Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0351/17.5BELLE
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO
ANULAÇÃO DA VENDA
Sumário:I - A acção de reconhecimento de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária só é admissível quando a lei não faculte meio adequado para a tutela Jurisdicional dos direitos do contribuinte.
II - O erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, que, se não o tiver sido antes, pode ser apreciada até ao saneador ou, na ausência deste, até à sentença final.
III - Verifica-se o erro na forma do processo quando inexiste correspondência entre a finalidade concretamente visada pelo autor e a finalidade para a qual a lei criou o meio processual utilizado.
IV - A ser assim, verifica-se o erro na forma do processo quando o pedido de anulação da venda é formulado na acção de reconhecimento de um direito, expressamente prevista no art. 145° do CPT como meio processual que visa assegurar a efectiva tutela do direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária, mas, nos termos do n° 3 dessa norma legal, só quando os restantes meios contenciosos não assegurem essa tutela.
V - Nem a formulação do nº 5 do art. 268° da CRP, dada pela LConst n° 1/89, nem a formulação do n° 4 do art. 268° da CRP, dada pela LConst n° 1/97, impõem a duplicação ou alternatividade dos meios processuais de reacção contra os actos tributários: se a reclamação do acto do órgão de execução fiscal garantia plenamente a tutela do direito pretensamente violado com tal acto, não pode o contribuinte servir-se para esse fim da acção para reconhecimento de um direito.
Nº Convencional:JSTA000P25351
Nº do Documento:SA2201912170351/17
Data de Entrada:12/17/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………, sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 11-09-2018, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que rejeitou a Acção para Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo em Matéria Tributária, que deduzira contra o Ministro das Finanças e na qual peticionara a anulação da venda executiva de imóvel e de todas as inscrições e descrições registrais, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel, o reconhecimento do termo de adesão ao regime de pagamento em prestações e o prosseguimento da execução fiscal de harmonia com o plano de pagamentos estipulado.

Formulou alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

“A) O douto tribunal a quo alega que face ao primeiro pedido formulado pelo Autor, anulação da venda do prédio misto realizada no dia 5 de Junho de 2013, que a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo — nos termos do artigo 145° do CPPT não é o meio processual mais adequado para assegurar a tutela pretendida pelo autor — a reparação da lesão que alega ter sofrido com a venda.”
B) O recorrente com devido respeito não pode aceitar tal versão. Isto porque, através da instauração da ação especial para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pretende o Autor/recorrente, obter uma decisão judicial/globalmente vinculativa, quer quanto à venda que foi efetuada, quer quanto a eventuais vendas que sejam efetuadas nos mesmos termos ou seja da mesma forma. Isto é,
C) A venda em causa dos autos realizados no dia 5 de Julho de 2013, às 10h00 o A./recorrente, não foi notificado do edital a publicitar a mesma, nem foi afixada no imóvel penhorado, nem na sede da junta de freguesia da área de residência do executado.
D) E, o A compareceu no dia 5 de Julho de 2013 às 9h30, no balcão de repartição de Finanças de Faro para proceder ao pagamento do valor mínimo de 20% do valor da dívida nos termos do n° 4 do artigo 264° do CPPT.
F) Levava o ora A. parte dos 20% do valor da divida em numerário e a outra parte em cheque, sendo que a funcionária que o atendeu na tesouraria da repartição de finanças de Faro, recusou-se a receber parte do valor em cheque e aconselhou o A. a ir ao banco levantar o dinheiro do dito cheque para depois entregar em numerário, o que o A. fez contra a sua vontade. E,
G) Quando o A. chegou novamente à repartição de finanças às 10h00, já o bem tinha sido adjudicado.
H) Insurge-se o recorrente contra o decidido pelo douto tribunal a quo, por no seu entender a sentença recorrida padecer do vício de violação da lei, já que a sua pretensão consiste não só em ver anulada a venda, como inibia o órgão de execução fiscal de realizar como realizou a referida venda. E, o efeito vinculativo que pretende para o futuro, só pode ser através da ação de reconhecimento do direito de que lançou mão.
I) O A. com este tipo de ação pretende uma decisão judicial que vincule a administração tributária, não só relativamente a esse determinado ato já praticado, mas também no futuro a situações idênticas que se venham a gerar.
J) Violou assim o Mm. Juiz do tribunal a quo o disposto nos artigos 268° n°4 CRP e 145° n°1 e 3 do CPPT.
K) Como resulta da petição inicial, o recorrente pretende com base na ilegalidade da venda do seu imóvel, que a mesma seja declarada nula e o reconhecimento do mesmo ser o único dono e legítimo possuidor do imóvel em causa.
