Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01075/09
Data do Acordão:12/07/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
RETENÇÃO NA FONTE
ISENÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão ocorre quando falte em absoluto a indicação desses fundamentos, e não quando ocorre deficiência ou incongruência da fundamentação, erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta.
II - A Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, impôs ao Estado Português a isenção de tributação na fonte dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada residente em Portugal à sociedade mãe residente noutro Estado-membro quando esta detenha, pelo menos, 25% do capital social daquela (nº 1 do art.º 5.º), mas estabeleceu um regime transitório, permitindo-lhe continuar a efectuar a retenção na fonte de imposto até uma data que não poderia ser posterior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em aplicação da Directiva (nº 4 do art.º 5.º), isto é, até ao fim do oitavo ano seguinte a 1 de Janeiro de 1992 (artigo 8°).
III - Tendo esse regime derrogatório terminado em 31 de Dezembro de 1999, a norma contida no nº 1 do artigo 5.° da Directiva, sobre a isenção de tributação, entrou em pleno vigor no dia 1 de Janeiro de 2000, pelo que as taxas reduzidas de IRC previstas nos artigos 69.º e 75.º do CIRC (na redacção dada pelo Decreto Lei n.º 123/92, de 2 de Julho) deixaram de poder ser aplicadas a partir de então.
IV - Tendo essa Directiva efeito directo na ordem jurídica interna e gozando as normas comunitárias de primazia sobre o direito interno (art. 8.º da CRP), a Impugnante podia invocar directamente, como invocou, o estatuído no artigo 5° n.° 1 da Directiva a partir de 1 de Janeiro de 2000.
V - Embora essa Directiva não estabeleça normas procedimentais para a comprovação dos requisitos materiais de que depende a aplicação da isenção, estes requisitos têm de ser comprovados pelos Estados contratantes, pois que lhes incumbe verificar se o contribuinte está ou não em condições de beneficiar da exclusão de incidência de imposto, definindo os adequados instrumentos de verificação ou meios de prova sem violar o espírito da convenção.
VI - Só com a norma introduzida no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, se passou a exigir na legislação portuguesa a apresentação, para efeitos de aplicação daquela isenção, de certificado de residência composto por «declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos» para efeitos de obtenção da isenção», pelo que embora a Administração devesse exigir, durante o ano de 2000, prova da residência da entidade beneficiária dos rendimentos para efeitos de comprovação da isenção, não podia fazer depender essa prova de um único e específico meio de prova, maxime do documento referido nesse n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, dado que esse preceito só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, não estando, assim, em vigor durante o ano de 2000.
VII - Nos anos de 2001 e 2002 a Impugnante já estava obrigada a apresentar a prova aludida no nº 4 do artigo 14.º do CIRC, mas o facto de não dispor dessa prova antes da colocação dos rendimentos à disposição do respectivo titular ou da data para pagamento do imposto não a impede de ficar desobrigada da entrega do imposto se entretanto comprovou a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção, conforme resulta do regime fixado no nº 4 do artigo 48º da Lei nº 67-A/2007, de aplicação retroactiva.
VIII - Tendo a Administração efectuado as liquidações adicionais num momento em que já sabia, perante a prova apresentada, que não se verificava o facto tributário subjacente, está-se perante um acto ilegal, que configura uma situação de erro imputável aos serviços para efeitos no disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, pelo que são devidos juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA00066738
Nº do Documento:SA22010120701075
Data de Entrada:10/30/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC / JUROS.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:LGT98 ART1 ART8 ART43 N1 ART55.
CONST97 ART8 ART13 ART18 N1 ART103 ART266 N1.
CIRC01 ART14 N3 N4 ART69 N2 C ART75 N7 N8 ART80 N2 ART90-A N5 N6.
CPPTRIB99 ART63 N1.
L 67-A/2007 DE 2007/12/31 ART9 ART48 N4.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART6 N1.
RGIT01 ART114 N4.
Legislação Comunitária:T CEE ART249.
DIR CONS CEE 90/435/CEE DE 1990/07/23 ART1 ART5 N2 N4.
Referências Internacionais:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO CELEBRADA ENTRE PORTUGAL E FRANÇA APROVADA PELO DL 105/71 DE 1971/03/26 ART11 ART13.
Jurisprudência Nacional:AC TCAS PROC1931/07 DE 2009/02/17.; AC STA PROC477/09 DE 2009/10/28.; AC STA PROC117/02 DE 2002/04/24.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG140.
GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA V1 PAG263 PAG264.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, Ldª, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra os actos de liquidação de IRC e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, resultantes da correcção efectuada pela Administração Tributária à sua matéria tributável, no pressuposto de que a Impugnante não podia beneficiar da isenção de retenção na fonte prevista no nº 1 do artigo 5° da Directiva 90/435/CEE nem da redução de taxa prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a França, no que toca aos lucros que nesses anos distribuiu à sociedade “B…”, com sede em França, detentora de uma quota de 71,11% do seu capital social.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
I Desde 1 de Janeiro de 2000 - data de entrada em vigor do artigo 5º n° 1 da Directiva 90/435/CEE - que, quando reunidos os pressupostos estabelecidos na lei para tal, o Estado Português está inibido de tributar os lucros colocados à disposição das sociedades mãe residentes em Estados Membros que sejam provenientes de sociedade afilhada residente em Portugal.
II Tal inibição decorre do princípio do primado do Direito Comunitário exarado nos art.º 1° da LGT e do art.º 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
III A Recorrente está constituída no direito de invocar essa inibição perante os tribunais Nacionais, porque a Directiva 90/435/CEE vincula o Estado e tem efeito directo (cf. Acórdão Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 17 de Outubro de 1996).
IV Decorre do teor das certidões de fls. e dos factos provados nos autos sob os ns.° 1, 2, 3 e 21 (a fls. 2, 3 e 7 da douta sentença) a verificação, no presente caso, de todos requisitos substanciais da aplicação da isenção prevista no nº 1 do art.º 5° da Directiva 90/435/CEE.
V E assim o entendeu também a Administração Fiscal, que fundamentou a liquidação impugnada unicamente na falta de cumprimento do requisito formal (cf. factos provados n° 11 e 12 e 13 a pág. 5 e 6 da sentença).
VI Para identificar os pressupostos formais da aplicação da isenção imposta pelo art.º 5° n° 1 da Directiva, importa:
a). determinar qual a legislação aplicável nessa matéria, considerada a data de cada distribuição de lucros;
b). ter presente o princípio da legalidade: segundo o qual os contribuintes apenas estão obrigados a cumprir as obrigações fiscais que estejam estatuídas na lei (artigos 103° nº 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa e 8° nº 1 da LGT).
VII Só a Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001 e aditou os nº 3 e 4 ao artigo 14° do CIRC, é que veio, pela primeira vez, estabelecer os requisitos formais de que passou a depender a isenção de retenção na fonte: prova, perante a entidade devedora dos rendimentos, da verificação das condições de que depende a isenção.
VIII Atento o efeito directo da Directiva e o Princípio da legalidade é evidente que nem a Administração Fiscal nem o Juiz podiam fazer depender a isenção obrigatoriamente estabelecida pelo art.º 5° da Directiva da verificação de requisitos de carácter formal que não estivessem previamente definidos por lei.
IX Quer a Administração Fiscal aquando da liquidação, quer a douta sentença recorrida, conheciam que, in casu, se verificavam os pressupostos substanciais da isenção [cf. supra II c)].
X Todas as distribuições de lucros efectuadas pela Recorrente anteriormente a 1 de Janeiro de 2001, por força do efeito directo da Directiva, e independentemente de qualquer prova, teriam que beneficiar da isenção.
XI Quando foram introduzidos no ordenamento jurídico, em 1 de Janeiro de 2001, nem os n°s 3 e 4 do art.º 14°, nem nenhuma outra disposição do CIRC previa qual o teor da prova (a que aludiam os referidos número) que era exigida.
XII Só em 31 de Maio de 2002, a DGCI emitiu ofício circulado nº 20.069, em que esclareceu os requisitos a que devia obedecer a declaração.
