Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0802/16
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
INADMISSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo;
II - O meio processual adequado para reagir contra o despacho de reversão é a oposição à execução fiscal, e não a impugnação judicial;
III - Havendo erro na forma de processo, haverá que ordenar a “convolação” do meio processual inadequado em meio processual adequado quando a tal não obste, como no caso, a intempestividade da petição de impugnação para ser apreciada como oposição.
Nº Convencional:JSTA000P20885
Nº do Documento:SA2201609140802
Data de Entrada:06/24/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………….., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 24 de Abril de 2015, que indeferiu liminarmente – por erro na forma de processo insusceptível de “convolação” –, a petição de impugnação judicial por si apresentada contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico por referência à reversão proferida no processo de execução fiscal n.º 2496201410000187, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1º O recorrente não se conforma com a decisão de rejeição liminar da Impugnação, porquanto se considera que ocorreu incorreto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.
2º A propósito do indeferimento liminar, ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de Maio de 2012, proc nº 212/12, que o mesmo “(…) só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia de mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto da actividade judicial»
3º O despacho de indeferimento, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, deve ser cautelosamente decretado. (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo com o n.º 26482, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004; de 4 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 786/07, de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 765/10).
4º No caso concreto a Impugnação Judicial pode ser utilizada como meio adequado de reacção.
5º Ora, a impugnação judicial insere-se no chamado processo judicial tributário, que tem por função a tutela plena, efectiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária – art. 96.º do CPPT.
6º Em regra surge na sequência de um acto tributário com o qual o contribuinte não está de acordo, no todo ou em parte, por considerar ter ocorrido uma ilegalidade.
7º Através da impugnação, o contribuinte procura obter a anulação total ou parcial dos actos tributários que considera ilegais e, conseguir assim, como se refere na Lei Geral Tributária a “imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio” – Art. 100.º da LGT.
8º O acto de reversão é acto administrativo tributário. – Cfr. artigos 148º do Novo CPA, artº 77º, n.º 2 e 3 da LGT e art. 60.º CPPT.
9º Os fundamentos previstos para a impugnação encontram-se no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
10º Assim sendo, o contribuinte que interpõe uma impugnação judicial pretendendo a anulação total ou parcial do acto tributário deve invocar, designadamente, um dos seguintes fundamentos: a) errónea qualificação ou quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; b) Incompetência; c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida; c) Preterição de outras formalidades legais (Cfr. Art.º 99.º do CPPT).
11º Não se trata de uma enunciação taxativa, mas meramente exemplificativa, o que quer dizer que o contribuinte poderá sempre invocar outro tipo de ilegalidades.
12º O impugnante alegou, para além de outros fundamentos, o vício de falta de fundamentação do acto tributário.
13º De facto, a decisão da reversão no processo de Execução, do ponto de vista formal, tem por base um Despacho de Reversão do órgão de execução, despacho este que exige legalmente, nos termos dos artigos 23.º, n.º 4, 77.º, n.º 1 LGT e 268, 3 CRP fundamentação.
14º Dos Fundamentos, conforme consta dos autos, emerge a inexistência da essencial fundamentação, uma vez que no despacho de reversão não encontramos referência factual, com a devida prova documental, relativamente ao exercício da gerência de facto da pessoa colectiva/devedora originária, e não encontramos a necessária referência de que o revertido ou a Insolvente tenham adquirido qualquer bem.
15º Como condição do requisito constitutivo do direito à Reversão encontramos a gerência, e encontramos ainda a necessidade de o responsável subsidiário adquirir bens “em qualquer altura”.
16º Estes pressupostos têm de ser comprovados pela Administração Tributária, ou pelo órgão exequente, sob pena de Falta de Fundamentação (Cfr. Art. 99.º, al. c), do CPPT).
17º A ATA desleixou e postergou o dever de prova (cfr. art. 74.º n.º 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23.º, n.º 4 e 77º da LGT), pelo que é ilegal a Decisão de reversão, por inexistirem os pressupostos formais legitimantes do acto tributário, designadamente o previsto no art. 180.º, n.º 5 do CPPT, ocorrendo violação clara do dever de fundamentação.
18º Face à falta de fundamentação, ao impugnante não lhe é possível conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Autor do ato, daí estarmos perante um vício da fundamentação.
19º E esse vício de fundamentação é suscetível de à luz da al. c) do art. 99.º do CPPT afetar a validade intrínseca do ato materialmente administrativo, em que se traduz o ato de reversão da execução fiscal.
