Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0224/22.0BEPNF
Data do Acordão:02/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PRESCRIÇÃO
ENCERRAMENTO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
DECLARAÇÃO
Sumário:A citação do executado interrompe o prazo de prescrição em curso, o que não só inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente - efeito instantâneo (artigo 326.°, n.° 1 do Código Civil), como também determina que o novo prazo de prescrição não comece a correr enquanto não transite em julgado ou forme caso decidido a decisão que coloque termo ao processo (artigo 327.°, n.° 1 do Código Civil).
O processo é, in casu, o processo executivo no qual se verificou aquele efeito interruptivo, e não o processo de insolvência, pois que este não determinou a interrupção da prescrição, daí que a prescrição só (re)começa a sua contagem a partir da declaração em falhas.
Nº Convencional:JSTA00071659
Nº do Documento:SA2202302080224/22
Data de Entrada:11/07/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ART. 88.º CIRE;
ARTS. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, CCIV66
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


– Relatório –

1 – AA, com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 19 de julho de 2022, que julgou improcedente a reclamação judicial por si deduzida do despacho do Director de Finanças do Porto que lhe indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas exequendas, apresentando para tal as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 19/07/2022, proferida pelo Tribunal a quo.

2. Decorre da matéria assente que o Recorrente foi declarado insolvente em 7/12/2011, através do processo de insolvência número 4940/11.3TBSTS, que correu os seus termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Santo Tirso do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

3. Decorre do disposto no artigo 88.º, nº 3 do CIRE que o processo de execução (fiscal ou não) suspende-se com a declaração de insolvência e extingue-se com o encerramento do processo de insolvência.

4. O processo de insolvência do Reclamante foi encerrado no dia 26/11/2012 – facto dado como provado.

5. Entende o Recorrente que não podia o Tribunal a quo deixar de retirar daquele encerramento do processo de insolvência consequências que influem diretamente na apreciação do pedido de apreciação da prescrição das dívidas tributárias em apreço.

6. Mal andou o Tribunal a quo ao não considerar que com o encerramento do processo de insolvência, cessou o efeito duradouro decorrente da interrupção do prazo de prescrição relativo às dívidas tributárias aqui em apreço.

7. De facto, entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o termo do processo executivo ocorreu com a prolação da declaração da execução fiscal em falhas, já que, no presente caso, dispunha de uma decisão judicial – encerramento do processo de insolvência – que lhe permite definir tal momento sem que seja necessário recorrer a qualquer equiparação ou analogia,

8. Que foi o que o Tribunal a quo optou por fazer.

9. Vem sendo reconhecida à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).

10. Nos presentes autos, a decisão que colocou termo aos processos de execução ocorreu não nos próprios processos de execução mas no processo de insolvência, com a prolação da decisão de encerramento do mesmo – cfr. artigo 88.º, nº 3 do CIRE.

11. Assim, depois de se ter interrompido com a citação do Recorrente, o prazo de prescrição iniciou nova contagem com a prolação do despacho de encerramento do processo de insolvência, o que ocorreu em 26/11/2012, sem mais ser suspenso ou interrompido por qualquer outro facto.

12. Deste modo, claro está que o prazo de prescrição decorreu, sem qualquer interrupção ou suspensão, tendo, no limite, os 8 anos terminado no dia 26/11/2020.

13. Entende o Recorrente que as dívidas tributárias em apreço se encontram claramente prescritas.

14. Termos em que deve ser revogado a douta Sentença recorrida, e ser decretada a prescrição das dívidas tributárias objeto dos presentes autos.

15. A Sentença recorrida viola e faz uma incorreta aplicação dos artigos 88.º, nº 3 e 100.º do CIRE e dos artigos 49.º da LGT e 326.º do CC.

Nestes termos e nos melhores de direito, admitindo-se e julgando-se totalmente procedente o presente recurso a revogando-se a douta Sentença recorrida, com as inerentes consequências legais, se fará sã, inteira, serena e objetiva JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por decisão sumária da relatora no TCA-Norte este Tribunal julgou-se incompetente para conhecer do recurso e competente para o efeito este STA, para quem os autos foram remetidos.

4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer no sentido do não provimento do recurso com a seguinte fundamentação:

2. Fundamentação – Questão decidenda

2.1. O recorrente discorda da sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento de direito, por não reconhecer a prescrição das dívidas exequendas.

