Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0804/12
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
PRESSUPOSTOS
PAGAMENTO
Sumário:I - A contribuição especial prevista no DL 43/98, de 3 de Março, incide sobre o “aumento de valor” dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na lei, substancial e “anormalmente” valorizados como directa decorrência de importantes investimentos públicos.
II - Em princípio, a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra, pois o artigo 3º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado por aquele diploma, assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da referida valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença de construção.
III - Mas, a concessão “ad aedificandi” sobre o prédio objecto do licenciamento urbanístico antes da emissão do alvará torna o superficiário responsável pela contribuição especial, ainda que o alvará tenha sido emitido em nome do proprietário do solo.
IV - O facto do alvará ter sido indevidamente emitido em nome do proprietário do solo e não do superficiário, não torna o requerente do licenciamento responsável pelo contribuição especial, pois no momento da emissão do alvará já não era titular do direito de construir.
Nº Convencional:JSTA00068068
Nº do Documento:SA2201301300804
Data de Entrada:07/12/2012
Recorrente:A.... S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIB ESPECIAL
Legislação Nacional:DL 43/98 DE 1998/03/03
RJUE99 ART23 ART74 ART77 N7 ART9 N9
Jurisprudência Internacional:AC TC 579/11 DE 2011/11/29
AC TC 604/2005 DE 2005/11/02
Referência a Doutrina:ALVES CORREIA MANUAL DE DIREITO DO URBANISMO 2ED PAG645.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1 A……., SA, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº 3190200901073478 que contra si corre termos para execução coerciva da contribuição especial prevista no DL nº 43/98 de 3 de Março de 1998, no valor de €39.849,16.
Nas respectivas alegações de recurso, concluiu nos seguintes termos:
a) Em resumo, a sentença em crise, ao julgar improcedente, por não provada, a oposição à execução apresentada pela Recorrente considerou-a responsável pelo pagamento da contribuição especial, no montante de €38.354,04 (trinta e oito mil trezentos e cinquenta e quatro euros e quatro cêntimos), acrescida de juros compensatórios computados em €563,23 (quinhentos e sessenta e três euros e vinte e três cêntimos), dado que, nos termos do artigo 3.º do RCE, foi em nome desta que o alvará de obras foi emitido pela CMP;
b) Mas, ao contrário do decidido na douta sentença, a Recorrente entende convictamente que não é, de modo algum, a responsável pelo pagamento da referida contribuição especial, em virtude de não ser a titular do direito a construir;
c) De facto, a norma de incidência vertida no artigo 3.º do RCE exige que para um sujeito passivo ser responsável pelo pagamento da contribuição especial (i) tenha o direito a construir e também que (ii) seja emitido em seu nome o alvará de obras pela entidade competente;
d) Ora, ao outorgar, em 21/12/2007, com a B……. a escritura pública de constituição de direito de superfície, direito de opção, e pacto de preferência, a Recorrente transmitiu, em absoluto, àquela o direito a construir, como também lhe transmitiu os direitos inerentes ao alvará de obras;
e) Portanto, sendo a B……. a única titular do direito a construir no imóvel identificado supra, a Recorrente não pode, e muito menos não deve, ser considerada como a titular do direito a construir, situação essa plenamente reconhecida e aceite pelo Tribunal.
f) Verificando-se assim que, à data da emissão do alvará de obras pela CMP, em 10/03/2008, a Recorrente já não era a titular do direito a construir no imóvel, não se encontra, em consequência, verificado um dos requisitos previstos na norma de incidência do artigo 3.º do RCE, e por isso não pode ser exigida à Recorrente qualquer quantia a título de contribuição especial;
g) Pelo que, em suma, a douta sentença em crise ao decidir pela responsabilidade da Recorrente no pagamento da contribuição especial, quando já não tinha o direito a construir, violou a norma de incidência prevista no artigo 3.º do RCE, devendo por isso ser anulada e substituída que reconheça a ilegitimidade da Recorrente no pagamento daquela contribuição e dos respectivos juros compensatórios.

1.2. Não foram deduzidas contra-alegações.
1.3. Ouvido o Ministério Público junto deste STA, foi emitido o douto parecer de fls. 168/v, no sentido de que o recurso não merece provimento, confirmando-se pois a sentença recorrida ao julgar a recorrente parte legítima.