L) Recentemente a jurisprudência do STA têm-se pronunciado no sentido de que a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária é um meio processual complementar, apenas devendo ser propostas quando os restantes meios contenciosos não assegurem a sua tutela efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados.
M) Contudo a mesma não tem sido imune à influência da doutrina no sentido de conferir um papel mais amplo da ação para reconhecimento de direitos ou interesses legítimos, designadamente de forma a abranger aqueles casos em que a lesão dos direitos ou interesses dos particulares resulta de um ato anulável e aquela ação constituir o meio idóneo para fazer cessar essa lesão.
N) O Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao citado preceito legal (in CPPT Anotado, II Vol. Pág.497) defende que «parece resultar do n° 3 do artigo 145° do CPPT que, quando a ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo for o meio mais adequado para obter a tutela judicial efetiva, esse meio pode ser utilizado «sempre» o que significa que pode ser utilizado mesmo nos casos que exista um ato administrativo ou ato tributário não impugnado no respetivo prazo.”
O) E de acordo com a doutrina do aresto da STA de 02/06/2010 “é possível o uso da ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária quando, apesar de existir um ato da administração tributária impugnável, o interessado pretender uma decisão judicial que vincule a administração tributária não só relativamente a esse determinado ato já praticado, mas também no futuro, relativamente a situações idênticas que se venham a gerar entre o interessado e a administração tributária que tenham subjacentes os mesmos pressupostos fácticos e jurídicos.”
P) No caso concreto dos autos está em causa a nulidade da venda do prédio misto, com efeitos já produzidos e com os efeitos que se projetam no futuro.
Q) Nos casos, em que o recorrente requereu a anulação de venda junto do Senhor Diretor de Finanças de Faro em 17 de Julho de 2013 e, por despacho datado de 3-09-2013 o mesmo foi indeferido.
R) O ora recorrente usou o processo de impugnação judicial para se opor relativamente ao referido despacho.
S) Não foi aceite a impugnação judicial, não sendo possível a convolação do processo, dada a intempestividade da reclamação conforme sentença que foi confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
T) A douta sentença de que ora se recorre menciona “E, assim sendo, sem prejuízo do recurso extraordinário do acordo, a legalidade da venda deixou de poder ser sindicada com vista à sua anulação...”. Pelo que se impõe concluir que a ação não é o meio processual mais adequado para assegurar a tutela pretendida pelo Autor - reparação da lesão que alega ter sofrido com a venda.”
U) A questão da venda ou seja a nulidade da venda nunca foi apreciada pelo tribunal. Isto porque,
V) Apenas foi debatido no referido processo de impugnação judicial que essa ação (impugnação judicial) não era o meio adequado para fazer valer a pretensão do aqui ora recorrente, e que o mesmo deveria ter usado era a reclamação nos termos do artigo 276° do CPPT.
W) E em virtude de a Impugnação ter sido interposta fora do prazo da reclamação (10 dias) não foi a mesma convocada, não deverá ser despojada por completo a tutela jurisdicional dos interesses do recorrente, que foram lesados, da forma como foi efetuada a venda.
X) O prazo da impugnação contenciosa prevista no artigo 276° e seguintes do CPPT é significativamente curto (10 dias), afigura-se assim, ser uma das situações em que a ação para reconhecimento de direito e interesse legítimo em matéria tributária se configura como meio que assegura a tutela efetiva do direito e interesses legítimos do recorrente numa interpretação mais conforme o preceito constitucional (artigo 268° n° 4 da CRP).
Y) Entende pois, o ora recorrente, que a sentença recorrida padece de vício de violação da lei, por afrontar o disposto no artigo 145° do CPPT devendo nessa medida ser substituída por outra que admita a ação e determine a sua tramitação, com vista a conhecer dos pedidos formulados pelo recorrente. Pois,
Z) Nunca foi o pedido de anulação de venda apreciado pelo tribunal.
AA) É pois, a ação proposta o meio adequado, sendo um meio complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário e só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para assegurar a tutela jurisdicional efetiva.
AB) Atendendo à teoria do alcance máximo a ação é admissível como “um instrumento de tutela plena, a utilizar sempre que o contencioso de anulação ou outros meios, mesmo complementados com a exceção de julgados, não forneçam em concreto ao particular uma proteção máxima, designadamente tendo em conta as respetivas deficiências”, sendo que neste contexto deveria admitir-se quando o particular tivesse deixado passar o prazo do recurso contencioso, em caso de erro desculpável.
AC) Ora, uma vez que a ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária (artigo 145° do CPPT) tem caráter de complementaridade em relação aos outros meios contenciosos.
AD) Deveria o tribunal a quo entender que a presente ação é o meio adequado para assegurar a tutela do recorrente.
