Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01270/12
Data do Acordão:12/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
CADUCIDADE DE GARANTIA
Sumário:I – Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação.
II – É que, nos termos do disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00067991
Nº do Documento:SA22012120501270
Data de Entrada:11/19/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2012/10/04
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT - CONT - PROC ESPECIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART183A ART199 N1-5 N9 ART169 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0322/12 DE 2012/04/12; AC STA PROC01155/12 DE 2012/11/21
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED ALMEDINA PAG80.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 4 de Outubro de 2012, que julgou procedente a reclamação judicial deduzida por A…………, SA, com os sinais dos autos, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, que lhe foi notificado em 18 de Junho de 2012, que determinou a prestação de nova garantia para efeitos de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal, após reconhecimento da caducidade da garantia prestada para esse efeito na pendência de reclamação graciosa.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos termos seguintes:

I – Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal deduzida por A……………, SA, Nif. ……….., que teve por objecto o Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, datado de 18/06/2012, proferido no processo de execução fiscal n.º 3085200401047221, e que determinou a prestação de nova garantia, no valor de €13.634,25, com vista à manutenção da suspensão da execução para efeitos do art. 169.º do CPPT;

II – Na situação “sub judice” está em discussão saber se a suspensão da execução fiscal determinada por ter sido apresentada Reclamação Graciosa e prestada garantia, tendo sido declarado a caducidade desta por ter decorrido mais de um ano após a sua apresentação sem que haja decisão, se mantém sem que seja prestada nova garantia enquanto não for decidida a Impugnação Judicial interposta do indeferimento do recurso Hierárquico deduzido do indeferimento daquela Reclamação Graciosa;

III – Ora, o Acto objecto da presente Reclamação foi praticado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085200401047221, instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 3 por dívidas de Retenção na Fonte de IRS do exercício de 2001, cuja quantia exequenda é de €11.908,20, sendo a respectiva Liquidação n.º 2004 6410000804 resultante de acção inspectiva;

IV – Não se conformando com aquela Liquidação, a Contribuinte apresentou Reclamação Graciosa, e, com vista a obter a suspensão do processo executivo, apresentou em 08/10/2004 a Garantia Bancária n.º 125-02-0664149, sendo que em 22/12/2006 requereu a verificação da sua caducidade, nos termos do Art. 183.º-A do CPPT, tendo sido proferido Despacho de Arquivamento em 23/05/2011, em virtude da garantia bancária já ter sido cancelada através do ofício n.º 06291 de 14/06/2007;

V – A Reclamação Graciosa foi deferida parcialmente, tendo a Contribuinte apresentado Recurso Hierárquico, e do indeferimento liminar deste deduziu Impugnação Judicial, que se encontra a correr termos sob o Proc. n.º 1915/11.6BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa;

VI – Atendendo ao cancelamento da garantia anterior, ao entendimento veiculado no Ofício-Circulado n.º 60.090 de 15/05/2012, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, e ao previsto no Art. 169.º n.º 1 do CPPT, do qual resulta que a atribuição de eficácia suspensiva da execução, em virtude de haver contencioso (Impugnação Judicial), depende da constituição de garantia nos termos do art. 199.º do mesmo código, foi o Reclamante notificado, através do ofício n.º 5683 de 18/06/2012, para prestar nova garantia, no valor de €13.634,25, Acto objecto da presente Reclamação;

VII – Determinando o referido Ofício-Circulado n.º 60.090, no seu ponto 5 – caducidade da garantia (Art. 183.º-A do CPPT), que:

«(…) A redacção actual deste preceito restringe o âmbito de aplicação da norma às situações de apresentação de reclamação graciosa. O que permite concluir que o instituto da caducidade da garantia se destina, apenas, a devolver à administração os custos da sua própria ineficiência.
Acompanhando esta leitura, caso exista caducidade da garantia na pendência da reclamação graciosa e, posteriormente, seja interposto recurso hierárquico, não deve a AT solicitar a prestação de nova garantia, pois subsiste o pleito que se iniciou com a reclamação graciosa, sendo o recurso hierárquico um prolongamento desse procedimento.
Diversamente, tal não pode ocorrer no caso de (eventual) reacção judicial ao indeferimento da pretensão do contribuinte na fase administrativa, por se passar de um "pleito gracioso" para um "pleito judicial".
Na verdade, neste caso o atraso na decisão da impugnação não pode ser imputado à Administração, mas a um órgão de soberania que é independente - o Tribunal.
Nestes termos, após o reconhecimento da caducidade da garantia, por não ter sido cumprido o prazo máximo de um ano para decisão da reclamação graciosa, o interessado só pode beneficiar da suspensão até à decisão graciosa do pleito. Sendo apresentado qualquer meio jurisdicional de reacção, só se verificará nova suspensão do processo de execução se o devedor prestar nova garantia idónea, para cujo cálculo devem ser contabilizados os juros de mora até à data de apresentação do novo meio de reacção, em conformidade com o n.º 6 do artigo 199.º do CPPT. (…)»

VIII – Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência da AT decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do Art. 103.º da CRP, o qual prescreve no seu n.º 1 que “[o ] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas …”, pois de outra forma não se poderá assegurar “…uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, sendo o crédito tributário indisponível, não podendo ser concedidas moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos estipulados na Lei, como decorre do art. 36.º, n.º 3 da LGT e do art. 85.º, n.º 3 do CPPT;

IX – De harmonia com o art. 52.º, n.º 1 da LGT e do art. 169.º, n.º 1 do CPPT, a interposição de reclamação graciosa, Recurso Hierárquico ou Impugnação Judicial, em que se discuta a legalidade da dívida exequenda, suspende a execução fiscal até à decisão do pleito desde que seja prestada garantia ou efectuada penhora que garanta a totalidade da dívida e acrescido;

X – Desta forma, com a prestação da garantia pretende-se assegurar o pagamento da dívida tributária, no caso em que a execução fiscal se encontra suspensa na sequência de impugnação administrativa ou judicial pelo contribuinte;

XI – Através da Lei n.º 15/2001, de o5/06, e com vista a responsabilizar a AT e os Tribunais e agilizar a condução dos respectivos processos, foi introduzido no CPPT o Art. 183.º-A, que no seu n.º 1 determinava que a garantia prestada pelo contribuinte para suspender a execução fiscal caducava se Reclamação Graciosa não estivesse decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição, ou se a Impugnação Judicial, Recurso Judicial ou oposição não estivessem julgados em 1.º instância no prazo de dois anos a contar da data da sua apresentação, tendo este último prazo passado para três anos através da redacção dada Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro;

XII – Este Art. 183.º-A do CPPT foi entretanto revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e a Lei n.º 40/2008, de 11/08, veio repor o regime da caducidade da garantia, mas apenas no caso de Reclamação Graciosa, com efeitos a partir de 01/01/2009;

XIII – No que concerne à impugnação administrativa, a AT deve decidir em tempo útil, já que a garantia é prestada no interesse do estado, e o protelamento da sua decisão não deve implicar custos para o contribuinte, mas antes deve ser imputado à AT os custos da sua ineficácia ou da delonga na decisão, sendo que, no entanto, não se pode descurar ou deixar de assegurar a cobrança da dívida exequenda;

XIV – Tal como foi entendimento veiculado no acórdão do TCA Sul de 12/02/2008, Proc. 02154/07, ao preconizar que:A «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte ver a sua reclamação ou qualquer outro dos procedimentos ou processos iniciados nos citados normativos rapidamente decididos, sem perder de vista o interesse de garantia de segura e certa cobrança da dívida exequenda e prevenção contra expedientes dilatórios do contribuinte”;

XV – Das várias versões do art. 183.º-A do CPPT decorre que o Legislador distinguiu, desde o início, o contencioso administrativo do contencioso judicial, e se assim procedeu é porque entendeu que o procedimento administrativo e o procedimento judicial são vias recursivas distintas, e sem ligação entre si que determine a continuação dos efeitos da caducidade no âmbito da nova via impugnatória;

XVI – Efectivamente, a Impugnação Judicial não é uma via recursiva da reclamação Graciosa, tanto mais que, como tem sido entendido pelos Tribunais Superiores, o sujeito passivo pode invocar, em sede de Impugnação, vícios do acto tributário que não alegou na Reclamação Graciosa.