XIII Pelo que, por força do princípio da legalidade (artº 8° LGT), quer a Administração Fiscal quer o Julgador, ficaram adstritos ao dever de considerar válida para os fins do n° 4 do art. 14° do CIRC qualquer declaração que contivesse os elementos referidos no artigo 2° da Directiva n° 90/435/CEE.
XIV A A… obteve, entre outras, declarações devidamente certificadas pelas autoridades fiscais Francesas em 25 de Maio de 2000 e 5 de Dezembro de 2000, 29 de Maio de 2001 e 20 de Maio de Abril de 2003, que continham tais elementos (cf. factos provados nºs 3 a 8 a fls. 3 da douta sentença).
XV Essas declarações reuniam os elementos previstos no art.º 2° da Directiva 90/435/CEE, aos quais se refere o nº 4 do artigo 14º do CIRC e correspondiam ao único modelo oficial de certificado de residência que existia à data de cada uma das distribuições de lucros ocorridas após 1 de Janeiro de 2001.
XVI Tais declarações estavam em poder da A… antes da data limite de entrega de retenção nos cofres do Estado, nos seguintes casos:
Data limite entrega retençãoAno o que respeitam lucrosValor
20-05-20001999299.405,37
20-06-2000199933.267,27
20-01-2001 (²)Anteriores a 1999393.492,85
20-06-20012000159.979,60
(²) mais distribuída em 2000
XVII Pelo que nenhum outro requisito formal poderia, legalmente, ser exigido como condição de aplicação da isenção.
XVIII De acordo com o estatuído no nº 2 do artigo 4° da LGT (redacção vigente à data dos factos) o reconhecimento dos benefícios fiscais tem efeito meramente declarativo e não constitutivo.
XIX Desta norma decorre a ilegalidade decorrente da exigência de pressupostos formais desrazoáveis para aplicação de um benefício que tem efeito meramente declarativo.
XX Dispondo a Recorrente, preenchidas e certificadas em várias datas de 2000 e 2001, declarações certificadas pelas autoridades fiscais francesas das quais decorre o preenchimento dos requisitos substanciados de que depende a isenção, por força do citado princípio plasmado no nº 2 do artigo 4° da LGT, forçoso é considerar que estava na posse da prova exigida pelo nº 4 do artigo 14° do CIRC, a partir do momento em que tal prova passou a ser exigível (repete-se, 1 de Janeiro de 2001). (cf. Acórdão TCA de 14 de Novembro de 2006 (Processo 01424/06).
XXI Comprovado junto da AT os pressupostos de aplicação da benesse prevista em Directiva Comunitária, cujo primado e valor é, constitucionalmente, estabelecido - art. 8° CRP - e cujo efeito directo é inequivocamente aceite, tem-se o benefício em causa por constituído no momento em que foram pagos os lucros à sociedade mãe (cf. cit. Acórdão).
XXII Pelo que deveriam ter beneficiado da isenção todas e cada uma das distribuições de lucros efectuadas pela A… à sua sociedade mãe C….
Vícios da douta Sentença recorrida
XXIII A Sentença em recurso decidiu que a A… não podia beneficiar da isenção de retenção na fonte, porquanto entendeu que não estavam preenchidos, in casu, os requisitos estabelecidos pelo legislador nacional para a aplicação de tal isenção.
XXIV Para chegar a tal conclusão fez aplicação de legislação que não era aplicável, por não se verificar a respectiva previsão.
Senão vejamos,
XXV Baseou-se na redacção que foi introduzido aos artigos 69° e 75° do CIRC através do Decreto-Lei 132/92, de 2 de Julho (Decreto que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 90/435/CEE).
XXVI É inequívoco que, em 1 de Janeiro de 2000, terminado o período transitório, o regime de isenção de retenção na fonte entrou em pleno vigor, pelo que o Estado português deixou de poder tributar as distribuições de lucros às taxas reduzidas que vinham previstas no n° 2 do art.º 69°do CIRC. Que deixou de ter aplicação.
XXVII Consequentemente, deixaram de ter aplicação os nºs 7 e 8 do art.º 75º do CIRC (aplicável unicamente às situações previstas no n° 2 do art.º 69°).
XXVIII A douta sentença recorrida baseou a sua decisão numa norma (art.º 75º, nºs 7 8, do CIRC) cuja previsão pressupunha uma situação diversa (a aplicação de uma taxa reduzida expressamente autorizada ao Estado Português) para impor obstáculos formais à aplicação de uma isenção obrigatória e directamente aplicável.
XXIX Ao aplicar à distribuições de lucros ocorridas após 1 de Janeiro de 2000, legislação cuja aplicação tinha como pressuposto a aplicação de taxas cuja possibilidade cessou em 31 de Dezembro de 1999, a douta sentença fez errada determinação da norma aplicável.
XXX Em 7 de Abril, 15 de Maio e 15 de Dezembro de 2000, datas em que a Recorrente procedeu à distribuição de lucros à sua sociedade mãe, a legislação nacional não previa a necessidade de qualquer certificado que constituísse condição da aplicabilidade da isenção prevista no aludido artigo da Directiva.
XXXI Como tal, nos termos do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa, do artigo 8° da LGT e do efeito directo da Directiva 90/435/CEE, não é licito impor ao contribuinte o cumprimento de uma obrigação fiscal acessória não prevista na lei, como condição de beneficiar de uma isenção cujos pressupostos estão integralmente verificados.
XXXII O tribunal a quo aderiu à tese da Administração Fiscal de que «a ora impugnante não poderia beneficiar da isenção de retenção de IRC, uma vez que não detinha as provas a que se refere o art.º 14°, n° 4 do CIRC (declaração emitida e autenticada pelas autoridades fiscais francesas atestando as condições referidas na n° 4 do art.º 14° do CIRC) para que pudesse beneficiar da aplicação da Directiva 90/435/CEE».
XXXIII Tal redacção do n° 4 do art.º 14° do CIRC apenas foi introduzida pela Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, pelo que não poderia ser aplicada a distribuições de lucro efectuadas em 7 de Abril, 15 de Maio e 15 de Dezembro de 2000.
XXXIV A Recorrente tinha em seu poder declarações para “limitação do Imposto a pagar em Portugal” emitidas nos termos dos artigos 11º a 13° da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a França, devidamente certificadas e autenticadas pelas autoridades fiscais Francesas em 7 de Abril de 2000, 25 de Maio de 2000 e 1 de Dezembro de 2000 (factos provados 4, 5 e 6).
XXXV E nessas datas, tais declarações eram o único modelo existente de certificado de residência.
XXXVI Não obstante nas datas das distribuições de lucros inexistir qualquer obrigação de apresentar certificado de residência, a Recorrente efectivamente dispunha destes certificados, emitidos de acordo com o único modelo existente.
XXXVII Ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições: artigo 5° nº 1 da Directiva 90/435/CEE, artigo 8° da Lei Geral Tributária e artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
XXXVIII A douta sentença recorrida aderiu ao Acórdão do TCA Sul proferido no âmbito de legislação diversa da aplicável ao caso sub judicie (“Sobre o aplicabilidade da Directiva 90/435/CEE, seguimos de perto o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul de 17/02/2009 - rec. 01931/07”- cf. douta sentença a pág. 8).
XXXIX As distribuições de “lucros que estavam a ser analisadas nesse Acórdão ocorreram no exercício de 1998, sendo que, para esse período vigorava o regime da aplicação da taxa reduzida e os pressupostos formais da respectiva aplicação, tal como estabelecidos na redacção introduzida aos artigos 69° e 75° do IRC através do Decreto-Lei nº 132/92 de 2 de Julho.
XL Legislação que, como vimos, não pode ser aqui aplicada.
XLI As liquidações efectuadas (e a decisão da sentença em recurso) decorrem, ainda, do entendimento de que é necessária uma declaração de cada vez que se proceda à distribuição de lucros.
XLII De acordo com o estatuído no nº 2 do artigo 4° da LGT (redacção vigente à data dos factos) o reconhecimento dos benefícios fiscais tem efeito meramente declarativo e não constitutivo.
