Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0242/17
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTEMPORANEIDADE
LIQUIDAÇÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE
Sumário:I - A legalidade da liquidação do imposto efectuada de acordo com os respectivos pressupostos legais, não é afectada pela confirmação da decisão judicial que os apreciou, embora a respectiva eficácia tivesse ficado paralisada até ao trânsito em julgado de tal decisão.
II - A preterição de uma determinada formalidade poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos) que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.
Nº Convencional:JSTA000P23586
Nº do Documento:SA2201809190242
Data de Entrada:03/02/2017
Recorrente:A...... - IMOBILIÁRIA SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………….. – Imobiliária S.A. recorre da sentença que proferida pelo TAF do Porto, julgou apenas parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento parcial de recurso hierárquico interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa, tendo por objecto liquidação de IRC (exercício de 1996) no montante de € 428 467,76.

1.2. Notificado nos termos do art. 639º nº 1 do CPC para formular as conclusões, a Recorrente veio apresentar as seguintes:
1. À data da liquidação aqui impugnada, a Impugnação Judicial nº 122/01/12 IMP (onde se discutia a correcção da matéria colectável para Euro 1.287.628,39) ainda não tinha transitado em julgado.
2. De modo que a liquidação ora em crise, efectuada antes da decisão judicial em que se baseia, não pode subsistir na ordem jurídica, por ser extemporânea.
3. Pelo que a liquidação em apreço padece de falta ou vício da fundamentação legalmente exigida.
4. Aliás, este vício não foi apreciado na douta Sentença recorrida, que por isso padece de nulidade por omissão de pronúncia (artigos 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 1 e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC).
5. A liquidação aqui impugnada padece igualmente de vício de caducidade, por ter decorrido o respectivo prazo legal, que era de 5 anos (cfr. artigo 79º do CIRC, redacção aplicável).
6. A liquidação aqui impugnada incorre ainda em violação do direito de audição prévia antes da liquidação e antes do indeferimento do recurso hierárquico - em infracção aos artigos 60º nº 1 a) e b) e nº 5 da LGT, 267º nº 5 da CRP e 8º, 100º a 103º do CPA, redacção aplicável.
7. As circulares não podem constituir fundamento legal para a dispensa do direito de audição prévia — e não se verifica nenhuma das situações de dispensa de audição prévia (cfr. artigos 60º n.ºs 2 e 3 da LGT e 103º do CPA, redacção aplicável).
8. A douta Sentença padece de erro de julgamento quando considera que se está perante uma formalidade legal (direito de audição prévia) inútil e, por isso, não essencial, dada a “inevitabilidade” dos actos administrativos praticados (liquidação e indeferimento do recurso hierárquico).
9. De facto, não se pode afirmar de forma inequívoca e sem margem para dúvidas que, mesmo que fosse concedida ao contribuinte a oportunidade deste exercer o direito de audição prévia, a decisão administrativa ou o acto de liquidação não poderiam ser diferentes.
10. Aliás, a douta Sentença anulou a liquidação em parte, no segmento em que esta se reporta a juros compensatórios.
11. Assim, contrariamente ao decidido, os actos tributários aqui impugnados deveriam ter sido anulados, padecendo a douta Sentença recorrida de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições e princípios legais.
Termina pedindo o provimento do recurso e que, consequentemente, se declare a nulidade da sentença recorrida ou se revogue a mesma, julgando a impugnação judicial integralmente procedente.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. No tribunal “a quo” foi emitida pronúncia (fls. 256) sobre a invocada nulidade da sentença, nos termos seguintes:
«A Impugnante interpôs recurso da sentença proferida nestes autos, por articulado de fls. 194.
Aí refere que a sentença é nula por omissão de pronúncia, não tendo apreciado o vício de falta de fundamentação — art. 13, das alegações de recurso.
Conforme se retira dos artigos anteriores das alegações de recurso tal respeita à alegada circunstância da liquidação ter sido efectuada antes do trânsito em julgado de questão judicial pendente.
O Impugnante invoca na sua petição inicial que a correcção da matéria colectável foi objecto de impugnação judicial ainda sem trânsito em julgado, pelo que a liquidação impugnada foi efectuada antes do trânsito em julgado da decisão judicial em que se baseia, padecendo de um elementar vício de falta da fundamentação legalmente exigida — cfr. arts. 7 a 10, da p.i.
