Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01569/02
Data do Acordão:05/27/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FREITAS CARVALHO
Descritores:ÁREA DE PAISAGEM PROTEGIDA SINTRA-CASCAIS.
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA.
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO.
NÚCLEO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL.
DIREITO AO AMBIENTE.
NULIDADE
Sumário:O licenciamento de uma construção num local onde, mediante certas condições, é permitida, quer dizer que nem todas as construções violam o bem protegido (o ambiente), pelo que para que se configure o vício de violação de lei por ofensa ao núcleo essencial do direito fundamental consignado no artigo 66 da CRP, necessário se torne que se verifique em concreto uma situação de que resulte uma agressão ao ambiente de tal modo grave que mereça a sanção da nulidade, não sendo suficiente para tal a mera omissão da obrigação de, nos termos do artigo 7, n.º 1, al. b), do DL n.º 292/81, de 15-10, obter a "autorização prévia" da APPSC.
Nº Convencional:JSTA00060521
Nº do Documento:SA12004052701569
Data de Entrada:10/10/2002
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:CM DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA DE 2002/04/30.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Legislação Nacional:LPTA85 ART36 N1 D.
CPA91 ART88.
CCIV66 ART342.
DL 292/91 DE 1991/10/15 ART2 ART7.
DRGU 9/94 DE 1994/04/11 ART4 N1.
DL 445/91 DE 1991/11/20 NA REDACÇÃO DO DL 250/94 DE 1994/12/05 ART52 N1 A.
CONST97 ART66.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1572/02 DE 2004/02/17
Referência a Pareceres:P PGR DE 1989/10/12 IN DR IIS DE 1990/05/25.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
A magistrada do Ministério Público recorre da sentença de 30-04-2002, do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que negou provimento ao recurso contencioso que havia interposto da deliberação de 7-09-88, da Câmara Municipal de Sintra, que deferiu o pedido de ampliação de edificação já existente formulado por A..., identificado nos autos.
Nas conclusões da alegação a magistrada recorrente formula as conclusões seguintes :
1 - O presente recurso jurisdicional vem interposto pelo Ministério Público da douta sentença proferida em 30/04/2002, de fls. 152 a fls. 157 dos autos à margem referenciados que, conhecendo do vício de violação de lei invocado, negou provimento ao recurso contencioso interposto pelo Ministério Público em defesa da legalidade, da deliberação proferida em 7/09/1988 pela Câmara Municipal de Sintra que deferiu o pedido de A..., respeitante a alterações a introduzir na edificação existente no seu prédio rústico denominado "..." sito no Penedo, freguesia de Colares, localizado na Área Florestal Especial correspondente ao Perímetro da Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais (APPSC).
2 - Considerou a douta sentença recorrida que o Ministério Público, Recorrente, não alegou e provou factos concretos de onde pudesse concluir-se que a aprovação do projecto e licenciamento da obra de ampliação em causa ofendeu efectivamente os valores que se pretendem salvaguardar naquela Área naturais, culturais ou estéticos -, porque se limitou simplesmente a extrair da falta de solicitação da autorização da CI/APPSC e, portanto, da inexistência dessa autorização, a ofensa do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente, e sendo assim, não provou que a deliberação de 7/09/88 tivesse ofendido nem, consequentemente, em que grau, a conservação da natureza e a preservação dos valores culturais e estéticos da Área Florestal Especial correspondente ao Perímetro da Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais (APPSC), sendo certo que só uma violação grave (chocante) do "núcleo essencial desse direito ao ambiente" seria susceptível de importar a nulidade do acto impugnado, pois, nos demais casos, sempre seria de aplicar a regra geral da anulabilidade por vício de violação de lei.
3 - O Ministério Público entende que, face à matéria de facto dada como provada, ficou demonstrado que, por não haver sido precedida da necessária "autorização prévia", à data, da competência da CI da APPSC, em sede de gestão global da área para salvaguarda dos valores naturais, culturais e estéticos existentes na Área Florestal Especial correspondente ao Perímetro da Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais (APPSC), em que se localizava a construção, a deliberação impugnada estava inquinada de vício de violação de lei por ofensa do "conteúdo essencial" do "direito fundamental ao ambiente" de "salvaguarda dos valores naturais, culturais e estéticos" existentes na referida Área Florestal Especial, cuja salvaguarda estava cometida à Comissão Instaladora da APPSC (arts. 9º al. e), 18º e 66º n.º 2 al. c) da CRP/82, Desp. 4/87 do SEARN, n.ºs 1 e 3 al. a), publicado no DR, II Série, de 10/03/87, ex vi art. 9º n.º 4 do DL n.º 4/78, de 11/01, com referência aos arts. 2º e 7º n.º 1 al. b) do DL n.º 292/81, de 15/10), vício gerador de nulidade nos termos dos arts. 133º n.º 2 do CPA.
