Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0160/06.7BEBJA 0458/18
Data do Acordão:02/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O recurso excepcional de revista apenas pode ser admitido quando em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
Nº Convencional:JSTA000P24262
Nº do Documento:SA2201902270160/06
Data de Entrada:05/09/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E B............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 144.º e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 de Novembro de 2017, que concedeu parcial provimento ao recurso interposto por A………… e B…………, ambos com os sinais dos autos, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgara totalmente improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra liquidações de IRS e de juros compensatórios do ano de 2001, revogando a sentença de 1.ª instância na parte respeitante ao juros compensatórios e igualmente nessa parte anulando o acto de liquidação de juros compensatórios.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

a) A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal “ad quem” no presente recurso, é a de saber, se os juros compensatórios devidos por retardamento da liquidação do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo – resultante de o sujeito passivo entregar a sua declaração de rendimentos depois do prazo legal -, exigidos nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do CIRS e n.º 1 do artigo 35.º da LGT, devem ser assacados ao substituto tributário, por imposição do disposto no n.º 2 do artigo 103.º do CIRS, como entendeu o acórdão recorrido,

ou,

b) os juros compensatórios devidos por retardamento da liquidação do imposto por facto imputável ao sujeito passivo - resultante de o sujeito passivo entregar a sua declaração de rendimentos depois do prazo legal – e exigidos nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do CIRS e n.º 1 do artigo 35.º da LGT, devem ser assacados ao próprio sujeito sujeito, conforme entende a Administração Tributária e bem decidiu a sentença recorrida, por aplicação direta das referidas disposições legais.

c) Entende, a FP, que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito – em clara violação da lei substantiva -, o que afeta e vicia a decisão proferida, tanto mais que assentou e foi fruto, de um desacerto ou de um equívoco;

d) A questão acima identificada assume relevância social fundamental, porquanto, a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

e) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação, sendo certo que, o erro de julgamento é gerador de violação de lei substantiva;

f) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este caso ser visto como caso-tipo, não só porque contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do STA na qualidade de órgão regulador do sistema, como condição para dissipar dúvidas;

g) Até porque, a questão ora em crise nos presentes autos será passível de replicação em todos os casos em que haja retardamento na liquidação de imposto devido em resultado da entrega de declaração de rendimentos (Mod. 3) depois do prazo legal exigido;

h) Resulta expressamente do preceituado nos art.º 91.º do CIRS e art. 35.º da LGT que haverá lugar ao pagamento de juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, ou for por si recebido reembolso superior ao devido.

i) No caso dos autos, verifica-se que a conduta do sujeito passivo, ao não ter declarado de início e em prazo legal (até 2002.03.15) todos os rendimentos obtidos em 2001 – somente declarou todos os rendimentos pagos pela entidade patronal aquando da entrega da declaração de substituição (em 2005.09.07) -, teve como resultado o retardamento do pagamento integral do imposto devido nos termos da lei, materializada na falta de entrega de imposto previsto nos arts. 91.º do CIRS e art.º 35.º da LGT.

j) A culpa pelo atraso na entrega da declaração de rendimentos (mod. 3) não pode ser assacada ao substituto tributário (entidade patronal) como decidiu o tribunal a quo. A obrigação de apresentar declaração de rendimentos, que inclua todos os rendimentos obtidos sujeitos a IRS, nos termos do disposto no Código do IRS. É do sujeito passivo, independentemente, da eventual culpa que poderá ser responsabilizado o substituto tributário pela não retenção na fonte do imposto, nos termos definidos no n.º 2 do artigo 103.º do CIRS.

k) Desta forma, resulta claro que o tribunal a quo falhou no seu julgamento, quando entendeu que:

«o juízo de imputabilidade pelo atraso na liquidação que os artigos 91º do CIRS e 35º da LGT pressupõem é expressamente dirigido, no caso, por força do já citado artigo 103º, nº 2 do CIRS, ao substituto e não ao substituído.

Por conseguinte, e com enfoque no caso concreto, ter-se-á que concluir que a liquidação impugnada de juros compensatórios é ilegal por falta de verificação dos pressupostos legais dos quais ela depende, concretamente a imputabilidade aos impugnantes do atraso na liquidação do IRS por eles devido.

Nesta conformidade, impõe-se, nesta parte, julgar procedentes as conclusões da alegação de recurso e, em consequência, revoga-se, na parte correspondente, a sentença recorrida. Trata-se, pois, de revogação limitada à liquidação dos juros compensatórios.