Mais invoca a falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, pelo que a liquidação padeceria de falta de fundamentação — cfr. art. 19 a 22, da p.i.
A fls. 105 e ss. encontra-se a sentença recorrida, da qual resulta da sua página 21, que a mesma refere Da extemporaneidade da liquidação. O Impugnante alega que a liquidação ora impugnada carece de fundamentação, por ser extemporânea (...) tendo concluído pela improcedência do vício invocado, que foi aí apreciado.
Nessa mesma página 21 a sentença decidiu parcialmente procedente a caducidade do direito à liquidação, na parte relativa aos juros compensatórios, entendendo ficar prejudicado o conhecimento das demais ilegalidades imputadas aos juros compensatórios.
Nestes termos, e sem outras considerações por desnecessárias, conclui-se que a sentença não padece da nulidade apontada, razão pela qual a mantenho na íntegra.»

1.5. O MP emite parecer nos termos seguintes, além do mais:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência parcial da impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento parcial de recurso hierárquico interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa, tendo por objecto liquidação de IRC (exercício de 1996) no montante de € 428 467,76.
FUNDAMENTAÇÃO
1. Nulidade da sentença
Sufragamos o entendimento expresso no despacho proferido em 16.05.2017 (fls. 256) no sentido da inexistência da arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia: o segmento da fundamentação jurídica sob a epígrafe Da extemporaneidade da liquidação procede a explícita apreciação da questão identificada pela recorrente como falta de fundamentação da liquidação impugnada (sentença fls. 115/117; 3ª/4ª conclusões das alegações de recurso)
2. Extemporaneidade da liquidação
A recorrente questiona a legalidade da liquidação de IRC, por extemporaneidade, em virtude de o acto tributário ter sido praticado em 19.07.2010, antes do trânsito em julgado em 14.11.2011 do acórdão STA-SCT proferido em 10.02.2010 o qual confirmou na ordem jurídica a liquidação do Imposto, anulando apenas a liquidação dos juros compensatórios (factos provados n° 4/7,17).
A sentença impugnada convoca erroneamente o princípio do aproveitamento do acto administrativo, como fundamento da legalidade da liquidação de IRC impugnada: em abstracto, os meios processuais utilizados pela recorrente como reacção ao acórdão do STA-SCT não se poderiam considerar antecipadamente condenados ao fracasso, insusceptíveis de alterar o conteúdo decisório do acórdão e, consequencialmente, o acto tributário sobre o qual se tinha pronunciado.
Não obstante, a legalidade do acto de liquidação não é atingida, por recurso a duas possíveis soluções conceptuais:
- por convalidação do acto tributário, em consequência do posterior trânsito em julgado do acórdão STA-SCT (beneficiando de uma validade provisória, por conformidade com os seus pressupostos legais declarada por decisão judicial, ela seria convertida em definitiva após o citado trânsito em julgado);
- o acto tributário, originariamente válido, não é eficaz enquanto não ocorrer o trânsito em julgado do aresto.
3. Violação do direito de audição
I. O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art. 45° CPPT, declinado sob diversas modalidades no art. 60° n° 1 LGT, constitui direito constitucional aplicado, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art. 267 n° 5 CRP).
A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final. Designadamente, é dispensada a audição do contribuinte antes da liquidação quando tiver sido ouvido em qualquer das fases do procedimento que culmina com a liquidação, designadamente na reclamação graciosa, e não tiverem sido invocados pela administração tributária factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado (art. 60° n.°s 1 al. b) e 3 LGT).
II. Aplicação das considerações precedentes ao caso concreto:
- o recorrente reproduziu na petição do recurso hierárquico os fundamentos invocados na reclamação graciosa, em cujo decurso tinha exercido o direito de audição (art. 60° n° 5 LGT; factos provados n.°s 18/21).
- a eventual omissão do direito de audição na fase de recurso hierárquico, decorrendo a jusante, não tem efeito invalidante do acto de liquidação do imposto, praticado a montante, apenas podendo determinar a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (cf. acórdãos STA-SCT 16.06.2004 processo n° 1877/03; 15.10.2008 processo n° 542/08; 25.06.2009 processo n° 345/09).