4 - O art. 66º da Constituição fixa os grandes pilares relativos à protecção do ambiente, apresentando como trave-mestra o princípio da prevenção.
5 - O direito ao ambiente é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
6 - Consequentemente, o art. 66º da CRP é directamente aplicável, prevalecendo sobre qualquer norma ordinária e vinculando o Estado e demais entidades - cfr. o art. 18º n.º 1 da CRP.
7 - O conteúdo essencial do direito fundamental ao ambiente, previsto no art. 66º da CRP, é aquele mínimo sem o qual o direito ao ambiente não pode subsistir.
8 - A violação grave do conteúdo essencial do direito fundamental ao ambiente é geradora de nulidade.
9 - A defesa do ambiente, na sua vertente de prevenção e protecção deste bem público, exige que sejam cumpridas as restrições decorrentes de delimitações de áreas naturais, por só assim se poder fazer respeitar a letra e o espírito da imposição constitucional, que é directamente aplicável.
10 - O acto administrativo que ofenda o princípio da prevenção, que é a trave-mestra do direito ao ambiente, até por razões de lógica jurídica, tem de ser considerado gravemente violador do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e como tal inquinado de vício de violação de lei gerador de nulidade.
11 - Ao invés do que foi considerado na douta sentença sub judice, o Ministério Público alegou e provou factos concretos de onde podia e devia concluir-se que a deliberação proferida em 7/09/88 pela Câmara Municipal de Sintra, de aprovação do projecto e licenciamento da obra de ampliação em causa, devido a ter sido emitida sem prévia solicitação da autorização da CI/APPSC, ofendeu a conservação da natureza e a preservação dos valores naturais, culturais e estéticos da Área Florestal Especial correspondente ao Perímetro da Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais (APPSC),
ofendendo, de forma grave o "núcleo essencial desse direito ao ambiente", e como tal devendo ser declarada a sua nulidade.
12 - Não tendo entendido assim, a douta sentença sub judice incorreu em erro de interpretação e aplicação do Direito, tendo violado o disposto nos arts. 9º al. e), 18º e 66º n.º 2 al. c) da CRP/82, Desp. 4/87 do SEARN, n.ºs 1 e 3 al. a), publicado no DR, II Série, de 10/03/87, ex vi art. 9º n.º 4 do DL n.º 4/78, de 11/01, com referência aos arts. 2º e 7º n.º 1 al. b) do DL n.º 292/81, de 15/10, e art. 133º n.º 2 do CPA, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade do acto impugnado.
Contra-alegou a entidade recorrida, formulando a seguintes conclusões :
1. Inconformado com a douta sentença proferida nos autos acima identificados, veio o DMMP a interpor recurso da mesma para o Supremo Tribunal Administrativo (vide requerimento de fls. 186), por entender que a mesma incorreu em erro de interpretação e aplicação do Direito, tendo violado o disposto nos artigos 9º, al. e), 18º e 66º, n.º 2, al. c) da CRP/82, Despacho 4/87 do SEARN, n.º 1 e 3, al. a), ex vi do artigo 9º, n.º 4 do Decreto-lei 4/78, de 11-01, com referência aos artigos 2º e 7º, n." 1, al. b) do Decreto-lei 292/81, de 15-10 e artigo 133º n.º 2 do CPA.
2. Assenta a tese do DMMP no pressuposto de que competia à CI/APPSC a salvaguarda do direito fundamental ao ambiente consagrado no artigo 66 da CRP/82, que teria aplicabilidade directa nos termos do artigo 18 da CRP/82, pelo que o licenciamento sem a obtenção prévia do parecer de tal entidade estaria eivado do vício de nulidade, nos termos do artigo 133, n.º 2 do CPA.
3. Na data em que foi tomada a deliberação sub judice (07-09-88), ainda não se encontrava em vigor o CPA – Decreto-lei 442/91, de 15-11 – diploma legal que só entrou em vigor em 16-05-92.
4. Antes dessa data, não existia qualquer normativo legal que previsse expressamente a nulidade de quaisquer actos administrativos ofensivos do conteúdo essencial de um direito fundamental.
5. Assim sendo, a deliberação em causa não incorreu em nulidade, por não ter violado o artigo 133, n.º 2 do CPA nem, aliás, qualquer outra norma legal que contivesse essa previsão específica.
