Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0807/10
Data do Acordão:02/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
EXECUÇÃO FISCAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:I - Ocorrendo com a Lei Geral Tributária um encurtamento do prazo de prescrição em relação ao previsto no CPT, é aplicável o regime do artigo 297.º do Código Civil, conforme impõe o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.
II - Todavia, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artigo 297.º do CC, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere a lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem tudo o que releva para o seu curso.
III - A degradação em suspensivo do efeito interruptivo da dedução de impugnação judicial, no caso de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (n.º 2 do artigo 49.º da LGT-antes de 1/1/2007), não tem influência no decurso do prazo de prescrição no caso de ocorrer citação para a execução fiscal, já que esta configura facto com potencialidade interruptiva para, por si só, eliminar o período decorrido anteriormente e obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que venha a pôr termo ao processo.
IV - Pelas mesmas razões também irreleva a suspensão do decurso do prazo prescricional decorrente de suspensão de execução fiscal em resultado de prestação de garantia na impugnação judicial.
Nº Convencional:JSTA00066797
Nº do Documento:SA2201102020807
Data de Entrada:10/18/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART34 N1 N2.
LGT98 ART48 N1 ART49 N1 N2 N3.
CCIV66 ART297.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2ED PAG80 PAG81.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Fazenda Publica vem recorrer da sentença do TAF de Braga que, julgando procedente a reclamação de acto de órgão de execução fiscal deduzida pela sociedade A…, Ldª, melhor identificada nos autos, declarou prescrita determinando a dívida de IVA, referente ao ano de 1997, no valor de 68 692.24€, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A questão sub judicio refere-se à prescrição da dívida exequenda proveniente de IVA e juros do ano de 1997.
2. Dívida essa constituída na vigência do CPT, sendo, então, aplicável o seu art. 34°, sendo o prazo de prescrição de 10 anos.
Com a entrada em vigor da L.G.T, o prazo de prescrição foi encurtado para 8 anos (art. 48°), pelo que houve que recorrer ao disposto no art. 297° do Cód. Civ. para determinar qual o prazo aplicável.
3. A suspensão do prazo de prescrição previsto no n°3 do art. 49° da L.G.T. obsta ao decurso da prescrição durante o período em que se mantiveram as respectivas causas, produzindo os seus efeitos independentemente dos efeitos dos actos interruptivos, por força do disposto no artº 12° do Cód. Civil.
4. A suspensão do processo de execução fiscal, por via da garantia, determinou a suspensão do curso de prazo de prescrição, nos termos do art. 49°, n°3 (ao tempo) da L.G.T., conjugado com o art. 169° do CPPT.
5. Essa suspensão da prescrição por motivo da suspensão da execução requerida por via da prestação de garantia é imputável à executada, impedindo a Fazenda Pública de prosseguir com a execução.
6. A suspensão da execução, por via da requerida prestação de garantia em 29-11-2001 não releva para efeitos de prescrição quanto ao prazo posterior decorrido após o período de um ano.
7. Suspensa a execução fiscal nos termos do art. 169° do CPPT e pendente impugnação judicial, o prazo de prescrição da dívida exequenda ficou suspenso nos termos do art. 49°, n°3 da L.G.T. até ao trânsito em julgado da sentença proferida na impugnação.
8. Situação que, in casu, por via do acórdão de 04.12.2008 do T. C. A. Norte, obstou a que ocorresse a prescrição da dívida exequenda.
9. Prescrição essa que declarada pela sentença recorrida terá esta violado, assim, (ao tempo da impugnação) o n°3 do art. 49° da L.G.T, bem assim a interpretação fixada na jurisprudência do S.T.A., designadamente a referida em 12.
2 – Não houve contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. Foi instaurado a execução fiscal nº 2348200101003585, em 06.03.2001, pelos Serviços de Viana do Castelo contra executada por dívida exequenda refere-se a IVA e juros, do ano de 1997, no valor de 68 692.24 €;
2. Em 29.11.2000 a Recorrente deduziu impugnação judicial da ilegalidade da liquidação do IVA de 1997;
3. Em Impugnação foi atribuído o n.º 337/2001 e foi proferida a decisão em 15.04.2005, a qual julgou improcedente a pretensão do ora Reclamante;
4. Não conformado foi interposto recurso para o Tribunal Central do Norte, o qual por acórdão de 04.12.2008, negou provimento ao recurso;
5. O processo de impugnação esteve parado desde 02.11.2002 até 09.02.2004 e entre 18.01.2007 e 27.11.2008, por facto não imputável à Reclamante (fls.183 a 184 e 312 do processo de Impugnação n.º 337/2001).