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:


1) Em 08.03.2001 foi efectuada a liquidação n.º 20018310002759, referente a IRC do ano de 1996 da empresa B………………… S.A, no valor global de 123.978.955 ESC. (618.404,42 EUR.), na qual foi considerada uma matéria colectável corrigida no montante de 258.146.316 ESC e incluindo juros compensatórios no montante de 40.800.662 ESC — fls. 17 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;
2) A liquidação mencionada no ponto anterior foi impugnada pelo aqui Impugnante em 30.07.2001 — fls. 81 do processo físico destes autos as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas.
3) O processo de impugnação mencionado no ponto anterior correu termos como processo n.º 122/01/12IMP, do então Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto — consulta do SITAF;
4) No âmbito do processo a que aludem os pontos anteriores foi proferida sentença em 09032009, na qual foram dados como provados, para além do mais, os factos seguintes:








5) A decisão mencionada no ponto anterior deu por reproduzida toda a fundamentação e segmento decisório constante de sentença anteriormente proferida em 29.06.2007, a fls. 257 a 260 dos respectivos autos, das quais consta, para além do mais, o seguinte:







6) Em 24.032009 foi interposto recurso, pela Fazenda Pública, da decisão mencionada, ao qual foi atribuído efeito suspensivo por despacho proferido em 27.03.2009 — fls. 360, 372 e 376-383 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
7) Em 10/02/2010 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo, do qual consta, para além do mais, o seguinte: “Acordam os Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em julgar parcialmente procedente o respectivo recurso jurisdicional, em revogar, consequentemente e em parte, a sindicada sentença, julgando agora improcedente a impugnação judicial deduzida, excepto quanto aos juros compensatórios, segmento decisório da impugnada sentença que haverá de manter-se por não jurisdicionalmente impugnado (…)” — fls. 71 a 89 do processo físico destes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
8) Em 01.03.2010, o ora Impugnante apresentou pedido de aclaração do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi indeferido por acórdão de 12.05.2010 — fls. 507-512 e 532-535 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
9) Em 01.06.2010, o ora Impugnante arguiu a nulidade do acórdão mencionado em 7), solicitou a respectiva reforma e interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de acórdãos — fls. 540-559 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
10) Em 19.07.2010 foi efectuada a liquidação n.º 20108310003956, relativa a IRC do exercício de 1996 da empresa B………………. S.A., no valor global de € 428.467,76, na qual foi considerada uma matéria colectável corrigida no montante de 1.287.628,39 EUR e incluindo juros compensatórios no montante de 3.167,50 EUR — fls. 17 do processo administrativo de reclamação graciosa junto aos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
11) Por acórdão datado de 16.12.2010, o requerimento de interposição de recurso por oposição de acórdãos a que se alude em 9) foi indeferido, com fundamento em que se afigurava manifestamente extemporâneo, por irremediavelmente precoce. — fls. 585-590 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
12) O acórdão mencionado no ponto anterior considerou ainda improcedente a nulidade arguida pelo Impugnante e indeferiu o pedido de reforma do acórdão proferido em 02.06.2010 — fls. 585-590 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
13) Em 13.01.2011 o Impugnante interpôs recurso do acórdão de 10.02.2010, a que se refere o ponto 7), para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de acórdãos — fls. 595-599 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
14) Em 13.01.2011 o Impugnante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dos acórdãos proferidos em 10.02.2010 e 16.12.2010, a que se referem os pontos 7) e 12) — fls. 600-604 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
15) Por decisão sumária datada de 11.04.2011, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer o objecto do recurso a que se refere o ponto anterior — fls. 618-622 do suporte físico dos autos de processo n.º 122/01/12 IMP, cuja junção ora se determinou, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
16) Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 26.10.2011 foi decidido julgar o presente recurso findo, por não se verificar a alegada oposição de acórdãos, assim se confirmando o despacho do Mmo. Juiz Relator — fls. 90 a 95 do processo físico destes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