XVII – Tal como refere o Prof. Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª edição, Coimbra Editora: “Assim, reclamação e impugnação são duas garantias distintas, com igualmente distintos espaços de actuação, apesar de terem em comum os objectivos (como vimos, a anulação dos actos tributários), os fundamentos (“qualquer ilegalidade”), a inexistência de efeito suspensivo da respectiva liquidação e, em certa medida, os prazos (em regra, 120 e 90 dias). Contudo, distinguem-se nos seguintes aspectos, em geral condensados no art.º 69.º do CPPT, em referência à reclamação graciosa”.

XVIII – Desta forma, o prolongamento para o processo judicial de factos ocorridos no procedimento administrativo, como a caducidade da garantia, implicaria a ideia de que a impugnação é um “continuum processual” da Reclamação Graciosa, o que impediria que a decisão proferida nesta não se tornasse definitiva no caso do contribuinte deduzir Impugnação Judicial dessa mesma decisão;

XIX – Todavia, esta tese colide com o princípio da separação de poderes, pois assentaria numa confusão entre Administração e Justiça e, portanto, entre a função de administrar e de julgar, sendo inegável que a Impugnação Judicial é um processo autónomo e de natureza diferente da Reclamação Graciosa;

XX – Efectivamente decorre do art. 103.º, n.º 5 do CPPT que: Caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do art.º 69º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço”, referindo Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, 2ª edição, Almedina, que O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração fiscal, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei), de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada”.

XXI – Assim, se da Lei resulta que a garantia prestada na sequência do procedimento administrativo se mantém para o processo judicial, o mesmo já não sucede com o aproveitamento da verificação e reconhecimento da sua caducidade ocorrida no decurso do procedimento administrativo ao processo judicial que lhe poderá suceder;

XXII – Ao que acresce que do próprio art. 183.º-A do CPPT, na redacção anterior à sua revogação operada pela Lei n.º 53-A/2006, conferia competência exclusiva para apreciação da caducidade da garantia à entidade onde se encontrava a correr o procedimento ou o processo, o que determinava que, se o contribuinte não requeresse o reconhecimento da caducidade da garantia perante o órgão administrativo, já não podia, em sede de contencioso judicial, requerer que lhe fosse reconhecida a caducidade por ter sido ultrapassado o prazo de um ano para decisão da Reclamação Graciosa;

XXIII – E tal sucede porquanto o pressuposto da caducidade foi o atraso na decisão da Reclamação, sendo que com a Impugnação esse pressuposto deixava de existir, pois não se pode fazer valer aqui a caducidade ocorrida em termos e condições distintas, já só podendo ser requerido o reconhecimento da caducidade que seja verificada na pendência, agora, do processo judicial.

XXIV – Sendo também este o entendimento vertido no acórdão do TCA Norte de 12/05/2005, Proc. 01611/04.0BEVIS: “Se a garantia que está a ser exigida à executada se destina a conferir carácter suspensivo à executoriedade de uma liquidação que está a ser discutida em processo de impugnação judicial, só as vicissitudes desta impugnação podem determinar a caducidade da garantia que venha a ser prestada, sendo irrelevante que anteriormente haja decorrido uma reclamação que demorou mais de um ano a ser decidida, dado que esta garantia nenhuma conexão tem com essa reclamação

XXV – Deste modo, é evidente o distanciamento e a autonomia entre o procedimento administrativo e o processo judicial, cujas proximidades são apenas aquelas que a lei expressamente prevê, pelo que a caducidade da garantia prestada dentro das circunstâncias da Reclamação não subsiste para além da extinção dessa mesma Reclamação;

XXVI – Assim, a execução fiscal fica suspensa até se decidirem definitivamente a impugnação administrativa e/ou a impugnação judicial, desde que seja prestada garantia, como decorre do Art.º 169º n.º 1 do CPPT, sendo que a verificação e reconhecimento da caducidade da garantia, na sua pendência, só estende os efeitos da suspensão ao procedimento ou processo em que aquela foi verificada ou reconhecida;