AE) O mesmo, não pretende obter uma reparação pecuniária (com a presente ação), mas sim a reconstituição natural ou seja a devolução do seu prédio a que tem direito, considerando que a venda é nula.
AF) Entendeu o douto tribunal a quo, que o Autor não tem interesse em agir quando pede que a execução prossiga de harmonia com o plano de pagamentos previsto no termo de adesão e que este seja declarado válido.
AG) Na verdade ainda que, tenha aderido ao plano de pagamento previsto ao termo de adesão n° 85728 ao abrigo do D.L. 67/2016, o mesmo (plano) respeita a dívidas tributárias anteriores à venda do imóvel em questão.
AH) A venda realizou-se ainda que em nosso entender ferida de nulidade.
AI) O produto da venda foi insuficiente para liquidação da dívida. Dai,
AJ) O executado, ora recorrente, ter aderido ao falado plano de pagamento. Pois,
AK) Para além do mais (e o mais é a vontade do pagamento da divida), o executado, ora recorrente, é titular de outros bens penhoráveis. E,
AL) Dai que tenha aderido ao mencionado plano de pagamento. Desta adesão,
AM) Não resulta a conclusão de que o recorrente não tenha interesse em agir. Na verdade,
AN) Tal interesse resulta da causa de pedir elencada na petição inicial e do respetivo pedido. Efetivamente,
AO) O recorrente tem todo o interesse direto em demandar e na pendência da presente ação. Ou seja,
AP) O recorrente tem todo o interesse em ver discutido o mérito da causa. Isto é,
AQ) Em ver discutido e decidido se a venda (como defende) foi nula ou não. Ou seja,
AR) Se o ato da administração fiscal foi ou não um ato ilegal. Pois,
AS) Tanto na impugnação que fez relativamente ao despacho do Senhor Diretor das Finanças que indeferiu o pedido da nulidade da venda, como na oposição à entrega do bem, nunca foi apreciado judicialmente a questão de mérito. Foram apenas,
AT) Decididas questões processuais adjetivas. Pelo que,
AU) Como supra se alega, nomeadamente tendo em conta, máxime, “a teoria do alcance máximo” a presente ação, para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo, é adequada para que nela se decida sobre o mérito da causa, assegurando assim a tutela jurisdicional efetiva relativamente aos direitos e interesses do A. ora recorrente de modo a conferir direito à impugnação contenciosa de todos os actos ou, partes de actos, judicialmente vinculados. (vide artigo 268° da CRP).
AV) Para além do controlo do “mérito” e da “oportunidade” das estatuições de autoridade, o requisito da ilegalidade destina-se ao controlo da violação da lei, em sentido amplo. Tal resulta,
AW) Do princípio da juridicidade mais amplo que o princípio da legalidade. O qual,
AX) Principio da juridicidade, abarca hipóteses anteriormente não contempladas. Tais como,
AY) As de violação: do princípio da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, plasmado no artigo 266° n° 2 da CRP, alicerces do nosso e qualquer outro sistema jurídico. Na verdade,
AZ) Estes princípios visam a obtenção de uma solução justa relativamente problemas concretos que tem que ser decididos.
BA) Acresce que, segundo jurisprudência e doutrina louváveis, a ação do artigo 145° do CPPT poderá ser sempre utilizada em caso de erro do particular que tenha levado a não impugnar tempestivamente os atos da Administração Fiscal
Termos em que com o douto suprimento de V. Exas., Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, deve o presente recurso ser admitido dando provimento ao mesmo ordenando-se a admissão da ação rejeitada pelo douto tribunal ad quo, seguindo-se os ulteriores termos, fazendo-se assim a HABITUAL JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CPPT, emitiu douto Parecer no qual se pronunciou no sentido da improcedência do recurso, por, em substância, entender que a aplicação efectuada na sentença recorrida quanto ao artº145.º n.ºs 1 e 3 do C.P.P.T., em termos de excluir a acção de reconhecimento por serem apenas aplicáveis outros meios, nomeadamente, o de impugnação não é legal, nem inconstitucional.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

É do seguinte teor o despacho recorrido:

“(…)
Vejamos, pois:
Nos termos do artigo 145.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, as acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária “apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”.
Trata-se, pois, de um meio processual complementar que só é idóneo à obtenção da pretensão do Autor quando não existir outro meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse.
Deste modo, “o factor decisivo para determinação do campo de aplicação da Acção [é] a sua maior ou menor adequação em confronto com a que outros meios contenciosos podem proporcionar para satisfazer a pretensão do interessado, não se pode[ndo] afastar a possibilidade de uso da Acção em casos em que é possível utilizar outros meios contenciosos para obter alguns dos efeitos pretendidos pelo interessado, se com a Acção for possível obter uma mais efectiva tutela do direito ou interesse em causa, designadamente um efeito jurídico que não possa ser obtido por outros meios ou uma mais rápida ou duradoura satisfação os seus direitos ou interesses.