17) O acórdão mencionado no ponto anterior transitou em julgado em 14.11.2011 — fls. 70 do processo físico destes autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida;
18) O Impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Matosinhos-1, Reclamação Graciosa contra a liquidação adicional de IRC n.º 20108310003956 de 19.07.2010, relativa ao exercício de 1996, a qual foi remetida via postal registada em 03.12.2010 e deu entrada naquele serviço em 06.12.2010, com os fundamentos constantes de fls. 3 a 7 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas (bem como subscrito relativo à remessa da reclamação subsequente, a fls. não numerada);
19) Em 14.04.2011 foi elaborado, pela Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, projecto de despacho de indeferimento da referida reclamação, com os fundamentos constantes de fls. 48 a 57 do processo administrativo de reclamação graciosa, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas, do qual consta, para além do mais, o seguinte:



20) O projecto de despacho a que se refere o ponto anterior foi remetido ao impugnante, por ofício datado de 15.04.2011, via correio postal registado, comunicando-lhe, para além do mais, de que dispunha do prazo de dez dias para se pronunciar sobre o mesmo — fls. 47 e 58 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
21) Por despacho da Chefe de Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, datado de 09.05.2011, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, com os fundamentos constantes de fls. 59 a 60 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
22) O despacho mencionado no ponto anterior foi remetido ao Impugnante por ofício datado de 16.05.2011, via correio postal registado com aviso de recepção, o qual foi assinado em 18.05.2011 — fls. 61 a 63 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
23) Em 17.06.2011 o Impugnante apresentou Recurso Hierárquico, com os fundamentos constantes de fls. 78 a 86 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
24) Por decisão da Directora de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, datada de 14.12.2011, o recurso hierárquico a que se refere o ponto anterior foi parcialmente deferido, conforme fls. 115 a 129 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
25) A decisão a que se refere o ponto anterior foi remetida ao Impugnante por ofício datado de 16.01.2012, via postal registada com aviso de recepção, o qual foi assinado em 17.01.2012 — fls. 129 a 131 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
26) Em 16.04.2012 o Impugnante intentou a presente impugnação — fls. 2 do processo físico.

2.2. A recorrente deduziu a presente impugnação contra o despacho 14/12/2011, da Senhora Directora de Serviços (...) — que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa nº 1821201004005465, deduzida contra a liquidação de IRC nº 2010 8310003956, de 19/07/2010, relativa ao exercício de 1996, o valor de Euro 428.467,76.
Relativamente ao acto de liquidação, a impugnante invocou:
— extemporaneidade da liquidação, com o consequente vício de forma, por falta de fundamentação legalmente exigida (visto a liquidação ter sido efectuada em 19/07/2010, data que é anterior ao trânsito em julgado da decisão judicial proferida na impugnação judicial que antes já fora apresentada contra a correcção da matéria colectável que originou a liquidação);
— erro de julgamento (falta de fundamentação de direito) quanto à parte dos juros compensatórios (3.167,50 Euros) reportados ao reembolso que era devido;
— caducidade do direito à liquidação [por alegadamente ter decorrido o respectivo prazo legal (5 anos – art. 79º do CIRC, na redacção aplicável)].
— vício de forma por preterição de formalidade legal essencial, por violação do direito de audiência prévia antes da liquidação e também antes do indeferimento do recurso hierárquico [arts. 60º, nº 1, a) e b) e nº 5, da LGT e 267º, nº 5 da CRP].
Apreciando tais questões, a sentença concluiu pela parcial procedência da impugnação, anulando a liquidação tão só na parte referente aos juros compensatórios, no valor de 3.167,50 Euros, por, quanto a essa parte da liquidação ter ocorrido a invocada caducidade; e, no mais, a impugnação foi julgada improcedente.
Para tanto, a sentença considerou, em síntese:
Quanto à caducidade do direito de liquidação
Estando em causa liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1996, efectuada em 19/07/2010 e tratando-se de um imposto periódico, o respectivo prazo de caducidade — que então era de 5 anos — terminaria em 31/12/2001 (arts. 79º do CIRC e 33º do CPT).
