Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02773/17.2BEPRT |
Data do Acordão: | 06/23/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRS MAIS VALIAS VALOR DE REALIZAÇÃO |
Sumário: | I - Tendo presente a leitura das alegações de recurso e respectivas conclusões, temos que a Recorrente continua a insistir que a liquidação impugnada deve ser anulada por errónea quantificação da matéria colectável (rendimentos de Cat. G), devendo ser substituída por uma nova que considere o real valor de realização e, consequentemente, o real valor da matéria colectável, concentrando todo o seu labor nesta sede, deixando incólume a decisão recorrida onde se entendeu que não tendo a ora Recorrente lançado mão do procedimento que permitia demonstrar o preço efectivamente praticado na transmissão, previsto no nº 3 do art. 139º do CIRC, não pode, por via da presente acção, pôr em causa a liquidação controvertida, faltando o pressuposto de condição de apreciação da mesma, concluindo que a liquidação controvertida está devidamente consolidada, constituindo caso decidido ou resolvido. II - Deste modo, não pode, agora, este Supremo Tribunal, conhecer da realidade apontada pela Recorrente, precisamente por lhe estar vedado esse conhecimento, faltando-lhe o poder jurisdicional para o efeito, na medida em que está em causa matéria que não foi objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido e aquela que este apreciou não foi posta em crise pela Recorrente e, como já ficou dito, na falta de ataque, o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado. |
Nº Convencional: | JSTA000P27915 |
Nº do Documento: | SA22021062302773/17 |
Data de Entrada: | 06/04/2021 |
Recorrente: | A............ |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Processo n.º 2773/17.2BEPRT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO A…………, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13-01-2021, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3514201704003039, relativo à liquidação de IRS do ano de 2015, no montante a pagar de € 86 162,87.
“ (…) A. O preço efetivamente praticado, e recebido pela recorrente, foi o declarado na escritura pública de compra e venda, pelo que deve ser esse a ter em conta para o apuramento dos ganhos sujeitos a mais valias. B. A tributação, in casu, incide sobre um rendimento meramente ficcionado em detrimento frontal do direito de ser tributado sobre o rendimento efetivamente verificado. C. Deve a liquidação de IRS n.º 2016 5005301079 ser anulada por errónea quantificação da matéria coletável (rendimentos de Cat. G), devendo ser substituída por uma nova que considere o real valor de realização e, consequentemente, o real valor da matéria coletável. NESTES TERMOS, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento e em consequência ser revogada a sentença recorrida e afirmada a ilegalidade da liquidação de IRS impugnada com as demais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!
A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Cumpre decidir. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se a liquidação impugnada deve ser anulada por errónea quantificação da matéria colectável (rendimentos de Cat. G), devendo ser substituída por uma nova que considere o real valor de realização e, consequentemente, o real valor da matéria colectável. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… 1. Em 29 de Junho de 2015, a impugnante e B………… venderam prédio urbano sito na freguesia do Bonfim, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º …… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ……, com o valor patrimonial de € 385.210,00, ao Banco Santander Totta, S.A., pela quantia de € 225 000,00 – cfr. Documento n.º 2 junto com a p.i ( escritura de compra e venda). 2. Em 2016/10/17, a impugnante submeteu a declaração de rendimentos, relativa ao ano de 2015, dela fazendo constar um anexo F (rendimentos prediais), um anexo G (rendimentos de mais valias) e um anexo H (deduções e benefícios fiscais). – facto admitido e não controvertido cfr PA apenso; 3. No anexo G da declaração referida em 2), declarou o rendimento sujeito a mais valias resultante da alienação de um imóvel sito na Alameda ………, ……, freguesia do Bonfim – Porto, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art. ……. – facto admitido e não controvertido cfr PA apenso; 4. O valor patrimonial do imóvel à data da alienação era de € 385 210,50, valor este que a impugnante declarou no anexo G como valor de realização. - cfr documento nº 2 junto com a p.i e PA apenso aos autos, 5. Em consequência dessa declaração foi emitida a liquidação n.º 2016.55301079, da qual resultou o montante de € 86.162,87, cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 2016/12/07. - cfr Documento nº 1 e PA apenso aos autos; 6. Em 2017/04/04 a impugnante apresentou reclamação graciosa à qual coube o nº 3514201704003039, tendo sido indeferida por despacho proferido em 2017/09/08. - cfr PA apenso aos autos; 7. Em 30-11-2017 apresentou impugnação judicial – cfr fls 1 dos autos; 8. Dá-se por reproduzida para todos os efeitos legais fotocópia de cheque bancário do Banco Santander Totta no valor de € 26.000,00 emitido em 20-10-2014, à ordem de B………… - Docº nº 3 junto com a p.i; 9. Dá-se por reproduzida para todos os efeitos legais fotocópia do extrato da conta bancária “consulta de movimentos desde 2015-06-30 até 2015-06-30” cujo titular é B………… – Doc nº 4 junto com a p.i; * Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis. Motivação da decisão de facto A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes.” «» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de saber se a liquidação impugnada deve ser anulada por errónea quantificação da matéria colectável (rendimentos de Cat. G), devendo ser substituída por uma nova que considere o real valor de realização e, consequentemente, o real valor da matéria colectável. Nas suas alegações, a Recorrente insiste que o preço efectivamente praticado, e recebido pela recorrente, foi o declarado na escritura pública de compra e venda, pelo que deve ser esse a ter em conta para o apuramento dos ganhos sujeitos a mais valias, sendo que a tributação, in casu, incide sobre um rendimento meramente ficcionado em detrimento frontal do direito de ser tributado sobre o rendimento efectivamente verificado, pelo que, deve a liquidação de IRS n.