A declaração de insolvência do reclamante ocorreu em 07.12.2011, ou seja, após a citação pessoal do mesmo no âmbito dos processos executivos em 28.06.2011 e o processo de insolvência foi encerrado em 26.11.2012. Por outro lado, ficou demonstrado que os processos de execução fiscal foram declarados em falhas em 11.01.2017.

A douta sentença recorrida considerou que o efeito duradouro da interrupção do prazo de prescrição decorre da citação no âmbito do processo executivo e não da sua declaração de insolvência, atendendo a que este ocorreu em momento anterior.

O recorrente defende que, tendo o prazo de prescrição sido interrompido com a sua citação, o mesmo iniciou nova contagem com a prolação do despacho de encerramento do processo de insolvência em 26.11.2012, sem mais ser suspenso ou interrompido por qualquer outro facto.

2.2. No que se refere à prescrição das dívidas exequendas de IRC e IRS, dos anos de 2003 a 2006, sendo estes impostos periódicos, o prazo de prescrição iniciou-se em 31.12.2003, 31.12.2004, 31.12.2005 e 31.12.2006, respetivamente, pelo que a não terem existido factos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição, os mesmos terminariam em 31.12.2011, 31.12.2012, 31.12.2013 e em 31.12.2014.

Quanto às dívidas de IVA do ano de 2003, 2004, 2005 e 2006 e sendo este um imposto de obrigação única, o prazo de prescrição iniciou-se em 01.01.2004, 1.01.2005, 1.01.2006 e 1.01.2007 pelo que a inexistirem factos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição, os mesmos terminariam em 01.01.2012, 1.01.2013, 1.01.2014 e 1.01.2015.

Dos autos resulta que em 28.06.2011 ocorreu a citação pessoal do reclamante para os termos da presente execução [alínea H) dos factos provados], facto que implica a interrupção do prazo prescricional.

Conforme jurisprudência consolidada do STA, a citação do executado para a execução fiscal opera a interrupção do prazo de prescrição, inutilizando todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

2.3. Como se refere na douta sentença recorrida, no que respeita ao que podemos entender por termo do processo executivo, deverá equiparar-se à “decisão que ponha termo ao processo” a que declare a execução fiscal em falhas, estando demonstrado que o processo foi declarado em falhas em 11.01.2017 [alínea K) dos factos provados] sendo que, na referida data recomeçou a contagem do prazo de prescrição.

Nos termos do artigo 100º do CIRE, a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.

A douta sentença recorrida decidiu que o efeito suspensivo previsto no artigo 100.º do CIRE, ocorrido em 7.12.2011 em nada releva, por considerar que ainda se encontrava a decorrer o efeito duradouro da interrupção do prazo prescricional, decorrente da citação pessoal do reclamante, ocorrida em momento anterior, ou seja, em 28.06.2011.

Assim sendo, uma vez que o prazo prescricional só recomeçou a sua contagem em 11.01.2017, considerou resultar “evidente que, na presente data, mesmo sem atender a outras eventuais causas de prescrição, como a suspensão destes prazos no âmbito da pandemia de COVID-19, o mesmo ainda não decorreu, não estando a dívida em causa prescrita.”

O recorrente defende que, depois de se ter interrompido com a citação do recorrente, o prazo de prescrição iniciou nova contagem com a prolação do despacho de encerramento do processo de insolvência, ocorrido em 26.11.2012, sem mais ser suspenso ou interrompido por qualquer outro facto. Neste sentido, em relação a todas as dívidas, já decorreu o prazo de prescrição.

3. Posição defendida

3.1. A posição do recorrente consiste em considerar que, com o encerramento do processo de insolvência, cessou o efeito duradouro decorrente da interrupção do prazo de prescrição relativo às dívidas tributárias aqui em apreço.

Pelo que, não se pode considerar que o termo do processo executivo ocorreu com a prolação da declaração da execução fiscal em falhas, já que, no presente caso, existe uma decisão judicial - encerramento do processo de insolvência - que colocou termo aos processos de execução, não nos próprios processos de execução mas no processo de insolvência, com a prolação da decisão de encerramento do mesmo, nos termos do artigo 88.º, nº 3 do CIRE.

3.2. Assistiria razão ao recorrente, caso se tivesse verificado que a suspensão do prazo de prescrição decorresse da declaração de insolvência, dado que a decisão de encerramento do processo de insolvência determina a cessação da suspensão do prazo de prescrição. Ou seja, nos termos artigo 88.º, n.º3 do CIRE, com o encerramento da insolvência, as ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente.