Tendo, entretanto, entrado em vigor (em 01/01/1999) a LGT (cujo art. 45º passou a estabelecer um mais curto prazo de caducidade — 4 anos) e sendo, por isso, aplicável a regra de contagem prevista no art. 297º do CCivil, no caso concreto, continuará a ser aplicável o prazo (5 anos) constante da lei antiga, uma vez que o respectivo termo ocorreria em 31/12/2001, antes, portanto, do termo do novo prazo mais curto previsto na lei nova, já que este só se começaria a contar desde a data da entrada em vigor da nova lei (01/01/1999), o que implica que o respectivo decurso só findaria em 01/01/2003.
Ora, dado que a liquidação adicional originária foi emitida em 08/03/2001 e o dito prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC terminaria em 31/12/2001, não ocorre a alegada caducidade da liquidação, sendo que também não se verifica qualquer causa de suspensão de tal prazo e a liquidação ora impugnada não constitui uma nova liquidação, antes consubstanciando mera execução do julgado parcialmente anulatório proferido pelo STA em 10/02/2010 [em que se considerou improcedente a impugnação apresentada pela aqui também impugnante, salvo quanto aos juros compensatórios (cuja anulação também já havia sido determinada pela sentença proferida em 1ª instância, o que foi mantido pelo tribunal de recurso, tratando-se, pois, de mera correcção do acto de liquidação originário, o qual, por força da decisão do STA, teve que ser expurgado da quantia referente aos juros compensatórios)].
Quanto à extemporaneidade da liquidação
O impugnante alega que a liquidação carece de fundamentação, por ser extemporânea, dado ter sido efectuada em 19/07/2010, ou seja, concretizada antes de transitada em julgado a decisão proferida no âmbito do processo em que se discutiu a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC do exercício de 1996, datado de 08/03/2001.
Todavia, o acórdão proferido em 10/02/2010 pelo STA, julgou improcedente (no que ora releva) a impugnação, e o mesmo não viria a sofrer qualquer alteração em virtude dos recursos e outros requerimentos interpostos pelo impugnante; ou seja, o seu sentido decisório manteve-se inalterado, sendo exactamente o mesmo em 10/02/2010 (quando foi proferido) e em 14/11/2011 (quando transitou em julgado a última decisão proferida nesse processo nº 112/01/12IMP). E tal significa que, caso tivesse esperado até ao trânsito em julgado da última decisão judicial proferida naqueles autos, o sentido decisório a que a AT teria que dar execução seria idêntico, não havendo qualquer diferença entre o julgado a executar em 10/02/2010 e em 14/11/2011: apesar de a liquidação impugnada ter sido concretizada antes do trânsito em julgado da decisão cuja execução tinha em vista, essa circunstância não tem qualquer implicação ao nível da validade do acto assim proferido. Daí que, tendo também em conta o princípio do aproveitamento dos actos (na medida em que a liquidação em causa não seria diferente se tivesse sido praticada após 14/11/2011) está apenas em causa formalidade relativa ao momento em que é concretizada a correcção da liquidação originária, em nada contendendo com o conteúdo do acto, cuja materialidade não foi afectada pelo facto de ter sido concretizada antes de transitado em julgado o acórdão proferido pelo STA.
Num juízo de prognose póstuma, ponderando todas as incidências posteriores à prolação daquele aresto, verifica-se que não foi concretizada qualquer alteração aos pressupostos factuais da liquidação impugnada e, nessa medida, o seu conteúdo teria que ser o mesmo; e nada ocorrendo que pudesse influenciar a decisão concretizada pela AT, nomeadamente a circunstância de o mesmo ter sido proferido antes de transitado em julgado o acórdão exequendo não assume força invalidante da liquidação.
Quanto à alegada preterição de audição prévia
No entendimento da impugnante o acto tributário aqui em causa violou o seu direito de audição prévia, na medida em que não foi concretizada esta fase procedimental antes de ter sido operada a liquidação ora impugnada, além de que tal regra também não foi respeitada antes de proferida a decisão relativa ao recurso hierárquico que interpôs.