XLIII Essa disposição que foi violada pela douta sentença sob recurso, já que e, mesmo nos casos em que, embora em momento posterior, a A… tenha comprovado junto da AT os pressupostos de aplicação da benesse prevista em Directiva Comunitária, cujo primado e valor é constitucionalmente, estabelecido - art.º 8° C.R.P.- e cujo efeito directo é inequivocamente aceite, tem-se o benefício em causa por constituído no momento em que foram pagos os lucros à sociedade mãe.
XLIV Verifica-se, ainda, a nulidade da douta sentença por absoluta falta de fundamentação no que toca à aplicação das taxas de 15% e 25% às diversas liquidações que “sancionou”, absolutamente intangíveis.
Termos porque, sem necessidade de mais considerações, mas sempre contando com o douto suprimento de V. Exas., deverá a sentença sob recurso ser revogado e substituída por douta decisão que julgue integralmente procedente a impugnação judicial deduzida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte argumentação:
«1. Nulidade da sentença (conclusão XLIV).
Não se verifica a arguida nulidade por falta de fundamentação (de direito): o discurso jurídico da sentença enuncia expressamente a fundamentação normativa da distinção das taxas, sendo irrelevante a correcção/incorrecção da análise (fls. 314):
- taxa de 15% sobre os dividendos pagos em 15.12.2000 e em 9.05.2001 (art. 15° Convenção Portugal/França para evitar a dupla tributação, aprovada pelo DL n° 105/71, 26 Março);
- taxa de 25% sobre os restantes dividendos pagos (art. 80° n° 2 CIRC).´
2. Legalidade dos actos tributários
I. Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são isentos de retenção na fonte quando esta detém uma participação mínima de 25% no capital da afiliada (Directiva n° 90/435/CEE, do Conselho, 23.07.1990; art. 5° n° 1).
O período transitório de derrogação da aplicação da Directiva a Portugal findou em 31 Dezembro 1999 (art. 5° n° 4).
A partir do termo do período transitório a Directiva tem efeito directo, face ao comando claro e inequívoco contido no art. 5º n° 1, podendo ser invocada pelos interessados perante a administração tributária e os tribunais dos Estados membros (acórdão TJCE 17.10.1996)
II. O regime actual de dispensa de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes disciplina com rigor a apresentação de prova e os efeitos da sua omissão (art. 90°-A nºs 5, 6 e 7 do CIRC, redacção da Lei n° 67-A/2007, 31 Dezembro):
a) obriga à prova da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a evitar a dupla tributação até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido.
b) obriga o substituto tributário à entrega da totalidade do imposto quando aquela prova não tenha sido produzida até ao termo do prazo.
c) afasta a responsabilidade do substituto tributário pela entrega do imposto que deveria ter deduzido quando comprove, ainda que supervenientemente, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial da retenção.
d) permite à entidade beneficiária dos rendimentos (mas não à entidade obrigada à retenção na fonte) solicitar o reembolso total ou parcial do imposto retido na fonte, quando não tenha sido efectuada a prova nos prazos e condições estabelecidos, mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo Ministro das Finanças.
Este regime é de aplicação retroactiva às situações anteriores ao início da vigência da Lei n° 67-A/2007, 31 Dezembro, independentemente da liquidação do imposto, excepto quando se tenha verificado o pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação recurso hierárquico ou impugnação (art. 48° n° 4 Lei n° 67-A/2007, 31 Dezembro; cf. neste sentido acórdãos STA SCT 21.10.2009 processo n° 518/09; 28.10.2009 processo n° 477/09).
III. Lucros colocados à disposição da sociedade-mãe em 7.04.2000, 15.05.2000 e 15.12.2000 (probatório n° 11).
Os requisitos formais para comprovação das condições de aplicação da isenção tributária constam do art. 75° nºs 7/8 CIRC (redacção do DL n° 123/92, 2 Julho, diploma que procedeu à transposição para a ordem jurídica nacional da citada Directiva):
- declaração, em duplicado, emitida antes da colocação dos rendimentos à disposição do respectivo titular, confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro das Comunidades Europeias e que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos.
A norma constante do art. 14° n° 4 CIRS (embora prescrevendo requisito de comprovação substancialmente idêntico) não é aplicável, porque foi aditada ao art. 14° CIRS pelo art. 5° Lei n° 30-G/2000, 29 Dezembro, com início de vigência em 1.01.2001.
Os pressupostos para a dispensa total da retenção do imposto foram comprovados pela recorrente mediante declarações emitidas em 5.05.2004 pela entidade beneficiária dos rendimentos, confirmadas e autenticadas pela autoridade fiscal francesa competente (docs. fls. 67/69; probatório nº 21).
IV. Lucros colocados à disposição da sociedade-mãe em 9.05.2001 e 8.04.2002 (probatório n° 11).
São aplicáveis os requisitos formais de prova enunciados no art. 14° n° 4 CIRS (redacção do art. 5° Lei nº 30-G/2000, 29 Dezembro).
Os pressupostos para a dispensa total de retenção do imposto foram comprovados nos termos supra indicados (III).».
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da procedência da impugnação judicial».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.
2. A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 04/10/1995 foi registada na Conservatória do Registo Comercial do Barreiro a transmissão das quotas de 137.700.000$00, 54.250.000$00 que a D…, SA detinha na sociedade A…, SA a favor da sociedade B… com sede em França (cfr. fls. 104).
2. Em 04/10/1995 foi registada na Conservatória do Registo Comercial do Barreiro a transmissão da quota de 50.000$00 que a E…, SA detinha na sociedade A…, SA a favor da sociedade B… com sede em França (cfr. fls. 105).
3. Em 27/11/1997 foi registado na Conservatória do Registo Comercial do Barreiro que a sócia B… mudou a designação para C… com sede em Paris (cfr. fls. 106).
4. Em 07/04/2000 foi preenchida a declaração para limitação do imposto a pagar em Portugal no âmbito da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e França relativamente à sociedade C… e aos dividendos de que a sociedade A… era devedora, tendo as autoridades fiscais francesas certificado a referida declaração em 17/11/2003 (cfr. fls. 57/58).
5. Em 23/05/2000 foi preenchida a declaração para limitação do imposto a pagar em Portugal no âmbito da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e França relativamente à sociedade C… e aos dividendos de que a sociedade A… era devedora, tendo as autoridades fiscais francesas certificado a referida declaração em 25/05/2000 (cfr. fls. 59/60).
6. Em 04/12/2000 foi preenchida a declaração para limitação do imposto a pagar em Portugal no âmbito da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e França relativamente à sociedade C… e aos dividendos de que a sociedade A… era devedora, tendo as autoridades fiscais francesas certificado a referida declaração em 05/12/2000 (cfr. fls. 61/62).
7. Em 23/05/2001 foi preenchida a declaração para limitação do imposto a pagar em Portugal no âmbito da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e França relativamente à sociedade C… e aos dividendos de que a sociedade A… era devedora, tendo as autoridades fiscais francesas certificado a referida declaração em 29/05/2001 (cfr. fls. 63/64).
8. Em 02/04/2003 foi preenchida a declaração para limitação do imposto a pagar em Portugal no âmbito da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e França relativamente à sociedade C… e aos dividendos de que a sociedade A… era devedora, tendo as autoridades fiscais francesas certificado a referida declaração em 20/05/2003 (cfr. fls. 65/66).
9. A ora impugnante apresentou as declarações mod. 130 referentes a rendimentos pagos a não residentes e relativas aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, tendo mencionado os rendimentos pagos à sociedade francesa C… e não constando dessas declarações qualquer valor referente a retenções na fonte (cfr. teor de fls. 70/77).
10. Foi efectuada uma acção de inspecção à ora impugnante em sede de IRC dos exercícios de 2000, 2001 e 2002 e relacionada com a verificação das operações com não residentes, designadamente com o pagamento de lucros aos sócios e consequente sujeição ou não a retenção na fonte de IRC (cfr. relatório de inspecção de fls. 137/232).
