Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:037/09
Data do Acordão:01/28/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRS
MÉTODOS INDIRECTOS
SUPRIMENTOS
ÓNUS DE PROVA
MÉTODOS INDICIÁRIOS
RENDIMENTO
MATÉRIA COLECTÁVEL
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
Sumário:I - Há lugar, nos termos do n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT, a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 do mesmo preceito ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
II - Na tabela do n.º 4 desse mesmo artigo, refere-se que, no caso de suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000,00, o rendimento padrão é de 50 % do valor anual.
III - Verificadas tais situações, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito.
IV - Quando o sujeito passivo não faça essa prova, e não existam indícios fundados que permitam à AF fixar rendimento superior, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela constante do n.º 4 do citado artigo 89.º-A da LGT, que, no caso em apreço, tratando-se de suprimentos, é de 50% do valor anual.
V - A alteração dos rendimentos inicialmente declarados (após o envio do projecto de decisão em que se propõe a fixação da matéria tributável de IRS por avaliação indirecta), sem que o contribuinte faça prova do valor e da origem dos rendimentos acrescidos, constitui um “artifício” e uma forma de evitar a tributação pelo rendimento padrão, obtendo dessa forma um benefício ilegítimo.
Nº Convencional:JSTA00065501
Nº do Documento:SA220090128037
Data de Entrada:01/13/2009
Recorrente:DIRECTOR DE FINANÇAS DO PORTO
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:LGT98 ART75 N1 ART89-A N1 N3 N4.
CPPTRIB99 ART59 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – O Director de Finanças da Direcção de Finanças do Porto, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF do Porto que julgou procedente o recurso interposto por A… e B…, residentes no Porto, e, em consequência, anulou a decisão de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, com referência ao IRS do ano de 2004, dela interpôs recurso para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
A) A douta sentença recorrida ao anular a decisão do Director de Finanças que procedeu à determinação da matéria tributável por métodos indirectos nos termos do art.º 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT), com referência ao IRS do ano de 2004, que fixou o conjunto dos rendimentos líquidos no montante de € 299.632,62, com ressalva do devido respeito, enferma de erro na análise da matéria de facto e na aplicação de direito.
B) Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da aceitação por parte da Administração Tributária da declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo, concluindo pelo não preenchimento do pressuposto estabelecido no n.º 1 do art.º 89.º-A da LGT, face aos rendimentos declarados.
C) Com tal não se conforma o Director de Finanças, porquanto, a declaração de substituição apresentada não foi aceite pela Administração Tributária, preenchendo-se os pressupostos do art.º 89.º-A da LGT para aplicação da determinação da matéria colectável por métodos indirectos.
Vejamos,
D) O recurso à avaliação indirecta nos termos do art.º 89.º-A da LGT teve a sua origem no facto de, durante o ano de 2004, o sujeito passivo ter efectuado a três sociedades comerciais das quais era sócio suprimentos no montante de € 599.265,23, evidenciando dessa forma uma capacidade financeira significativamente maior do que os rendimentos líquidos declarados, no montante de € 39.119,29.
E) Notificado para apresentar prova de que os rendimentos declarados correspondiam à realidade e de que era outra a fonte das manifestações de fortuna patenteada nos suprimentos efectuados, nada comprovou, não afastando a presunção de evasão fiscal que sobre si impendia.
F) Posteriormente, ainda no decorrer do procedimento inspectivo, apresentou o sujeito passivo uma declaração de rendimentos de substituição, declarando rendimentos de trabalho dependente obtidos em Espanha no montante de € 120.000,00, acrescidos aos rendimentos já antes declarados.
G) Vigorando no ordenamento jurídico o princípio declarativo, prevê a subalínea III) da alínea b) do n.º 3 do art.º 59.º do CPPT que, em caso de erros imputáveis aos sujeitos passivos, quando resulte imposto superior ao anteriormente liquidado, pode a declaração ser substituída até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade.
H) Decorre assim a vinculação da Administração Tributária à realização imediata da liquidação com base na declaração do contribuinte, quando resulte imposto superior ao anteriormente liquidado, sem prejuízo, no entanto, do direito que lhe assiste de proceder ao controlo “a posteriori” dos factos declarados pelos sujeitos passivos, nos termos do n.º 2 do art.º 59.º do CPPT.
I) Em ordem à descoberta da verdade material, pela legitimidade conferida pelo art.º 128.º do CIRS, procedeu a Administração Tributária à fixação de um prazo para apresentação dos comprovativos dos rendimentos auferidos e declarados na declaração de substituição por si apresentada.
J) No entanto, não veio o mesmo apresentar prova da veracidade dos rendimentos declarados, limitando-se a referir que não possuía quaisquer documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, porque a atribuição desses rendimentos não foi declarada à Administração Fiscal Espanhola, não existindo recibo de quitação desse valor, nem extractos bancários reflectores desses rendimentos.
K) Face a este incumprimento dos deveres de esclarecimento que lhe eram exigidos, cessa a presunção de veracidade da declaração de substituição apresentada, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 75.º da LGT, deixando o apuramento da matéria colectável de se fazer com base na declaração apresentada pelo sujeito passivo de acordo com o n.º 2 do art.º 59.º do CPPT.
L) Cessada a presunção de veracidade da declaração de substituição, procedeu a Administração Tributária à desconsideração da mesma no relatório final do procedimento inspectivo, como aliás resulta do probatório, não tendo sido assim aceite tal declaração de substituição.
M) Ao ter sido apresentado pelo sujeito passivo o recurso da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável nos termos do n.º 7 do art.º 89.º-A da LGT, e tal como dispõe este mesmo preceito legal, tem tal recurso efeito suspensivo.
N) Por razão desse efeito suspensivo, a decisão de desconsideração da declaração de substituição ora apresentada e a correcção à matéria colectável, nos termos e montantes fixados, não pode prosseguir com os seus efeitos legais, continuando, consequentemente, a declaração de substituição na prossecução dos seus efeitos, por, e em ordem ao princípio da legalidade, não ser possível a cessação dos mesmos.
O) Com o devido respeito, a douta sentença recorrida não ponderou estes factos relevantes na decisão da causa.
Assim,
P) Ao não ser aceite pela Administração Tributária a declaração de substituição por cessação da sua veracidade, devidamente justificada, e não tendo o sujeito passivo apresentado prova, como lhe competia, de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e de que foi outra a fonte dos rendimentos necessários para pagamento dos suprimentos efectuados durante o ano de 2004,
Q) sendo o rendimento declarado e aceite pela Administração Tributária em desproporção superior a 50 % para menos (in casu, 87 %), em relação ao rendimento padrão resultante da tabela anexa ao art.º 89.º-A da LGT, encontram-se reunidas as condições legais para se proceder à fixação do rendimento tributável por métodos indirectos, de harmonia com o disposto neste preceito legal.
R) Pelo exposto, demonstrada a cessação da presunção da veracidade da declaração de substituição e sua desconsideração pela Administração Tributária, bem como a verificação dos pressupostos do art.º 89.º-A da LGT, não poderá a douta sentença recorrida manter-se.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MP emitiu parecer no sentido de que devia ser dado provimento ao recurso.
Por despacho da Relatora de 18/12/2008, declarou-se o TCAN incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por este ter por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, para o efeito, competente a Secção de Contencioso Tributário do STA.
Aqui remetidos os autos, o Exmo. PGA emite parecer no sentido de que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogada.
Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
a) Os recorrentes foram objecto de uma acção de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto e que decorreu entre 23/7/2007 e 22/8/2007.
b) No âmbito dessa acção de inspecção foram efectuadas correcções à matéria tributável dos recorrentes relativamente ao ano de 2004, com recurso a métodos indirectos, no montante de € 299.632,62.
c) Do relatório das conclusões da acção de inspecção constantes do processo administrativo apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta a fundamentação das correcções efectuadas e onde se escreveu designadamente o seguinte:
«(…) IV – motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
1. Factos
No ano de 2004, A… efectuou suprimentos nas sociedades de que é sócio, nos montantes que constam do seguinte quadro:

SOCIEDADENIFSUPRIMENTOS
C…(…)€ 505.539,73
D…(…)€ 48.014,00
E…(…)€ 45.711,50
€ 599.265,23

No âmbito dos despachos (…) recolheram-se nas sociedades acima referidas as contas correntes, documentos e diários de lançamentos relativos àqueles suprimentos, efectuados pelo contribuinte.
Ora, da consulta à declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, constata-se que nesse ano o rendimento líquido do agregado familiar foi de € 39.119,29.
2. Fundamentação das correcções
O artigo 89.º-A, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) (na redacção dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, dispõe que: “(…).
Na tabela do n.º 4 desse mesmo artigo, refere-se que no caso de “Suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000,00” o rendimento padrão é de “50 % do valor anual”.