Porém, face ao disposto nos arts. 267º, n° 5 da CRP, 60º da LGT, 45° do CPPT e 8°, 100° e 103°do CPA, e dado que o acto de liquidação ora impugnado mais não constitui do que a execução da decisão judicial proferida no âmbito do processo nº 122/01/12IMP, sendo decorrência necessária da anulação parcial do acto de liquidação datado de 08/03/2001 (anulação essa que implicou a correcção da liquidação originária, expurgando-a dos vícios considerados procedentes — portanto, eliminando os juros compensatórios liquidados em 2001, tendo-se mantido os demais elementos da liquidação), então, a situação em apreço não se subsume ao âmbito das invocadas normas invocadas pelo impugnante, por não estarmos aqui perante um novo acto de liquidação, para cujo teor devesse concorrer pronúncia do contribuinte, mas sim perante uma execução de julgados, cujo cumprimento não comporta a participação do contribuinte, sendo que a AT teria que limitar-se a efectivar as conclusões alcançadas na decisão judicial.
E quanto à preterição de audição prévia antes de proferida a decisão no âmbito do recurso hierárquico interposto pela impugnante, tendo sido dada à impugnante a oportunidade de se pronunciar, em sede de procedimento de reclamação graciosa, sobre a proposta de indeferimento da mesma, então, visto que são idênticos os fundamentos em que a impugnante fez assentar a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, e não havendo, nessa medida, questões novas relativamente às quais impendesse sobre a AT a obrigação de se pronunciar, forçoso é concluir esta não se encontrava obrigada a ouvir novamente a impugnante antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e, nessa medida, não se verifica a alegada preterição de formalidade legal.
Acrescendo que a invalidade invocada nunca teria a virtualidade de colocar em causa a validade do próprio acto de liquidação, na medida em que se trata de um procedimento subsequente ao aludido acto tributário e do qual este não depende.

2.3. Do assim decidido discorda a recorrente, desde logo imputando à sentença uma nulidade, por omissão de pronúncia sobre a questão da alegada falta de fundamentação da impugnada liquidação (cfr. as 3ª e 4ª conclusões das alegações de recurso).
Mas, sem razão.
Na verdade, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC) estando directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º deste último diploma (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), só ocorre quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que o conceito de «questões» também não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar.
Ora, no caso, como a Mma. Juíza sublinha no seu despacho de fls. 256, não foi omitida a pronúncia sobre aquela questão da falta de fundamentação, pois que a sentença aprecia expressa e profusamente (no item «Da extemporaneidade da liquidação») a questão assim identificada pela recorrente (a sentença apreciou a questão precisamente na alegada perspectiva da falta de fundamentação por a liquidação ser extemporânea, por ter sido efectuada antes do trânsito em julgado da decisão proferida na anterior impugnação judicial pendente (na qual se controvertiam as correcções operadas pela AT e a consequente liquidação daí decorrente).

2.4. No mais, a recorrente imputa à sentença erro de julgamento, por ter concluído pela legalidade da liquidação no que se refere às alegadas questões da extemporaneidade da liquidação e da preterição de formalidade legal por violação do direito de audição.
Vejamos, pois.

2.4.1. Quanto à questão relativa à invocada extemporaneidade da liquidação.
Sustenta a recorrente que esta liquidação de IRC ora impugnada é ilegal, uma vez que foi efectuada em 19/07/2010, antes do trânsito em julgado do acórdão do STA, sendo que este aresto, apesar de ter sido proferido em 10/02/2010 (confirmando a decisão de 1ª instância, no sentido da legalidade da liquidação do IRC e anulando apenas a liquidação na parte relativa aos juros compensatórios) só veio a transitar em julgado em 14/11/2011.
Mas, salvo o devido respeito, carece de razão legal.
É certo que, neste âmbito, ao invés do que entendeu a sentença, o trânsito em julgado do dito acórdão de 10/02/2010 não releva para efeitos de aproveitamento do acto de liquidação.