11. Os serviços de inspecção constataram que «Analisadas as situações para os anos em causa, verifica-se que o “requisito formal” não foi cumprido, com excepção do pagamento da importância de € 393.492,85 e € 159.979,60, as quais deviam ter sido sujeitas a retenção à taxa de 15%, o que não aconteceu. Relativamente aos restantes pagamentos esse requisito não foi cumprido, tal como resulta do disposto no n° 2 do artigo 90° do CIRC conjugado com o n° 1 do artigo 65° do CPPT e circular n° 18/99, da DSBF, em vigor à data dos factos, como se verifica através do quadro seguinte, pelo que as importâncias pagas deviam ser sujeitas a retenção na fonte à taxa de 25% prevista no n° 2 do artigo 80° do CIRC, e não o foram.
anobeneficiário
do
rendimento
montante
pago
data
pagamento
data limite de
entrega do imposto cofres Estado
Data certificação
formulário
Cumpriu o requisito
formal
Sim Não
2000C…€ 299.405,3707-Abr-0020-Mai-0025-Mai-00*X
2000C…€ 33.267,2715-Mai-0020-Jun-0025-Mai-00*X
2000C…€ 393.492,8515-Dez-0020-Jan-0105-Dez-00X
2001C…€ 159,979,6009-Mai-0120-Jun-0119-Mai-01X
2002C…€ 211.733,3308-Abr-0220-Mai-0220-Mai-03X
* teria que ter sido apresentado um formulário por cada pagamento efectuado.
De referir que, relativamente ao montante pago de € 332.672,64, o sujeito passivo tem na sua posse dois formulários, um com data de confirmação do Centro de Impostos Francês, de 25 de Maio de 2000 e outro com data de 17 de Novembro de 2003. Este último, embora tenha sido indicada a data de 7 de Abril de 2000 (data da 1ª tranche dos lucros) a confirmação da autoridade fiscal francesa apenas se deu em 2003.11.17, correspondente ao dia anterior à data do projecto de correcções efectuada pela DSBF, referente a 1999. Acresce ainda dizer, que aquele montante foi pago em dois momentos distintos, pelo que deviam ter sido apresentados dois formulários, cada um com o respectivo valor, e não apenas um, como foi o caso. Ainda assim, a certificação deu-se em momento posterior ao da data limite de entrega do imposto nos cofres do Estado, relativamente à primeira tranche pagar.» - cfr. fls. 145.
12. E apuraram o imposto em falta «Face à não existência de prova para efeitos da aplicação da Directiva n° 90/435/CEE o que contraria o n° 3 e 4 do artigo 14° do CIRC, e ao não cumprimento do requisito formal para efeitos da aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação entre Portugal e França, vamos proceder à arrecadação do imposto em falta, através da sujeição a imposto por retenção na fonte, à taxa de 15% ou 25%, consoante tenha sido, ou não, cumprido o requisito formal atrás referido. Apurou-se, assim, o seguinte imposto em falta:

anobeneficiário
do
rendimento
Montante pagoData
pagamento
cumpriu o
requisito formal
retenção a efectuardata limite
entrega cofres
Estado
SimNão15%25%
2000C…€ 99.405,3707-Abr-00X74.851,3420-Mai-00
2000C…€ 33.267,2715-Mai-00X8.316,8220-Jun-00
2000C…€ 393.492,8515-Dez-00X59.023,9320-Jan-01
2001C…€ 159,979,6009-Mai-01X23.996,9420-Jun-01
2002C…€ 211.733,3308-Abr-02X52.933,3320-Mai-02
(como consta de fls. 146).
13. As correcções ao IRC dos exercícios de 2000, 2001 e 2002 tiveram como fundamento a falta de requisitos para que a ora impugnante pudesse beneficiar da isenção prevista na Directiva 90/435/CEE bem como da redução de taxa prevista na CDT celebrada entre Portugal e França nos termos constantes do relatório de inspecção bem como do parecer exarado com o seguinte teor “O procedimento inspectivo (...) visou averiguar as operações com não residentes nomeadamente no que se refere à distribuição de lucros pagos em 2000, 2001 e 2002 à B… com sede em França e detentora de uma quota de 71,11% do capital social da A…, Lda.
Da análise efectuada verificou-se que o s.p. isentou de retenção de IRC os lucros pagos à B…, porém:
a) Não poderia beneficiar da isenção de retenção de IRC, uma vez que não tinha na sua posse as provas a que se refere o art. 14° n° 4 do CIRC (declaração emitida e autenticada pelas autoridades fiscais francesas atestando as condições referidas no nº 4 do art. 14° do CIRC) para que pudesse beneficiar da aplicação da Directiva 90/435/CEE.
b) Para beneficiar da redução de taxa ao abrigo da CDT celebrada entre Portugal e França, a mesma teria de ter sido accionada em tempo oportuno através do respectivo formulário de limitação de imposto autenticado pelas autoridades francesas e apresentado ao devedor dos rendimentos antes de este proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado.
c) No que se refere à aplicação da CDT, verificou-se que apenas relativamente aos dividendos pagos em 15 de Dezembro de 2000 e 9 de Maio de 2001 nos montantes de € 393.492,85 e € 159.979,60 respectivamente, se considera cumprido o requisito formal (formulário de limitação de imposto - autenticado pelas autoridades fiscais francesas antes da entrega do imposto nos cofres do Estado) que permita a aplicação da taxa prevista na Convenção, 15%. No que aos restantes pagamentos de dividendos se refere, não se considera accionada a CDT (...) pelo que a taxa de retenção é de 25% – art. 80°, n° 2 do CIRC. Assim, os montantes de imposto não retido e não entregue por exercício é o seguinte:
2000 - € 142.192,09
2001 - € 23.996,94
2002 - € 52.933,33
(...) notificado para o exercício do direito de audição, o s.p. exerceu esse direito em 03/03/2004 contestando as correcções efectuadas (...) apreciado o mesmo (...) verifica-se que a correcção inicialmente proposta é de manter com os seguintes fundamentos: A obrigação de produção de prova, para isenção da retenção de IRC, relativamente aos lucros pagos a entidades residentes na U. Europeia, nas condições estabelecidas no art. 2° da Directiva n° 90/435/CEE de 23/07, sempre esteve prevista, mesmo quando tais rendimentos eram sujeitos a redução de taxa - exercícios anteriores a 1999, nos n°s 7 e 8 do art. 75° do CIRC (…) pelo que em 2000, tratando-se de uma isenção de retenção de IRC a obrigação da prova continuava prevista nos n°s 7 e 8 do art. 75 do CIRC e em 2001 e seguintes através dos n°s 3 e 4 do art. 14º do CIRC (aditado pela Lei n° 30-G/2000). (...).
Uma vez que sempre existiu obrigação de prova das condições referidas no art. 2° da Directiva n° 90/435/CEE e não tendo o s.p. feito essa prova não poderia beneficiar da isenção de retenção de IRC pelos lucros pagos à B... (…)» como consta de fls. 137 e 137/verso.
14. O relatório de inspecção foi objecto de despacho proferido em 08/04/2004, concordante com os fundamentos de facto e de direito constantes do relatório de inspecção e do parecer (cfr. fls. 137).
15. Em 03/05/2004 foi efectuada a liquidação de retenções na fonte de IRC do ano de 2000 referente a outros rendimentos de capitais com o n° 6420001269 no montante de € 142.192,09 e liquidados juros compensatórios no valor de € 32.190,82 (cfr. fls. 37).
16. Em 07/06/2004 foi efectuado o pagamento da liquidação referida no ponto anterior no montante total de € 174.382,91 (cfr. fls. 37).
17. Em 03/05/2004 foi efectuada a liquidação de retenções na fonte de IRC do ano de 2001 referente a outros rendimentos de capitais com o n° 6420001270 no montante de € 23.996,94 e liquidados juros compensatórios no valor de € 4.095,25 (cfr. fls. 38).
18. Em 07/06/2004 foi efectuado o pagamento da liquidação referida no ponto anterior no montante total de € 28.092,19 (cfr. fls. 38).
19. Em 03/05/2004 foi efectuada a liquidação de retenções na fonte de IRC do ano de 2002 referente a outros rendimentos de capitais com o n° 6420001271 no montante de € 52.933,33 e liquidados juros compensatórios no valor de € 5.642,83 (cfr. fls. 39).