Não é de excluir, por isso, a possibilidade de uso da Acção para Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo em Matéria Tributária quando, apesar de existir um acto da administração tributária impugnável, o interessado pretender uma decisão judicial que vincule a administração tributária não só relativamente a esse determinado acto já praticado, mas também no futuro, relativamente a situações idênticas que se venham a gerar entre o interessado e a administração tributária que tenham subjacentes os mesmos pressupostos fácticos e jurídicos.
Na verdade, o processo de impugnação judicial é um processo dirigido contra um ou mais actos tributários já praticados, sendo, para esse efeito, o meio processual mais adequado, o mesmo sucedendo com a oposição à execução fiscal, nos casos em que é possível utilizá-la como meio de impugnação, o que sucede no caso em apreço, em que são invocados vícios enquadráveis no conceito de ilegalidade abstracta das liquidações (situações que são abrangidas pela alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT).
Mas, o processo de impugnação judicial não pode ter por objecto a definição futura das relações jurídicas semelhantes que se venham a estabelecer entre a administração tributária e os contribuintes. Se o contribuinte se encontra numa situação de facto em que se geram sucessivas relações semelhantes com a administração tributária e pretende definir o seu conteúdo não só quanto ao passado (actos já praticados) mas também quanto ao futuro, será possível o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois só esta tem potencialidade para esta definição futura.
Por isso, quando justificadamente o contribuinte pretende a definição judicial dos seus direitos em matéria tributária para além da mera impugnação contenciosa de actos de liquidação, não há obstáculo a que utilize a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, em que cumule com o pedido de anulação de actos os pedidos que entender adequados.
Com efeito, em situações deste tipo, o processo de impugnação judicial ou a oposição à execução fiscal não são meios adequados para apreciação da pretensão do interessado, pelo que nem se pode equacionar a possibilidade de serem mais adequados do que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
Esta adequação processual da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária não implica, naturalmente, que os pedidos formulados tenham viabilidade de procedência, nem significa que o interessado possa ganhar direitos de impugnação que já tenham caducado, mas as questões de saber se esses pedidos devem ou não proceder têm a ver com o mérito da acção e não com a forma de processo adequado para os apreciar, que não pode deixar de ser a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Junho de 2010 – processo n.º 118/10.
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O primeiro pedido formulado pelo Autor é que seja “anulada a venda do prédio misto realizada no dia 5 de Junho de 2013”, sendo também pedido, como pretensões consequentes, que seja “ordenado o cancelamento de todas as inscrições e descrições registrais relativas ao dito imóvel, posteriores à venda executiva sub judicee que o Autor seja reconhecido como único dono e legítimo possuidor do imóvel em causa.
Todavia, face à alegação efectuada no articulado inicial e aos documentos a este juntos, verifica-se que já foi proferida uma decisão judicial transitada em julgado que apreciou a possibilidade da anulação da venda, tendo concluído que tal não era possível.
Na sentença proferida na Impugnação Judicial n.º 921/13.0BELLE (documento n.º 4 junto com a Petição Inicial), processo no qual o Autor pediu, além do mais, a declaração de nulidade da venda e o cancelamento de todos os registos e penhoras existentes sobre o imóvel efectuados após a venda (página 2 da sentença a fls. 82 dos autos), foi decidido que «considerados os pedidos formulados e as causas de pedir invocadas, o meio processual adequado à obtenção da pretensão do Impugnante é a Reclamação de Actos do Órgão da Execução Fiscal, que não a Impugnação Judicial», não sendo «possível a convolação do processo, dada a intempestividade da Reclamação» (página 3 da sentença a fls. 83 dos autos).
Esta sentença foi confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo por decisão transitada em julgado – cfr. SITAF. E, assim sendo, sem prejuízo de recurso extraordinário do acórdão, a legalidade da venda deixou de poder sindicada com vista à sua anulação. Quando muito, poderá ser apreciada para efeito de ilicitude no âmbito de eventual acção de responsabilidade civil.
Pelo que se impõe concluir que a Acção não é o meio processual mais adequado para assegurar a tutela pretendida pelo Autor – a reparação da lesão que alega ter sofrido com a venda.
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Nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas”.
“Está-se perante um interesse legalmente protegido quando a lei não protege directamente um interesse particular, mas um interesse público que, se for correctamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do interesse individual. Neste caso, o particular não pode exigir da Administração a satisfação do seu interesse, apenas podendo exigir-lhe que não o prejudique ilegalmente. Por isso, para ser possível esta exigência, é necessário que exista norma que estabeleça a forma de a Administração realizar o interesse público na situação conexa com o interesse particular, com a consequente proibição de esta actuar de forma ilegal. Está-se, aqui, perante um direito à legalidade das decisões da Administração que possam afectar um interesse próprio” – cfr. JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – comentado e anotado, Vol. III, Áreas Editora, 6.ª Edição, p. 490.