2. A sentença deu como provados os seguintes factos:

a) A Câmara Municipal do Porto emitiu em 10/03/2008, no nome da oponente, o alvará de obras nº 251/08, relativo ao prédio urbano sito na Rua …… e Rua ……, no Porto, freguesia de Cedofeita, descrito na Conservatória do registo predial do Porto sob o n°2237 e inscrito na matriz com o nº P11803 (cfr. doc. de fls. 25 dos autos).
b) A oponente é a proprietária do imóvel supra identificado.
c) Em 02/05/2008, através do oficio nº 7369, registado com aviso de recepção, o Serviço de Finanças do Porto 5, informava a, ora, oponente que “Pelo Dec. Lei n° 43/98, de 3.3, foi criada a Contribuição Especial, incidente sobre o aumento de valor dos terrenos para a construção e das áreas resultantes de demolição de prédios urbanos já existentes, abrangendo este Serviço de Finanças as freguesias de Cedofeita, Vitória e Santo Ildefonso neste Município do Porto. A Contribuição Especial é devida pelos titulares do direito a construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra. Nos termos do artigo 7°, do referido Dec. Lei, os titulares de alvarás ou licenças deverão apresentar até ao fim do mês imediato aquele a que tenha sido emitido pela competente Câmara Municipal o referido alvará, declaração modelo 1 (mod. 1350 exclusivo da INCM) em triplicado. Tendo em consideração que em seu nome foi emitido pela CM Porto o alvará de Obras nº 251/08, em 10/03/2008, sem que até à presente data tenha sido cumprida aquela disposição legal, fica por este meio notificado para no prazo de 15 dias a contar da notificação apresentar a referida declaração, podendo beneficiar da redução da coima, nos termos do art. 29° do Regime Geral das Infracções tributárias (…)” (cf. doc. de fls. 25 dos autos).
d) Em 21/12/2007, a oponente celebrou com a B……. uma escritura de “Constituição de Direito de Superfície, Direito e Opção e Pacto de preferência”, sobre o imóvel identificado em a) (cf. doc. de lis. 49 a 52 dos autos).
e) Naquela escritura a oponente reconhece “ (...) a faculdade da superficiária aí construir, instalar e explorar durante a vigência do contrato uma igreja para a prática de culto religioso...”
f) Em 30/05/2008 a B……. apresentou na CM do Porto, no Gabinete do Munícipe, o requerimento nº 58663/08/CMP destinado a “averbamento de novo requerente”, que veio a ser deferido por despacho do Director Municipal de Gestão Urbanística e Fiscalização de 09/10/2008 (cfr. doc. de fls. 53 a 56 dos autos).
g) Porque a oponente não pagou a Contribuição Especial no montante de €38.354,04, foi emitida a certidão de dívida nº 7001/2009, no montante de €38.354,04 (CE) acrescida de juros compensatórios no montante de €563,23, sendo a oponente citada para proceder ao pagamento no prazo de 30 dias que, posteriormente deu origem à execução n°3190200901073478 (cf. doc. de fls. 21 a 23 dos autos).
h) A presente oposição foi deduzida em 31/07/2009 (cf doc. de fls. 2 dos autos).

3. A Administração Tributária liquidou à recorrente a contribuição especial prevista no DL nº 43/98 de 3 de Março pelo facto de ser titular do direito de construir em cujo nome a Câmara Municipal do Porto emitiu o alvará de licença de construção numa área abrangida por aquele diploma.
A recorrente veio opor-se à execução, alegando que antes da emissão do alvará de construção transmitiu o direito de construir para a B……., através de escritura de constituição do direito de superfície sobre o prédio objecto daquela licença, pelo que não é responsável pela dívida exequenda.
A sentença recorrida julgou que a recorrente era a responsável pela contribuição especial com a seguinte argumentação: “Ora, o alvará nº 25/08 foi emitido em nome da oponente em 10/3/2003, logo a referida declaração deveria ter sido apresentada até final do mês de Abril de 2008, o que, como vimos, não aconteceu. Aliás o facto de a oponente ter transferido o direito de construir para a B……, por escritura de 21/12/2007, não chega para se escusar do pagamento que lhe é solicitado. É que a B……. só solicitou o averbamento do seu nome no referido alvará em data posterior que a oponente dispunha para cumprir com a sua obrigação declarativa (30/05/2008) e o averbamento só lhe foi deferido em 09/10/2008”.
