Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01211/13
Data do Acordão:07/24/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
VENDA JUDICIAL
MEIO PROCESSUAL IDÓNEO
Sumário:I - Se a recorrente não veio, com a sua reclamação, reagir directamente contra a omissão, falta ou nulidade da citação posterior à penhora, mas expressa e directamente contra o acto que ordenou a venda do estabelecimento comercial penhorado - acto este praticado no âmbito de execução fiscal pelo respectivo órgão competente e potencialmente lesivo, logo reclamável (cfr. o artigo 276.º do CPPT) não há erro na forma do processo.
II - O acto de marcação da venda do bem antes da notificação da penhora constitui um vício invalidante do acto reclamado, por violação de lei ou preterição de formalidades legais, na medida em que é ilegal a venda de um bem sem a prévia notificação da sua penhora.
Nº Convencional:JSTA00068343
Nº do Documento:SA22013072401211
Data de Entrada:07/05/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2013/04/30.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART278
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0873/11 DE 2012/07/05.; AC STA PROC0843/12 DE 2012/10/31.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………., LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 30 de Abril de 2013, que, julgando verificado erro na forma do processo, convolou a reclamação judicial por si deduzida contra o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 4 - que ordenou a realização de venda, por meio de leilão electrónico, do direito de arrendamento do estabelecimento comercial (incluindo mobiliário e equipamento, bem como as existências) - em requerimento de arguição de nulidade a ser apreciado pelo órgão de execução fiscal.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

I. Constitui objecto do presente processo o acto do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Sintra -4 (Queluz) que ordenou a realização de venda por meio de leilão electrónico, do direito de arrendamento do estabelecimento incluindo o mobiliário e equipamento, assim como as existências, constantes do auto de penhora de 8-03-2010, penhorado no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 3166200701024906 e aps. E n.º 3166200701198637 e aps., para o dia 22 de Janeiro de 2013, pelas 10:00.
II. A recorrente nunca foi formalmente notificada do acto de penhora do direito de arrendamento em causa, conforme oportunamente alegou na reclamação por si apresentada.
III. Analisado o auto de penhora respectivo, verifica-se que somente foi notificado da penhora o sócio-gerente da Reclamante, senhor B………, mas apenas na qualidade de fiel depositário.
IV. Ainda que o auto de penhora esteja assinado por depositário que também é representante da sociedade executada, mas tal assinatura não vincula a sociedade na medida em que o signatário tomou conhecimento do acto “na qualidade de fiel depositário, obrigando-se pessoalmente, e não como representante legal da sociedade executada.
V. Para além disso, aquando da penhora, a Recorrente não foi igualmente notificada de que se não efectuasse o pagamento das quantias exequendas em causa nem deduzisse oposição no prazo de 30 dias, seria designado dia para a venda do bem penhorado, em violação do disposto na parte final do art. 193.º, n.º 2, do CPPT.
VI. A nulidade decorrente da falta de citação afecta directa e imediatamente o acto reclamado, na medida em que este é praticado em violação de lei e preterição de formalidades essenciais.
VII. Conforme vem referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0843/12, em 31/10/2012, «o acto de marcação da venda do bem antes da notificação da penhora constituía um vício invalidante do acto reclamado, por violação de lei ou preterição de formalidades legais, na medida em que é ilegal a venda de um bem sem a prévia notificação da sua penhora».
VIII. Assim, veio a Recorrente, através da Reclamação objecto da Sentença recorrida, pôr em crise o acto que ordenou a venda do direito ao arrendamento em causa, na medida em que este foi praticado na sequência de nulidade insanável, que afecta directa e imediatamente a sua validade.
IX. A Sentença recorrida, porém, entendeu não apreciar o mérito da reclamação apresentada, ordenando a convolação da reclamação em requerimento de arguição de nulidade, com base no facto de a aqui Recorrente ter fundamentado a sua argumentação na «verificação de nulidades ocorridas no processo de execução, relacionadas com o acto de penhora e a alegada falta de citação pessoal».
X. Não pode, contudo, concordar-se com tal decisão, na medida em que no presente processo, não só o reconhecimento da nulidade é meramente instrumental, e não o objecto nem o propósito da reclamação apresentada, como tal nulidade afecta a validade intrínseca do acto de marcação da venda reclamado.
XI. No sentido sustentado pela Reclamante, pronunciou-se já o Supremo Tribunal de Justiça (sic) no supra referido Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0843/12, em 31/10/2012.
XII. O acto de marcação da venda do bem antes da notificação da penhora constitui um vício invalidante do acto reclamado, por violação de lei ou preterição de formalidades legais, na medida em que é ilegal a venda de um bem sem a prévia notificação da sua penhora.
XIII. Não pode, assim, admitir-se nem concordar-se com a conclusão vertida na Sentença recorrida de que «nenhum vício em concreto, vem assacado ao acto objecto de reclamação».
XIV. A ilegalidade do acto que determinou a venda do bem penhorado é intrínseca a esse mesmo acto e não se confunde com a nulidade processual por falta de citação.
XV. A reclamação apresentada pela Recorrente tem em vista o exercício do seu direito à tutela jurisdicional efectiva do acto de marcação da venda em causa.
XVI. O direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no n.º 4 do artigo 268.º Constituição da República Portuguesa e nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, al. j), e 103.º, n.º 2, da LGT, visa garantir aos contribuintes o direito de reclamar de todos os actos lesivos que afectem os seus direitos e interesses legítimos.
XVII. Devem considerar-se imediatamente lesivos, e por isso, imediatamente impugnáveis contenciosamente, todos os actos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários, quando a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação.
XVIII. Considerando a natureza do acto reclamado e a sua invalidade, a reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT não só era o meio próprio, como o único meio à disposição da Recorrente para exercício do seu direito à tutela jurisdicional efectiva.
XIX. Ao não apreciar o mérito da reclamação apresentada pela Recorrente, a Sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos arts. 20.º, 266.º, n.º 2, e 268.º, nº4, da CRP, nos arts. 95.º, n.º 1 e 2, al. j), e 103.º, nº 2, da LGT, e nos arts. 276.º do CPPT.
XX. Consequentemente, deverá a Sentença recorrida ser revogada e a reclamação apresentada pela Recorrente devidamente apreciada pelo Tribunal.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, REQUER-SE QUE O PRESENTE RECURSO SEJA DECLARADO TOTALMENTE PROCEDENTE COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, FAZENDO V. EXAS. A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA.