Ora, o Autor pede que a execução prossiga de harmonia com o plano de pagamentos previsto no termo de adesão n.º 85.728 e que este seja declarado válido.
Mas o próprio Autor reconhece que – artigo 67.º da PI - no mês de Dezembro de 2016 aderiu ao plano de pagamento das dívidas de execução fiscal onde estão inseridos os processos de execução fiscal que deram origem à venda do imóvel e outros que também estiveram incluídos na mesma – termo de adesão n.º 85.728, encontrando-se – artigo 68.º – todos os meses a proceder ao pagamento das prestações.
E, assim sendo, o Autor não tem interesse em agir, pois que a Administração não só tem considerado o termo de adesão válido, como tem tramitado o processo executivo de acordo com o mesmo termo de adesão.
III.
Termos em que se rejeita a presente acção.”

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença que rejeitou a acção padece de erro de julgamento por não ter admitido a acção, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 145.º do CPPT e se, não o tendo feito, ocorre violação do artigo 268.º, n.º 4 da CRP, assim como dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
Na decisão recorrida não foi admitida a acção, com fundamento em que o art. 145.º n.º 3 do C.P.P.T. é um meio complementar que só é idóneo quando não existir outro meio mais adequado e que, tendo sido apresentada impugnação em que se decidiu não ser já possível anular a venda por acórdão do S.T.A., e/ou convolar a impugnação em reclamação de acto do órgão de execução fiscal dada a intempestividade da reclamação, esta decisão só poderia ser sindicada por recurso extraordinário.
Dissentindo, entende o recorrente que deve ser feita a aplicação do mencionado preceito conforme a teoria do alcance máximo e que o entendimento perfilhado no despacho recorrido é inconstitucional de conformidade com o previsto no dito art. 268.º n.º 4 da C.R.P. e referidos princípios.
Está em causa, pois, saber se a acção de reconhecimento de direito, é ou não o meio processual idóneo para o aqui recorrido fazer valer o direito que se arroga. Diga-se desde já que a resposta é, quanto a nós, negativa.
Vejamos então.
Sobre a velha discussão sobre o campo de aplicação da acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo, prevista no artigo 145º, nº3 do CPPT já tudo ficou dito, restando-nos aqui, unicamente, recapitular.
É há muito tempo jurisprudência pacífica que no contencioso tributário, os interessados podem utilizar a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo nos casos em que não existe qualquer acto administrativo sobre a matéria que é objecto da acção, não sendo obrigados, para obterem reconhecimento judicial dos seus direitos ou interesses, a provocarem a prática de um acto administrativo susceptível de impugnação contenciosa através de recurso contencioso ou impugnação judicial.( Vide, por todos, o já recuado Acórdão do STA de 12-04-2000, Recurso nº 024735.) Assim, segundo a mesma jurisprudência, a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo constitui um meio complementar dos restantes meios previstos no contencioso tributário, apenas podendo ser proposta quando for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse respectivos, face à globalidade dos primeiros - reclamação ordinária, impugnação judicial, revisão do acto tributário e acção administrativa especial.
Desse modo, contra o que parece defender o recorrente, a "acção para o reconhecimento de um direito" pode ser usada, sempre e só, quando "esse meio for o mais adequado para assegurar a tutela plena eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido" (n.° 3 do art.° 145° CPPT), pretendendo a lei que esta "acção" seja utilizada apenas quando seja o meio "mais adequado", e não "o único que reste", para assegurar tal tutela, entendendo-se esta adequação em termos abstractos, de acordo com a teoria do alcance médio.
Para o recorrente, o entendimento da referida "adequação" em termos concretos equivale à aceitação da "teoria do alcance máximo".
A teoria do alcance médio é a por nós perfilhada e tem sido defendida pela melhor doutrina e jurisprudência em termos que não admitem o recurso a este meio processual apenas por ser "o único" disponível, em concreto, nomeadamente por, entretanto, ter precludido o prazo da acção abstractamente "mais adequada".
Diga-se, desde já, que reputamos que não assiste razão ao recorrente na medida em que no caso sub judicibus, tal objectivo está fora de questão, pelo que, não se verifica a referida “adequação abstracta”.
A matéria das conclusões das alegações do recorrente resume-se apenas em saber se a acção para reconhecimento de direito ou interesse legitimo em matéria tributária prevista, hoje, no art° 145° do CPPT mas, já antes no art° 165° do CPT pode ser livremente utilizada pelo contribuinte, sendo inconstitucional a norma n° 3 do artº 145º do CPPT.