Em face da revogação parcial da sentença, julgar-se-á parcialmente procedente a impugnação judicial e anular-se-á, assim, a liquidação de juros compensatórios objecto da presente impugnação judicial.»

l) A aplicação do disposto nos n.º 1 do artigo 91.º do CIRS e n.º 1 do artigo 35.º da LGT não se restringe apenas à «responsabilidade em caso de substituição». Estas normas têm um carácter mais abrangente e são de aplicação directa.

m) Resulta, pois, do exposto, que o acórdão recorrido procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 91.º do CIRS e do art. 35.º da LGT, devendo reconhecer-se a possibilidade de ser de aplicar directamente estes preceitos, sem ter de os subsumir à necessária aplicação do disposto no n.º 2 do art. 103.º do CIRS.

n) Deve ser mantida a liquidação de juros compensatórios e julgar-se totalmente improcedente a impugnação judicial.

Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o douto acórdão recorrido, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 472 a 475 dos autos, no sentido da admissão do recurso com vista a uma melhor aplicação do direito.

4 – É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

A - Os Impugnantes detêm os números de contribuinte fiscal ……… e ……… e o seu domicílio fiscal em 2005 localizava-se em Rua da ………, ……… nº ……, em Évora;

B - Na sequência de análise interna realizada pelo Serviço de Finanças de Évora foi verificado que relativamente à Declaração de IRS respeitante aos mesmos do ano de 2001 não haviam sido declarados a totalidade dos rendimentos da categoria A auferidos pelo sujeito passivo B…………;

C - Elaborado que foi relatório foi feita menção de que o sujeito passivo em questão entregou uma declaração mod. 3 de IRS de substituição de acordo com os dados constantes do Anexo J, ficando assim regularizada a situação tributária;

D - Os Impugnantes foram notificados pelo Serviço de Finanças, em 22/07/2005, para efeitos de prestação de informações e esclarecimentos acerca da divergência verificada no cruzamento efectuado entre o Anexo J e os rendimentos mencionados na Declaração mod. 3;

E - Em 05/08/2005 apresentaram os Impugnantes requerimento a fim de prestar esclarecimentos quanto à matéria a que foram instados, juntando para o efeito documentos;

F - Em 12/08/2005 recebeu a sociedade comercial “C…………, Lda” notificação daquele mesmo SF a solicitar elementos atinentes ao esclarecimento daquelas mesmas divergências relativamente a rendimentos da categoria A auferidos pela Impugnante ao seu serviço e, se registadas incorrecções, a apresentação de declaração de substituição;

G - Esta respondeu mediante a apresentação de diversos documentos;

H - Em 07/09/2005 os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de IRS de substituição à que haviam apresentado relativamente a 2001, fazendo desta constar como rendimentos auferidos pela Impugnante enquadrados na categoria A o valor de 116.410,30 €;

I - A Impugnante dirigiu exposição acerca da matéria em questão nestes autos ao Exmo Sr. Ministro das Finanças;

J - Em 15/12/2005 foi emitida a liquidação nº 20054004468575 de acordo com a qual os Impugnantes eram devedores à Administração Tributária do valor de IRS correspondente a 36.798,68 €;

K - Na mesma data foi emitida liquidação de juros compensatórios identificada com o nº 20052524132 no montante de 6.818,60 €;

L - Os Impugnantes foram notificados de tais liquidações por via postal registada enviada em 20/12/2005;

M - Em 06/02/2006 apresentaram os Impugnantes requerimento para pagamento do valor referido nas anteriores alíneas em prestações;

N - Tal pedido foi deferido e fixado o número de 36 prestações;

O - Não obstante, em 28/04/2006, os Impugnantes procederam ao pagamento da totalidade daquele montante;

P - Datada de 03/09/2001 a C………… emitiu declaração de acordo com a qual o contrato de trabalho estabelecido com B………… caducou com efeitos a partir de 31/08/2001 – cfr. doc. 1 junto com a pi;

Q - Datada de 31/08/2001 a mesma entidade emitiu declaração com o seguinte teor:

“Entre a C…………, Lda”, por uma parte e B…………, por outra parte, é ajustado e reciprocamente aceite o contrato de distrate que tem as cláusulas seguintes:

1º) O contraente B………… presta serviço à primeira contraente desde 03/07/1978.

2º) Pelo presente contrato os contraentes acordam, nos termos dos artigos 7º e 8º do decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, pôr termo ao referido contrato de trabalho a partir desta data, cessando todos e quaisquer efeitos do mesmo;

3º) A contraente C…………, Lda” obriga-se a pagar à segunda contraente, nos termos dos nºs 1, 2, 3 e 4 do art. 8º do já referido Decreto-Lei, a importância global de Esc. 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) a título de indemnização a liquidar nesta data.