A recorrente considera que houve erro de julgamento porque, apesar de “formalmente” estar habilitada a realizar as obras, o certo é que “materialmente” está impossibilitada de o fazer, dado ter transmitido o direito de construir em data anterior à emissão do alvará de licença de construção.
Entendemos que a razão está do lado da recorrente, tendo em conta as regras de incidência objectiva e subjectiva e o momento relevante para a consumação do facto tributário.
Estabelece o artigo 1.º do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao Decreto-lei n.º 43/98, de 3 de Março:
«1 – A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, situados nas áreas das seguintes freguesias: (...)
Por sua vez, preceitua o artigo 2° do mesmo RCE preceitua o seguinte:
«1 – Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que refere o artigo 43.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.»
E quanto à incidência subjectiva estabelece o artigo 3º que «A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra».
Como se vê, este imposto visa tributar a valorização de prédios situados em áreas excepcional e substancialmente beneficiadas pela realização de relevantes obras públicas, facilitadoras das comunicações estradais e ferroviárias – substituindo a que decorreria, quer do regime geral de tributação dos acréscimos patrimoniais ligados às mais-valias, quer os respeitantes a outras contribuições especiais, porventura existentes (artigo 5º do RCE). O objectivo do diploma foi tributar a valorização de que beneficiaram os prédios rústicos e terrenos para construção situados nas zonas envolventes à CRIL, CREL, CRIP, CREP e respectivos acessos, bem como à travessia ferroviária do Tejo e outros investimentos.
Conforme decorre dos artigos 1º e 2º acima transcritos, a chamada “contribuição de melhoria” incide sobre o “aumento de valor” dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na lei, substancial e “anormalmente” valorizados como directa decorrência de importantes investimentos públicos.
Em termos parecidos aos que estão previstos em sede do regime geral das mais-valias, a matéria colectável é integrada pela diferença entre um valor “de aquisição” e um valor actual de tais bens imóveis, precipitado em determinado acto jurídico, estabelecendo o artigo 2º, nº 2 do dito Regulamento que os valores que servem para determinar a “diferença” tributável são calculados por avaliação, que deverá basear-se no diferencial entre o valor hipotético dos imóveis à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor actual dos prédios à data “em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra” – valendo, todavia como momento “de realização” do acréscimo de valor patrimonial “a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra”.
Verifica-se, porém, que o aumento de valor não é resultado do normal decurso do tempo ocorrido entre 1994 e a data em que se formula o pedido de licenciamento, mas, como se escreve no acórdão do Tribunal Constitucional nº 579/2011, de 29/11, «de um outro facto, extraordinário e anormal, relacionado com investimentos públicos avultados em acessibilidades de diversa índole, as quais comportam benefícios consideráveis para os terrenos circundantes. A realização desses benefícios, resultantes não do normal decurso do tempo mas das acessibilidades entretanto executadas, que é consumada no requerimento da licença de construção, é que surge como o facto tributário o qual não é, portanto, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, um facto complexo. Não se visa tributar uma valorização gradual dos imóveis, mas sim a valorização que ocorre no momento em que se efectiva a possibilidade de utilização dos terrenos para o fim de construção urbana, com um valor substancialmente acrescido por via das obras públicas previstas no Decreto-Lei n.º 43/98, as quais tornaram viável tal utilização para a construção ou reconstrução, daí resultando, para o beneficiário da licença, benefícios patrimoniais acrescidos».
O RCE considera que este valor – ou melhor, a sua realização tributariamente relevante – se consome uma vez verificadas determinadas condições específicas: utilização de prédios rústicos ou terrenos para construção urbana ou demolição de prédios urbanos já existentes para neles edificar novas construções, as quais saem valorizadas pelas acessibilidades resultantes das obras públicas identificadas pelo diploma.