20º O que tudo conduz à anulabilidade do ato por vício de forma, e sendo anulado não poderá manter-se na Ordem Jurídica.
21º Pelo exposto, a Impugnação Judicial será igualmente meio adequado para alegar o tipo de ilegalidade cometidas, e designadamente a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida (Cfr. Art. 99.º, al. c)).
Sem prescindir,
22º O impugnante nunca foi citado da Liquidação, sabendo-se que a citação dos devedores subsidiários exige expressamente que a mesma revista a modalidade de pessoal – Art. 191.º, n.º 3, al. b), do CPPT.
23º A citação feita ao responsável subsidiário deve ser obrigatoriamente acompanhada dos elementos essenciais da liquidação e respectiva fundamentação nos termos legais, pelo que o conhecimento dos elementos a que se refere o n.º 4 do art. 22.º da LGT, permite que o executado, como revertido, discuta a legalidade das liquidações, nos mesmos termos do devedor originário.
24º Não tendo sido notificados, ficou o responsável subsidiário impedido de o fazer convenientemente.
25º A citação dos responsáveis subsidiários deve conter os elementos essenciais da liquidação (ou liquidações) que está subjacente à execução fiscal, incluindo a respectiva fundamentação, a fim de lhes assegurar a possibilidade de reclamarem graciosamente ou impugnarem contenciosamente.
26º Sem tais indicações, o acto tributário não será eficaz relativamente aos responsáveis subsidiários (cfr. art. 77, n.º 6, da LGT; art. 36.º, n.º 1 do CPPT).
27º A citação do impugnante, enquanto responsável subsidiário não reúne os requisitos legais previstos no mencionado art. 22.º, n.º 4, da LGT.
28º Assim é, porquanto o acto de citação sob exame não contém a fundamentação das liquidações que constituem a dívida exequenda, atento o conteúdo da fundamentação sumária prevista no aludido art. 77, n.º 2, da LGT.
29º No caso “sub judice”, os elementos notificados ao revertido são insuficientes (faltando a fundamentação das liquidações que constituem a dívida exequenda, conforme impõem os citados art. 22º, n.º 4, e 77, n.º 2, da LGT), por si só, para que o mesmo possa impugnar as liquidações exequendas de forma esclarecida e cabal.
30º De facto, o impugnante nunca foi citado da fundamentação nos termos legais, como supra alegado, e tal como exige o art. 22.º, n.º 4 da LGT.
31º E inexistem informações oficiais sobre o cumprimento dos critérios previstos no artigo 180.º, n.º 5 do CPPT, o que são informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo.
32º O que tido se constituem como Nulidades Insanáveis do processo de execução fiscal, nos termos do art. 165.º, n.º 1, al. a) do CPPT e art. 98.º, n.º 1, al. b), n.º 2 e 3 do CPPT.
33º Acarretando prejuízo para a defesa do contribuinte, nulidade que se invoca para as devidas e legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.


2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 100/101 dos autos, no sentido do não provimento do recurso e da confirmação da decisão recorrida..


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, houve erro na forma de processo, insusceptível de “convolação”, determinante do indeferimento liminar da petição de impugnação deduzida pelo revertido contra indeferimento do recurso hierárquico tendo por objecto o despacho de reversão.
A questão da nulidade insanável do processo de execução fiscal por alegada citação do responsável subsidiário desacompanhada dos respectivos elementos essenciais (in casu a fundamentação das liquidações que estão na origem da dívida exequenda) é questão suscitada ex novo perante este Supremo Tribunal - cfr. a p.i. de impugnação a fls. 4 a 13 dos autos -, sobre a qual o Tribunal “a quo” não emitiu pronúncia, não havendo, pois, que dela conhecer. Acresce que, a impugnação judicial também sempre seria meio processual inadequado para o seu conhecimento, pois a arguição de nulidades do processo executivo é feita, primariamente, perante o órgão de execução fiscal, cabendo reclamação judicial, nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal que a não reconheça.