4º) Os contraentes declaram nada mais terem a reclamar nem a haver um do outro;

5º) Os contraentes obrigam-se a cumprir pontualmente e de boa fé quanto acima fica estipulado.

6º) Último dia de trabalho: 31/08/2001”;

R - Datada de 28/08/2001 a mesma entidade emitiu declaração com o seguinte teor:

“Entre a C…………, Lda”, por uma parte e B…………, por outra parte, é ajustado e reciprocamente aceite o contrato de distrate que tem as cláusulas seguintes:

1º) O contraente B………… presta serviço à primeira contraente desde 03/07/1978.

2º) Pelo presente contrato os contraentes acordam, nos termos dos artigos 7º e 8º do decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, pôr termo ao referido contrato de trabalho a partir desta data, cessando todos e quaisquer efeitos do mesmo;

3º) A contraente C…………, Lda” obriga-se a pagar à segunda contraente, nos termos dos nºs 1, 2, 3 e 4 do art. 8º do já referido Decreto-Lei, a importância global de Esc. 25.000.000$00 (vinte e cinco milhões de escudos) a título de indemnização a liquidar nesta data.

4º) Os contraentes declaram nada mais terem a reclamar nem a haver um do outro;

5º) Os contraentes obrigam-se a cumprir pontualmente e de boa fé quanto acima fica estipulado.

6º) Último dia de trabalho: 28/08/2001”;

S - Ambas as declarações referidas em P) e Q) encontram-se assinadas, sendo que da parte da 1ª contraente figuram duas assinaturas ilegíveis e não identificadas e da parte da 2ª contraente figura a assinatura da Impugnante;

T - Datada de 17/01/2002 foi emitida declaração nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 114º do CIRS de acordo com a qual no ano de 2001 a Impugnante auferiu remunerações do tipo de rendimentos na importância de 5.206,37 Eur (1.043.783 PTE) sobre que incidiram os seguintes descontos: Segurança Social – 572,69 Eur (114.814 PTE); Imposto (IRS) – 310,64 eur (62.278 PTE);

U - Em 12/08/2005 a C………… remeteu à Impugnante declaração dos rendimentos auferidos pela mesma ao seu serviço no ano de 2001, em substituição da antes emitida, mencionando ser no seguimento do pedido do Serviço de Finanças de Évora;

V - Tal declaração é datada de 12/08/2005, sendo emitida nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 114º do CIRS, de acordo com a qual no ano de 2001 a Impugnante auferiu remunerações do tipo de rendimentos na importância de 116.325,89 € sobre que incidiram os seguintes descontos: Segurança Social – 572,69 €; Imposto (IRS) – 310,64 €;

W - Em 24/04/2006 os Impugnantes deram entrada à petição inicial que originou os presentes autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Sul do qual a AT requer revista excepcional concedeu provimento ao recurso interposto pelos ora recorrentes apenas na parte respeitante aos juros compensatórios que lhe foram liquidados, nesta parte revogando a sentença recorrida e anulando a liquidação de juros compensatórios sindicada.

O acórdão considerou que o atraso na liquidação, gerador da responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios, era directamente imputável não ao atraso na entrega da declaração de IRS pelos sujeitos passivos originários, mas antes e primariamente à omissão do dever de retenção na fonte de IRS sobre tais rendimentos pelo substituto tributário, sendo, pois, o substituto (a entidade patronal), e não o substituído (a titular dos rendimentos da categoria A) o responsável pelo pagamento dos juros compensatórios.

É isto que resulta do acórdão do TCA cuja revista a AT requer, e que com a devida vénia se transcreve:

Vejamos, por último, o que se nos oferece dizer sobre os juros compensatórios liquidados com fundamento no atraso na liquidação de IRS do ano de 2001, os quais se computam em € 6.818,60.

Já antes adiantámos qual a defesa dos impugnantes relativamente à ilegalidade dos juros compensatórios. Em concreto, a discordância dos impugnantes com tal acto tributário prendia-se com: a não verificação dos pressupostos para a tal liquidação, já que não lhes é imputável qualquer atraso na liquidação do imposto (i); a falta de fundamentação (ii); a violação do prazo de caducidade do direito à respectiva liquidação (iii) e a circunstância de ter sido excedido o limite máximo do período de contagem dos mesmos (iv).

