Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0252/17
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir a revista, em sede de providência cautelar, quando está apenas em causa a discussão respeitante à área onde o despacho impugnado no processo principal irá ser aplicado sendo certo, por outro lado, que é consistente a apreciação do acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P21618
Nº do Documento:SA1201703160252
Data de Entrada:03/06/2017
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
O A…………….., L.da intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, providência cautelar contra o Ministério da Educação, onde pediu:
1) Suspender-se a eficácia das normas a que correspondem o n.º 9 do art.º 3.º e o n.º 3 do art.º 25.º do despacho normativo n.º 7-B/2015, de 7/05, na redacção introduzida pelo despacho normativo n.º 1-H/2016, de 14/4, cuja declaração de ilegalidade irá pedir em acção administrativa especial a instaurar.
2) E não permitir a aplicação das citadas normas à Requerente.”

Com êxito já que aquele Tribunal deferiu a requerida suspensão.
Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte revogou.

É desse acórdão que o A……………….., L.da vem recorrer, ao abrigo do disposto no art.º 150.º/1 do CPTA

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A pretensão do Recorrente é, como se viu, que o Tribunal suspenda a eficácia do disposto no n.º 9 do art.º 3.º e no n.º 3 do art.º 25.º do despacho normativo n.º 7-B/2015, de 7/05, na redacção que lhes foi introduzida pelo despacho normativo n.º 1-H/2016, de 14/4, e, consequentemente, que a aplicação do disposto nessas normas fosse paralisada.

O TAF deferiu essa providência e, por isso, suspendeu a eficácia das identificadas normas pela seguinte ordem de razões:
Desde logo, porque se verificava o fumus boni iuris uma vez que, por um lado, as normas suspendendas violavam o disposto nos art.ºs 98.º a 100.º do CPTA, por outro, careciam de habilitação legal e, finalmente, violavam os art.ºs 18.º e 16.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo. Designadamente violavam as referidas normas do citado Estatuto porque “a limitação geográfica do universo dos alunos que podem frequentar a escola com contrato de associação, determinada pelas normas ora impugnadas, está proscrita expressamente no EEPC, não está prevista nem suposta na Portaria 172-A/2015, de 5/06, e não o estava no Despacho Normativo 7-B/2015, até à publicação das normas ora suspendendas; mas está-o doravante nestas últimas”, não podendo as mesmas ser aplicadas à Autora “já que a inibem de admitir a frequentar o seu estabelecimento todos e quaisquer alunos não residentes - e cujo encarregado de educação não exerça a sua actividade profissional principal - na sua “área geográfica de implantação da oferta” (cf. artigo 9º nº 2 al.ª d) da Portaria), isto é, na sua “área de influência” (cf. Despacho Normativo 5-B/2015, artigos 10º nºs 5 e 7 e 11º nº 5), deste modo a impossibilitando de aceitar as matrículas apenas em função dos critérios de prioridade definidos no mesmo regulamento, portanto, em violação do desígnio da progressiva igualdade no acesso ao ensino particular e cooperativo contido e explicitado ao longo das acima citadas normas do EEPC e, concretamente, em violação do nº 2 do artigo 16º do mesmo Estatuto.”.

Por outro lado, ocorria o periculum in mora porque “mesmo que se entenda que a circular obstará, de facto, à perda daquela percentagem de alunos, sempre remanescerá a probabilidade do facto consumado da perda de quejanda percentagem de alunos nas turmas de início de ciclo, incluindo o perigo da consequente impossibilidade de abertura de turmas atribuídas, por falta de alunos insuficientes …..
Aliás, dada a percentagem de alunos de fora da área de influência (digamos assim, brevitatis causa) dada como provada, a própria inviabilidade do estabelecimento, com o consequente encerramento a breve trecho, com ou sem insolvência, é de temer objectivamente o que também isso seria um facto consumado que é licito à Autora procurar evitar mediante este processo.”

Finalmente, “Feito o confronto, parece-me que é maior a gravidade do dano que sofreriam estes últimos interesses (da Autora e dos utentes em geral da rede), se a providência pedida fosse recusada.
Na verdade, a procedência do pedido cautelar mais não implicará do que a manutenção do status quo no que respeita ao direito à frequência da escola da Autora com contratos de associação, ao passo que a improcedência implicaria essa sim, alterações que, pelo menos para a Autora e para os seus trabalhadores e utentes poderiam ser bem graves, como se expôs.”

O Acórdão recorrido revogou essa decisão com a seguinte fundamentação:
- Não tinha havido violação do disposto no art.º 98.º/1 do CPA porque “tal como resulta da matéria factual indiciariamente assente, o aviso de publicitação do início do procedimento, tendente à elaboração do referido despacho normativo, foi publicado no site oficial do governo em 24.02.2016 “para os efeitos previstos no artigo 98.º do CPA.
- Também não fora violado o art.º 99.º/1 do CPA porque dele não se retirava “o dever de o relatório preambular do Despacho Normativo nº 1-H/2016 fazer alusão à ponderação que, em concreto, tenha sido feita, mas sim que a nota justificativa que deve acompanhar o projecto de regulamento se refere ao texto preparatório e não ao texto final. Pelo que cabia à requerente cautelar provar – o que não logrou, conforme resulta dos factos indiciariamente assentes – que foi omitida a fase de elaboração do texto regulamentar inicial, tendente à aprovação do Despacho normativo em causa, instruído, nos termos da norma citada.
- Não havia violação do art.º 100.º do CPA por a dispensa do direito de audiência ter justificação legal: (i) a realização da audiência de interessados não estaria concluída antes da última semana de Maio, comprometendo a execução do despacho; (ii) permitir a aplicação e conhecimento imediato a partir de 15 de Abril, por parte dos alunos, das famílias e dos docentes, dos novos procedimentos de matrícula, renovação de matrícula e outros previstos. Razões que se inserem nas situações legalmente previstas de dispensa de audiência dos interessados, expressamente invocadas, e se mostram suficientes e congruentes para as fundamentar.”
- Por outro lado, as normas suspendendas tinham habilitação legal e isto porque no preâmbulo do referido Despacho Normativo … vêm expressamente referidas as normas em que o mesmo se funda, relativas a matérias nas quais se insere a da frequência de ensinos particulares ou cooperativos. Ademais, não é exigível que todas as matérias regulamentadas tenham de estar prévia e detalhadamente referidas na norma habilitante, bastando que derivem da matéria a regulamentarcfr. Acórdão do TCAN, P. 00790/15.6BECBR.
- Por fim, “A norma em causa não impede o financiamento de turmas constituídas em escolas particulares ou cooperativas em condições de gratuitidade igual às escolas públicas no que se refere a despesas com propinas e matrículas, mas apenas das turmas cujos alunos não residam – e cujo encarregado de educação não exerça a sua actividade profissional principal – na “área geográfica de implantação da oferta” abrangida pelos contratos de concessão, enquanto área, repita-se, carenciada de rede pública escolar.
O que se mostra justificável.
De notar que na nossa ordem jurídica não se encontra consagrada a faculdade dos alunos, ou dos seus pais, optarem livremente por uma escola pública ou privada com garantia de gratuitidade de ensino. Nem a Constituição o garante, nem o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
Termos em que se julga não ser provável a procedência da acção principal com fundamento na violação de lei material. No demais, face a todo o exposto, e tendo presente que as diversas causas de invalidade apontadas à norma suspendenda carecem de uma análise mais aprofundada e maturada a efectuar em sede da acção principal, julga-se não demonstrada a probabilidade de êxito da mesma, assistindo razão ao Recorrente quanto ao erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida.”

3. O Recorrente requer a admissão desta revista submetendo à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
“a. Saber se processo contém ou não os factos/matéria suficiente para concluir pela verificação do requisito do “fumus boni iuris”, atendendo à natureza sumária da cognição a efectuar;
b. Saber se as normas suspendendas a que correspondem o n° 9 do art.º 3° e o n° 3 do artigo 25° do despacho normativo n° 7-B/2015, de 7/5, na redacção introduzida pelo despacho normativo n° 1-H/2016, publicado em 14/04/2016, estabelecem ou não uma limitação geográfica concretamente definida e impeditiva de os alunos frequentarem estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, em contrato de associação;
c. Em face da(s) resposta(s), confirmar que estão reunidos o “periculum in mora”, o “fumus boni iuris” e a supremacia dos interesses da recorrente em face dos do recorrido para desta forma, repristinar a decisão da 1.ª instância e decretar as providências requeridas.”

Relativamente à primeira questãosaber se processo contém os factos/matéria suficiente para concluir pela verificação do requisito do “fumus boni iuris” e, portanto, saber se o tribunal deveria, ou não, averiguar matéria de facto essencial para a decisão – a mesma não justifica a admissão do recurso de revista, uma vez que se prende com as especificidades do concreto processo em causa.
Quanto à segunda questãosaber se as normas em causa estabelecem uma limitação geográfica concretamente definida - a mesma foi respondida no Acórdão recorrido em termos plausíveis e suficientemente fundamentados onde se concluiu que nem a CRP nem as leis ordinárias consagravam o direito dos alunos, ou dos seus pais, a optarem livremente por uma escola pública ou privada com garantia de gratuitidade de ensino. Com esta conclusão a questão já não é apenas a de saber o exacto alcance das normas, objecto do pedido de suspensão, mas a de saber em que medida nos contratos de associação celebrados com a recorrente, a nova lei impõe uma limitação geográfica. Portanto, questão cuja aprofundada discussão caberá ao processo principal pois só aí se poderá definir com segurança o alcance da expressão “área geográfica de implantação”, tanto mais quanto e certo que a interpretação a que aqui se chegasse não era vinculativa naquele processo. Note-se, finalmente, que o Recorrente pretende suspender a eficácia de normas, as quais, para efectivamente causarem prejuízo pressupõe actos de execução que – a ocorrerem efectivamente – podem ser impugnados (art. 52º, 2 do CPTA).
Acresce que a existência de muitos outros processos onde se discutem questões análogas não implica, por si só, a admissibilidade do recurso com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito. Ao contrário, significa que, pelo menos ao nível do TCA, a jurisprudência se encontra estabilizada o que, em princípio, indicia que não será necessário admitir a revista com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.
Ora, não se ignorando que os despachos ora em causa tiveram uma significativa repercussão social, importa dizer que a sua legalidade só poderá ser apreciada em toda a sua profundidade na acção principal e não no quadro cautelar onde nos encontramos.
Assim, e reiterando que se trata de decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar, em que o juízo veiculado se traduz numa regulação provisória e que esta, de modo algum e seja qual for o seu sentido, não compromete a apreciação da decisão a proferir no processo principal e sendo, ainda, que o acórdão aparenta cumprir os requisitos de uma adequada ponderação concluímos não estarem preenchidos os requisitos de admissão de revista.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Março de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.