5 – Na decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
1) A 22.05.2014 foi proferido despacho determinando a reversão do processo de execução fiscal n.º 2496200901034014 e apensos contra o ora impugnante (fls. 37);
2) O impugnante foi citado, por reversão, no referido processo a 27.05.2014 (fls. 41 e 42);
3) Não tendo a citação sido efectuada na própria pessoa do impugnante foi remetido a este por carta registada ofício n.º 2496/03114/2014 de 28.05.2014 advertindo-o nos termos e para os efeitos do artigo 233.º do CPC (fls. 40);
4) O impugnante interpôs recurso hierárquico, o qual foi indeferido com fundamento em não ser o meio próprio de sindicar a legalidade da reversão (fls. 45 e ss);
5) O impugnante foi notificado do indeferimento do recurso hierárquico, através do advogado constituído, a 17.12.2014 (fls. 43 e 44);
6) A p.i. foi remetida, para o serviço de finanças de Vila Real, via fax, a 20.02.2015 (fls. 2).

6 – Apreciando.
6.1 Do erro na forma de processo
A decisão recorrida, a fls. 51 a 54, verso, dos autos, indeferiu liminarmente a petição inicial de impugnação apresentada pelo ora recorrente, por erro na forma do processo insusceptível de convolação em oposição à execução por intempestividade, no entendimento de que o que o acto que o impugnante pretende sindicar não é o acto de liquidação ou o do indeferimento do recurso hierárquico – porquanto não lhes imputa quaisquer vícios próprios -, antes o acto de reversão da execução fiscal, sendo a oposição à execução o meio processual adequado para o sindicar.
Fundamenta-se o decidido, para além do mais, na jurisprudência deste STA e do TCA-Norte.
Discorda do decidido o recorrente, alegando, em síntese, ser a impugnação meio adequado para sindicar a legalidade do acto de reversão por falta de fundamentação, porquanto o acto de reversão é um acto administrativo tributário e constituem fundamentos da impugnação quaisquer ilegalidades, designadamente a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida, razão pela qual entende não haver razão para o indeferimento liminar da petição de impugnação, por inexistir erro na forma do processo.
Mas não tem razão o recorrente.
Como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Setembro de 2009 (rec. n.º 626/09) é pacífico na jurisprudência e na doutrina que a impugnação judicial, regulada nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), constitui o meio de reacção paradigmático de que dispõe o contribuinte para atacar, com fundamento em qualquer ilegalidade, o acto tributário, tomado este em sentido próprio, ou seja, como acto de liquidação do tributo, sendo igualmente este o meio processual adequado para reagir contra outros actos em matéria tributária para os quais a lei preveja ser este o meio de reacção do contribuinte (cfr. o n.º 1 do artigo 97.º do CPPT). E como aí igualmente se disse, também não oferece dúvida dispor o responsável subsidiário da faculdade de impugnar a liquidação de imposto, a par da faculdade de se opor à execução, pois que são garantias que a própria lei lhe assegura (cfr. os artigos 22.º, n.º 4 e 23.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária – LGT) e, que se saiba, ninguém legitimamente contesta.
Sucede, contudo, que o ora recorrente não veio, através da impugnação deduzida, sindicar qualquer dos actos de liquidação de imposto objecto da execução contra si revertida, antes veio atacar o próprio acto de reversão da execução.
Ora, não é em função do vício do acto sindicado, mas antes do próprio acto sindicado, que se determina qual o meio de defesa processualmente adequado dentre os que a lei assegura ao executado por reversão, e sendo que, no caso dos autos, o acto sindicado é o despacho de reversão, e não as liquidações das dívidas exequendas, tem de concluir-se que a impugnação judicial de que o então impugnante lançou mão não é o meio processualmente idóneo para contra ele reagir, pois que sendo tal acto praticado no âmbito de processos de execução fiscal, terá de ser sindicado através dos meios de defesa próprios deste processo.
Bem decidiu, pois, o tribunal “a quo” ao julgar verificado erro na forma do processo, e bem assim que a “convolação” da impugnação deduzida em oposição à execução fiscal não é possível, pois que a tal obsta a necessária tempestividade desta para ser conhecida como oposição, atento ao que consta dos números 2, 3 e 6 do probatório fixado e sabido que o prazo para dedução tempestiva da oposição é de 30 dias, contados da citação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º do CPPT.
Finalmente, diga-se que o Acórdão deste STA invocado pelo recorrente na conclusão 2. das suas alegações de recurso de modo nenhum é afectado pela decisão recorrida ou pela decisão do presente recurso, pois que sendo ostensivo o erro na forma do processo e a insusceptibilidade de a petição de impugnação ser convolada em petição de oposição, por intempestividade, é plenamente justificada a proferida decisão de indeferimento liminar.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a decisão recorrida que bem julgou.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Fonseca Carvalho.