O recorrente parece entender que a tese da decisão recorrida não colhe hoje o apoio constitucional, já que, após a 2ª revisão constitucional este tipo de acção foi institucionalizado a título principal e não meramente subsidiário.
Sendo assim, o recorrente poderia ter usado - como usou - este meio processual para defesa dos seus direitos de contribuinte.
Entendimento contrário, na sua óptica, viola o princípio constitucional da plenitude da garantia jurisdicional administrativa.
A Constituição de 1976, na sua versão originária, apenas garantia aos interessados recurso contencioso de anulação, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos definitivos e executórios (art° 269° n° 2).
Com revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n° 1/82, de 30.9, o art° 268º n°3 (anterior art° 269°), passou a garantir aos interessados recurso contencioso para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. Assim, o recurso poderia ter também por objecto o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido.
O legislador ordinário, porém, consagrou nos art°s 51º n° 1 f) do DL n° 29/84, de 27.4 e 69° do DL n° 267/85, de 16.7 "acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido", com tramitação dos recursos de actos administrativos dos órgãos da administração local, intervindo na posição de recorrida aquela contra quem foi formulado o pedido (art°. 70.° n° 1 do DL 267/85 citado). Quer então dizer que "a lei configurou as acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo como "acção", mas instituiu a sua regulamentação baseada no recurso" (Acórdão do STA (1.ª Secção), de 23.6.1998 -Recurso n° 38.063).
Com revisão constitucional resultante da Lei Constitucional n° 1/89, de 8.7, o n° 5 do art° 268° veio garantir em termos amplos aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
A revisão constitucional introduzida pela Lei Constitucional n°1/97 de 20.9,- viria a dar ao art° 268° n° 4, a seguinte redacção, que se manteve após a revisão operada pela Lei Constitucional n° 1/2001, de 12.12:
"4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva, dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas".
Não obstante esta evolução constitucional, o legislador ordinário "deixou intocável o n° 2 do art° 69° do DL n° 267/85, de 16.7, que estabelecia o seguinte:
"2. As acções (para reconhecimento de direito ou interesse legitimo) só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos, incluindo os relativos à execução de sentença, não assegurem a efectiva tutela jurisdicional o direito ou interesse em causa".
O art° 165° n° 2 do CPT, aprovado pelo DL n° 154/91, de 23.4, manteve, em matéria tributária, a mesma orientação legislativa, já que reproduz integralmente o n° 2 do art° 69° citado.
Perante este panorama legislativo, foram-se formando na doutrina e na jurisprudência três correntes, quanto ao verdadeiro alcance deste tipo de acção:
a) Segundo uma dessas correntes - vulgarmente designada pela teoria do alcance mínimo -, o n°2 do art° 69° tem de ser interpretado restritivamente, no sentido de que a acção só pode ser utilizada como meio processual residual ou subsidiário do recurso contencioso. Assim, o administrado apenas poderá dela fazer uso quando, em abstracto, não existir outro meio processual à sua disposição para obter a tutela eficaz das suas posições subjectivas.
b) Segundo outra corrente - conhecida pela teoria do alcance máximo - este meio processual não assume carácter residual ou subsidiário, constituindo, pelo contrário, uma via processual autónoma destinada a assegurar uma tutela judicial efectiva e plena.
c) Para outra corrente - conhecida pela teoria do alcance médio e que poderemos considerar mitigada em relação às anteriores - a necessidade ou desnecessidade do uso deste meio processual terá de ser apreciada em concreto mediante a ponderação de quais os meios processuais que melhor asseguram a efectiva tutela jurisdicional dos direitos do administrado.
Trata-se, assim, de um meio processual complementar relativamente ao recurso contencioso.
Parece-nos que o entendimento mais correcto e conforme com o preceito constitucional é, sem dúvida o da teoria do alcance médio.
Com efeito, a consideração de tal meio processual como meramente residual ou subsidiário, conforme refere Vasco Pereira da Silva - Cadernos de Justiça Administrativa, n° 16, pág. 43, não se adequa a uma interpretação constitucional.
Quanto à teoria do alcance máximo, a mesma levaria a aceitar uma duplicação dos meios contenciosos utilizáveis para defesa dos interesses e direitos legalmente protegidos, o que significa que o administrado poderia escolher livremente entre o recurso contencioso ou a acção prevista no artº 69° nº 2 da LPTA (ou no artº 165° do CPT e hoje no artº 145° do CPPT), o que, em última instância, poderia até levar à abolição das formas processuais, legalmente previstas pelo legislador, acabando a acção para o reconhecimento de um direito por servir para formular toda e qualquer pretensão, o que não poderia deixar de ser absurdo.