O TAF de Beja não acolheu as razões dos impugnantes e, como tal, manteve a liquidação inalterada.

Neste recurso jurisdicional, e tal como resulta das conclusões da alegação de recurso, o assim decidido apenas vem atacado quanto à não verificação dos pressupostos da liquidação dos juros compensatórios, por não lhes ser imputável qualquer atraso na liquidação do imposto.

Quanto a este aspecto, o TAF de Beja decidiu seguindo a seguinte linha argumentativa:

“(…) A liquidação aqui impugnada reporta-se aos juros compensatórios que vieram acrescer à liquidação de IRS referente ao ano de 2001, tendo como causa subjacente o seu retardamento por motivo imputável aos Impugnantes.

De acordo com o art. 35º, nºs 1, 2 e 5 da LGT constituem requisitos da exigência de juros compensatórios:

• Retardamento da liquidação

• Por causa Imputável ao contribuinte

Como tem vindo a entender a jurisprudência, essa imputabilidade deve ser vista em termos de causalidade adequada (a actuação do contribuinte deve ser a causa directa e necessária do retardamento da liquidação) e susceptível de um juízo de culpa (comportamento censurável), de acordo com o critério de um bonus pater familias «(contribuinte médio, tipo abstractamente plasmado na lei), que agiu no quadro de solicitações das circunstâncias concretas de cada caso, havendo o retardamento da liquidação de ser resultado, segundo um juízo de prognose póstuma de causalidade adequada, do incumprimento desses deveres.».

No caso dos autos, como referido em 9.1., ficou apurado que os Impugnantes inscreveram na sua declaração de IRS relativa a 2001 e aos rendimentos da categoria A recebidos por ... B………… o valor de 5.206,37 € quando, na verdade, o montante pela mesma percebido foi de 139.881,80 €. Ou seja, não foi declarado senão em 07/09/2005 o valor de 134.675,43 € efectivamente recebidos pela Impugnante e enquadráveis como rendimentos da citada categoria.

Nessa sequência foram emitidas as liquidações ora impugnadas em 15/12/2005.

Face ao que se já deixou dito, temos de concluir que o retardamento da liquidação que repôs a situação de acordo com os ditames legais foi imputável aos contribuintes.

Contudo, vêm os Impugnantes alegar que a sua actuação não foi culposa.

Entende o Tribunal, do modo já acima referido, que se regista negligência no comportamento da Impugnante ao não se assegurar previamente à apresentação da declaração de rendimentos que o valor da indemnização em questão constituía matéria tributável e que, como tal, estava sujeito a menção obrigatória.

E que tal atuação culposa acarretou a liquidação retardada do imposto que devendo ter tido lugar em 2002 somente veio a verificar-se em 2005.

Julgam-se, pois, devidos juros compensatórios por parte dos Impugnantes”.

Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto e são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária – cfr. artigo 35º da LGT e 91º do CIRS.

Como é aceite, os juros compensatórios são uma reparação dos prejuízos causados à Fazenda Nacional, em resultado do atraso na liquidação do imposto devido, sem natureza sancionatória.

À data dos factos que aqui importa considerar, dispunha o artigo 103º, nº 2 do CIRS que “Quando a retenção for efectuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo da apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior”.

Como já o dissemos, no caso concreto, sobre o montante pago à ora Recorrente pela sua entidade patronal era devido IRS.

Também não oferece dúvidas que, nos termos previstos no artigo 99º do CIRS, a entidade patronal, aquando do pagamento respectivo, deveria ter retido o imposto devido, o que, em face do probatório (cfr. pontos T, U e V dos factos provados), não ocorreu.

Por conseguinte, parece-nos claro que, no caso, perante a falta de retenção na fonte, apesar da responsabilidade originária pelo imposto não retido caber ao substituído (leia-se, aos Recorrentes), os juros compensatórios são devidos pela entidade que, estando obrigada a tal retenção, não a efectuou, o que equivale a dizer, a entidade patronal, substituta.

Com efeito, foi por falta dessa retenção e entrega nos cofres do Estado, directa e imediatamente, nos respectivos prazos legais, que a Fazenda Pública se viu privada da importância correspondente, pelo que deve ser na entidade pagadora que devem residir os pressupostos para que tais juros sejam devidos.