º 2016 5005301079 ser anulada por errónea quantificação da matéria colectável (rendimentos de Cat. G), devendo ser substituída por uma nova que considere o real valor de realização e, consequentemente, o real valor da matéria colectável. Ora, a decisão recorrida afastou a procedência da pretensão da Recorrente, ponderando que: “… Assim sendo e tendo em conta o disposto nos artigos anteriores, coloca-se desde já a questão da procedibilidade da presente ação por não ser impugnável a liquidação em causa dada a omissão do procedimento estabelecido no nº 3 do art. 139º do CIRC, que é obrigatória, conforme referido em sede de contestação pela Fazenda Pública, não obstante a reclamação graciosa e a consequente impugnação judicial respeitaram os prazos previstos nos artigos 70º e 102º do CPPT, de 120 dias e 3 meses, respetivamente. No entanto, atendendo à referência do disposto no artº 44º nº 6 do CIRS, há uma omissão do procedimento obrigatória que desde logo inviabiliza a presente ação – neste sentido veja-se o Acórdão do TCA Sul, de 2016-11-24, proferido no Proc. 08624/15 (disponível em www.dgsi.pt),onde se destaca o seguinte: “…IV- Por conseguinte, se o impugnante pretendia discutir o preço efectivo da transmissão ocorrida, isto é, se pretendia fazer a “prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”, deveria ter lançado mão do procedimento previsto no nº 3 do artigo 129º. (actualmente, art. 139º). Pelo exposto improcede a presente impugnação. …”. Tal significa que a decisão recorrida entendeu que existia uma questão relacionada com a procedibilidade da presente acção por não ser impugnável a liquidação em causa dada a omissão do procedimento estabelecido no nº 3 do art. 139º do CIRC, que é obrigatório, apontando ainda que, atendendo à referência do disposto no artº 44º nº 6 do CIRS, há uma omissão do procedimento obrigatória que desde logo inviabiliza a presente acção, ou seja, não tendo a aqui Impugnante, ora Recorrente, lançado mão do procedimento que permitia demonstrar o preço efectivamente praticado na transmissão, previsto no nº 3 do art. 139º do CIRC, não pode, por via da presente acção, pôr em causa a liquidação controvertida, faltando o pressuposto de condição de apreciação da mesma, concluindo que a liquidação controvertida está devidamente consolidada, constituindo caso decidido ou resolvido. Pois bem, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 01-10-2014, Proc. nº 0466/14, www.dgsi.pt. “… O recurso jurisdicional tem como objecto a decisão judicial recorrida e pode ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o recorrente entenda que afecta a decisão recorrida. Em regra, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, ou seja, questão que não tenha sido objecto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais [cfr. art. 676.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)], ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram. Mas há excepções, sendo uma delas a que permite ao tribunal ad quem apreciar as questões que sejam do conhecimento oficioso. E, sendo as questões do conhecimento oficioso, nada obsta a que as mesmas sejam suscitadas pelas partes em sede de recurso, pois, “se o tribunal pode delas conhecer sem que qualquer das partes as submeta à sua apreciação, também o poderá fazer quando a questão é colocada por uma das partes” (Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 21 ao art. 279.º, pág. 357.). (…) No entanto, a ora Recorrente não atacou a sentença, à qual não assaca nulidade (Note-se que não constitui nulidade por omissão de pronúncia a falta de conhecimento na sentença de questões que, sendo do conhecimento oficioso, não tenham sido suscitadas por alguma das partes, pois aquela nulidade apenas ocorre quando haja violação do dever do tribunal em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas. Neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 142.) ou erro de julgamento … Sucede, assim, que, na falta de ataque, o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado. Consequentemente, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo, por para tanto não lhe assistir poder jurisdicional, conhecer de qualquer outra questão suscitada, ainda que do conhecimento oficioso.”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 15/05/2013, recurso n.º 0508/13. …”. Aplicando esta doutrina ao nosso caso concreto, tendo presente a leitura das alegações de recurso e respectivas conclusões, temos que a Recorrente continua a insistir que a liquidação impugnada deve ser anulada por errónea quantificação da matéria colectável (rendimentos de Cat. G), devendo ser substituída por uma nova que considere o real valor de realização e, consequentemente, o real valor da matéria colectável, concentrando todo o seu labor nesta sede, deixando incólume a decisão recorrida onde se entendeu que não tendo a ora Recorrente lançado mão do procedimento que permitia demonstrar o preço efectivamente praticado na transmissão, previsto no nº 3 do art. 139º do CIRC, não pode, por via da presente acção, pôr em causa a liquidação controvertida, faltando o pressuposto de condição de apreciação da mesma, concluindo que a liquidação controvertida está devidamente consolidada, constituindo caso decidido ou resolvido. Deste modo, não pode, agora, este Supremo Tribunal, conhecer da realidade apontada pela Recorrente, precisamente por lhe estar vedado esse conhecimento, faltando-lhe o poder jurisdicional para o efeito, na medida em que está em causa matéria que não foi objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido e aquela que este apreciou não foi posta em crise pela Recorrente e, como já ficou dito, na falta de ataque, o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 23 de Junho de 2021 Pedro Vergueiro (Relator) O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Aragão Seia e Nuno Bastos. Pedro Nuno Pinto Vergueiro |