Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0435/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Justifica-se a admissão do recurso excepcional previsto no artigo 150º do CPTA para a apreciação e decisão pelo STA da questão de saber se é ou não admissível recurso ordinário directo da decisão proferida por juiz singular, em acção administrativa especial em matéria tributária com valor superior à alçada do tribunal, ou se, pelo contrário, há necessidade de prévia reclamação para a conferência por, alegadamente, ser aplicável o normativo do artigo 40º/3 do ETAF.
II - Com efeito, importa que o STA intervenha, conhecendo da revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre a questão possa servir como orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P21276
Nº do Documento:SA2201701110435
Data de Entrada:04/08/2016
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:DIRGER DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………………………, SA, com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de Dezembro de 2015, que desatendeu a reclamação para a conferência do despacho do relator naquele TCA que, por não haver que conhecer do seu objecto, julgou findo o recurso que pretendera interpor da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 18 de Dezembro de 2012, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial por ela interposta.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Da admissibilidade do Recurso de Revista
1. O presente Recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul acima melhor identificado, o qual rejeitou conhecer o Recurso interposto pela Recorrente.
2. Alegou o Tribunal recorrido o meio processual não seria o Recurso jurisdicional, mas sim a Reclamação para a conferência “como resulta do n.º 2, do artigo 27.º do CPTA”, não admitindo a convolação daquele nesta por já se encontrar ultrapassado o prazo legal de submissão da Reclamação.
3. Entende a Recorrente que (i) por um lado, tal entendimento não deve ser aplicado no domínio dos tribunais tributários em virtude de estes, segundo o ETAF, só funcionarem com juiz singular e não em formação de três juízes (questão de legalidade), e que, (ii) por outro lado, a título subsidiário, caso fosse aplicável, o Recurso deveria ser convolado em Reclamação para a conferência, mesmo que o seu prazo estivesse ultrapassado (questão de legalidade), sob pena de, nas circunstâncias em apreço, ficarem comprometidos os princípios da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, com violação do artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (questão de constitucionalidade).
4. Sobre o Recurso de Revista, embora a legislação fiscal não consagre expressamente esta figura, são aplicáveis as normas que regem o processo administrativo, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT, conforme já sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo. A título ilustrativo, citamos o Acórdão de 12 de Janeiro de 2012, processo n.º 0899/11, de que se retira o seguinte excerto: “de acordo com a jurisprudência pacífica e reiterada desta secção do STA, o recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150.º do CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário, tendo em conta, designadamente, o princípio pro actione” (sublinhado nosso).
5. À luz do disposto no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA o supremo Tribunal administrativo considera admissível o Recurso de revista nos casos de “complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso” e, de “capacidade de expansão da controvérsia, concretamente, a possibilidade de esta ultrapassar os limites da situação singular e se repetir, nos seus traços teóricos num número indeterminado de casos futuros” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 01197/05.
Sobre a “relevância jurídica ou social” da questão
6. Tem sido entendimento desse Supremo Tribunal Administrativo que a imprescindível “relevância jurídica ou social” se verifica sempre que a questão seja de “complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis” (cf. nomeadamente, Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 0232/11, 0967/12 e 0116/15, em 31 de Março de 2011, 21 de Novembro de 2012 e 25 de Novembro de 2015, respectivamente) – sublinhados nossos.
7. E, no que respeita à referida “relevância social fundamental” a mesma considera-se verificada “quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio” - cf- citado Acórdão proferido no processo n.º 0116/15.
8. Neste âmbito, acrescentou ainda esse Supremo Tribunal Administrativo, que “não se trata, portanto,
9. Precisamente, a questão a apreciar nos presentes autos de recurso resulta da necessidade de determinação do regime aplicável (e inaplicável) em matéria de recursos de acções administrativas especiais, em matéria tributária, com valor superior à alçada do respectivo tribunal.
10. Especificamente, importa avaliar se o tribunal tributário deve funcionar em “formação de três juízes” (cf. artigo 40.º, n.º 3 ETAF) ou “em formação singular” (cf. artigo 46.º do ETAF) e se, nestas situações, tem aplicação o disposto no artigo 27.º n.º 2 do CPTA, que determina a submissão (prévia) de Reclamação para a conferência face às decisões do Juiz ou se, ao invés, as decisões proferidas por aquele Tribunal são sindicáveis através de Recurso jurisdicional, nos termos do artigo 140.º e seguintes do CPTA.