Ora, conforme se escreveu no Acórdão do STA (1ª Secção), de 12.10.1999 - Recurso n° 45.116, "no contencioso administrativo vigora o princípio da legalidade ou tipicidade dos meios processuais. Havendo acto administrativo contenciosamente recorrível, que assegure a plena tutela do direito ou interesse legalmente protegido, não é admissível o recurso a qualquer tipo de acção para o mesmo efeito".
Este meio processual vem, assim, sendo apontado para utilização:
a) Nos casos em que, não se tendo consumado qualquer ofensa, os particulares fundadamente careçam do reconhecimento declarativo da titularidade de um direito subjectivo ou de um interesse legítimo;
b) Nos casos em que o particular pretenda a devolução de uma coisa a que tenha direito, no contexto de uma relação jurídico - administrativa;
c) Nos casos em que o particular pretende efectivar, através de um tribunal administrativo, um direito fundamental;
d) Nos casos em que a violação do direito subjectivo ou interesse legítimo revista a forma de omissão do comportamento devido, desde que não se trate de indeferimento tácito (pois, neste caso, o meio processual adequado é o recurso contencioso de anulação);
e) Nos casos em que, tendo o particular sofrido um prejuízo material, não pretende obter uma reparação pecuniária (que devia ser conseguida através de uma acção de responsabilidade), mas sim a "reconstituição natural" do "status quo ante".
Cabe ainda notar que o Tribunal Constitucional considerou conforme à Constituição o n° 2 do art° 69° acima referido mas cujas razões ainda hoje pontificam com referência ao artº 145º, nº3 do CPPT, com a seguinte fundamentação:
"1. A norma constante do n° 2 do art° 69° da LPTA - interpretada em termos de, sempre que a tutela do direito que o interessado se arroga possa ser efectivamente assegurada pela interposição de recurso contencioso, a acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo não ser o meio processual idóneo para aquele fim - não viola o disposto nos art°s. 268° n°3, 269° n° 2 e 268° n°4, da Constituição da República Portuguesa, nas versões de 1982, 1989 e 1997, respectivamente.
2. Na verdade, o que decorre do princípio constitucional do acesso à justiça administrativa para tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados é a necessidade de aquela ter sempre resposta adequada, nos termos procedimentais às solicitações de tutela, não estando, porém, o legislador condicionado a soluções predeterminadas na articulação dos diversos meios processuais existentes ou na fixação dos pressupostos processuais de cada um deles - não sendo licito retirar do aludido principio a imposição de duplicação de instrumentos processuais para obtenção do mesmo fim último".
Também perfilhamos a doutrina aponta no mesmo sentido, ou seja, o de que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, previsto no artº 145º do CPPT, “insere-se na necessidade de tutela judicial efectiva, postulada no artº 268º nº 4 da Constituição da República”.
Tais acções, como tem sido acentuado na jurisprudência e na doutrina, assumem um carácter complementar, que não alternativo ou subsidiário, só podendo ser utilizadas quando forem o meio mais adequado para assegurar essa tutela, de modo plenamente eficaz e efectivo.
O que aliás logo resulta do disposto no nº 3 do mesmo artº 145º: “as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz, e efectiva do direito” respectivo.
É o que se tem designado por teoria do alcance médio.
Cfr., desenvolvidamente, sobre o ponto, Jorge de Sousa, CPPT Anotado, 3ª edição, pág. 694 e segt.s.

Como se refere no Ac. do TC nº 435/98, de 16/7/98 in D. Rep., 2ª, de 10/12/98, pág. 17.477, “O legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao administrado, uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um interesse ou direito legalmente protegido.
Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do nº 5 do artº 268º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados”.
Cfr, ainda, Vasco Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, 1996, pág. 666.
Ora, nos autos, como salienta o Mº Juiz a quo o contribuinte podia reagir tempestivamente, desde logo, através de reclamação do acto do órgão de execução fiscal.
Não pode, pois, dizer-se que, no caso concreto, a acção proposta seja o meio mais adequado para assegurar ao contribuinte a “tutela plena, eficaz e efectiva” do direito pretendido fazer valer através da presente acção, uma vez que os meios processuais acima referidos permitiam perfeitamente concretizar tais objectivos.
De outro modo, estaria irremediavelmente prejudicado o carácter “complementar” das ditas acções, carácter assegurado pelo vocábulo “apenas” inserto no dito nº 3 do artº 145º do CPPT.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, cit., pág. 700/702: a “possibilidade de utilizar a acção para obter o reconhecimento judicial de um direito não reconhecido, por força da referida regra da complementaridade, estará condicionada à inexistência de outro meio contencioso, que permita assegurar adequadamente a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos”.