XXVII – Aliás, a Lei distingue o pleito gracioso ou administrativo do pleito contencioso ou judicial, sendo que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o caso decidido ou resolvido, e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial;

XXVIII – Ao que acresce que se assim não se entender, na redacção do Art. 183.º-A do CPPT anterior à sua revogação operada pela Lei n.º 53-A/2006, ficaria a AT penalizada, por não poder arrecadar a receita nem deter qualquer garantia, decorrendo tal não só pela delonga na apreciação da Reclamação Graciosa (e eventual Recurso Hierárquico), o que se compreende, mas também pela delonga na apreciação da subsequente Impugnação judicial, que incumbe aos Tribunais, o que não se compreende e não foi certamente este o objectivo do Legislador;

XXIX – Face ao exposto, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que considere legal o Despacho objecto da presente Reclamação, em virtude de haver fundamento legal para exigir a prestação de nova garantia (arts. 103.º n.º 5, 169.º e 183.º-A, todos do CPPT e Art. 52.º n.º 1 da LGT).
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a Sentença ora sindicada e substituída por outra que considere que o Despacho ora reclamado é legal.

2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:

a) Não obstante o reconhecimento da caducidade da garantia bancária n.º 125-02-0362947, efetuado nos termos do disposto no artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, em vigor à data da prestação da garantia, o processo de execução fiscal n.º 3085200401047221 mantém-se suspenso, nos termos dos artigos 169.º e 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, até decisão final do pleito em sede de impugnação judicial, uma vez que os efeitos postulados no referido normativo se mantêm na integra;

b) Para efeitos do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considera-se ocorrer a “decisão do pleito” sempre que a questão decidenda esteja definitivamente decidida, não sendo passível de ser atacada administrativa ou contenciosamente;

c) Estando pendente a impugnação judicial da dívida subjacente à execução, tal execução não pode seguir seus termos, ao abrigo do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez que se encontra suspensa desde 7 de outubro de 2004, em virtude da prestação da garantia bancária n.º 125-02-0664149;

d) A tese sufragada pela Recorrente configura um favorecimento inadmissível da posição processual da Administração tributária, não apenas porque a reclamação graciosa, enquanto meio tutelar primordial ao dispor dos administrados, deverá ser decidida com qualidade, rapidez e eficiência, mas também porque é a própria Administração Tributária quem controla os prazos decisórios, não devendo admitir-se uma interpretação legal em conformidade com a solução que lhe é mais favorável ou consoante o que se afigurar mais conveniente em cada momento;

e) A interpretação efectuada pela Recorrente no âmbito do presente recurso é errada e ilegal, na medida que interpreta o artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, desatendendo aos princípios que norteiam o sistema tributário, como o princípio da legalidade e desconsiderando, por completo, a intenção do legislador;

f) Conclui-se assim que a sentença recorrida analisou corretamente os factos que lhe foram submetidos, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá ser mantida na íntegra.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo tribunal “a quo”, tudo com as legais consequências.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 205 a 206 dos autos, no qual defende o não provimento do recurso, em conformidade com o entendimento sufragado no acórdão deste Supremo tribunal de 12 de Abril de 2012 (rec. n.º 0322/12) e bem assim o expresso por JORGE LOPES DE SOUSA em anotação 3 ao artigo 183.º-A do CPPT.

Com dispensa dos vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos á conferência.
- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se declarada a caducidade, ao abrigo do disposto no art. 183.º-A do CPPT (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro), da garantia prestada com vista à suspensão da execução fiscal na sequência da dedução de reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, pode a Administração tributária exigir nova garantia para suspender a execução fiscal, se a executada, discordando da decisão daquela reclamação graciosa, bem como da decisão do recurso hierárquico que dela interpôs, veio a deduzir impugnação judicial.