Na confrontação do artigo 2º com o 3º parece haver dois momentos relevantes para a determinação do tributo: o do requerimento da licença de construção e o da emissão do respectivo alvará. O primeiro serve de ponto de referência para o cálculo do valor do prédio e o segundo constitui o momento em que se considera “realizado” o acréscimo desse valor. Como a incidência objectiva do imposto recai sobre o aumento de valor do prédio, o que revela como data da sua realização é a data em que o direito de construir se torna efectivo, o que só acontece com a emissão do alvará.
No procedimento de licenciamento, o acto de licenciamento corresponde ao momento constitutivo de licenciamento (cfr. art. 23º do – DL nº 555/99 de 16/12, na redacção dada pela Lei nº 60/2007, de 4/9). É esse o acto administrativo principal do procedimento, aquele que define a situação jurídica do particular, removendo o limite imposto por lei ao ius aedificandi. Mas, apesar disso, a lei entende que esse acto só pode produzir efeitos jurídicos após a emissão de um documento que servirá de título de licença: o alvará (cfr. art. 74º do RJUE). Este assume, assim, a natureza jurídica de acto integrativo da eficácia do acto de licenciamento que, embora nada acrescente à definição da situação jurídica do particular, torna possível a execução da operação urbanística licenciada.
Ora, para efeitos de determinar o momento da “realização” do acréscimo do valor do prédio ou terreno que foi valorizado pelos investimentos públicos, a lei atende à data da emissão do alvará, por ser esse o momento em que o titular do direito de construir o pode tornar efectivo. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 604/2005, de 2/11 «o facto gerador do tributo é o acto jurídico de licenciamento da edificaçãorectius no momento em que é emitido o título correspondente – que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno passa de potencial a actual, e não o requerimento da licença de construção, bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido».
O facto de na determinação da matéria colectável o artigo 2º do diploma atender ao valor actual dos prédios à data "em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra", não significa que esse seja o momento da realização do acréscimo tributável. Como também se refere no referido acórdão, «não é a apresentação do requerimento de licenciamento da operação urbanística que constitui o facto gerador da obrigação de imposto. Estamos aí perante uma norma que opera em benefício do sujeito passivo, congelando esse aumento de valor em momento anterior ao da ocorrência do facto essencial, com que a mais valia eclode (a emissão do alvará), assim neutralizando os efeitos da maior ou menor duração do procedimento de licenciamento que, em princípio, é imputável à Administração ou decorre de circunstâncias aleatórias que o sujeito passivo não domina».
A determinação do momento em que se gera o facto tributário tem grande interesse no caso dos autos, pois quando o alvará foi emitido em nome da recorrente, ela já não era titular do direito de construir a obra licenciada. Desconhece-se em que data foi requerido o licenciamento, assim com a data da deliberação camarária que aprovou a obra. Mas o que não há dúvida, porque está provado, é que a recorrente celebrou em 21/12/2007 com a B……. um contrato, através do qual se constituiu a favor desta um direito de superfície sobre o terreno objecto do licenciamento por ela requerido e que o alvará foi emitido apenas em 10/3/2008.
Pressupondo que na data em que foi constituído o direito de superfície já estava iniciado o procedimento de licenciamento, competia à B……. requerer a substituição do requerente ou, após a emissão do alvará, a substituição do respectivo titular (cfr. nº 9 do art. 9º e nº 7 do art. 77º do RJEU). Ela assim fez, mas apenas em 30/5/2008, ou seja, um mês após ter expirado o prazo para o titular do alvará entregar na repartição de finanças a declaração de início do procedimento de avaliação do prédio para efeitos de liquidação da contribuição especial.
Sendo a contribuição devida pelos “titulares do direito de construir”, o facto revelador da capacidade contributiva que constitui o pressuposto e causa da contribuição especial, naturalmente que só quem pode exercer esse direito vê repercutir na sua esfera jurídica o aumento de valor do prédio. A incidência objectiva, consubstanciada no aumento do valor do prédio, resulta da possibilidade do mesmo ser utilizado para construção urbana. Mas, só quem tem o direito de construir pode ser sujeito passivo da contribuição especial. Isto significa que o facto tributário considerado não é a titularidade do direito ao aproveitamento urbanístico do solo, resultante de um plano urbanístico que o classifica como solo urbano e define o seu regime de uso, mas a titularidade do direito de construir, em sentido estrito, que consiste na faculdade de se materializar o aproveitamento urbanístico correspondente e que é consolidado ou adquirido com a emissão da licença titulada por alvará.