Ou seja, caso a citação tivesse ocorrido em momento posterior à declaração de insolvência, estando o processo de execução fiscal suspenso, não podiam ter sido ser realizadas diligências tendentes à citação do executado. E, nesse caso, a posição do recorrente estaria correta.

Como se decidiu no recente acórdão do STA de 9.11.2022, proferido no processo n.º 409/22.9BEAVR, estando o PEF suspenso, não podem ser realizadas diligências tendentes à citação.

3.3. Todavia, como se referiu, a citação do executado ocorreu em momento anterior à declaração de insolvência, pelo que produziu o denominado duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do CC).

Nestes termos, a sentença recorrida, ao decidir pela improcedência da reclamação e, em consequência, pela absolvição da Fazenda Pública do pedido, não merece censura.

4. Conclusão

Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, vão os autos à conferencia.


- Fundamentação –

5 – Questões a decidir

São as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar não prescritas as dívidas exequendas.

6 – Matéria de facto

Na sentença objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:

A) Em 06.05.2021, o Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, via correio eletrónico, um requerimento do qual se retira o seguinte teor:

“ Processo de execução fiscal n.º 1880200401004344, 1880200401015249, 1880200401015605, 1880200401021265, 1880200401030710, 1880200401034146, 1880200401036718, 1880200401040120, 1880200401041762, 1880200501007823, 1880200501009982, 1880200501015184, 1880200501015885, 1880200501049283, 1880200501055860, 1880200501058401, 1880200501061682, 1880200501067320, 1880200501067753, 1880200501069403, 1880200501073753, 1880200501078992, 1880200601000330, 1880200601001175, 1880200601002651, 1880200601004077, 1880200601004310, 1880200601036092, 1880200701006258, 1880200701010620, 1880200701011413, 1880200701013700, 1880200701052756, 1880200701053612, 1880200701065580, 1880200701069446, 1880200701076698, 1880200801024361, 1880200801028537, 1880200801033514, 1880200801035215, 1880200801057804, 1880200801058029, 1880200801067036, 1880200801069365, 1880200801071670, 1880200801071980, 1880200801080237, 1880200801081276, 1880200801086200, 1880200801087762, 1880200801095854, 1880200801097121; 1880200401003119

EXMO. SR. CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS:

AA, NIF ..., residente na Rua ..., 4780-... ..., Santo Tirso, executado nos autos supra identificados, no seguimento dos seus últimos requerimentos, vem expor para a final requerer a V.ª Exc.ª o seguinte:

1. Os processos de execução fiscal supra identificados, bem como os seus apensos, foram instaurados entre 2006 e 2011 e dizem respeito a tributos que, necessariamente, se referem a períodos de tributação anteriores.

2. Ora, nos termos do disposto no artigo 48.º da LGT, "As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a titulo definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário

3. Nestes termos, as dividas contidas naqueles processos de execução supra mencionados, e nos seus apensos, encontram-se claramente prescritas,

4. O que se requer seja declarado.

5. A declaração da prescrição tem como consequência a extinção dos presentes autos de execução, o que igualmente se requer seja decretado.

Nestes termos e nos demais de direito que V.ª Exc.ª doutamente suprirá, requer-se seja declarada a prescrição da dívida que deu origem aos processos de execução fiscal supra mencionados, quem devem ser declarados extintos.

E. D.

O Requerente,” – Cfr. documento de fls. 24 a 27 da paginação eletrónica;

B) Em 26.01.2022, os serviços da Direção de Finanças do Porto elaboraram uma informação, da qual se retira o seguinte teor:

“(…)

I. INTRODUÇÃO

AA, NIF ..., executado por reversão de dívidas da sociedade A..., Lda. - Em Liquidação, com o NIF ..., apresentou requerimento no qual peticiona o reconhecimento da prescrição das dívidas em cobrança coerciva no âmbito dos processos de execução fiscal à margem melhor identificados.

II. ANÁLISE DA PRESCRIÇÃO

1. As dívidas subjacentes aos autos de execução fiscal em apreço, reportam-se a IVA dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, bem como, a IRS e IRC dos anos de 2005 e 2006.

No tocante aos processos 1880200701069446, 1880200701076698, 1880200801024361, 1880200801028537, 1880200801033514, 1880200801035215, 1880200801057804, 1880200801058029, 1880200801067036, 1880200801069365, 1880200801071670, 1880200801071980, 1880200801080237, 1880200801081276, 1880200801086200, 1880200801087762, 1880200801095854, 1880200801097121, importa esclarecer que os mesmos não foram objeto de reversão contra o aqui requerente, ficando por isso, fora da nossa análise.