5 – Na sentença recorrida foram fixados os seguintes factos:

A) Em 24-7-2004, o Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional n.º 2004 6410000804, de 24 de Março de 2004, identificada com o número de documento 2004 00000000852, relativa a retenções na fonte e juros compensatórios do ano de 2001, no valor global de €11.908,20, cfr. fls. 28.

B) Com base na certidão de dívida n.º 2004/48757, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3085200401047221, contra o Reclamante para cobrança coerciva de dívidas de IRS do exercício de 2001, cuja quantia exequenda é de € 11.908,20, cfr. fls. 75.

C) Com vista a obter a suspensão da execução a que se refere a alínea anterior, na pendência da decisão, o Reclamante apresentou a garantia bancária n.º 125-02-0664149, emitida em 7 de Outubro de 2004, no montante de € 15 736,95, cfr. fls. 30.

D) Por requerimento apresentado em 22/12/2006, o ora Reclamante requereu a declaração da verificação da caducidade da garantia bancária prestada, cfr. fls. 32 e 33.

E) Por despacho de 08/06/2007, do chefe do serviço de Finanças adjunto, foi reconhecido o deferimento tácito da caducidade da garantia prestada e ordenado o seu levantamento, cfr. fls. 77.

F) Em 16-07-2009, o Reclamante foi notificado do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa e recorreu hierarquicamente, cfr. fls. 44.

G) Em 11-07-2011, o Reclamante foi notificado do despacho de indeferimento liminar do recurso hierárquico apresentado em 15 de Setembro de 2009, cfr. fls. 50.

H) Em 29/09/2011, o Reclamante deduziu impugnação judicial contra o indeferimento do recurso referido no artigo anterior, impugnação esta que corre os seus termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 1915/11.6BELRS, cfr. fls. 66.

I) Pelo ofício n.º 5683, de 18/06/2012, foi o Reclamante notificado para prestar nova garantia, no valor de €13.634,25, cfr. fls. 80.

J) A presente reclamação foi apresentada em 28/06/2012, cfr. carimbo aposto a fls. 4.

K) No Serviço de Finanças foi prestada a informação de fls. 72 a 74 que aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais.