6. Em 08.09.2009, o Serviço de Viana do Castelo, através do ofício n.º 8581 notificou o Reclamante para proceder ao pagamento da dívida exequenda (fls. 100-A do PEF);
7. Em 29.11.2001, a Recorrente veio requerer a prestação de garantia, oferecendo a penhora de fracção U, correspondente aos escritórios, com o artº 1527. ° da freguesia de Barcelos;
8. A penhora da referida fracção foi efectuada em 20.12.2001 (fls. 43 do PEF);
9. Foram ainda penhorados uma cofragem em aço e 3 veículos automóveis, para garantir o pagamento da dívida;
10. Em 03.08.2004, foram os autos suspensos, até decisão da decisão da impugnação judicial (fls. 100 do PEF);
11. Em 22.09.2009, a Recorrente requereu a declaração da prescrição da dívida exequenda;
12. Por despacho de 29.09.2009, do Chefe de Finanças foi indeferido o pedido (fls. 104 e 105 dos autos).
5 - A questão que importa enfrentar e decidir no presente recurso consiste em saber da eventual prescrição da obrigação tributária de IVA relativa ao ano de 1997.
Vejamos, então.
À data a que se reporta o IVA de 1997, o prazo prescricional da correspondente obrigação tributária era de 10 anos, nos termos do n.° 1 do artigo 34.° do CPT, prazo esse que se contava desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário (n.° 2 do mesmo artigo).
Sucede que, com a entrada em vigor da LGT (1/1/99- artigo 6.° do DL n.° 398/98, de 17 de Dezembro), esse prazo foi reduzido para 8 anos, contado, no caso do IVA, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário - artigo 48.° n.° 1.
Como assim, em face da sucessão de diferentes prazos prescricionais, importará começar por apurar qual o prazo aplicável na situação em apreço.
Para tanto, cumpre convocar a regra estabelecida no artigo 297.°, n.° 1 do CC, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da lei nova, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
A contagem do prazo de 10 anos previsto no n.° 1 do artigo 34.° do CPT teve o seu início em 1/1/98, sendo que não ocorreu qualquer facto interruptivo até à entrada em vigor da lei nova (1/1/99).
Sendo assim, nesta última data apenas tinha decorrido um ano do prazo de prescrição de 10 anos previsto no n.º 1 do 34.ºdo CPT, faltando ainda cumprir 9 anos.
Em face disso, impõe-se concluir que será de atender ao novo prazo de 8 anos previsto na lei nova (artigo 48, n.° 1 da LGT), contado a partir da respectiva entrada em vigor (1/1/99), o qual, não tendo ocorrido no seu decurso factos com efeito suspensivo ou interruptivo, teria terminado a 1/1/07.
Sucede que no decurso desse prazo de 8 anos ocorreram dois diferentes factos com potencialidade interruptiva, nos termos do n.º 1 do artigo 49.º da LGT.
O primeiro deles tem a ver com a impugnação judicial deduzida a 29/11/00 (2. do probatório).
Todavia, esse efeito interruptivo cessou com a paragem desse processo impugnatório por mais de um ano, degradando-se em suspensivo e contando-se o tempo que decorreu após essa período ao que tiver decorrido após a data da autuação- n.º 2 do artigo 49.º da LGT.
Não obstante, essa degradação do prazo em suspensivo nos aludidos termos em nada releva para a contagem do prazo de prescrição de 8 anos.
De facto, o certo é que se verifica que o sujeito passivo do IVA, ora recorrido, também foi citado para a execução fiscal instaurada (cfr. 1. do probatório) a 13/03/01 (fls. 14 do PEF apenso), o que constitui facto interruptivo com potencialidade para, só por si, eliminar o período que decorreu anteriormente e obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que venha a pôr termo a essa execução – vide Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2.ª edição, a fls. 80 e 81.
De salientar, por outra parte, que dada a eficácia interruptiva autónoma dessa citação na execução fiscal, uma vez que não ocorreu paragem por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte até 1/1/2007 (revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT), a suspensão desse processo de execução determinante da suspensão do prazo de prescrição, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do mesmo diploma, de igual modo nenhuma influência tem sobre o decurso do prazo.
Neste contexto, encontrando-se eliminado todo o prazo de prescrição decorrido até à citação na execução fiscal, sendo certo que um novo prazo de prescrição só se iniciará após o trânsito em julgado de uma decisão que lhe ponha termo, impõe-se concluir a obrigação tributária de IVA do ano de 1997 não se encontra prescrita, ao invés do que se entendeu na sentença sob recurso.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e indeferindo-se a reclamação de acto de órgão de execução fiscal deduzida.
Sem custas neste STA, sendo devidas na 1.ª instância pela reclamante ora recorrida.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale – António Calhau.