11. E ainda (ad cautelem), caso se conclua pela aplicabilidade do artigo 27.º do CPTA, se, nas condições descritas de prática judicial consolidada de aceitação da figura do Recurso ao longo de anos e anos, sendo interposto Recurso jurisdicional da decisão do Juiz Relator, o mesmo deve ser convolado em Reclamação para a conferência, independentemente de, à data da submissão do Recurso, já se encontrar decorrido o prazo legal de reclamação, sob pena de violação do princípio da confiança e de um processo equitativo.
12. A análise a desenvolver implica assim a “necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”, i.e. por um lado, as “normas de processo” aplicáveis às acções administrativas especiais constantes do Título III do CPTA e, por outro, as “normas sobre a organização e funcionamento dos órgãos jurisdicionais” em matéria tributária, constantes do ETAF e do CPPT.
13. Acresce que, tomando em consideração a extensa controvérsia gerada relativamente à matéria dos presentes autos e o número de recursos de idêntica natureza que se encontram a correr termos nos nossos tribunais, a situação dos presentes autos ultrapassa “os limites da situação singular (…) contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros” e assume marcada “relevância jurídica ou social”, justificada quer pela especial complexidade da análise a desenvolver na apreciação da mesma, quer pela sua inevitável repetição em múltiplos processos (pretéritos) e futuros, revelando-se essencial a apreciação da mesma pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Sobre a “clara necessidade do recurso para uma melhor aplicação do direito”
14. Também na análise deste requisito importa averiguar a “possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória (…) sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema”- cf. Acórdão proferido no processo n.º 0967/12, de 21 de Novembro de 2012, e Acórdão proferido no processo n.º 0232/11, de 31 de Março 2011.
15. Esta “clara necessidade” estará igualmente verificada sempre que a questão em análise suscite “fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar decisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução de litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão regulador do sistema” – cf. Acórdão proferido no processo n.º 0967/12, de 21 de Novembro de 2012, e Acórdão proferido no processo n.º 0232/11 de 31 de Março 2011.
16. A questão a apreciar na presente revista já foi objecto de múltiplas decisões jurisprudenciais, proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Constitucional, tendo tais decisões conduzido a um rendilhado de argumentos e conclusões que não permitiram, até à data, obter um definitivo e claro enquadramento desta situação (para um resumo das diversas decisões jurisprudenciais relevantes veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 124/2015, de 12 de Fevereiro de 2015) gerando justificadas dúvidas na determinação do que será a “melhor aplicação do direito”.
17. A diferença de pontos de vista e de argumentos expressos nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional reclamam a necessária “intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação”.
18. Encontra-se, deste modo, verificada a “clara necessidade” da presente Revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre esta concreta questão possa servir de orientação para os restantes casos, por forma a assegurar “uma melhor aplicação do direito” e uniformizar as decisões em prol da segurança jurídica.
19. De resto, a necessidade de apreciação da questão aqui em análise resulta de recentes decisões proferidas por esse Supremo Tribunal, face a Revistas em tudo idênticas à presente, no âmbito das quais foi decidida a admissibilidade do Recurso – cf. Acórdão proferido no processo n.º 0685/15, em 7 de outubro de 2015 e Acórdão proferido no processo n.º 0116/15, em 25 de Novembro de 2015.
Da questão controvertida
O ETAF não prevê o funcionamento dos tribunais tributários em “formação de três juízes”
20. Segundo o Acórdão recorrido, a decisão proferida por um tribunal tributário, no âmbito de um litígio que seguiu a forma de acção administrativa especial, com valor superior à sua alçada, apenas pode ser objecto de Reclamação para a conferência, e não de Recurso, como foi.
21. Porém este raciocínio encontra alicerces em pressupostos erróneos. É que os Tribunais tributários, de acordo com o ETAF, não julgam em formação de colectivo – “formação de três juízes” -, não são tribunais colectivos, nem está previsto o seu funcionamento como tal.
22. Sendo tribunais que julgam em singular, não há qualquer aplicação de uma hipotética prévia Reclamação para a conferência prevista no artigo 27.º, n.º 2 do CPTA, pois o seu pressuposto de base, ou seja, a formação em colectivo, não se verifica.
23. A remissão que o artigo 97.º, n.º 2 do CPPT opera para o contencioso dos actos administrativos em matéria tributária “que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação” deve considerar-se efectuada para as normas sobre o processo nos tribunais administrativos, ou seja, para o CPTA, diploma que regula os processos nos Tribunais Administrativos, designadamente as formas processuais e sua tramitação, entre outras matérias.
24. Quanto à organização e funcionamento dos tribunais tributários, as correspondentes normas encontram-se expressamente consagradas noutro diploma, o ETAF.
25. O artigo 46.º do ETAF só prevê o funcionamento dos tribunais tributários “em formação singular” (solução diversa é a que o artigo 40.º, também do ETAF, contempla para os Tribunais Administrativos de Círculo).
26. Os tribunais tributários julgam, assim, “em formação singular” e não se vislumbra aqui qualquer lacuna que careça de integração. Da mesma forma que o ETAF prevê que os Tribunais Administrativos de Círculo podem funcionar em colectivo (cf. artigo 40.º do ETAF), prevê solução distinta para os Tribunais Tributários (cf. artigo 46.º do ETAF), não colocando a hipótese do seu funcionamento em colectivo, independentemente das formas ou espécies de processo que nesses Tribunais correm os seus termos.