3. No caso vertente, o prazo de prescrição aplicável às dívidas em apreço, é o de oito anos, conforme a LGT dispunha, na sua redação inicial

(…)

5. Fixado o prazo de prescrição de oito anos a considerar nas dívidas em análise, e antes de apurar da existência de factos interruptivos ou suspensivos de tal prazo, importa referir que a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição é a vigente no momento em que os mesmos ocorram, conforme artigo 12.º da LGT, e artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.

6. Assim, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, da LGT, constituem factos interruptivos a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, a que acresce a citação como facto interruptivo por força da redação dada à referida norma pela Lei 100/99, de 26/7, cuja vigência se iniciou em 01-08-1999.

7. A redação do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, conferida pela lei 53-A/2006, que entrou em vigor em 01-01-2007, refere que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

8. Com efeito, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao quinto ano, se ele for citado até ao fim do oitavo ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n.º 2 do artigo 48. ° da LGT).

(…)

10. Para finalizar o enquadramento legal em que nos movemos, refere também o artigo 100.º do CIRE que «a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo».

11. Perante o quadro legal apresentado, e examinada a factualidade dos presentes autos, descurando propositadamente a citação da devedora originária, por inutilidade e simplificação de exposição, há a relevar na contagem do prazo de prescrição das dívidas em exame, desde logo a citação pessoal do revertido, ora requerente, ocorrida em 28-06-2011.

(…)

13. Assim, resulta dos apontados preceitos que a citação de cada um dos devedores, principal ou subsidiário, verificada no âmbito do processo de execução fiscal, interrompe a prescrição (cfr. artigo 49.º, n.º 1 da LGT) e só pode ocorrer uma vez relativamente a cada um deles.

14. Ainda que, desde a data da liquidação até à data da citação tenham decorrido mais de cinco anos, o que aconteceu efetivamente quanto à maioria das execuções, isso não implica que ocorra a prescrição da dívida para o revertido, uma vez que, esse período de cinco anos apenas releva para efeitos de desconsideração de efeitos interruptivos anteriores.

15. O que se pode retirar do n.º 3 do artigo 48.º da LGT, é que se o devedor subsidiário for citado após o quinto ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição corre ininterruptamente, não se suspendendo por qualquer causa relativa ao devedor principal, sendo o efeito desta norma apenas o de “… tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor originário.” - conforme explicitou o ac. do STA proferido em 18-01-2017 no processo n.º 0895/14.

16. E na nossa análise não consideramos qualquer efeito interruptivo ou suspensivo, relativo à devedora originária, designadamente a citação da mesma, ou até a insolvência daquela como, causa suspensiva do prazo, mas aqui por força do acórdão nº 557/2018, de 23.10, que veio “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165º, nº 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

17. Ora, atendendo às dívidas mais antigas referentes ao ano de 2003, pois se estas não estiverem prescritas, aplicando-se os meus factos interruptivos ou suspensivos, também não estarão prescritas, como é lógico, as dívidas mais recentes, considerando o prazo de oito anos e o seu início em 01/01/2004, temos que, se a prescrição corresse sem qualquer interrupção/ suspensão, o términus do prazo coincidiria com o dia 31/12/2011.

18. No entanto, a citação pessoal do revertido em 28-06-2011, efetuada, dentro do prazo de prescrição de oito anos, interrompeu o referido prazo, tendo não só o efeito instantâneo de inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, mas ainda o efeito duradouro de paralisação do decurso do prazo, enquanto não houver termo do processo.

19. Pois, conforme aponta a jurisprudência consolidada, à citação pessoal é atribuído efeito duradouro, interrompendo-se o prazo de prescrição que se encontrava a correr, sendo inutilizado todo o prazo decorrido anteriormente (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil), e o novo prazo de prescrição de oito anos previsto no n.º 1 do artigo 48.º da LGT não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil).

Neste sentido, veja-se a título exemplificativo o Acórdão do STA de 19-09-2012, processo n.º 0883/12; e os Acórdãos do TCAS de 19-03-2015, proc. n.º 08542/15; de 18-06-2015, proc. n.º 06446/13 e de 04-02-2016, proc. n.º 07038/13.