Assim, tendo o contribuinte efectuado suprimentos no montante de € 599.265,23, no ano de 2004, o rendimento padrão aplicável, nos termos do artigo 89.º-A da LGT é de € 299.632,62, existindo, por isso, uma desproporção entre o rendimento padrão e o rendimento declarado de € 260.513,33.
Nestes termos, procedeu-se à notificação do contribuinte, em 2007/07/23, para justificar esta desproporção, dando cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, que prevê: “(…)”.
No dia 3 de Agosto de 2007, o contribuinte solicitou que lhe fosse concedido um prazo adicional de quinze dias. Até esta data, tendo já decorrido os quinze dias solicitados, o contribuinte não respondeu à notificação.
V. critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Assim, não tendo o contribuinte justificado, nos termos do art.º 89.º-A, n.º 3 da LGT, a desproporção entre o rendimento padrão do art.º 89.º-A, n.º 1 da LGT e os rendimentos declarados para efeitos de IRS, no ano de 2004, vai ser corrigido o rendimento do contribuinte nesse ano, nos termos do art.º 89.º-A, n.º 4 da LGT que dispõe que: “(…)”.
Ou seja, o rendimento tributável do contribuinte no ano de 2004 vai ser de € 299.632,62, a enquadrar na categoria G de rendimentos, em sede de IRS. (…)
VI. Direito de audição
Notificado o sujeito passivo, (…) este apresentou os seguintes argumentos em sua defesa:
1. Em 2007-09-07, entregou uma declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de substituição, acrescentando rendimentos do trabalho dependente, obtidos em Espanha, no montante de € 120.000,00.
2. Em 2007-09-20, entregou um documento no qual declara não possuir quaisquer comprovativos do recebimento daqueles rendimentos em Espanha, já que não foram declarados à administração fiscal espanhola.
(…)
Analisados os factos, constata-se que a alteração dos rendimentos, decorrente da entrega da declaração de substituição de maior rendimento, com vista à não verificação dos pressupostos do art.º 89.º-A da LGT, consignaria um facto jurídico a levar em consideração, não fora o caso de:
1. Não existirem provas do recebimento daquele rendimento de € 120.000,00, já que o contribuinte não apresenta comprovativos, nomeadamente declaração emitida pelas autoridades fiscais espanholas, recibos de vencimento ou meios de pagamento;
2. A divergência entre o rendimento declarado e o rendimento padrão antes e após a entrega da declaração de substituição, é a seguinte:
(…)
Assim, constata-se que a divergência passou de 87 % para 47 %, deixando de ser superior aos 50 % necessários à aplicação da tributação em sede de manifestações de fortuna.
3. A alteração dos rendimentos inicialmente declarados (após o envio do projecto de relatório em que se propõe a fixação da matéria tributável de IRS por avaliação indirecta – incrementos patrimoniais), sem que o contribuinte faça prova do valor e da origem dos rendimentos acrescidos constitui um “artifício” e uma forma de evitar a tributação pelo rendimento padrão.
4. De facto, recorrendo à alteração do rendimento global de IRS para que a desproporção superior a 50 % prevista no art.º 89.º-A, n.º 1 da LGT deixe de existir, o contribuinte obteria um benefício ilegítimo.
5. Ora, refere o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT que: “(…)”.
6. Nestes termos, não apresentando o contribuinte os elementos de prova suficientes, encontram-se reunidas as condições legais para se proceder à fixação do rendimento tributável pelo método indirecto, de harmonia com o disposto no art.º 89.º-A da LGT ou seja pelo rendimento padrão, no valor de 50 % dos suprimentos efectuados no ano, o que corresponde a um rendimento de € 299.632,62, desconsiderando o valor dos rendimentos inscritos na declaração Modelo 3 de IRS de substituição.
IX. propostas
Assim, serão de manter as correcções propostas, prosseguindo o processo de tributação em sede de manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados previsto no art.º 89.º-A da LGT, nomeadamente quanto aos n.ºs 6 e 8 desse artigo.”.
d) Sobre o relatório de acção de inspecção referido em c), pelo Director de Finanças da Direcção de Finanças do Porto foi emitido em 30/10/2007, o seguinte despacho: “Concordo.” – cfr. fls. 14 dos autos.
e) Por ofício recebido em 13/11/2007, os recorrentes foram notificados das correcções à matéria colectável referente ao exercício de 2004, nos termos constantes de fls. 13, cujo teor se dá por reproduzido.
f) O presente recurso foi apresentado em 23 de Novembro de 2007 – cfr. fls. ¾ dos autos.