Assim, à face do preceituado no nº 3 deste art. 145º, só quando, por estes meios, não for possível obter uma tutela judicial efectiva, nos termos atrás indicados, poderá utilizar-se a acção para obter a tutela judicial do direito ou interesse legitimo em matéria tributária”.
Por outro lado, como já aliás resulta do exposto, não se está a contrariar “o princípio constitucional da plenitude da garantia jurisdicional administrativa”.
Este, como assinala Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág 467, significa que “a qualquer ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da administração deve corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada (artigos 268/4 e ss)”; e, por outro lado, a revisão constitucional de 1997 “consagrou definitivamente a eliminação do clássico princípio da tipicidade das formas processuais de contencioso administrativo e a relativização do princípio tradicional da decisão prévia”.
Todavia, como acima se disse, a acção para reconhecimento de um direito não tem agora, segundo a mais moderna jurisprudência e doutrina, qualquer carácter subsidiário mas, antes, complementar.
O punctum saliens da questão é a concretização da tutela jurídica efectiva que, no caso, é plenamente assegurada pela impugnação judicial e respectiva execução de sentença.
O exposto, constitui, aliás, jurisprudência uniforme deste STA, como disso dá conta o EPGA no seu douto Parecer ao referir que a teoria do alcance médio tem obtido grande adesão por parte da doutrina – assim, nomeadamente Jorge Lopes de Sousa, in C.P.P.T. Comentado e Anotado, vol. II, p. 498 e ss., autor que refere, ser possível aplicar a dita acção quando os outros “meios processuais” tiverem “limitações probatórias” ou quanto a “situações que se repitam” - e da jurisprudência do S.T.A. – ver todos os acórdãos citados no mais recente de 17-10-2018, proferido no recurso n.º 01191/17.
Como ainda enfatiza o EPGA e já atrás ficou demonstrado, o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos foi consagrado como garantia dos administrados no artigo 268.º da C.R.P., pela revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, tendo sido tal que levou a que na sequência tivesse sido introduzido um meio próprio quer no artigo 69.º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quer no correspondente artigo 165.º do Código de Processo Tributário (C.P.T.) que antecedeu o dito artigo 145.º do C.P.P.T., o mesmo não dispensa uma aplicação como a que foi efectuada na sentença recorrida.
Por fim, também se perfilha o entendimento de que o prognosticado no art. 145.º n.ºs 1 e 3 do C.P.P.T., naquela linha de discernimento, está ainda de harmonia com o previsto no artigo 97.º n.º2 da L.G.T., em que se estabelece que a todo o direito corresponde o “meio mais adequado à tutela judicial efetiva”.

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O recorrente sustenta ainda que ocorre a violação do artigo 268.º, n.º 4 da CRP, assim como dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
Ora, já vimos que o art. 268.º n.º 4 da C.R.P., na redação dada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, previu: “é garantida aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses (...)”, sendo essa decisão que ditou a solução legal consagrada no n.º 3 do art. 145.º do C.P.P.T., determinando que “as acções apenas podem ser propostas sempre que tal meio for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”.
A inconstitucionalidade desta norma por referência ao 268.º n.º 4 da C.R.P., já foi suscitada sem que haja sido declarada pelo Tribunal Constitucional (TC), ao reiterar anterior entendimento (cfr. Acórdão n.º264/08, de 6-5-2008, no proc. 1147/07), assumido a propósito do antecedente artº 165.º do C.P.T., quando “interpretado no sentido de a acção de reconhecimento de direito não poder ser proposta, quando, havendo acto administrativo recorrível, a impugnação contenciosa conduzir à tutela efectiva do direito que se pretenda ver reconhecido” (vide Acórdão do T.C. n.º 84/99).
Acresce que no que aos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade tal como foram consagrados no art. 55.º da L.G.T., na esteira do ensinamento do Prof. Diogo Leite de Campos e outros em Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., pág. 448-449, os mesmos se conectam com o procedimento tributário, inferindo-se dos mesmos que no procedimento adoptado não deve ser imposta obrigação desnecessária e se deve actuar com isenção e de acordo com os interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender.
Por esse prisma, não é configurável a sua violação nos termos perfilados pelo recorrente, o que vale por dizer que a aplicação realizada na decisão recorrida no tocante ao art. 145.º n.ºs 1 e 3 do C.P.P.T., em termos de excluir a acção de reconhecimento por serem apenas aplicáveis outros meios não é ilegal, nem inconstitucional.
Significa que o recurso improcede in totum, sendo de confirmar a decisão recorrida.

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3. Decisão:

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

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Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – José Gomes Correia (relator) – Joaquim Condesso – Francisco Rothes.