20. Em 07/06/2004 foi efectuado o pagamento da liquidação referida no ponto anterior no montante total de € 58.576,16 (cfr. fls. 39).
21. Em 05/05/2004 foram emitidas pela sociedade C… três declarações “para isenção do imposto a pagar em Portugal” e nas quais afirma que à data de 01/01/2000, 01/01/2001 e 01/01/2002 respectivamente, reunia os requisitos previstos no artigo 2° da Directiva 90/435/CEE (cfr. fls. 67/69).
3. Os actos de liquidação impugnados provém, como vimos, da correcção levada a cabo pela Administração Tributária, no pressuposto de que a Impugnante, ora Recorrente, não podia beneficiar, quanto aos lucros que colocou à disposição da “B…” (sociedade residente em França e detentora de uma participação superior a 25% do seu capital social, ou sociedade mãe) da isenção de retenção na fonte de IRC prevista no artigo 5.° da Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, nem da redução da taxa prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e França (doravante CDT Portugal/França), por falta de verificação do requisito formal que o artigo 14.º do CIRC exige para efeitos de aplicação daquela Directiva e por falta de cumprimento do requisito formal para efeitos de aplicação desta Convenção.
Com efeito, ao longo dos anos de 2000, 2001 e 2002 a Impugnante colocou lucros à disposição dessa sociedade e não efectuou qualquer retenção na fonte por considerar que a mesma não era devida, porquanto, nas referidas datas, estariam reunidas todas as condições previstas na lei para beneficiar da isenção estabelecida no artigo 5.º da aludida Directiva 90/435/CEE.
A Administração Tributária entendeu, porém, que a Impugnante não estava em condições de gozar desse benefício, na medida em que não possuía a declaração prevista no n.º 4 do artigo 14º do CIRC, isto é"declaração emitida e autenticada pelas autoridades fiscais francesas” sobre a residência fiscal da sociedade beneficiária dos lucros à data da sua distribuição. Por outro lado, entendeu que embora a Convenção celebrada entre Portugal e a França previsse a tributação destes rendimentos no país da fonte a uma taxa reduzida de 15%, esta tributação também dependia da observância de um requisito formal, traduzido na necessidade de o beneficiário do rendimento solicitar em tempo oportuno a limitação da taxa de imposto através de formulário próprio autenticado pelas autoridades fiscais e da sua apresentação ao devedor dos rendimentos antes de este proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado, o que, no caso, não teria sido cumprido (com excepção dos lucros distribuídos em 15/12/00 e em 9/05/01).
Razão por que liquidou à Impugnante IRC à taxa normal de 25% prevista no artigo 80.º, n.º 2, do CIRC, apenas excepcionando dessa taxa os lucros distribuídos em 15/12/00 e em 9/05/01, a que aplicou a taxa reduzida de 15% prevista na CDT Portugal/França.
Nestes autos, a Impugnante defende que o acto de liquidação é ilegal, por violador das disposições legais contidas no artigo 5.º, n.º 1, da Directiva 90/435/CEE, nos artigos 1.º e 8.º da Lei Geral Tributária e no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, por estarem preenchidos todos os pressupostos materiais e formais para a aplicação da isenção prevista nessa Directiva, a qual impede o Estado Português de tributar na fonte, a partir de Janeiro de 2000, os lucros que a sociedade afiliada coloque à disposição da sociedade mãe, não sendo lícito à Administração fazer depender a isenção da prévia apresentação de um específico documento que não estava, na altura, previsto na lei, sem possibilidade de comprovar a posteriori a verificação de todos os requisitos materiais para a aplicação dessa isenção.
A decisão recorrida julgou improcedente a impugnação com base na argumentação vertida no acórdão proferido em 17/02/2009 pelo TCA-Sul, no processo nº 1931/07, que transcreveu, reportado a uma situação de falta de retenção na fonte ocorrida no ano de 1998 e onde se concluíra que aquela Directiva, transposta para a ordem jurídica interna pelo Dec.Lei n.º 123/92, apesar de ter imposto a isenção de retenção na fonte aos Estados-membros, autorizara Portugal a proceder a essa retenção durante oito anos, com uma taxa de 15% nos primeiros cinco anos e de 10% nos restantes três, retenção que ficou condicionada ao cumprimento do requisito formal que esse diploma legal introduziu no artigo 75º, nºs 7 e 8 do CIRC. Doutrina que levou a Mmª juíza do Tribunal “a quo” a concluir que a Impugnante não gozava da isenção prevista na citada Directiva por não se mostrar cumprido o requisito formal contido no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC. Para além disso, julgou que a Impugnante não podia beneficiar da redução de taxa prevista na CDT Portugal/França, por não ter accionado essa Convenção através de formulário próprio autenticado pelas autoridades fiscais francesas antes da entrega do imposto nos Cofres do Estado.
Neste enquadramento, e vistas as conclusões da alegação de recurso acima expostas, as questões que ora importa apreciar e decidir consistem em saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação e, em caso negativo, se ela incorreu em erro de julgamento por desacertada aplicação do direito, mais precisamente por violação do artigo 5.°, nº 1, da Directiva 90/435/CEE, do artigo 8.° da LGT e dos artigos 8.º e 103.° da Constituição.
3.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Constitui nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como explicava já o Prof. ALBERTO DOS REIS, no “Código de Processo Civil Anotado”, e tem sido entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, a falta de fundamentação prevista nesse preceito é a falta absoluta, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente ou errada, quer a nível factual, quer jurídico. «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º» - obra citada, vol. V, pág. 140.
Assim sendo, tal nulidade ocorre quando falte em absoluto a indicação desses fundamentos, mas já não quando se verifique a deficiência ou incongruência da fundamentação e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta.
No caso vertente, a sentença contém a motivação factual e jurídica que levou a Mmª Juíza a julgar inverificada a ilegalidade assacada aos actos de liquidação impugnados, e que consiste, como vimos, na invocação da doutrina contida no aludido acórdão do TCA e na sua aplicação ao caso em análise, o que a levou a concluir que a retenção na fonte era devida nos termos propugnados pela AT, não gozando a Impugnante do benefício da isenção previsto na Directiva nem da redução da taxa prevista na CDT Portugal/França, assim sancionando as taxas de 15% e 25% aplicadas nas liquidações impugnadas.
A insuficiência ou mediocridade dessa fundamentação - designadamente por virtude de a doutrina vertida nesse aresto do TCA ter por pressuposto uma situação diversa (IRC do ano de 1998 e não dos anos de 2000 a 2002) e legislação distinta (na medida em que no ano de 1998 o Estado Português ainda estava autorizado, pela citada Directiva, a proceder à retenção na fonte, ao contrário do que sucedia nos anos de 2000 a 2002) - embora seja susceptível de afectar o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada, não produz a respectiva nulidade.
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões do presente recurso.
3.2. Do erro de julgamento.
Antes de mais, convém recordar que os tributos em questão dizem respeito a factos ocorridos nos anos de 2000, 2001 e 2002, sendo à luz da legislação em vigor nesses períodos que a questão colocada pela Impugnante tem de ser analisada. Pelo que importa começar por fazer uma breve resenha da legislação pertinente no quadro legal vigente após a adopção, em 23 de Julho de 1990, da Directiva 90/435/CEE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes.
Esta Directiva tem, para o que aqui interessa, o seguinte teor:
Artigo 1º
1. Os Estados-membros aplicarão a presente directiva:
- à distribuição dos lucros obtidos por sociedades desse Estado e provenientes das suas afiliadas de outros Estados-membros,
- à distribuição dos lucros efectuada por sociedades desse Estado a sociedades de outros Estados-membros, de que aquelas sejam afiliadas.
2. (...)
Artigo 2º
Para efeitos de aplicação da presente directiva, a expressão «sociedade de um Estado-membro» designa qualquer sociedade:
a) Que revista uma das formas enumeradas no anexo;
b) Que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicílio fora da Comunidade; c) Que, além disso, esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos seguintes impostos:
- (...)
- imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, em Portugal (sublinhado nosso)
(...)
Artigo 3º
1. Para efeitos de aplicação da presente directiva.
a) É reconhecida a qualidade de sociedade-mãe, pelo menos, a qualquer sociedade de um Estado-membro que satisfaça as condições enunciadas no artigo 2° e que detenha no capital de uma sociedade de outro Estado-membro, que preencha as mesmas condições, uma participação mínima de 25 %;
b) Deve entender-se por «sociedade afiliada» a sociedade em cujo capital é detida a participação referida na alínea a).
2. (...)
Artigo 4º
1. Sempre que uma sociedade-mãe receba, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado da sociedade-mãe:
- ou se abstém de tributar esses lucros,
- ou os tributa, autorizando esta sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros e, se for caso disso, o montante da retenção na fonte efectuada pelo Estado-membro da residência afiliada nos termos das disposições derrogatórias do artigo 5°, dentro do limite do montante do imposto nacional correspondente.
2. (...).
3. (...)
Artigo 5º
1. Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25 % no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte. (sublinhado nosso)
2. (...)
3. (...)
4. Em derrogação do disposto no n.º 1, a República Portuguesa pode cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas suas sociedades afiliadas a sociedades-mães de outros Estados-membros até uma data que não poderá ser posterior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em aplicação da presente directiva. (sublinhado nosso)
Sem prejuízo das disposições das convenções bilaterais existentes, celebradas entre Portugal e um Estado-membro, a taxa dessa retenção não pode exceder 15% durante os cinco primeiros anos do período referido no parágrafo anterior e 10% durante os três últimos anos. (sublinhado nosso)
(...)
Artigo 8º
1. Os Estados-membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformarem à presente directiva o mais tardar até 1 de Janeiro de 1992. Desse facto informarão imediatamente a Comissão. (sublinhado nosso)
2. Os Estados-membros providenciarão para que seja comunicado à Comissão o texto das disposições essenciais de direito interno que adoptarem no domínio abrangido pela presente directiva.
Donde decorre que tal Directiva impôs ao Estado Português a isenção de tributação na fonte dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada residente em Portugal à sociedade mãe residente noutro Estado-membro quando esta detenha, pelo menos, 25% do capital social daquela (nº 1 do art.º 5.º), mas estabeleceu um regime transitório, permitindo-lhe continuar a efectuar a retenção na fonte de imposto até uma data que não poderia ser posterior ao fim do oitavo ano seguinte à data de entrada em aplicação da Directiva (nº 4 do art.º 5.º), isto é, até ao fim do oitavo ano seguinte a 1 de Janeiro de 1992 (artigo 8°).
Esta Directiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa através do Decreto Lei n.º 123/92, de 2 de Julho, cujo preâmbulo esclarece que «Quanto à directiva «sociedades-mães e sociedades afiliadas», que prevê, em geral, uma isenção de retenção na fonte para os lucros distribuídos por sociedades afiliadas às respectivas sociedades-mães de Estados membros diferentes, estabelece-se, sem prejuízo das disposições das convenções bilaterais existentes, a possibilidade da tributação na fonte, até 31 de Dezembro de 1999, às taxas de 15%, nos primeiros cinco anos, e de 10%, nos três últimos, de acordo com o regime derrogatório previsto a favor de Portugal», e que procedeu à alteração de alguns preceitos do Código do IRC, de modo a adequar a legislação interna com as imposições da Directiva, designadamente dos artigos 69.º e 75.º, que passaram a ter, para o que ora interessa, a seguinte redacção:
Artigo 69º
Taxas
1 - (...)
2 - (...)
a) (...)
b) (...)
c) Lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho de 1990, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contenta que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período, em que a taxa do IRC é de 15% até 31 de Dezembro de 1996, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor, e de 10% desde 1 de Janeiro de 1997 até 31 de Dezembro de 1999; (sublinhado nosso)
(...)
Artigo 75.º
Retenções na fonte
(...)
7 - Quando seja aplicável o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º, deverá ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a aplicação da taxa aí estabelecida.
8 - A prova a que se refere o número anterior é feita através de declaração, em duplicado, confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro das Comunidades Europeias de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, devendo o duplicado, acompanhado da relação modelo n.º 130 a que se refere a Portaria n.º 376/90, de 1 de Maio, ser remetido à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
Da conjugação destes diplomas resulta, claramente, que Portugal só estava autorizado a tributar os lucros que a sociedade afiliada colocasse à disposição da sociedade mãe residente noutro Estado membro até 31 de Dezembro de 1999, e que a taxa aplicável e essa tributação era, sem prejuízo das disposições das convenções bilaterais existentes, a de 15% até 31/12/96 e a de 10% desde aí até 31/12/99. E porque esse regime derrogatório terminava em 31 de Dezembro de 1999, tendo a norma contida no nº 1 do art.º 5.° da Directiva, sobre a isenção de tributação, entrado em pleno vigor no dia 1 de Janeiro de 2000, conclui-se que as taxas reduzidas previstas nessas normas do CIRC deixaram de poder ser aplicadas por Portugal a partir de então.
Na verdade, segundo a interpretação que a doutrina e o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) fazem do Tratado que instituiu a União, a Directiva tem efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados-membros, desde que seja suficientemente clara e precisa e a sua aplicação não tenha ficado condicionada à adopção de medidas complementares por parte dos Estados ou das instituições comunitárias. O que se compreende em face do seu carácter vinculativo, expresso no artigo 249.º do Tratado de Roma e que a torna obrigatória em todos os seus elementos (não podendo ser aplicada de modo incompleto, selectivo ou parcial), em face do dever que o Tratado impõe aos Estados-membros de observarem o cumprimento do direito comunitário e em face da necessidade de evitar que os Estados tirem vantagens do não cumprimento das obrigações que lhes são impostas pelo direito comunitário.
Além de que a directiva, enquanto instrumento utilizado no âmbito da harmonização das legislações nacionais, tem efeito directo vertical no termo do prazo de transposição, podendo os particulares invocá-la contra os Estados junto dos tribunais, tal como foi decidido pelo TJUE, em acórdão proferido em 17/10/96 e que doutrinou do seguinte modo relativamente à Directiva ora em questão:
«O artigo 5.º, n. 1, da Directiva 90/435, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades filiadas do Estados-Membros diferentes, prevê clara e inequivocamente a isenção da retenção do imposto na fonte para as sociedades-mães que detenham uma participação mínima de 25% no capital do sua filial.
Se é certo que o artigo 3.º, n. 2, da directiva confere aos Estados-Membros a faculdade de derrogar esse princípio quando a sociedade-mãe não mantenha a sua participação na sociedade filial durante um período mínimo e lhes dá uma margem de apreciação no que respeita à derrogação desse período, que não pode exceder dois anos, e no que respeita aos procedimentos administrativos aplicáveis, isto não exclui, porém, que se possam determinar direitos mínimos com base nas disposições de principio contidas no artigo 5.º da directiva.
Daqui resulta que, no caso de um Estado-Membro ter utilizado a faculdade prevista no artigo 3.º, n. 2, da directiva, as sociedades-mães, na medida em que respeitem a obrigação de manter a sua participação durante a período adoptado par esse Estado-Membro, podem invocar directamente nos órgãos jurisdicionais nacionais os direitos conferidos pelo artigo 5.º , nºs 1 e 3, do mesma directiva.».
Por outro lado, por força do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, as normas comunitárias gozam de primazia sobre o direito interno, o que tem levado a doutrina a afirmar o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, 2007,1º Volume, págs. 263/264. «Trata-se aqui de explicitar uma das consequências jurídicas (porventura a mais importante) da adesão a uma organização dessa natureza, a saber, a submissão directa e imediata às normas dela emanadas (regulamentos, directivas), nos termos dos respectivos tratados constitutivos (...). A fórmula adoptada pela Constituição - vigoram directamente na ordem interna - não deixa dúvidas que as normas emitidas por organizações internacionais dotadas de poderes “legislativos” - seja qual for a sua natureza jurídica - vigoram directamente na ordem jurídica interna, como normas “legislativas” internacionais, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos, independentemente de qualquer acto de mediação, seja aprovação ou ratificação por qualquer órgão do Estado, seja publicação no jornal oficial (mas devendo-o ser no jornal da organização internacional de que elas emanam). É a aplicação à legislação internacional, com as necessárias adaptações, do mesmo princípio de recepção automática ou plena, que, como se mostrou, vale para o direito internacional ordinário, comum ou convencional (nºs l e 2), com a diferença de que aquelas não carecem de nenhum acto interno de aprovação ou ratificação…».
