5000355, de 27-11-2005, no montante global de € 182,39;
b. N.º 2006/5002199, de 17-08-2006, no montante global de € 783,27;
c. Nº 2006/5002414, de 17-08-2006, no montante global de € 579,45;
d. N.º 2006/5002941, de 17-08-2006, no montante global de € 375,34;
e. N.º 2006/5003038, de 17-08-2006, no montante global de € 240,32;
f. Nº. 2006/5003240, de 17-08-2006, no montante global de € 430,23;
g. Nº. 2006/5003358, de 17-08-2006, no montante global de € 603,13.
8- Estas quantias são provenientes de coimas e encargos aplicados à executada originária, “B…, Lda.”, por decisões já transitadas em julgado proferidas em processos de contra-ordenação instaurados com base na falta de entrega, em conjunto com a declaração periódica de IVA, do respectivo meio de pagamento, relativos aos períodos de Junho e Setembro de 2003, Março, Junho, Setembro e Dezembro de 2004 e Março de 2005.
5- A sentença sob recurso alicerçou o seu entendimento quanto à conformidade constitucional do artigo 8.º, n.º1 do RGIT, em que se prevê a possibilidade do gerente de uma sociedade ser responsabilizado subsidiariamente por dívidas de coimas aplicadas por contra-ordenações tributárias, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/09, de 12 de Março.
Porque proferida em processo de fiscalização concreta de constitucionalidade, a invocada decisão de conformidade constitucional das alíneas a) e b) do artigo 8.º do RGIT no referente aos princípios de presunção de inocência e da transmissibilidade das penas, apenas vincula o processo onde foi proferida e daí não se imponha no julgamento a proferir nos presentes autos quanto à questão acima delineada.
De todo o modo, sempre se dirá que ainda que se perfilhasse, o que não é o caso, que a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária reveste uma natureza de responsabilidade civil extracontratual, o certo é que a cobrança dessas dívidas não se encontra prevista no artigo 148.º do CPPT (Âmbito da execução fiscal), donde decorreria a inadmissibilidade da reversão das dívidas provenientes dessas coimas-cfr. acórdão de 1/07/09, no recurso n.º 31/08.
Ainda antes de enfrentar a questão da sua conformidade constitucional, importará atentar que “in casu” tão pouco os pressupostos da responsabilidade civil por coimas prevista na alínea a), n.º 1 do artigo 8.º se têm por verificados.
Na verdade, essa responsabilidade mostra-se definida nos seguintes termos:
Artigo 8.°
Responsabilidade civil pelas multas e coimas
1- Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
Perante a redacção deste normativo, torna-se patente a inexistência nesta matéria de qualquer presunção de culpa, ao invés do que anteriormente sucedia na vigência da alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º da LGT, sendo assim necessária a prova da culpa pela insuficiência do património da sociedade para pagamento das coimas ou a imputabilidade da falta de pagamento ao gerente.
Como se deixou expresso no acórdão de 4/02/09, no recurso n.º 829/08, o que por inteiro se subscreve com as necessárias adaptações:
“Por outro lado, neste novo regime, a responsabilidade subsidiária por dívidas de coimas originados por factos ocorridos no período do exercício do cargo de gerente, como é o caso dos autos, apenas existe «quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» [a situação prevista na alínea b) reporta-se a coimas devidas por factos anteriores ao exercício do cargo].
Ora, no caso dos autos, não se provou que tenha sido por culpa do Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para pagamento das coimas, como expressamente se refere na sentença recorrida.
Não havendo uma presunção legal caberia à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária que invoca (art. 342.°, n.° 1, do CC), pelo que a dúvida sobre tal ponto sempre teria de ser valorada contra aquela.”
Da inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT por violação dos princípios constitucionais da intransmissibilidade das penas e da presunção da inocência
A este propósito se acompanha Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, in RGIT, anotado, 3.ª edição, a fls. 97, em que defendem que:
“…mesmo alicerçando na responsabilidade civil por factos ilícitos a responsabilização dos responsáveis subsidiários e solidários aqui prevista e mesmo sendo ela dependente de actos próprios destes ou omissão de deveres de controle ou vigilância, é uma realidade incontornável que quem faz o pagamento de uma sanção pecuniária é que a está a cumprir, pelo que esta responsabilização se reconduz a uma transmissão do dever de cumprimento da sanção do responsável pela infracção para outras pessoas.
