Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01283/12
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
CPTA
Sumário:I – O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excepcional. Daí que apenas seja admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou.
II – Destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III – A requerida reapreciação da questão da interpretação dos n.º 3 e 4 do art.º 39º do CPPT e a reavaliação da subsunção dos factos apurados e definitivamente assentes ao direito aplicável operada pelo sindicado aresto não assume relevância fundamental nem se apresenta como necessária à melhor aplicação do direito, uma vez que se mostra, aquela, conforme ao entendimento sufragado pela jurisprudência e, esta, não demandou nem requereu operações exegéticas de complexidade ou dificuldade superior ao comum.
Nº Convencional:JSTA000P15217
Nº do Documento:SA2201301301283
Data de Entrada:11/22/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de revista – cfr. art.º 150º do CPTA -.
Apreciação preliminar sumária de admissibilidade – cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -.

Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada agora com o acórdão do TCASul que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional oportunamente interposto da sentença do TT de 1ª instancia de Leiria julgou antes tempestiva e procedente a impugnação judicial de liquidação de IRS de 2002 antes deduzida por A……….., nos autos convenientemente identificada, dele veio requerer revista, nos termos dos arts. 144º e 150º do CPTA.

Sustenta em síntese e fundamentalmente que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do recurso de revista para eventual reapreciação da questão emergente do questionado julgado e que enunciou pela forma seguinte:

... para efeitos de notificação por via postal com aviso de recepção, quando não é cumprida pelo distribuidor do serviço postal a anotação prevista no n.º 4 do art.º 39º do CPPT, essa menção, não seja considerada um requisito essencial à notificação, porque não é de responsabilidade da Administração Tributária. E a notificação seja considerada efectuada no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção, nomeadamente, quando a AT procedeu à correcta notificação do Sujeito Passivo, para o seu domicílio fiscal e a carta é recebida por pessoa presente no domicílio do SP.”

Uma vez que, alega, ... tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do mesmo direito, dado que esta questão tem uma capacidade de se repetir num número indeterminado de casos futuros.

A Impugnante e ora Requerida contra-alegou oportunamente sustentando o infundado do mérito do presente recurso e a bondade da tese acolhida pelo acórdão impugnado, no invocado pressuposto de que, tal como vem julgado, não houve uma notificação válida da recorrida.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, chamado a pronunciar-se – cfr. parecer de fls. 204 e 205 -, opinou pela não verificação dos pressupostos de admissibilidade da requerida revista (cfr. art.º 150º n.º 1 do CPTA) pois que, em seu esclarecido entender,

estamos perante uma situação pontual e singular, pois a norma é o funcionário dos correios fazer constar do aviso de recepção a anotação do BI ou outro documento oficial, insusceptível de se repetir insusceptível de se repetir num número indeterminado de casos

E que embora a questão que se pretende ver apreciada não seja linear, não é, seguramente, particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico, nem revestindo uma importância fundamental do ponto de vista social.

Anota ainda, bem atentamente, que a tese perfilhada pelo acórdão recorrido tem vindo a ser seguida pelo STA (acórdãos de 06.10.2005, processo n.º 500/05 e de 08.09.2010, processo n.º 437/10).

Para, a final, concluir pela não admissibilidade da requerida revista, uma vez que, adita ainda, ... a decisão recorrida não está, claramente, ferida por erro manifesto ou grosseiro, ... não viola qualquer norma legal, sendo, no mínimo, uma das soluções plausíveis, à luz do enquadramento legal aplicável.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Vejamos então, como cumpre - cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -, se, in casu, se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade.

A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjectiva “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excepcional deste recurso jurisdicional de revista,

Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E, no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

Já no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios … .

(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011 processos n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, e processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).

E esta jurisprudência tem sido reiterada e uniformemente acolhida em todos os arestos posteriores tirados por esta formação da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.

E é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e intentar demonstrar a verificação dos requisitos legais de admissibilidade deste extraordinário meio processual de sindicância jurisdicional, alegações e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 676º n.º 2, 684º n.º 1 (in fine) e 2, e 685º-A n.º 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicável -.

Ora, neste domínio e no caso presente, não pode deixar de concluir-se, sem tibiezas ou necessidade de longas divagações, que a Requerente não logrou demonstrar a verificação daqueles requisitos/pressupostos legais de admissão da requerida revista excepcional – cfr. artigo 150º do CPTA e sentido da jurisprudência convocada -.

Como vem de dizer-se e emerge do texto do respectivo requerimento de interposição do presente recurso, a Requerente AT limita-se a invocar a capacidade de expansão da controvérsia para além dos limites da situação singular e a capacidade de a questão suscitada se repetir num número indeterminado de casos futuros.

E, partindo destas duas singelas e abstractas afirmações/premissas, porventura susceptíveis de verificação efectiva, sem mais, conclui que a questão que identificou e emerge do sentido do decidido pelo questionado acórdão do TCASul é susceptível de ser qualificada, para o efeito jurídico-processual que cumpre, como de importância fundamental, pela sua relevância jurídica ou social,

Sendo, por isso, necessário para a melhor aplicação do direito a admissão da requerida revista.

Conclusão bem precipitada e juridicamente infundada.

Na verdade e para convenientemente se poder ajuizar da necessidade de admissão deste especial recurso de revista para uma melhor aplicação do direito, a invocada capacidade de expansão da controvérsia e possibilidade de repetição em casos futuros, para proceder e ser aqui eficaz, há-de ser vista ou avaliada já perante as questionadas decisões das instâncias.

Estas, para o requerido efeito, haverão de revelar-se ostensivamente erradas ou juridicamente insustentáveis ou, no mínimo, susceptíveis alimentar dúvidas fundadas que, sobre a questão enunciada, porventura decorram de divisões de correntes jurisprudenciais ou doutrinais.

Ora, nada disto se verifica ocorrer no ajuizado caso, nem a Requerente, sobre estes pontos, alegou o que quer que fosse.

Acresce ainda que, não se tratando de recurso ordinário, mas antes de revista excepcional ou válvula de segurança do sistema, a relevância da questão a reapreciar nesta sede há-de emergir ainda e também de uma especial complexidade das operações exegéticas a efectuar,

Já perante um enquadramento normativo especialmente complexo e que porventura envolva a necessidade de compatibilizar diferentes regimes legais potencialmente aplicáveis.

Ora, nada disto se verifica ocorrer no ajuizado caso dos autos.

Neste, é bem singelo o enquadramento normativo – o art.º 39º n.º 3 e 4 do CPPT –, não ocorre também qualquer necessidade de compatibilizar diferentes regimes legais e a subsunção dos factos apurados e definitivamente assentes ao direito aplicável não demandou nem requer operações exegéticas de complexidade ou dificuldade superior ao comum.

Acresce ainda, decisivamente, que, como, aliás atentamente, anota o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, a tese perfilhada pelo questionado acórdão é uma das soluções plausíveis de direito e constitui jurisprudência repetidamente afirmada também por este Supremo Tribunal, jurisprudência que, aliás, o impugnado aresto expressamente convoca.

E a discordância com o sentido do decidido, por si só, embora susceptível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para o efeito jurídico processual que cumpre - admissibilidade da revista excepcional - manifesta e processualmente ineficaz.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta formação – art.º 150º n.º 5 do CPTA – da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir a requerida revista.

Custas pela Recorrente Administração Tributária.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. – Alfredo Madureira (relator) – Dulce Neto – Valente Torrão.