6. Em todo o caso, o regime decorrente do artigo 18 da CRP/82 apenas se aplica aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.
7. Ora, ainda que se possa considerar que o direito ao ambiente consagrado no artigo 66 da CRP/82 constitui um direito de natureza análoga, não ficou provado que o conteúdo essencial de tal direito tenha sido ofendido por ter sido licenciada uma construção sem que tenha sido obtida autorização prévia da CI/PNSC.
8. Na verdade, o acto de licenciamento de qualquer construção não é susceptível de, por si só, provocar qualquer dano ao ambiente, nem de ofender a conservação da natureza e a preservação dos valores naturais, culturais e estéticos da Área de Floresta Especial correspondente ao Perímetro da APPSC, desde logo porque a circunstância de existir licenciamento de uma determinada obra não significa que tal obra seja efectivamente construída.
9. Por outro lado, a verdade é que não foi feita prova de que a construção licenciada tenha, em concreto, ofendido a conservação da natureza e a preservação dos valores naturais, culturais e estéticos da Área de Floresta Especial correspondente ao Perímetro da APPSC.
10. Até porque, não tendo sido obtida a autorização da CI/APPSC, esta entidade nunca chegou a apreciar o pedido de licenciamento, embora seja admissível que, se o tivesse feito, viesse a autorizar tal construção, precisamente por a mesma não provocar dano ao ambiente.
11. Nada há, pois, a apontar à douta sentença Recorrida que bem andou ao negar provimento ao recurso por entender que não ficou provado que a deliberação impugnada, pelo facto de não ter sido precedida da autorização prévia da CI/APPSC, tivesse violado o disposto nos artigos 9º, al. e), 18º e 66º, n." 2, al. c) da CRP/82, Despacho 4/87 do SEARN, n." 1 e 3, al. a), ex vi do artigo 9º, n.º 4 do Decreto-lei 4/78, de 11-01, com referência aos artigos 2º e 7º, n.º 1, al. h) do Decreto-lei 292/81, de 15-10 e artigo 133º n.º 2 do CPA.
Igualmente o recorrido particular apresentou contra-alegações que conclui da forma seguinte :
1- O Recorrente não alegou factos que pudessem habilitar o Tribunal a concluir pela ocorrência de qualquer violação ao direito ao ambiente consagrado no art. 66º da CRP;
2- Na ausência de alegação e prova dos pertinentes factos, não pode o Recorrente concluir que o licenciamento da obra “ofendeu a conservação da natureza e preservação de valores naturais, culturais e estéticos da Área em causa”;
3- O acto atacado não é nulo por isso mesmo que, conforme decidiu esse Venerando Supremo Tribunal, no regime do D.L. 166/70, de 15-04, a omissão de consulta de entidades exteriores era geradora de anulabilidade e não de nulidade;
4- O recurso contencioso, interposto vários anos após a prática do acto administrativo, é extemporâneo;
5- A douta sentença não cometeu qualquer das violações que lhe vêm assacadas, devendo ser integralmente confirmada.
II . A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos :
a)- O Recorrido Particular é dono do prédio rústico com a área de 4 720 m2, denominado “...”, situado na freguesia de Colares, na Serra do Penedo, localizado na Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais, na respectiva Área Florestal
Especial da Serra de Sintra, e no qual se encontrava implantada, em Março de 1988, uma edificação com cerca de 12 m2, destinada à recolha de utensílios agrícolas;
b)- Por requerimento de 24-03-88, o Recorrido particular solicitou ao Presidente da Câmara de Sintra a licença necessária para proceder à ampliação daquela edificação para 73,11m2, de harmonia com o projecto, memória descritiva e peças desenhadas que acompanhavam o requerimento;
c)- Em reunião de 7-09-88, a Câmara Municipal de Sintra deliberou deferir o pedido de licenciamento requerido sem ter solicitado nem obtido autorização da Comissão Instaladora da APPSC para a referida ampliação.
III. A sentença recorrida negou provimento ao recurso contencioso com base no seguinte discurso argumentativo:
“ Por Acórdão do STA de 18-10-2001, foi revogada a sentença proferida a fls. 81/87 que declarara a nulidade da deliberação de 7-09-88 por vício de incompetência absoluta, com fundamento em que esta decisão judicial violou a al. a) do nº 1 do art 88º do DL 100/84, por a Câmara Municipal de Sintra «Ao deferir o pedido de aprovação do projecto e licenciamento de construção ter praticado um acto incluído no elenco das suas competências (art. 51º/2/c do DL 100/84 e DL 166/70) e compreendido nas atribuições do município respectivo (art. 2º do DL 100/84)», pelo que apenas preteriu uma formalidade do procedimento de licenciamento, mas não invadiu, só por isso, as atribuições cometidas à CI/APPSC.