20. Tem a jurisprudência também vindo a considerar que deve equiparar-se à decisão que puser termo ao processo, aquela que declare o processo de execução fiscal em falhas. Neste sentido veja-se, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-04-2017, processo n.º 0304/17; de 08-01-2020, processo n.º 0717/19.6BEAVR; de 16-09-2020, processo n.º 071/20.3BESNT; de 30-09-2020, processo n.º 0672/20.0BELRS.

21. Retomando ao caso em apreço, temos que, em 10/01/2017, foi proferido despacho de declaração em falhas no âmbito dos processos executivos em exame (cfr. despacho de declaração em falhas em anexo), nos termos do artigo 272.º do CPPT, e assim sendo, reiniciar-se-ia o prazo de prescrição de oito anos.

22. Sucede que, há ainda que atender à suspensão do prazo de prescrição provocada pela declaração de insolvência do revertido, em 07/12/2011, nos autos de insolvência n.º 4940/11.3TBSTS, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 1, com despacho final de exoneração passivo restante, proferido a 09-05-2018.

23. Na verdade, a AT viu-se impossibilitada de agir coercivamente para satisfazer os seus créditos no período compreendido entre 07/12/2011 (data de declaração de insolvência) e 09/05/2018 (data de fim do período de cessão de rendimentos), circunstancialismo que o legislador entendeu salvaguardar através da suspensão do prazo de prescrição, prevista no artigo 100.º do CIRE.

24. Realce-se que, os efeitos de um facto interruptivo podem cumular-se com os efeitos de um facto suspensivo (…)

25. De igual modo, importa ainda acautelar os períodos suspensivos da prescrição decorrentes da pandemia da doença COVID-19, que ocorreram, de 12-03-2020 a 30-06-2020, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, e de 01-01-2021 a 31-03-2021, ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do Decreto-Lei n.º 6-E/2021 de 15 de janeiro.

26. Ante o exposto, sendo, o prazo de prescrição em causa interrompido pela citação pessoal do revertido, em 28/06/2011, ficando por isso inutilizado todo o tempo até essa data, e mantendo-se suspenso até 09/05/2018 (data do despacho de exoneração do passivo restante), primeiro por força do efeito duradouro da citação do revertido (até à decisão de declaração em falhas a 10/01/2017), e de seguida, pelo efeito cumulativo da suspensão durante o decurso do processo de insolvência, ao que há ainda acrescentar os indicados períodos de suspensão subjacentes à pandemia COVID-19, afigura-se-nos que as dívidas exequendas em exame não se encontram prescritas, e não prescreverão em data anterior a 24/11/2026, se entretanto, não ocorrerem novas causas suspensivas.

III. CONCLUSÃO E PROPOSTA

Descrito o enquadramento factual e legal relevante para a apreciação da matéria, conclui-se que as dívidas tributárias em cobrança coerciva nos PEF em exame, acima melhor identificados, não se encontram prescritas.

Face ao exposto, caso a presente informação seja merecedora de sancionamento, propõe-se o indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas tributárias em referência, devendo o requerente, ser notificado da decisão, para caso não se conforme com a mesma, possa apresentar reclamação no prazo de 10 dias, nos termos dos artigos 276.º e n.º 1 do artigo 277.º do CPPT.

À consideração superior,”. – Cfr. documento de fls. 16 a 22 da paginação eletrónica.

C) Com base na informação identificada na alínea anterior, o Diretor de Finanças do Porto, em 27.01.2022, proferiu o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se em conformidade com o proposto.” – Cfr. documento de fls. 16 a 22 da paginação eletrónica.

D) O processo de execução fiscal n.º 1880200401003119 foi instaurado em 22.01.2004, contra “A..., Lda.” NIPC ..., pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso, para a cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas ao período de fevereiro de 2003 – Cfr. documento de fls. 53 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

E) Ao processo identificado na alínea anterior, foram apensados os processos de execução fiscal n.º1880200401004344, 1880200401015249, 1880200401015605, 1880200401021265, 1880200401030710, 1880200401034146, 1880200401036718, 1880200401040120, 1880200401041762, 1880200501007823, 1880200501009982, 1880200501015184, 1880200501015885, 1880200501049283, 1880200501055860, 1880200501058401, 1880200501061682, 1880200501067320, 1880200501067753, 1880200501069403, 1880200501073753, 1880200501078992, 1880200601000330, 1880200601001175, 1880200601002651, 1880200601004077, 1880200601004310, 1880200601036092, 1880200701006258, 1880200701010620, 1880200701011413, 1880200701013700, 1880200701052756, 1880200701053612, 1880200701065580, 1880200701069446, instaurados contra a mesma executada – Cfr. documento de fls. 140 a 429 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) Nos processos de execução fiscal identificados na alínea anterior foram instaurados para a cobrança de dívidas de IVA de março de 2003 a novembro de 2006 e IRC e IRS de 2003 a 2006 – Cfr. certidões de dívida constante de fls. 53 a 116 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