O titular do direito de construir não tem que ser necessariamente o proprietário do prédio ou terreno.
Do ponto de vista jus-civilista, o poder ou faculdade de construir faz parte do conteúdo do direito de propriedade, enquadrado nos direitos de uso e transformação (cfr. arts. 1305º, 1344º do CCv). Mas também o arrendatário ou o terceiro a favor de quem o proprietário constituir o direito de superfície têm a faculdade de construir (cfr. arts. 1036º, 1524º, 1525º e 1534º do CCv).
Já na perspectiva jus-publicista, o direito de construir só existe se um plano urbanístico possibilitar a construção, ficando o seu exercício dependente de uma autorização constitutiva da Administração pública que verifica a conformidade com esse plano. Nesta perspectiva «o “jus aedificandi” não é uma faculdade que faz parte do conteúdo natural do direito de propriedade, mas sim uma faculdade atribuída ou conferida pelo ordenamento jurídico urbanístico, de modo particular pelos planos» (cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, 2ª ed. pág. 645).
Como o proprietário do terreno não é o único legitimado a ser titular do “jus aedificandi”, o nº 1 do art. 9º RJEU limita-se a exigir que o requerente do licenciamento seja acompanhado, entre outros elementos, da «indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística». E assistindo ao titular do direito de construir a possibilidade de o transmitir, por acto inter vivos ou mortis causa, o adquirente deve provar a sua posição jurídica junto da Câmara Municipal, requerendo o averbamento de substituição do requerente do licenciamento ou do titular do alvará já emitido, no prazo de 15 dias a contar da data da substituição (cfr. nº 9 do art. 9º e nº 7 do art. 77º do RJEU).
Ora, no caso dos autos, quando o acréscimo de valor se “realizou”, consumado com a emissão do alvará de licença de construção, tal como se dita no artigo 3º do RCE, já o requerente do licenciamento não era titular do direito de construir: o alvará foi emitido em Março de 2008 e em Dezembro de 2007 o direito de construir foi transmitido para terceiro. Se este tivesse cumprido o disposto no nº 9 do artigo 9º do RJEU, averbando no prazo de 15 dias a substituição do titular do direito de construir, naturalmente que o alvará teria sido emitido em seu nome.
Por contrato, a recorrente concedeu à B…… o direito de construir sobre um terreno seu. Trata-se de um contrato constitutivo do direito de superfície, um direito real autónomo “in re aliena” sobre coisa de outrem (cfr. art. 1524º do CCv). Através dele, o proprietário do prédio concedeu ao superficiário o direito de construir, ficando o seu direito reduzido à propriedade do solo e subsolo. Mesmo que, em face ao direito público, se considere que o direito de construir não é inerente ao direito de propriedade, ainda assim, através daquele contrato, o direito de construir deixou de fazer parte do património privado da recorrente.
Se do ponto de vista subjectivo público o proprietário do solo já não tem o direito de obter o título necessário ao seu aproveitamento urbanístico, uma vez que, em consequência da constituição do direito de superfície, transmitiu a outrem o direito de construir, não é ele quem realiza o acréscimo de valor do prédio objecto da construção. O facto do alvará ter sido indevidamente emitido em nome do proprietário do solo e não do superficiário, não torna a recorrente responsável pelo contribuição especial, pois no momento da emissão do alvará já não era titular do direito de construir.
O artigo 3º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respectivo alvará da licença de construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efectivamente já não tinha o direito de construir. Nesta situação, a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar não se repercute na esfera jurídica em nome de quem foi emitido o alvará, mas sim em nome do superficiário, titular do direito de construção.
Em suma: a concessão “ad aedificandi” sobre o prédio objecto do licenciamento urbanístico antes da emissão do alvará torna o superficiário responsável pela contribuição especial prevista no DL nº 43/98 de 3/3, ainda que o alvará tenha sido emitido em nome do proprietário do solo. E não sendo o “fruidor” do bem a que respeita a dívida exequenda, tem que se lhe reconhecer a ilegitimidade como executado, nos termos da aliena b) do artigo 204º do CPPT (cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. III, 6ª ed. pág. 454).

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a oposição, com a consequente extinção da execução fiscal.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.