Sendo assim e uma vez que a preterição desta formalidade só é susceptível de gerar a anulabilidade do acto impugnado, o vicio por ela integrado há muito se encontrava sanado na data da interposição do presente recurso.
Portanto, estando ainda imputada à deliberação impugnada a ofensa do «conteúdo essencial» do direito fundamental ao ambiente» de «salvaguarda dos valores naturais, culturais e estéticos» existentes na Área Florestal especial da APPSC (arts 9º, al. e), 18º e 66º, nº 2, al. c) da CRP/82, Desp. 4/87 do SEARN, nºs 1 e 3, al. a), publicado no DR, II Série, de 10-03-87, ex vi art. 9º, nº 4 do DL 4/78, de 11-01, com referência aos arts 2º e 7º, nº 1, al. b) do DL 292/81, de 15-10), cumpre, em conformidade com o ordenado no citado Acórdão do STA, apurar se, no caso, se verifica ou não este vicio de violação de lei.
Como fundamento deste vicio, o Recorrente limita-se a alegar que a falta de autorização prévia da IC/APPSC inviabilizou «em absoluto que, no âmbito de tal procedimento, operasse a imperativa ponderação do “bem público ambiental” radicado na APPSC».
Porém, como consta do citado Acórdão do STA, «É certo que em todos os casos em que a lei imponha uma intervenção coordenada de diversos órgãos para a obtenção de determinado resultado final, a prática do acto que incumbe a um desses órgãos ignorando a necessidade da intervenção prévia do outro órgão põe em risco a prossecução do interesse público que ditou a imposição legal da intervenção», o que significa que tal risco poderá concretizar-se no acto praticado sem a autorização da CI/APPSC numa efectiva ofensa dos valores naturais, culturais e estéticos existentes na Área Florestal Especial da APPSC, mas que tal não tem que acontecer necessariamente no caso de não ter sido solicitada e, portanto, não ter sido concedida nem recusada tal autorização. Portanto, a verificação do invocado vicio exigiria que o Recorrente tivesse alegado e provado factos concretos de onde pudesse concluir-se que a aprovação do projecto e licenciamento da obra de ampliação em causa ofendeu efectivamente os valores que se pretendem salvaguardar naquela Área – naturais, culturais ou estéticos. Ora, o Recorrente não fez prova de tal ofensa, porque se limitou simplesmente a extrair da falta de solicitação da autorização da IC/APPSC e, portanto, da inexistência dessa autorização, a ofensa do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente.
Sendo assim, não provou que a deliberação de 7-09-88 tivesse ofendido nem, consequentemente, em que grau, a conservação da natureza e a preservação dos valores culturais e estéticos da Área Florestal Especial correspondente ao Perímetro da Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais (APPSC), sendo certo que só uma violação grave (chocante) do “núcleo essencial desse direito fundamental ao ambiente” seria susceptível de importar a nulidade do acto impugnado, pois, nos demais casos, sempre seria de aplicar a regra geral da anulabilidade por vicio de violação de lei.”
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida não merece qualquer reparo .
Como é sabido, em recurso contencioso compete ao recorrente o ónus de alegar e provar os factos integradores dos vícios que imputa ao acto recorrido – artigos 36, n.º 1, al. d), da LPTA, 88, do CPA, e 342, C. Civil.
No caso em apreço, em que se invoca a nulidade da deliberação impugnada por ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental ao ambiente, previsto no artigo 66, da CRP, tinham que ser alegados e provados factos concretos donde resultasse que da implantação daquela construção com as suas concretas características resultou, ou pudesse resultar, violação (grave) do conteúdo essencial do direito ao ambiente.
Ora, o recorrente limita-se a alegar que “ pela autoridade recorrida não foi nunca solicitada à comissão instaladora (CI) da APPSC – nem chegou alguma vez a ser emitida – qualquer « autorização prévia » para efeitos de ampliação da aludida edificação “ (artº 17º da petição de recurso) e que “ a preterição da « autorização prévia » ao licenciamento externado pela deliberação recorrida inviabilizou em absoluto que, no âmbito de tal procedimento, operasse a imperativa ponderação do «bem público ambiental» radicado na APPSC “(artº 23º da petição de recurso), concluindo, de seguida, que “a deliberação recorrida infringiu o « conteúdo essencial» do « direito fundamental ao ambiente » pelo que ficou enfermando de nulidade ...” (artº 24º da petição de recurso).