Na verdade, segundo o princípio do aproveitamento dos actos administrativos (ou teoria dos vícios inoperantes) cuja aplicação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher [e que agora consta do nº 5 do art. 163º do actual CPA — “5 - Não se produz o efeito anulatório quando: a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível; b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via; c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”] «não se justifica a anulação de um acto, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, sempre que, estando em causa um comportamento vinculado, o acto que haja de proferir não possa ter outro conteúdo senão aquele que lhe foi dado ou não possa ser menos lesivo do que o acto que se pretende anular.» Ou seja, nos casos em que a anulação do acto seria inútil por a subsequente execução do julgado determinar a prática de acto igual ao anulado, justifica-se manter o acto impugnado «mesmo que inquinado de irregularidade formal ou vício de violação de lei, pois que o novo acto - expurgado do vício invalidante - teria o mesmo conteúdo do acto anulado e, portanto, não iria alterar a realidade existente.» (ac. do Pleno do STA, Secção do Contencioso Administrativo, de 22/06/2006, proc. nº 0805/03)
Ora, no caso, como salienta o MP, relativamente ao acórdão do STA, em abstracto, os meios processuais utilizados pela recorrente como reacção a esse aresto [a interposição de recurso para o Pleno (por oposição de acórdãos) desse acórdão proferido em 10/02/2010, bem como a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, do subsequente acórdão do Pleno que julgou findo o recurso por oposição de acórdãos] não se poderiam considerar antecipadamente condenados ao fracasso (insusceptíveis de alterar o conteúdo decisório do acórdão e, consequencialmente, o acto tributário sobre o qual se tinha pronunciado).
Todavia, em termos de legalidade da própria liquidação, esta não é afectada dado que foi operada de acordo com os respectivos pressupostos legais (confirmados pela decisão judicial que os apreciou), embora a respectiva eficácia tivesse ficado paralisada até ao trânsito em julgado de tal decisão.

2.4.2. Quanto à questão relativa à violação do direito de audição prévia
Dando expressão ao comando constitucional constante do nº 5 do art. 267º da LGT, o art. 60° da LGT, consagra o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, nomeadamente, conferindo-lhes o direito de audição “antes da liquidação” e “antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições”. E posteriormente também o nº 1 do art. 45° do CPPT veio consagrar o princípio do contraditório no procedimento tributário, com a participação do contribuinte, “nos termos da lei, na formação da decisão”.
Ainda assim, face ao supra aludido princípio do aproveitamento do acto, a eventual omissão de determinada formalidade nem sempre conduzirá à anulação: «os vícios de forma não determinam, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e as formalidades procedimentais essenciais podem degradar-se em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur.» (Cfr. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 22/1/2014, proc. nº 441/13.).
Mas, como tem sido permanentemente afirmado por esta Secção do Contencioso Tributário do STA (Cfr. os acórdãos do Pleno, de 22/1/2014 e de 15/10/2014, nos procs. nº 0441/13 e 01374/13, respectivamente, bem como o acórdão da Secção, de 31/3/2016, proc. nº 0821/15.), só nas situações em que não se possa suscitar qualquer dúvida quanto à irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto (quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final) é que pode dar-se aplicação àquele princípio, além de que também é dispensada a audição do contribuinte antes da liquidação quando tiver sido ouvido em qualquer das fases do procedimento que culmina com a liquidação, designadamente na reclamação graciosa, e não tiverem sido invocados pela AT factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado (art. 60°, n° 1, al. b) e nº 3, da LGT).
No caso vertente, a liquidação impugnada reconduz-se, na substância a uma correcção da anterior, de acordo com o decidido e objectivando, na prática, a execução do julgado no apontado (então, ainda não transitado) acórdão do STA (que, revogando a decisão de procedência da impugnação, que havia sido proferida em 1ª instância, confirmou a legalidade das correcções e da consequente liquidação, com excepção da parte relativa aos juros compensatórios, no valor de €3.167,50 e só nesta medida mantendo a decisão de 1ª instância), pelo que não se vê que a audição do contribuinte pudesse ser susceptível de influenciar a decisão final.
De todo o modo, como sublinha o MP, a recorrente reproduziu na petição do recurso hierárquico os fundamentos invocados na reclamação graciosa, em cujo decurso tinha exercido o direito de audição (cfr. os nºs. 18 a 21, 23 e 24 do Probatório, bem como o disposto no nº 5 do art. 60° da LGT), sendo que mesmo a eventual omissão do direito de audição na fase de recurso hierárquico, decorrendo a jusante, não tem efeito invalidante do acto de liquidação do imposto, praticado a montante, apenas podendo determinar a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico. (Cfr. os acórdãos do STA, de 16/06/2004, proc. nº 01877/03; de 15/10/2008, proc. nº 0542/08; e de 25/06/2009, proc. n° 0345/09.)
Improcedem, portanto, todas as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.