g) Os recorrentes apresentaram uma declaração de substituição Modelo 3 de IRS de 2004, com um anexo J, em que declararam rendimentos auferidos no montante de € 120.000,00.
h) Com base na declaração de rendimentos referida em g), em 20/9/2007, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRS (ano de 2004), no montante de imposto a pagar de € 49.520,36, cuja data para pagamento voluntário ocorreu em 29/10/2007 – cfr. fls. 121/122.
i) Em virtude do não pagamento daquele imposto dentro do prazo de pagamento voluntário, a Administração Tributária instaurou o competente processo de execução fiscal para cobrança da respectiva dívida – cfr. fls. 111.
j) Por despacho de 17/1/2008, foi autorizado o pagamento da referida dívida em prestações – cfr. fls. 112.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença do Mmo. Juiz do TAF do Porto que julgou procedente o recurso interposto pelos ora recorridos contra a decisão do Director de Finanças do Porto de determinação da sua matéria colectável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, referente a IRS do ano de 2004.
Entendeu o Mmo. Juiz “a quo” que a AT desconsiderou o valor dos rendimentos inscritos na declaração modelo 3 de IRS de substituição apresentada pelos ora recorridos, quando se os tivesse levado em consideração a divergência entre os rendimentos declarados e o rendimento padrão seria inferior aos 50 % necessários à aplicação da tributação por métodos indirectos.
Vejamos. Há lugar, nos termos do n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT, a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 do mesmo preceito ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
Na tabela do n.º 4 desse mesmo artigo, refere-se que, no caso de suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000,00, o rendimento padrão é de 50 % do valor anual.
No caso em apreço, o recurso à avaliação indirecta, nos termos do preceito citado, teve a sua origem no facto de, durante o ano de 2004, os recorridos terem efectuado a três sociedades comerciais de que eram sócios suprimentos no montante de € 599.265,23, evidenciando desta forma uma capacidade financeira significativamente maior do que os rendimentos líquidos por si declarados na declaração modelo 3 de IRS do mesmo ano, no montante de € 39.119,29.
Assim, tendo os recorridos efectuado suprimentos no montante de € 599.265,23 no ano de 2004, e sendo o rendimento padrão aplicável, nos termos do art.º 89.º-A da LGT, de € 299.632,62, existe uma desproporção entre este e o rendimento declarado de € 260.513,33, ou seja bem superior a 50 %.
Razão por que a AT procedeu à notificação dos recorridos para que estes justificassem tal desproporção, dando cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, de acordo com o qual, verificadas tais situações cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito.
Quando o sujeito passivo não faça essa prova, e não existam indícios fundados que permitam à AF fixar rendimento superior, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela constante do n.º 4 do citado artigo 89.º-A da LGT, que, no caso em apreço, tratando-se de suprimentos, é de 50% do valor anual.
Ou seja, neste caso, para que se procedesse à avaliação indirecta da matéria colectável, de acordo com as disposições legais aqui aplicáveis e supra mencionadas, seria necessário que os recorridos tivessem declarado um rendimento inferior a 50% do rendimento padrão resultante da tabela constante do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT.
O que, como vimos, não sucedeu.
Não tendo, então, sido justificada a desproporção apurada, procedeu a AT à correcção dos rendimentos declarados, corrigindo-os, nos termos do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, para o rendimento padrão que, neste caso, era de € 299.632,62.
Estando evidenciada manifestação de fortuna, nos termos da tabela referida no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT (suprimentos superiores a € 50.000,00), e sendo o rendimento padrão aí previsto de 50% do valor anual dos suprimentos efectuados (€ 599.265,23), é evidente que o rendimento declarado de € 39.119,29 é inferior a 50 % do rendimento padrão (€ 299.632,62), pelo que se impunha a avaliação indirecta da matéria colectável.
E, verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta da matéria colectável, cabia ao sujeito passivo a prova de que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que era outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada.
Sendo certo que, não fazendo o sujeito passivo tal prova, se deve considerar como rendimento tributável em sede de IRS, pelo menos, o rendimento padrão, ou seja, neste caso, 50% do valor anual dos suprimentos.