Não foram, pois, alegados e provado factos concretos de onde pudesse concluir-se que a aprovação do projecto e licenciamento da obra de ampliação em causa ofendeu efectivamente os valores naturais, culturais ou estéticos existentes na APPSC e que a criação daquela Área Protegida visou salvaguardar (cfr. artigo 2º, do DL n.º 292/91, de 15-10) e, assim, tivesse sido violado o conteúdo essencial do direito ao ambiente - Neste sentido ver Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 12-10-89, in DR, II série, de 25-05-90, citado pelo recorrente, onde se escreve : “ Ora, cabendo ao Estado, abster-se da prática de actos atentatórios do ambiente, do direito ao ambiente, deve igualmente entender-se que desrespeitam o referido preceito fundamental os actos administrativos do Estado que não respeitem o conteúdo essencial do direito em causa, segundo as circunstâncias do caso concreto “.
E impunha-se, como se escreve na sentença recorrida, que tivesse sido efectuada tal alegação e prova.
Na verdade, o acto de licenciamento de uma construção num local onde tal não é proibido - Quer o artigo 7, do DL n.º 292/81, de 15-10, quer o artigo 4, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 9/94, de 11-04, que aprovou o Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sinta-Cascais, admitem o licenciamento de construções fora de aglomerados urbanos, sujeitando-o apenas a autorização prévia, sendo certo que nos termos do n.º 2, da última disposição citada, “ a recusa de autorização ... só pode fundamentar-se no facto de aqueles actos ou actividades dificultarem a manutenção ou valorização das características das paisagens naturais ou seminaturais e a diversidade ecológica.“, ainda que inquinado de um vício procedimental que a lei não sanciona com nulidade, só por si, não ofende ou põe em perigo o conteúdo fundamental do direito ao ambiente, gerador de nulidade, o que apenas poderia acontecer se a decisão final do procedimento, com a qual está instrumentalmente conexionada a autorização prévia, tivesse tal potencialidade ofensiva, o que, manifestamente, se não pode inferir, sem mais, da implantação de uma construção destinada a habitação como a que foi licenciada pela deliberação contenciosamente impugnada.
O legislador ordinário, em matéria de licenciamento urbano, ora sanciona com nulidade ora com a mera anulabilidade a mesma violação de normas que impõem a consulta prévia de entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis – cfr. DL n.º 166/70, de 15-04, DL n.º 445/91, de 20-11 (artigo 52, n.º1, al. a)), e DL 250/94, de 15-10, que alterou o DL 445/91 - o que significa que o desvalor da omissão dessa formalidade não será de tal modo forte que justifique aquela sanção mais grave, isto é, não se trata de “um desvalor da actividade administrativa com o qual a legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade como acontece no regime regra da anulabilidade" ac. de 17-02-04, Proc.º n.º 1572/02.
E, convenhamos, que sendo a construção no local uma actividade permitida em certas condições, o quer dizer que nem todas as construções violam o bem protegido (o ambiente da APPSC), para que se configure o vício de violação de lei por ofensa ao núcleo essencial do direito fundamental consignado no artigo 66 da CRP, se torna necessário que se verifique em concreto uma situação de que resulte uma agressão de tal modo grave que mereça a sanção da nulidade, não sendo suficiente para tal a mera omissão da obrigação de obter a “ autorização prévia “ da APPSC.
Repare-se que no caso, ao contrário do alegado, não estamos já em sede de prevenção (o recurso foi interposto em 26-11-96 e a obra já está concluída, pelo menos desde 7-09-91 – cfr. boletim de fiscalização da C. M. de Sintra, junto ao p. a.) mas em sede de eventual reparação, razão por que a alegação concreta dos danos ambientais, bem como a respectiva prova, se torna ainda mais exigível até porque, caso aqueles se verifiquem, serão identificáveis e fáceis de apurar: bastaria para o efeito pedir ao PNSC parecer sobre tal matéria, ou colher informações junto de entidade responsável pela Área de Paisagem Protegida.
Concluímos, assim, que não tendo sido alegados nem provados factos integradores da violação do núcleo essencial do direito ao ambiente, não se mostra violado o artigo 66, da CRP, pelo que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a deliberação contenciosamente recorrida não se encontra inquinada de nulidade, negando provimento ao recurso contencioso interposto a fls. 2.
IV- Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida .
Sem custas .
Lisboa, 27 de Maio de 2004
Freitas Carvalho – Relator – Santos Botelho – Adérito Santos