27. Se se pretendesse defender que a não consagração dessa excepção nas normas de funcionamento dos Tribunais Tributários resultou de um mero lapso do legislador, sempre seria de salientar que múltiplas foram as oportunidades para rectificar tal situação, o que nunca sucedeu desde a entrada em vigor da Reforma do Contencioso Administrativo (veja-se que esta norma foi mesmo recentemente alterada, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrará em vigor em 1 de Dezembro de 2015) e, nem mesmo agora, com a reforma promovida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.
28. Desta forma, ao contrário do que sustenta o Acórdão do TCA Sul recorrido (e também o Acórdão do Supremo Tribunal administrativo proferido no processo n.º 01128/06), a excepção consagrada no artigo 40.º, n.º 3 do ETAF apenas deve ser aplicada à jurisdição administrativa (leia-se Tribunais Administrativos de Círculo), sendo que para a jurisdição tributária (no sentido de Tribunais Tributários de primeira instância) têm aplicação as regras e excepções expressamente consagradas no artigo 46.º do mesmo diploma, referente ao funcionamento dos “tribunais tributários”.
29. A interpretação do Acórdão recorrido é, neste ponto, “contra legem” e nem sequer se prefigura como a melhor solução substantiva de “iure condendo”. De salientar que mesmo no âmbito dos tribunais administrativos, em que a formação em colectivo se encontra legalmente prevista (ao contrário dos tribunais tributários), se tem considerado que a colegialidade nas acções administrativas especiais é excessiva e tem reflexos negativos.
A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
Princípio Pro actione
30. A interpretação vertida no acórdão de que se recorre colide com o princípio essencial de acesso à justiça.
31. De facto, na concretização do direito de acesso à justiça, “as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”, evitando actos ou decisões meramente formais, de efeito dilatório e mesmo preclusivo (cf. artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo que densifica os artigos 20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
32. A interpretação conferida ao artigo 97.º, n.º 2 do CPPT, fazendo aplicar às acções administrativas especiais da competência dos tribunais tributários de primeira instância regras de funcionamento dos tribunais administrativos de círculo – em concreto, o artigo 40.º, n.º 3 do ETF -, é manifestamente contrária à lei e ao princípio do acesso à justiça.
33. E, de resto, não devem decisões formais como a que se encontra sub judice, ignorar o espírito da reforma do Direito Processual Administrativo que esteve na génese das alterações legislativas promovidas nos últimos anos, com tudo o que já foi dito sobre esta matéria, sendo que nunca se visou que o “descongestionamento” dos tribunais fosse alcançado através de decisões meramente formais, que nada decidem, que não resolvem o caso concreto e que se limitam, sem mais, a dar o processo como findo e a coarctar, deste modo, o acesso à justiça.
Os princípios da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo
34. Se fosse de admitir que o tribunal tributário funcionaria nas acções administrativas especiais em colectivo – “em formação de três juízes” -, a interpretação e aplicação do direito que consta do Acórdão recorrido, ainda assim, atentaria contra princípios fundamentais.
35. Com efeito, à luz do recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 577/2015, de 3 de Novembro de 2015 (que revogou o Acórdão também do Tribunal Constitucional n.º 124/2015 acima citado), que não declarou a inconstitucionalidade do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA, não decorre a validade do Acórdão agora recorrido do Tribunal Central Administrativo Sul.
36. Na verdade, o Tribunal Constitucional não considera aquela norma atentatória do “princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança” – no pressuposto de que o tribunal de recurso pode convolar o Recurso em Reclamação para a conferência, mesmo nas situações em que o primeiro tenha sido submetido depois de decorrido o prazo legal para submissão da referida Reclamação para a conferência (mas ainda, subentende-se, dentro do prazo legal de recurso).
37. Deste modo, conclui-se que o parâmetro constitucional do “princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança” apenas fica assegurado se o Recurso for convolado em Reclamação para a conferência. O que não sucedeu.
38. À face do exposto, e a título subsidiário, deve o Supremo Tribunal administrativo revogar o Acórdão recorrido com fundamento na preterição do dever de convolação, com as legais consequências. Só assim será acautelado o respeito pelo “princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança”.
PEDIDO
Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser admitido, seguir os demais termos até final e ser julgado procedente, por provado, determinando-se a anulação do Acórdão recorrido, com as legais consequências, fundada:
a) Na inaplicabilidade do artigo 27.º do CPTA às acções administrativas em matéria tributária, em virtude de os tribunais tributários funcionarem em formação singular, conforme previsto no artigo 46.º do ETAF; ou
A título subsidiário
b) Na violação do poder-dever de convolação do Recurso em Reclamação para a conferência, alicerçado no princípio proactione e no respeito pelos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Com o que se fará a tão necessária JUSTIÇA!