Na verdade, a aplicação de uma pena de multa ou coima consubstancia-se na criação de uma relação de crédito de que é titular o Estado e devedor o condenado e a imposição da obrigação de pagamento da multa ou coima é precisamente a forma de cumprimento da sanção respectiva e, por isso, usem-se os eufemismos que se usarem, quem paga a multa ou a coima coactivamente está a cumprir a sanção.
Nestas condições, é duvidosa a constitucionalidade material destas responsabilidades por não assentar (ou não depender, na situação prevista no n.° 6) na verificação em relação ao responsável dos pressupostos legais de que depende a aplicação da respectiva sanção.
Com efeito, no n.° 3 do art. 30.° da C.R.P., enuncia-se o princípio da intransmissibilidade das penas, que, embora previsto apenas para estas, deverá aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, por ser essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas.
Os fins das sanções aplicáveis por infracções tributárias são exclusivamente de prevenção especial e geral, pelo efeito ressocializador ou a ameaça da sanção levar o infractor a alterar o seu comportamento futuro e conseguir que outras pessoas, constando a aplicação àquele da sanção, se abstenham de praticar factos idênticos aos por ele praticados...
Por isso, a aplicação de sanção a pessoa a quem não pode ser imputada responsabilidade pela sua prática não é necessária para satisfação dos fins que a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é constitucionalmente proibida a sua aplicação, por força do preceituado no art. 18.°, n.° 2, da C.R.P. que estabelece o princípio nuclear da necessidade de qualquer restrição de direitos fundamentais”.
Por outro lado, como também se defende no acórdão de 16/12/09, recurso n.º 1147/09: “a própria presunção legal de que a falta de pagamento consubstanciadora da infracção fiscal é imputável aos gerentes parece igualmente inconstitucional por inconciliável com a presunção de inocência vigente em matéria sancionatória - artigo 32.°, n.° 2, da Constituição.
Aliás, o n.° 10 deste último preceito dispõe expressamente que são assegurados ao arguido, em quaisquer processos sancionatórios, contra-ordenações incluídas, os direitos de audiência e de defesa, os quais... não estão assegurados ao revertido pois que têm que concretizar, desde logo, a possibilidade de recurso ou impugnação judicial do acto sancionatório e a possibilidade efectiva de contraditar eficazmente os elementos trazidos pela acusação. Cfr., por todos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 220/89, in Boletim do Ministério da Justiça 384, p. 326.
Em comentário àquele inciso normativo, os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada – 4ª edição, p. 526, nota XVII, referem tratar-se, aí, “de uma simples irradiação, para esse domínio sancionatório, de requisitos constitutivos do estado de direito democrático”, assacando a tais processos sancionatórios, “carácter para-penal”, consequentemente de natureza pública.
E o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 265/01, de 19 de Junho, assinala que “não só se aplicam, ao ilícito contraordenacional, garantias constitucionalmente atribuídas ao direito penal (v.g. princípios da legalidade e da aplicação da lei penal mais favorável), como também existe um evidente paralelismo entre o processo penal e o processo contraordenacional que é conformado por princípios básicos daquele, tendo em atenção os interesses subjacentes” (Acórdão desta Secção do STA de 12/3/08, in rec. n° 1.053/07).
Sendo assim, importa concluir que também com fundamento em inconstitucionalidade no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, as dívidas por coimas não podem ser exigidas ao revertido, ainda que em termos de responsabilidade subsidiária.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida e, na procedência da oposição deduzida, julgar extinta a execução contra o oponente quanto às dívidas provenientes de coimas e despesas.
Custas a cargo da Fazenda Pública na instância, com procuradoria de 1/8, não sendo devidas neste STA.
Lisboa, 24 de Março de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Brandão de Pinho Jorge Lino (com a declaração de que o artº. 8º do RGIT goza de plena constitucionalidade).