Neste mesmo sentido, ainda que num quadro legal que sofreu já alterações e relativo ao ano de 1995, se afirmou neste TCA, no acórdão proferido no recurso 05454/12, de 30/10/12, no sentido de que: “ainda que o titular dos rendimentos tenha passado a ser o responsável originário pelo pagamento das quantias não retidas indevidamente pela entidade obrigada – cfr. n.º 2 do citado art.º 96.º, na redacção introduzida por este Dec-Lei - é sobre esta que não sobre aquele, que a lei faz impender o pagamento dos juros compensatórios e demais sanções aplicáveis ao infractor – n.º 3 do mesmo artigo – assim, de acordo com a súmula do citado preâmbulo, sendo que a norma do art.º 83.º do CIRS, que regula os efeitos do retardamento da liquidação em geral, deve no caso da falta de retenção a que se reporta o art.º 96.º, n.º 2 do mesmo CIRS, ser afastada, em obediência ao princípio da especialidade, já que tal situação fáctica, específica, encontra expressa subsunção nesta última norma e no seu n.º 3, citadas”.

O mesmo se pode aqui concluir.

Com efeito, o juízo de imputabilidade pelo atraso na liquidação que os artigos 91º do CIRS e 35º da LGT pressupõem é expressamente dirigido, no caso, por força do já citado artigo 103º, nº 2 do CIRS, ao substituto e não ao substituído.

Por conseguinte, e com enfoque no caso concreto, ter-se-á que concluir que a liquidação impugnada de juros compensatórios é ilegal por falta de verificação dos pressupostos legais dos quais ela depende, concretamente a imputabilidade aos impugnantes do atraso na liquidação do IRS por eles devido.

Nesta conformidade, impõe-se, nesta parte, julgar procedentes as conclusões da alegação de recurso e, em consequência, revoga-se, na parte correspondente, a sentença recorrida. Trata-se, pois, de revogação limitada à liquidação dos juros compensatórios.

Em face da revogação parcial da sentença, julgar-se-á parcialmente procedente a impugnação judicial e anular-se-á, assim, a liquidação de juros compensatórios objecto da presente impugnação judicial. (fim de citação; sublinhados nossos).

A recorrente AT reclama do decidido recurso excepcional de revista relativamente à questão de saber se os juros compensatórios devidos por retardamento da liquidação do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo – resultante de o sujeito passivo entregar a sua declaração de rendimentos depois do prazo legal -, exigidos nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do CIRS e n.º 1 do artigo 35.º da LGT, devem ser assacados ao substituto tributário, por imposição do disposto no n.º 2 do artigo 103.º do CIRS, como entendeu o acórdão recorrido, ou (…) ao próprio sujeito, conforme entende a Administração Tributária e bem decidiu a sentença recorrida, por aplicação direta das referidas disposições legais. E alega, para justificar a admissão da revista, que a questão ora em crise nos presentes autos será passível de replicação em todos os casos em que haja retardamento na liquidação de imposto devido em resultado da entrega de declaração de rendimentos (Mod. 3) depois do prazo legal exigido.

Coloca a recorrente a questão que pretende ver apreciada, e fundamenta a necessidade da revista, dando como assente um pressuposto que não foi como tal assumido pelas instâncias – a saber, o de que o atraso na liquidação resultou de o sujeito passivo entregar a sua declaração de rendimentos depois do prazo legal -, e que foi, aliás, expressamente rejeitado pelo TCA no julgado sob escrutínio, quando afirma que foi por falta dessa retenção e entrega nos cofres do Estado, directa e imediatamente, nos respectivos prazos legais, que a Fazenda Pública se viu privada da importância correspondente, pelo que deve ser na entidade pagadora que devem residir os pressupostos para que tais juros sejam devidos.

O juízo do TCA é, porém, plausível e tem, à data dos factos, norma legal e jurisprudência que suporta o entendimento perfilhado. E, sendo embora diverso do entendimento propugnado pela recorrente, não se afigura nem ostensivamente errado nem juridicamente insustentável, justificativos da admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.

Também a resposta que este STA pudesse dar à questão, caso admitisse a revista, estaria condicionada pelas circunstâncias do caso, não sendo, obviamente, passível de replicação em todos os casos em que haja retardamento na liquidação de imposto devido em resultado da entrega de declaração de rendimentos (Mod. 3) depois do prazo legal exigido, pois o caso dos autos tem circunstâncias particulares, não sendo inequívoco que o atraso na liquidação se deveu, primária e imediatamente, à entrega da declaração de rendimentos (modelo 3) depois do prazo legal. Acresce que, a norma convocada pela decisão recorrida, foi entretanto revogada, daí que não sirva de parâmetro decisório para futuros casos, justificativos da admissão da revista dado o relevo social fundamental da questão.

Entendemos, pois, não se justificar a admissão da revista.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Ascensão Lopes.