6 – Apreciando
6.1 Da (i)legalidade da exigência de nova garantia para manutenção da suspensão do processo de execução fiscal na pendência de impugnação judicial deduzida do indeferimento liminar de recurso hierárquico de indeferimento parcial de reclamação graciosa na pendência da qual foi declarada, nos termos do artigo 183.º-A do CPPT, a caducidade da garantia prestada para suspender a execução
A sentença recorrida, a fls. 127 a 138 dos autos, julgou procedente a reclamação deduzida pelo ora recorrido contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3 que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085200401047221, determinou a prestação de nova garantia para manutenção do efeito suspensivo da execução na pendência do processo de impugnação subsequente ao indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento parcial de reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação adicional n.º 2004 6410000804, de 24 de Março de 2004, identificada com o número de documento 2004 00000000852, relativa a retenções na fonte e juros compensatórios do ano de 2001, no valor global de €11.908,20, anulando a decisão reclamada.
Considerou o tribunal “a quo”, fundamentando o decidido nas disposições legais pertinentes e respectivos comentários de JORGE LOPES de SOUSA e bem assim no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Abril de 2012 (rec. n.º 0322/12), que cita e transcreve reconhecendo tratar-se de caso similar ao dos presentes autos, que o efeito suspensivo decorrente da prestação de garantia não cessou com a decisão da reclamação graciosa, pelo que, quando foi proferido despacho determinando a notificação para a prestação de nova garantia, atenta a declaração de caducidade da garantia anteriormente prestada, o processo de execução se encontrava suspenso, pois que a declaração de caducidade da garantia não contende com o efeito suspensivo decorrente da sua prestação, antes se visa assegurar aquele efeito “apesar” da declaração de caducidade, o que significa que, até á decisão do pleito no sentido atrás exposto, o efeito suspensivo se mantém, pelo que, no caso vertente, não podia a Administração Fiscal determinar a prestação de garantia sob a cominação do prosseguimento dos autos de execução.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, pois que entende que o efeito suspensivo da execução fiscal decorrente da prestação de garantia que caducou se mantém apenas até à formação de “caso decidido ou resolvido” do “pleito gracioso ou administrativo”, não estendendo os seus efeitos até ao termo do “pleito judicial”, em razão da autonomia entre o procedimento administrativo e o processo judicial e porque se assim não se entender (…) ficaria a AT penalizada, por não poder arrecadar a receita nem deter qualquer garantia, (…) também pela delonga na apreciação da subsequente Impugnação Judicial, que incumbe aos Tribunais, o que não se compreende e não foi certamente este o objectivo do legislador.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito defende que o recurso não merece provimento.
Vejamos.
O caso dos autos é substancialmente idêntico ao que foi decidido por Acórdão deste Supremo Tribunal do passado dia 12 de Abril, proferido no recurso n.º 322/12, e, mais recentemente, com o que foi objecto de Acórdão do passado dia 21 de Novembro (rec. n.º 1155/12), sendo, aliás, que as conclusões das alegações e contra-alegações ora apresentadas quase reproduzem na íntegra as que o foram no rec. n.º 1155/12.
À semelhança do que sucedia naquele último Acórdão, também ao caso dos presentes autos é aplicável a redacção do artigo 183.º-A do CPPT que lhe foi conferida pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, enquanto no de 12 de Abril era aplicável a redacção originária do artigo 183.º-A do CPPT, ou seja, a resultante da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (que o aditou ao CPPT), sem que, porém, tal diferença de redacção tenha qualquer relevo para o caso dos autos (visto que a única diferença assinalável entre aquelas duas redacções da norma respeitava ao momento em que caducava a garantia nos processos judiciais - 2 anos contados desde a data da sua apresentação na versão originária da norma; 3 anos na que lhe foi conferida pela Lei n.º 30-B/2002 -, e no caso dos autos e naquele que foi objecto do Acórdão de 12 de Abril de 2012 a garantia caducou no procedimento de reclamação graciosa, por falta de decisão no prazo de um ano a contar da data da sua interposição).
Assim, porque o decidido no Acórdão de 12 de Abril, proferido no rec. n.º 322/12, merece a nossa inteira concordância - como, aliás, resulta à evidência do Acórdão de 21 de Novembro, rec. n.º 1155/12, que relatámos - também aqui se adoptará a mesma solução, nos termos e pelos fundamentos dele constantes, para os quais se remete, negando provimento ao recurso e confirmando a sentença recorrida, que bem julgou ao entender que o efeito suspensivo da execução derivado da prestação de garantia no procedimento de reclamação graciosa se mantém, nos termos do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, até à decisão do pleito, havendo que interpretar esta expressão no sentido que corresponde ao seu significado – de litígio – ou seja, até que sobre o litígio se forme “caso decidido ou resolvido”, não havendo recurso senão à via administrativa”, ou até ao trânsito em julgado da decisão final, havendo recurso à via contenciosa.
Como já tivemos ocasião de afirmar no anterior Acórdão que proferimos sobre a matéria, é esta, aliás, a interpretação da norma adoptada pela própria Administração tributária no ponto 2 do Ofício-Circulado que a Fazenda Pública invoca como fundamentação da decisão objecto da reclamação que está na origem dos presentes autos, na contestação que apresentou em 1.ª instância e nas suas alegações de recurso para este Supremo Tribunal, onde textualmente se afirma que: “(…) sendo prestada pelo interessado a garantia idónea, nos termos do art. 199.º do CPPT, o n.º 1 do art. 169.º do CPPT faz daí decorrer a consequência da suspensão da execução «até à decisão do pleito», ou seja, até à verificação do caso decidido ou resolvido. Tal só ocorre quando o acto tributário ou a dívida, cuja legalidade ou exigibilidade forem contestadas, deixarem de ser contenciosamente impugnáveis. No caso de apresentação de meios contenciosos (judiciais) de reacção, o caso decidido ou resolvido apenas se verifica com o trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, se for obtida uma decisão definitiva que seja insusceptível de recurso judicial ou ainda se, apesar de passível deste recurso, decorrer o respectivo prazo sem que o mesmo seja apresentado”. Sendo, porém, diversa – distinguindo pleito administrativo e pleito judicial -, a interpretação que consigna o ponto 5 do mesmo Ofício para o caso específico da caducidade da garantia (artigo 183.º-A do CPPT).
Também o argumento da autonomia do procedimento de reclamação relativamente ao processo judicial nada prova no que à alegada não manutenção do efeito suspensivo em razão da garantia prestada, e que caducou na pendência da reclamação, respeita, pois, como se deixou dito no Acórdão de 12 de Abril de 2012 que vimos referindo e se reiterou no do passado dia 21 de Novembro:

«(…) Salvo o devido respeito, a questão nada tem a ver com a reconhecidamente diferente natureza entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial, nem sequer com uma qualquer solução de continuidade da garantia entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial, mas tão-só com a estabilidade da relação jurídico-tributária a que se refere a liquidação que deu origem à dívida exequenda.

Nesse sentido aponta também o n.º 5 do art. 103.º, do CPPT, na redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, como igualmente bem referiu a Juíza do Tribunal a quo. Na verdade, nesta norma legal, depois de no número anterior se referir que «A impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.ºs 1 a 5 e 9 do artigo 199.º», estatui-se: «Caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do artigo 69.º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço». O que parece significar, sem margem para dúvida, que a garantia que haja sido prestada quando da reclamação graciosa da liquidação da dívida exequenda em ordem a obviar à instauração da execução fiscal (…) se mantém, em ordem ao mesmo efeito, quando for deduzida impugnação judicial contra o mesmo acto tributário. E, se assim é nos casos em que a garantia visa obviar à instauração da execução fiscal porque seria diferente nos casos em que a garantia visa obviar à prossecução da execução, mesmo que tenha sido declarada a sua caducidade?

Seria, aliás, curioso saber se o órgão de execução fiscal, extraindo todas as consequências da tese que sustenta, permitiria o levantamento da garantia prestada caso não se tivesse verificado a declaração da respectiva caducidade.
No sentido de que a suspensão da execução fiscal se mantém nas situações em que seja apresentada impugnação judicial na sequência de reclamação graciosa a que tenha sido atribuído efeito suspensivo, se pronuncia também RUI DUARTE MORAIS, que afirma textualmente:

«O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração tributária, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º, n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei) de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada» (A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pág. 80.).

E, salvo melhor opinião, nem esta condição referida na parte final do excerto citado – manutenção da garantia prestada – pode ser lida com o alcance pretendido pela Recorrente. É que, nos termos que deixámos referidos, a lei faz equivaler à manutenção da garantia prestada a sua caducidade.

Ainda neste sentido, CARLA RIBEIRO afirma:

«[…] convém ainda referir que uma vez caducado o direito à garantia o mesmo não pode ser repristinado caso o contribuinte não concorde com a decisão da reclamação e decida impugná-la judicialmente. É que não faz sentido que a garantia possa caducar ou deixar de ser exigível, por omissão da decisão administrativa e posteriormente possa ser exigida em consequência de impugnação judicial» (Tese de pós-graduação em Direito Fiscal sob o tema A Garantia Idónea, publicação on line do Centro de Investigação Jurídico Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 23, disponível em (http://www.cije.up.pt/publications/garantia-id%C3%B3nea.)».

(fim de citação).

Diga-se ainda, finalmente, reiterando o que já se disse no acórdão de 21 de Novembro passado versando sobre idêntica temática, que as receitas fiscais cobradas pela Administração tributária não são receitas próprias desta, mas receitas do Estado (artigo 103.º n.º 1 da CRP) e que, na nossa perspectiva, a caducidade na garantia prevista no artigo 183.º-A do CPPT não visa penalizar a Administração tributária (ou os Tribunais, nas redacções da norma anteriores à vigente) pelo atraso na decisão do pleito, antes evitar que os contribuintes sejam irrazoavelmente penalizados por essa demora na decisão.

Tem, pois, de concluir-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida, que bem julgou.



- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2012. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro –Dulce Neto.