Este princípio do primado do ordenamento comunitário sobre os direitos nacionais implica, não só, que a norma de direito interno ceda perante o preceito comunitário que com ela colida, mas, também, que sobre o juiz nacional recaia a obrigação de respeitar esse primado, designadamente assegurando o pleno efeito das disposições de direito comunitário, interpretando e aplicando o direito nacional em conformidade com o ordenamento comunitário.
É, pois, neste enquadramento, que se deve concluir que o Estado Português ficou impedido, a partir de 1 de Janeiro de 2000, de tributar os lucros distribuídos pela sociedade afiliada residente em Portugal à sociedade mãe residente noutro Estado-membro, desde que preenchidos os requisitos previstos para a aplicação dessa isenção. O que foi, aliás, reconhecido pela própria Administração Fiscal, na Circular n.º 16/2000, ao referir que: «tendo terminado em 31.12.1999 a período derrogatório concedido a Portugal pelo n.° 4 do art. 5° do Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, o regime instituído no n.º 1 do mesmo artigo é de aplicação directa no ordenamento jurídico interno... a partir de 1 de Janeiro de 2000».
Razão por que a Impugnante podia invocar directamente, como invocou, o estatuído no artigo 5° n.°1 da Directiva, isto é, o seu direito à isenção de retenção na fonte de imposto sobre os lucros que colocou a disposição da sociedade mãe “B…” a partir de 1 de Janeiro de 2000.
Aliás, o legislador português veio posteriormente consagrar essa isenção, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que procedeu à alteração do Código do IRC de modo a harmonizá-lo com a referida Directiva, introduzindo no artigo 14.º as seguintes alterações:
Artigo 14.º
Outras isenções
1 - (...)
2 - (...)
3 - Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.
4 - Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí estabelecida, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 114.º-A do Código do IRS.
5 - (...)
Em suma, a partir de 1 de Janeiro de 2000, os questionados rendimentos passaram a estar isentos de tributação desde que comprovados, nos termos legalmente exigidos, os pressupostos para a concessão desse benefício, e só nas situações de inverificação desses pressupostos podia ocorrer a tributação à taxa normal (posto que as taxas reduzidas previstas no citado art.º 69.º só eram aplicáveis durante o período derrogatório nele previsto) ou à taxa reduzida porventura estipulada em Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre os dois países Convenção que no caso de Portugal/França foi aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 105/71, publicado no Diário do Governo, n.º 72, I Série, de 26 de Março de 1971, e que prevê a possibilidade de tributação dos rendimentos em causa nestes autos a uma taxa reduzida de 15%..
Por conseguinte, torna-se evidente o erro de julgamento em que incorreu o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” ao analisar a presente situação à luz de jurisprudência firmada para factos tributários ocorridos no ano de 1998, altura em que este tipo de rendimentos estava ainda sujeito a tributação, sem possibilidade de qualquer isenção.
Resta saber se, como alega a Impugnante, ora Recorrente, se encontrava preenchido o requisito formal para a aplicação da isenção, sabido que a AT não pôs em causa a verificação dos requisitos substanciais, fundamentando a liquidação unicamente na falta de satisfação do requisito de natureza formal contido no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, mais propriamente no facto de a Impugnante não possuir, à data da distribuição dos dividendos, a “declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos”.
A Directiva n.º 90/435/CEE não estabelece normas procedimentais para a comprovação dos requisitos materiais de que depende a aplicação da isenção, requisitos que terão, naturalmente, de ser comprovados pelos Estados contratantes, pois que lhes incumbe verificar se o contribuinte está ou não em condições de beneficiar da exclusão de incidência de imposto, definindo os adequados instrumentos de verificação ou meios de prova sem violar o espírito da convenção. Assim, a prova da residência da beneficiária, embora não constitua um elemento constitutivo do direito ao benefício em causa, não pode deixar de ser exigida, pois só ela permite a verificação ou inverificação do pressuposto substantivo da residência fiscal noutro Estado-membro.
Tendo esses instrumentos de verificação (ou requisitos formais) sido estipulados pela legislação portuguesa, importa determinar a legislação aplicável em face das datas em que ocorreram as distribuições de lucros, pois que as normas contidas nos artigos 103.º da CRP e 8.º da LGT consagram o princípio da legalidade, que exige que sejam definidos por lei os elementos essenciais dos impostos (incidência, isenções e taxas), ficando os contribuintes obrigados apenas ao cumprimento das obrigações fiscais estatuídas na lei vigente à data do respectivo facto tributário.
Lucros colocados à disposição da sociedade mãe durante o ano 2000.
Como vimos, a partir de 1 de Janeiro de 2000, e por força do artigo 5.º, n.º 1 da Directiva n.º 90/435/CEE, o Estado Português ficou inibido de tributar os lucros que a sociedade afiliada residente em Portugal coloque à disposição da sociedade mãe residente noutro Estado Membro, desde que reunidos todos os requisitos substanciais estabelecidos para a aplicação dessa isenção. E a Impugnante podia invocar, como invocou, essa isenção, por ter demonstrado a verificação de todos os requisitos materiais legalmente exigidos para o efeito, conforme resulta da matéria de facto fixada na sentença. Aliás, o que provocou os actos de liquidação impugnados não foi o incumprimento desses requisitos, mas a inobservância de uma mera formalidade legal, traduzida na falta de junção do certificado de residência previsto no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC (norma ao abrigo da qual foram emitidos os actos tributários controvertidos).
Porém, só a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, introduziu no nosso ordenamento jurídico a norma contida no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, aditando a exigência, para efeitos de aplicação da isenção prevista na Directiva nº 90/435/CEE, de apresentação de certificado de residência composto por «declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos» para efeitos de obtenção da isenção».
Neste contexto, e atento o efeito directo da Directiva 90/435/CEE e o supra citado principio constitucional da legalidade, é evidente que embora a Administração devesse exigir, durante o ano de 2000, prova da residência da entidade beneficiária dos rendimentos para efeitos de comprovação da isenção, não podia fazer depender essa prova de um único e específico meio de prova, maxime do documento referido do n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, dado que este preceito só foi aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 30-G/2000, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, não estando, assim, em vigor durante o ano de 2000.
Assim sendo, e tendo a Recorrente em seu poder documentos certificados e autenticados pelas autoridades fiscais francesas que atestavam a residência fiscal da sociedade beneficiária dos rendimentos, compostos por declarações para “limitação do Imposto a pagar em Portugal” emitidas nos termos dos artigos 11º a 13° da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a França, certificadas e autenticadas em 7/04/2000, 25/05/2000 e 1/12/2000 (cfr. factos provados 4, 5 e 6), não se pode deixar de considerar como provada a residência da entidade beneficiária dos rendimentos para efeitos de comprovação da isenção.
Razão por que procedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
Lucros colocados à disposição da sociedade mãe durante os anos 2001 e 2002.
À data da distribuição de lucros ocorrida em 9/05/2001 em 8/05/2002, estava já em vigor o n.º 4 do art. 14.º do CIRC, que fazia depender a aplicação da isenção da prova «perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí estabelecida, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 114.º-A do Código do IRS.».
Como reconhece a própria Administração Fiscal, designadamente no Ofício-circulado n.º 20069, de 31/05/02, não existem formulários específicos para accionar a Directiva 90/435, devendo a entidade obrigada à retenção ter na sua posse uma declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do país de residência do beneficiário dos rendimentos que faça prova de que este se encontrava, à data da distribuição dos lucros, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva, isto é:
a). que revestia uma das formas societárias constantes do Anexo da Directiva 90/435/CEE;
b). que era considerada como residente naquele Estado-membro e estava aí sujeita a tributação sobre o rendimento sem possibilidade de opção por um regime de isenção.
