Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0643/16
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
ESTALEIRO DE CONSTRUÇÃO CIVIL
ENCARGO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista estando em discussão a responsabilidade dos encargos da montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro de empreitada de obras públicas no âmbito do RJEOP, que foi revogado pelo CCP.
Nº Convencional:JSTA000P20668
Nº do Documento:SA1201606150643
Data de Entrada:05/23/2016
Recorrente:CM DE ESPINHO
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A………….., Limitada instaurou acção administrativa comum contra o Município de Espinho, peticionando a sua condenação a:
«a) Pagar à A o valor 208.700,00€ (Duzentos e oito mil e setecentos euros), a título de remuneração do “Estaleiro”;
b) Ou em alternativa, pagar à A a mesma quantia a título de ressarcimento decorrente do enriquecimento sem causa;
c) Pagar ainda juros de mora vencidos e vincendos, às taxas legais aplicáveis, desde 06 Janeiro de 2003 até efectivo e integral pagamento, e que importam presentemente em € 60.520,20».

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em Despacho Saneador/Sentença de 12/11/2012 (fls. 1173/1180) julgou a acção improcedente.

1.3. Em recurso, o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 19/11/2015 (fls. 1277/1287), decidiu «conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença e condenar o Réu a pagar à Autora o custo relativo à montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro na empreitada em causa, no montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, às taxas legais, desde a citação até efectivo pagamento».

1.4. É desse acórdão que o Réu vem requerer a admissão do recurso de revista, ao abrigo do artigo 150.º n.º 1 do CPTA, por, no essencial, discordar da decisão recorrida quanto à interpretação do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02/03 (RJEOP).
Alega que «o ora recorrido apresentou uma proposta a concurso, na qual não fazia constar um preço unitário da construção, montagem, demolição e desmontagem do estaleiro, e não há qualquer dúvida de que essa proposta, patenteada em concurso, foi a proposta vencedora e à qual foi adjudicada a empreitada,
Tendo, por esse facto, sido assinado um contrato de empreitada entre os agora recorrente e recorrido; não se pode vir invocar a lei para afirmar que os encargos são suportados pelo dono da obra, querendo com isso significar que tem de ser o dono da obra a pagar um preço que não consta do contrato.
Quando a lei determina no artigo 24°, n.º3 do RJEOP que “Os encargos (...) são da responsabilidade do dono da obra (…)” quer com isso significar, apenas e tão-só, que esses encargos, uma vez orçamentados, isto é, apresentados a concurso, devidamente patenteados, são da responsabilidade do dono da obra, e que “constituirão um preço contratual unitário”.
É que, a conceder-se numa interpretação da lei conforme ao acórdão ora recorrido, estar-se-ia a abrir a porta ao contorno das regras da concorrência e transparência que se pretendem atingir na contratação pública» (conclusões IX, X, XI e XII).

1.5. O Autor (a sua Massa Insolvente) pugna pela não admissão do recurso de revista, por não se verificarem os pressupostos estabelecidos no artigo 150.º do CPTA02, nem foi alegado pela recorrente «a hipotética relevância jurídica ou social da questão, nem foi revelado em que medida, e por que motivos, se poderia considerar que a decisão da questão sub judice é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito» (conclusão 2.).
Argúi que «o objecto do presente recurso prende-se com a interpretação e aplicação de uma norma (o art.º 24.º n.º 3 do D.L. n.º 59/99, de 2 de Março) que foi revogada em 2008, pela Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo D.L. n.º 18/2008, de 29 de Janeiro» (conclusão 5.).
Defende, ainda, que «o n.º 1 do art.º 24.º do REOP estabelece que, salvo convenção em contrário o Empreiteiro é obrigado a executar (à sua custa) os trabalhos preparatórios e acessórios./ Consequentemente, não sendo esses trabalhos suportados pelo Dono da Obra, não fazem parte da lista de preços unitários. / Mas o n.º 3 do mesmo artigo 24.º do D.L. n.º 59/99, de 2 de Março estabelece uma diferença significativa entre os “trabalhos preparatórios e acessórios” e o “estaleiro”. / É que os trabalhos de montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro:
• São da responsabilidade do Dono da Obra (e não do Empreiteiro);
• Devem constituir um preço unitário. / Por conseguinte, a possibilidade de se afastar, através de convenção, o regime estabelecido pelo n.º 1 do art.° 24.º do D.L. n.º 59/99, de 2 de Março, não se aplica ao preço do “estaleiro”, relativamente ao qual vigora o disposto no n.º 3 do mesmo artigo, o que resulta, desde logo, da circunstância de o citado n.º não prever a possibilidade de ser afastado por convenção entre as Partes» (conclusões 20., 21., 22., 23., e 24).

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. O caso dos autos respeita ao problema dos encargos relativos ao Estaleiro (montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro). Tem por base a interpretação do artigo 24.º do RJEOP aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 02/03, especialmente o seu n.º 3.
Este preceito dispõe:
«Artigo 24.º
Trabalhos preparatórios ou acessórios
1 – O empreiteiro tem obrigação, salvo estipulação em contrário, de realizar à sua custa todos os trabalhos que, por natureza ou segundo o uso corrente, a execução da obra implique como preparatórios ou acessórios.
2 – Constitui, em especial, obrigação do empreiteiro, salvo estipulação em contrário, a execução dos seguintes trabalhos:
a) A montagem, construção, desmontagem, demolição e manutenção do estaleiro;
b) Os necessários para garantir a segurança de todas as pessoas que trabalhem na obra, incluindo o pessoal dos subempreiteiros, e do público em geral, para evitar danos nos prédios vizinhos e para satisfazer os regulamentos de segurança, higiene e saúde no trabalho e de polícia das vias públicas;
c) O restabelecimento, por meio de obras provisórias, de todas as servidões e serventias que seja indispensável alterar ou destruir para a execução dos trabalhos e para evitar a estagnação de águas que os mesmos trabalhos possam originar;
d) A construção dos acessos ao estaleiro e das serventias internas deste;
e) Outros trabalhos previstos em portaria regulamentar.
3 – Os encargos relativos à montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro são da responsabilidade do dono da obra e constituirão um preço contratual unitário.
4 – Quanto se trate de obras de complexidade técnica ou especialização elevadas, os trabalhos acessórios devem estar claramente definidos nas peças que compõem o projecto.
5 – Entende-se por estaleiro o local onde se efectuam os trabalhos, bem como os locais onde se desenvolvem actividades de apoio directo à obra».

Presentemente, o regime do Código dos Contratos Públicos, através do seu artigo 350, não contém a mesma expressão literal do n.º 3 do supra citado artigo 24.º. Tal significa que o alcance da revista, o alcance da pronúncia jurídica que nela pudesse realizar-se seria já muito limitado a situações residuais em que ainda seja aplicável o RJEOP.
O problema que vem suscitado não tem já, pois, importância fundamental, nem jurídica nem social; e também não se aparenta que haja clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito.
Também eventual oposição com prévias decisões sobre o mesmo tema poderá, a confirmar-se, ser objecto do respectivo recurso específico.

3. Pelo exposto não se admite a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.