Notificados do projecto de decisão de aplicação dos métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS, vieram, então, os recorridos, em sede de direito de audição, dizer que já haviam, entretanto, apresentado nova declaração modelo 3 de IRS de substituição referente ao ano de 2004 aqui em causa, na qual haviam sido acrescentados rendimentos de trabalho dependente recebidos em Espanha, mas de que não possuíam qualquer comprovativo, nem haviam sido declarados à administração fiscal espanhola, no montante de € 120.000,00, pelo que, tendo em conta agora o rendimento declarado, se não verificavam já os pressupostos do artigo 89.º-A da LGT, uma vez que a desproporção verificada entre os rendimentos agora declarados e o rendimento padrão era inferior a 50 %.
A questão que se coloca é, assim, a de saber se a AT devia ou não ter tido em consideração os elementos constantes da declaração de substituição de rendimentos.
Entendeu o Mmo. Juiz “a quo” que sim uma vez que a apresentação dessa declaração de substituição tem cabimento legal no artigo 59.º do CPPT e, face aos rendimentos nela declarados, já não se verificariam os pressupostos para a tributação pelos métodos indirectos.
Não se questiona a legitimidade para a apresentação da referida declaração de substituição por parte dos ora recorridos e, se confirmados os elementos nela inscritos, a sua eventual implicação na correcção da liquidação já efectuada.
Todavia, não é isso que aqui está em causa.
O que se questiona é dos efeitos que uma tal declaração, apresentada no momento em que esta o foi, pode produzir no procedimento de determinação da matéria colectável que estava em curso.
Tendo em conta que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio declarativo e o que importa é a tributação dos rendimentos reais, parece que tal declaração deveria em qualquer circunstância ser tomada em consideração, desde que apresentada nos termos e prazos previstos no artigo 59.º do CPPT.
Por outro lado, conjugando o artigo 75.º, n.º 1 da LGT, que dispõe que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, com o n.º 2 do artigo 59.º do CPPT, que determina que o apuramento da matéria tributável se fará com base nas declarações dos contribuintes, a declaração não poderia, em princípio, ser desprezada.
Como, de facto, não foi, já que a AT emitiu, com base nela, uma liquidação do imposto que dela resultaria.
Só que não nos podemos esquecer que, como expressamente refere o n.º 2 do artigo 59.º do CPPT, este apuramento da matéria tributável far-se-á com base na declaração do contribuinte desde que forneçam à AT os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.
Ou seja, se, por um lado, a AT está vinculada a liquidar o imposto devido com base na declaração apresentada pelo contribuinte, por outro lado, a ela lhe assiste o direito de proceder ao controlo “a posteriori” dos factos declarados pelos contribuintes.
E foi com base nesse direito, com vista à descoberta da verdade material, que a AT procedeu neste caso à notificação dos ora recorridos para apresentação dos comprovativos dos novos rendimentos declarados na declaração de substituição por eles apresentada.
E, perante tal exigência, os recorridos limitaram-se a dizer que não possuíam quaisquer documentos comprovativos dos rendimentos auferidos em Espanha nem os mesmos haviam sido declarados na administração fiscal espanhola.
Em suma, os recorridos nada provaram nem esclareceram acerca dos presumíveis rendimentos, incumprindo, assim, com os deveres que lhes eram exigidos para esclarecimento da sua verdadeira situação tributária.
E, assim sendo, deixa de valer a presunção de veracidade dos elementos declarados se o contribuinte não cumprir os deveres que lhe cabem de esclarecimento da sua situação tributária ou se o mesmo não fornecer à AT os elementos indispensáveis à verificação da mesma.
Daí que, cessada a presunção de veracidade, se impunha à AT desconsiderar os novos rendimentos declarados e, em consequência, anular a eventual liquidação efectuada com base nos mesmos.
Razões por que tais rendimentos nunca poderiam, como não foram, ser tidos em consideração pela AT para verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
Aliás, como se refere no relatório da acção de inspecção levada a cabo, a alteração dos rendimentos inicialmente declarados (após o envio do projecto de decisão em que se propõe a fixação da matéria tributável de IRS por avaliação indirecta), sem que o contribuinte faça prova do valor e da origem dos rendimentos acrescidos, constitui um “artifício” e uma forma de evitar a tributação pelo rendimento padrão, obtendo dessa forma um benefício ilegítimo.
Encontram-se, por isso, preenchidos os pressupostos legais para se proceder à fixação do rendimento tributável dos recorridos, referente ao ano de 2004, de harmonia com o disposto no artigo 89.º-A da LGT.
Nesta conformidade, a sentença recorrida que assim não entendeu não pode, pois, manter-se.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, revogar a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso judicial/impugnação, e mantendo-se, por isso, a decisão impugnada.
Custas pelos recorridos, apenas na 1.ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2009. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.