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
A nosso ver o recurso merece provimento.
De facto, a RAOEF é o meio processual adequado para sindicar quaisquer decisões da administração tributária no processo de execução fiscal que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados.
Ora, a recorrente sindica, claramente, o acto da autoria do senhor chefe de finanças do SLF de Sintra 4, que ordenou a realização da venda, por meio de leilão electrónico, do penhorado estabelecimento comercial.
Trata-se, sem dúvida, de um acto lesivo susceptível de reclamação para o competente Tribunal Tributário, através da ROAEF, regulada nos artigos 276.º/278.º do CPPT.
Como resulta do petitório a recorrente sustenta a ilegalidade do acto que ordenou a venda do estabelecimento por preterição de prévia citação, nos termos do estatuído no artigo 193.º/2 do CPPT.
Embora seja certa que a arguição de nulidade por omissão de citação a título principal deve ser feita perante o OEF, cabendo reclamação para o Tribunal Tributário do despacho que a desatender, não é menos certo que tal nulidade pode e deve ser conhecida, directamente, pelo Tribunal, a título instrumental, como é o caso dos autos.
Na verdade, a apreciação da legalidade do acto que determinou a venda do estabelecimento exige que se conheça, a título meramente instrumental, da nulidade por omissão de citação, nulidade essa que é a causa de invalidade do acto sindicado.
Parece-nos, pois, assertivo que a recorrente impugna o acto que ordenou a venda do bem penhorado estabelecimento comercial, pela verificação de nulidade por omissão de citação prévia, nos termos do disposto no artigo 193.º/2 do CPPT e que a RAOEF é o meio processual adequado para o efeito.
A sentença recorrida, ao considerar verificado o erro na forma de processo e convolar os autos em requerimento de arguição de nulidade dirigido ao OEF, merece censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida, baixando os autos à 1.ª instância para apreciação do mérito da causa, se a tal nada mais obstar.

Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -
4 - Questão a decidir
É a de saber a reclamação judicial deduzida nos termos do artigo 276.º a 278.º do CPPT
é o meio processual adequado para sindicar o acto reclamado - acto do órgão de execução fiscal que ordenou a venda executiva de estabelecimento comercial penhorado - com fundamento na falta de citação da executada posterior à penhora realizada.

5- Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes
factos:
a) Corre termos contra a aqui Reclamante, A…….., Lda, o processo de execução fiscal nº 3166 - 2007/01024906 e apensos - Cfr. PEF, apenso aos autos;
b) Em 6 de Agosto de 2008 foi a ora Reclamante citada no âmbito do processo executivo referido na alínea antecedente, por correio registado - Cfr. documentos a fls. 4 e 5 do PEF, apenso;
c) Em 9 de Março de 2010 a Reclamante, na pessoa da sua sócia, deu entrada no serviço de Finanças de Sintra 4 de requerimento dirigido ao Chefe de Finanças, solicitando o pagamento em prestações ao abrigo do artigo 96.º do CPPT - Cfr. documento a fls. 13 do PEF, apenso;
d) Em 18 de Março de 2010 foi efectuada, pela AT, a penhora do estabelecimento comercial sito na ………, ……….., em Belas, incluindo todos os direitos inerentes, nomeadamente o direito ao arrendamento, bens móveis, utensílios e demais elementos que integram o estabelecimento - Cfr. auto de penhora a fls. 34 e seguintes do PEF, apenso;
e) No acto de penhora referido em d) foi nomeado fiel depositário B………., na qualidade de sócio-gerente da Executada, o qual assinou o auto de penhora - Cfr. auto de penhora a fls. 34 e seguintes do PEF, apenso;
f) Em 21 de Novembro de 2012 foi proferido despacho, pelo Chefe do serviço de Finanças de Sintra 4, designando o dia 7 de Janeiro de 2013 para o início do prazo de licitação dos bens móveis constantes do auto de penhora - cfr. documento a fls. 94 do PEF, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
6 - Apreciando.
6.1 Do julgado erro na forma do processo
A decisão recorrida, a fls. 72 a 76 dos autos, julgou verificado erro na forma do processo na reclamação judicial deduzida pela ora recorrente e determinou a convolação da presente reclamação em requerimento de arguição de nulidade a ser junto ao processo de execução fiscal e apreciado pelo órgão da execução fiscal competente, por ter entendido que, embora a reclamante tenha identificado como objecto da reclamação o acto do chefe do serviço de Finanças de Sintra 4 que ordenou a realização da venda, por meio de leilão electrónico, do direito ao arrendamento do estabelecimento incluindo o mobiliário e equipamento, assim como as existências, constantes do auto de penhora de 8 de Março de 2010 (...), da leitura da p.i. o que se verifica é que nenhum vício, em concreto, vem assacado ao acto objecto de reclamação, reconduzindo-se a argumentação da reclamante à verificação de nulidades ocorridas no processo de execução, relacionadas com o acto de penhora e a alegada falta de citação pessoal da Reclamante, consistindo o pedido, aliás, na anulação de todos os actos praticados posteriormente à penhora, por força da verificação da nulidade insanável prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 165º do CPPT, sendo que relativamente à citação (...) é primariamente competente p órgão de execução fiscal, e não Tribunal, podendo este intervir, contudo, em caso de indeferimento da arguição de nulidade pelo órgão da execução fiscal - Acórdão do Pleno do STA de 5 de Julho de 2012, proferido no processo nº 873/11 (cfr. decisão recorrida, a fls. 76 e 76 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando inexistir erro na forma do processo porquanto o acto sindicado é o acto que ordenou a venda do direito ao arrendamento em causa, na medida em que este foi praticado na sequência de nulidade insanável, que afecta directa e imediatamente a sua validade, sendo o reconhecimento da nulidade (...) meramente instrumental, e não o objecto nem o propósito da reclamação apresentada, como tal nulidade afecta a validade intrínseca do acto de marcação da venda reclamado. Invoca ainda em abono da sua posição o Acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Outubro de 2012, proferido no recurso n.º 0843/12.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, pronuncia-se no sentido do provimento do recurso, porquanto a recorrente impugna o acto que ordenou a venda do bem penhorado estabelecimento comercial, pela verificação de nulidade por omissão de citação prévia, nos termos do disposto no artigo 193.º/2 do CPPT e que a RAOEF é o meio processual adequado para o efeito.
Entendemo-lo também assim, sem que tal ponha minimamente em causa o decidido no acórdão do Pleno citado na sentença recorrida - que constitui, aliás, jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal.
É que, no caso dos autos, a recorrente não veio, com a sua reclamação, reagir directamente contra a omissão, falta ou nulidade da citação posterior à penhora, mas expressa e directamente contra o acto que ordenou a venda do estabelecimento comercial penhorado - acto este praticado no âmbito de execução fiscal pelo respectivo órgão competente e potencialmente lesivo, logo reclamável (cfr. o artigo 276.º do CPPT) - embora o vício deste acto por violação de lei ou preterição de formalidades legais, em razão do incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 193.º do CPPT - decorra da falta de citação pessoal da executada posteriormente à penhora, com a qual se lhe deve ser comunicada a possibilidade de proceder ao pagamento ou opor-se à execução fiscal.
Ora, embora na sua petição inicial de reclamação (a fls. 2 a 15 dos autos) a reclamante não tenha definido com a clareza com que o fez nas suas alegações de recurso que imputa ao acto reclamado vício próprio deste, certo é que acabou por fazê-lo por remissão para o Acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Outubro de 2012 (rec. n.º 843/12) - por nós subscrito como primeira adjunta - no qual se consigna expressamente que «o acto de marcação da venda do bem antes da notificação da penhora constituía um vício invalidante do acto reclamado, por violação de lei ou preterição de formalidades legais, na medida em que é ilegal a venda de um bem sem a prévia notificação da sua penhora» (cfr. o n.º 26 da petição de reclamação, a fls. 6 dos autos).

Não se verifica, pois, ao contrário do decidido, erro na forma do processo, antes a reclamação deduzida constitui meio processual adequado para reagir contra a ilegalidade do acto reclamado.

O recurso merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para conhecimento do mérito da reclamação, se a tal nada mais obstar.

Custas a final.
Lisboa, 24 de Julho de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - São Pedro - Casimiro Gonçalves.