G) Em 27.06.2011, foi proferido despacho de reversão dos processos de execução fiscal identificados em D) e E) contra o Reclamante – Cfr. documento de fls. 30 a 43 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

H) O Reclamante foi pessoalmente citado da reversão, através de ofício datado de 27.06.2011, enviado por carta registada com aviso de receção, com a referência RM 7398 4534 6 PT, rececionada em 28.06.2011 – Cfr. documento de fls. 30 a 43 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

I) O Reclamante foi declarado insolvente, por Sentença proferida em 07.12.2011, no processo 4940/11.3TBSTS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 1 – Cfr. documento de fls. 438 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J) O processo de insolvência identificado na alínea anterior encerrou em 26.11.2012 - Cfr. documento de fls. 438 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

K) Os processos identificados em D) e E), foram declarados em falhas em 11.01.2017 – Cfr. documento de fls. 140-429 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

7 – Apreciando

7.1 Da (não) prescrição das dívidas exequendas

O pomo de discórdia sobre a questão da prescrição ou não das dívidas exequendas está apenas em saber se o termo inicial de (re)contagem do prazo de 8 anos estabelecido no artigo 48.º da LGT deve ser contado a partir da data do encerramento do processo de insolvência, como defende o recorrente, ou seja desde 26 de novembro de 2012 (cfr. a alínea J) do probatório fixado) ou, ao invés, da data em que a execução foi declarada em falhas, a saber desde 11 de janeiro de 2017 (cfr. a alínea K) do probatório fixado), como defendeu a Fazenda Pública, confirmou o Tribunal a quo e entende também o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA no seu parecer nos autos.

Nada mais é controvertido, mas de uma ou outra posição depende estarem ou não prescritas as dívidas exequendas, admitindo que não teria havido suspensões de prazo posteriores a uma ou outra data (e houve, pelo menos, as derivadas da legislação COVID, como bem nota a sentença recorrida).

O recorrente funda a sua alegação de que o prazo de prescrição deve ser contado desde a data do encerramento do processo de insolvência no disposto no artigo 88.º do CIRE, que prescreve:


Artigo 88.º

Acções executivas


1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.

2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados, e nas quais hajam sido penhorados bens compreendidos na massa insolvente, é apenas extraído e remetido para apensação traslado do processado relativo ao insolvente.

3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.

4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios eletrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.

Consta do probatório fixado que:

H) O Reclamante foi pessoalmente citado da reversão, através de ofício datado de 27.06.2011, enviado por carta registada com aviso de receção, com a referência RM 7398 4534 6 PT, rececionada em 28.06.2011 – Cfr. documento de fls. 30 a 43 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

I) O Reclamante foi declarado insolvente, por Sentença proferida em 07.12.2011, no processo 4940/11.3TBSTS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 1 – Cfr. documento de fls. 438 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J) O processo de insolvência identificado na alínea anterior encerrou em 26.11.2012 - Cfr. documento de fls. 438 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

K) Os processos identificados em D) e E), foram declarados em falhas em 11.01.2017 – Cfr. documento de fls. 140-429 da paginação eletrónica, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Ora, a citação do executado em 27.06.2011 interrompeu o prazo de prescrição então em curso, o que não só inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente - efeito instantâneo (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil), como também determina que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transite em julgado ou forme caso decidido a decisão que coloque termo ao processo (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil), tudo conforme jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal (cfr. v.g. Acórdão do Pleno da Secção de 20 de janeiro de 2021, rec. n.º 103/20.5BALSB).

O processo é, in casu, o processo executivo no qual se verificou aquele efeito interruptivo, e não o processo de insolvência, pois que este não determinou a interrupção da prescrição, daí que a prescrição só (re)começa a sua contagem a partir da declaração em falhas – ou seja, a partir de 11 de janeiro de 2017, como decidido.

A sentença não merece, pois, censura, estando o recurso votado ao insucesso.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2023. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha.