Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0772/21.9BEBRG
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
OBRAS
Sumário:Não é de admitir revista de acórdão do tribunal de apelação que confirmou a sentença de 1ª instância, mantendo na ordem jurídica um acto de imposição de obras em prédio, em nome da conservação e salubridade do mesmo, se aparentemente a questão se mostra correctamente decidida.
Nº Convencional:JSTA000P31005
Nº do Documento:SA1202305110772/21
Data de Entrada:05/02/2023
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO BARCELOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. BB e marido AA - autores da presente acção administrativa - vêm, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 13.01.2023 - que negou provimento à sua apelação e confirmou, totalmente, o «julgamento de improcedência» da sua acção decretado por sentença do TAF de Braga - de 25.03.2022 -, absolvendo do pedido o demandado MUNICÍPIO DE BARCELOS e a contra-interessada CC.

Alegam que o recurso de revista deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

Os ora recorridos - MUNICÍPIO DE BARCELOS e CC - contra-alegaram, defendendo, além do mais, a não admissão da revista por falta dos pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O presente recurso de revista vem interposto pelos autores da acção administrativa e apelantes - BB e marido AA -, visando a revogação do acórdão do tribunal de apelação - TCAN - que confirmou a sentença pela qual o tribunal de 1ª instância - TAF de Braga - julgou improcedente a acção impugnativa na qual pediam a anulação do «acto» - despacho da Vereadora DD, constante da notificação consubstanciada no ofício ...3, de 05.01.2021, no âmbito do procedimento ... - que lhes «ordenou a execução de obras de conservação» num prédio de que são proprietários, e a contra-interessada arrendatária - situado na Avenida ..., freguesia ..., concelho ... -, e destinadas a conferir-lhe «condições de salubridade».

Os autores defendiam que o «acto impugnado» deveria ser anulado por «violação dos artigos 90º, nºs 4 e 5, do RJUE - alegada falta de indicação do «nível de conservação do imóvel», e de «pormenorização das obras de conservação a realizar» -, por veladamente prosseguir um fim privado em vez do interesse público - pois as obras não se impunham em nome da segurança do prédio mas antes para conforto da arrendatária -, por se traduzir em exigência desproporcional e desrespeitadora da boa-fé - por não existir qualquer equivalência entre o «custo das obras» e a exiguidade da «renda» paga -, e por consubstanciar um «abuso de direito».

Ambos os tribunais de instância apreciaram cada um destes fundamentos de requerida anulação e julgaram-nos improcedentes. Bom, em boa verdade, um deles - a violação do artigo 90º, nº5, do RJUE, por referência ao artigo 5º, do DL nº266-B/2012, de 31.12 - foi julgado procedente, mas, apesar disso, foi «evitado o efeito anulatório» ao abrigo do nº5 do artigo 163º do CPA. Constata-se que, quer na sentença de 1ª instância, quer no acórdão recorrido, foi abordada individualmente cada uma das ilegalidades apontadas ao «acto impugnado», a qual foi julgada por referência à pertinente matéria de facto provada e às pertinentes normas jurídicas aplicáveis.

Novamente os autores - e apelantes - discordam do decidido, apontando ao «acórdão do tribunal de apelação» erro de julgamento de direito. A seu ver, o julgamento efectuado no acórdão recorrido desrespeita os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade - invoca os artigos 13º, da CRP, e 3º, 7º e 8º, do CPA -, e viola ainda os artigos 89º e 90º, do RJUE, e 5º, do DL nº266-B/2012, de 31.12.

No fundo - e em síntese - sublinham os recorrentes que a situação em causa corresponde à demanda dos proprietários de um imóvel reagindo à realização de obras impostas em nome «não da necessidade de conservação e manutenção da segurança e salubridade do prédio» - situação que entendem não se verificar - mas sim de «maior conforto» da inquilina, que, pagando uma «renda ínfima», impedirá a recuperação do capital que for investido nas obras, resultando as respectivas despesas como desnecessárias e desadequadas, e saindo violados os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

E feita tal apreciação, desde logo se constata a total unanimidade da decisão dos dois tribunais de instância, que convergiram não só no sentido decisório como também nos fundamentos factuais e jurídicos do decidido, sendo este um sinal de «aparente mérito da decisão» que não será de menosprezar. Ademais, analisada toda a fundamentação, verificamos que aos factos provados foi aplicado o regime jurídico, e as normas legais, que se mostravam pertinentes, tendo destas últimas sido efectuada uma interpretação, e aplicação, que tudo indica serem as correctas. Aliás, as razões jurídicas avançadas nas conclusões do recurso de revista, em prol da revogação do acórdão recorrido, não se mostram capazes de abalar seriamente os seus fundamentos de direito, aparecendo mais situadas no campo dos interesses privados - inerentes ao contrato de arrendamento existente «entre os autores e a contra-interessada» - do que no campo de «interesse público» que justificou o despacho impugnado.

Impõe-se concluir, desta análise preliminar e sumária, que o recurso de revista não se justifica em nome da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito, e, sem negar a relevância social da questão que lhe subjaz - que tem a ver com a conservação de prédios e com a sua salubridade -, afigura-se-nos que o aparente mérito da sua decisão pelo tribunal de apelação a faz desvanecer, retirando-lhe no caso concreto a necessária importância fundamental.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, não sendo o presente caso susceptível de quebrar a «regra» da excepcionalidade da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 11 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.