2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 367/368, nele suscitando a questão da inconstitucionalidade dos artigos 150.º, n.º 1 do CPTA e 26º al. h) do ETAF 2004, quando interpretados no sentido da admissibilidade no contencioso tributário de recurso de revista excepcional para a Secção de Contencioso Tributário do STA de acórdão da Secção de Contencioso Tributário do TCA, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165º nº 1 al. p) CRP numeração RC/97), pugnando, em consequência, por que deva ser recusado o conhecimento do objecto do recurso.

Quanto a esta questão prévia, diga-se desde já que não deixaremos de acompanhar a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal no sentido na admissibilidade no contencioso tributário do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA (cfr., por todos o Acórdão de 8 de Outubro de 2014, rec. n.º 772/14 e numerosa jurisprudência nesse sentido aí citada), não se nos afigurando ocorrer violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais na interpretação e aplicação dos artigos 150.º n.º 1 do CPTA e 26.º alínea h) do ETAF/2002, porquanto, como tem considerado a jurisprudência deste STA, tal competência encontra fundamento legal na expressa remissão para o CPTA operada pelo artigo 2.º alínea c) do CPPT e bem assim na alínea e) do mesmo preceito legal, que opera remissão idêntica para o Código de Processo Civil, diploma este que desde as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passou também a prever recurso excepcional de revista para o STJ de acórdãos de tribunais da Relação, não havendo, pois, razão para tal recurso se ter apenas por excluído no contencioso tributário e suscitando tal solução, ao invés, dúvidas quanto à sua conformidade à lei fundamental por atentatória do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da igualdade (artigos 13.º e 268.º n.º 4 da CRP).
Julga-se, pois, não haver obstáculo de ordem constitucional à admissibilidade do presente recurso, preenchidos que estejam os respectivos pressupostos legais.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

- Fundamentação -

4 – Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto e admitido para este STA como recurso de revista excepcional, havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
A esse respeito, dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Entendemos, com a recorrente, que se justifica a admissão da presente revista, a que subjaz a questão de saber se da decisão de 1.ª instância, proferida por juiz singular em acção administrativa especial em matéria tributária de valor superior ao da alçada do tribunal, é ou não admissível recurso ordinário directo ou se, pelo contrário, há necessidade de prévia reclamação para a conferência por, alegadamente, ser aplicável o normativo do artigo 40º/3 do ETAF.
Para questões similares tem esta formação admitido os respectivos recursos de revista excepcionais interpostos para o STA, para que a pronúncia que venha a emitir sobre a questão possa servir como orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito – cfr., entre outros mais recentes, os Acórdãos deste STA de 7 de Outubro de 2015, rec. n.º 0689/15, de 25 de Novembro de 2015, rec. n.º 01116/15 e de 9 de Março de 2016, rec. n.º 1568/15 -, justificando-se a admissão da presente revista por paridade de razões.

Será, pois, admitida a revista.

- Decisão -
5- Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso excepcional de revista.

Custas a final.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.