A Impugnante dispunha de declarações para “limitação do Imposto a pagar em Portugal” emitida nos termos dos artigos 11º a 13° da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a França, devidamente certificadas e autenticadas pelas autoridades fiscais francesas em 19/05/2001 e 20/05/2003, e que inquestionavelmente atestam a residência fiscal da sociedade mãe nesse Estado-membro. Por outro lado, obteve declarações emitidas em 05/05/2004 pela sociedade mãe “para isenção do imposto a pagar em Portugal”, devidamente certificadas, nas quais esta sociedade confirma que à data de 01/01/2000, 01/01/2001 e 01/01/2002, reunia os requisitos previstos no artigo 2° da Directiva 90/435/CEE.
Todas estas declarações permitem dar por verificados os requisitos essenciais de que depende a isenção, evidenciando que a Impugnante era, à data dos factos, uma sociedade por quotas, e a “B…” uma sociedade anónima residente em França, onde estava sujeita a Impôt sur les societés, sem opção. Por isso, não se pode deixar de considerar como preenchido o pressuposto de natureza formal constante do n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, de certificação documental pela autoridade fiscal do país de residência das condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva.
É certo que essas declarações, tendo sido emitidas após o pagamento dos rendimentos, não estavam na posse da Impugnante em momento anterior à distribuição dos lucros, como impõe o n.º 4 do artigo 14.º do CIRC. Todavia, ainda que tardiamente apresentados, esses documentos não podem deixar de relevar face ao comando contido no n.º 4 do art. 48.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, que determina a aplicação retroactiva do regime introduzido no artigo 90.º-A n.º 6 do CIRC (na redacção em vigor previamente à produção de efeitos do DL n.º 159/2009, de 13.07, que republicou esse Código).
Na verdade, esse artigo 90.º-A tem o seguinte teor:
Artigo 90º-A.º
Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos nºs 3 e seguintes do artigo 14.º, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
6 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os nºs 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
Donde resulta que, para efeitos de comprovação do direito à isenção prevista na Directiva 90/435/CEE, e sem prejuízo de responsabilidade contra-ordenacional, o substituto tributário pode obter a prova exigida pelo n.º 4 do art. 14.º do CIRC em momento posterior à distribuição dos lucros e ao prazo estabelecido para a entrega do imposto, pois o n.º 4 do artigo 48.º da referida Lei 67-A/2007 impõe a aplicação retroactiva desse n.º 6 do artigo 90º-A ao estipular que «O afastamento da responsabilidade prevista no n.º 4 do artigo 90.º e no n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação» (sublinhado nosso).
No caso vertente, embora o imposto resultante dos actos de liquidação impugnados estivesse pago à data da entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007 (cfr. pontos 16, 18 e 20 do probatório), já se encontrava, na altura, pendente a presente impugnação judicial. Por isso, e independentemente da responsabilidade contra-ordenacional que à Impugnante possa ser imputada pela falta de oportuno cumprimento do requisito formal constante do n.º 4 do artigo 14.º do CIRC, tem de concluir-se pela ocorrência dos pressupostos para a aplicação da aludida isenção e para o afastamento da sua responsabilidade como substituto tributário.
As liquidações impugnadas enfermam, pois, de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, determinante da sua anulação.
O que nos leva à necessidade de apreciar o pedido de condenação da Administração ao pagamento de juros indemnizatórios formulado na petição inicial.
A Impugnante pretende que lhe sejam pagos juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral restituição do montante de imposto que pagou na sequência destas liquidações indevidas.
Segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Como se deixou já explicitado no acórdão proferido neste Supremo Tribunal em 28/10/2009, no processo n.º 477/09, que se debruçou sobre esta específica matéria e cuja fundamentação sufragamos, «A letra desta norma, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado. A Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços.
Esta culpa está, em regra, conexionada com a própria prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita (No domínio da responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública há coincidência entre ilegalidade e ilicitude - art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 48051, de 21-11-1967 e art. 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro). Na verdade, quando uma determinada conduta constitui um facto que à face da lei é qualificável como ilegal, deverá fazer-se decorrer da constatação da ilegalidade a existência de culpa, por ser algo que em regra se liga ao próprio carácter ilícito do facto, só sendo de a afastar se se demonstrar que ela, no caso, não ocorre (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 24-4-2002, recurso n.º 117/02.)
No caso em apreço, o n.º 4 do art. 48.º da Lei n.º 67-A/2007, ao determinar a aplicação retroactiva do regime que se prevê expressamente no n.º 4 do art. 90.º-A, constitui um reconhecimento explícito de que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando se comprovasse a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção, mesmo que a comprovação viesse a ser feita apenas depois do momento em que retenção deveria ser efectuada.
Na verdade, em face do referido princípio da legalidade a que está subordinada a actividade da Administração Tributária, só com fundamento em ilegalidade se pode compreender que, na prática, se anulassem por via legislativa liquidações de imposto já efectuadas, como faz aquela norma, ao determinar a exclusão da responsabilidade do substituto tributário «independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto».
E, efectivamente, em situações em que foi efectuada uma liquidação em momento que já se sabe que não se verifica o facto tributário que lhe está subjacente, não pode deixar de entender-se que se está perante um acto ilegal, desde logo à face dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo art. 55.º da LGT e que são corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.».
Aplicando esta doutrina ao caso vertente, torna-se evidente que houve erro imputável aos serviços no que toca à liquidação de IRC relativamente ao ano de 2000, por não ser permitido, à luz da legislação então vigente, exigir que a prova da residência fosse efectuada exclusivamente nos termos e moldes previstos no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC.
Por outro lado, quanto às liquidações dos anos de 2001 e 2002, os serviços da AT tiveram conhecimento, na altura em que efectuaram a inspecção e realizaram as liquidações adicionais, que a sociedade beneficiária dos rendimentos era efectivamente residente em França e que se encontram preenchidos todos os pressupostos materiais para a aplicação da isenção prevista na Directiva 90/435/CEE, conforme resultava dos documentos que estavam já na posse da Impugnante e que lhes foram apresentados. Pelo que se impunha o reconhecimento, pelos serviços, da isenção de tributação prevista nesse Directiva e invocada pela Impugnante, não se justificando que a tenham, ainda assim, obrigado ao pagamento do imposto como substituto tributário.
«É certo que numa situação deste tipo, a actuação da Impugnante violou a lei, pois, como ainda não tinha em seu poder os documentos em causa, deveria ter efectuado a retenção. Por isso, essa conduta é susceptível de integrar uma contra-ordenação fiscal, designadamente a tipificada no n.º 4 do art. 114.º do RGIT. Mas, essa ilegalidade da actuação da Impugnante não pode justificar que seja liquidado imposto que, no momento em que é efectuada a liquidação, já se sabe que não era devido. Foi, aliás, este o entendimento que esteve subjacente à redacção do n.º 6 do art. 90.º-A introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, em que, apesar de se afirmar a subsistência da responsabilidade contra-ordenacional, se afasta a responsabilidade do substituto pela falta de retenção, nos casos em que, posteriormente, se confirma que não se verificavam os pressupostos da exigência de imposto às entidades não residentes.» - citado acórdão do STA.
Consequentemente, houve erro imputável aos serviços para efeitos no disposto no art. 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que levam ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago, calculados desde a data em que a Impugnante efectuou o pagamento do imposto até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito, em conformidade com o disposto no artigo 61.º, n.º 3, do CPPT.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
- conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, anulando os actos de liquidação impugnados, com todas as consequência legais;
- condenar a Administração Tributária a pagar à Impugnante juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto pago, desde a data em que foi efectuado esse pagamento até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito.
Sem custas neste Supremo Tribunal Administrativo, por a Fazenda Pública não ter contra-alegado [artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ], e com custas na 1.ª instância pela Fazenda Pública.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2010. – Dulce Neto (relatora) – Pimenta do ValeValente Torrão.