Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0882/12.3BEALM 025/18
Data do Acordão:12/04/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:TAXA
LICENCIAMENTO
ANTENAS DE TELECOMUNICAÇÕES
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - A liberalização do mercado de prestação de serviços comunicações, assente no modelo de concorrência entre redes, ressalvou expressamente o controlo municipal prévio (licenciamento ou autorização) da instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios;
II - Apesar de terem sido aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro normas procedimentais especiais para a autorização municipal de instalação e funcionamento das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respectivos acessórios (normas com intuitos uniformizadores das práticas que haviam sido adoptadas pelos municípios), a verdade é que na base destes procedimentos de controlo administrativo prévio por parte dos municípios estão, essencialmente, actividades equivalentes a operações urbanísticas, ou seja, à verificação dos requisitos referentes à implantação no solo e em edifícios daquelas infra-estruturas;
III - Não é, por isso, formalmente inconstitucional a norma inserida no regulamento municipal de urbanização e edificação que contemple a taxa devida pelo licenciamento e autorização daquelas infra-estruturas, sem que dele conste uma referência expressa ao mencionado Decreto-Lei n.º 11/2003, desde que regulamento contenha expressamente a referência às leis habilitantes do poder exigir taxas pelos autos autorizativos em matéria urbanística;
IV - A taxa devida como contraprestação do procedimento de controlo municipal prévio (licenciamento ou autorização) da instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios tem uma estrutura bilateral e uma contrapartida específica bem identificada e fundamentada na protecção de interesses públicos locais, pelo que não enferma de inconstitucionalidade orgânica a norma do regulamento municipal que prevê a sua liquidação e cobrança;
V - O controlo judicial da proporcionalidade do montante das taxas é sempre baseado num juízo global de razoabilidade (proporcionalidade em sentido amplo) do montante exigido e não numa específica verificação de custos imputados, como seria típico de um controlo no âmbito da regulação económica dos preços.
Nº Convencional:JSTA000P25259
Nº do Documento:SA2201912040882/12
Data de Entrada:01/17/2018
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO MONTIJO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A A…………, S.A., interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 19 de Setembro de 2019, que julgou totalmente improcedente a oposição, por si deduzida, à execução fiscal n.º 207/2012, que corre os seus termos no Município do Montijo para cobrança de dívidas de taxas, no valor global de 95.199,27€, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
1. Como resulta quer do preâmbulo e do art. 1.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Concelho do Montijo, publicado na II.ª Série do Diário da República, Apêndice 18, de 20 de Fevereiro de 2006 e do Regulamento e Tabela de Taxas do Município do Montijo, publicado na II.ª Série do Diário da República, n.º 48, de 10 de Março de 2010, não existe fundamento legal para a exigência de uma taxa devida pela instalação das estações de telecomunicações dos autos.
2. Nos termos dos mesmos preâmbulos e do art. 1.º de Regulamento de 2006, os Regulamentos pretendem concretizar as permissões normativas de exigências de taxas municipais constantes, entre outros, do Decreto-Lei n.º 555/99, na redação em vigor.
3. A taxa que é devida pela instalação de antenas de telecomunicações não está prevista neste diploma legal, mas antes no Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro.
4. Os Regulamentos que poderiam ter sido invocados no ato que procedeu à liquidação das taxas exequendas não são aplicáveis à instalação de estações de telecomunicações, por não terem por lei habilitante o art. 6.º, n.º 10, do Decreto-Lei n.º 11/2003, que é o preceito legal que permite a cobrança de taxas devidas pela instalação de antenas de telecomunicações.
5. Tendo em conta a lei habilitante do Regulamento é manifesto que a Câmara Municipal do Montijo ainda não concretizou a permissão legal, pelo que não existe suporte para a cobrança da "taxa" aqui em causa.
6. Não existe, assim, qualquer fundamento legal ou regulamentar para a exigência da taxa que foi aplicada pela decisão impugnada, tendo em conta a inaplicabilidade dos Regulamentos do Exequente (ac. plenário do STA de 7.04.2005, Proc. 01108/03).
7. A pretensão que deu origem à liquidação das taxas objeto da presente execução foi o pedido de autorização municipal das antenas de telecomunicações instaladas pela Oponente no Concelho do Montijo, apresentado ao abrigo do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, em 1 de julho de 2003, pelo que é esta a data em que ocorreu o facto tributário - facto descrito no ponto 1. da enumeração dos factos provados.
8. Deste modo, é manifesto que, tendo a pretensão que deu origem à liquidação das mesmas taxas sido formulada em data anterior à entrada em vigor do Regulamento, este não lhe é aplicável, nos termos expressos do seu art. 29.º
9. Não existe, assim, qualquer fundamento legal ou regulamentar para a exigência da taxa que foi aplicada pela decisão impugnada, tendo em conta a inaplicabilidade do Regulamento invocado pelo Recorrido e a data da ocorrência do facto tributário, pelo que estamos perante uma hipótese de ilegalidade abstrata das taxas dos autos.
10. Como resulta do acórdão do plenário do STA, de 7.04.2005, Proc. 01108/03, a ilegalidade abstrata da taxa constitui fundamento de oposição à execução, nos termos da al. a) do art. 204.º do CPPT.
11. A sentença recorrida julgou improcedente este fundamento invocando apenas que a liquidação da «taxa» dos autos teve por base o Regulamento de 2006 e não o Regulamento de 2010.
12. Sucede que, como se demonstrou, esta circunstância é irrelevante para a decisão a proferir nos presentes autos, uma vez que é manifesta a inexistência de fundamento legal ou regulamentar para a cobrança da «taxa» dos autos, quer a liquidação tenha tido por base o Regulamento de 2006, quer tenha tido por base o Regulamento de 2010.
13. A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou os artigos 204.º, al. a) do CPT, 10.º, n.º 6, do Decreto-lei n.º 11/2003.
14. Por esta razão, deve ser revogada e substituída por outra que decida que não existe qualquer lei habilitante que legitime a exigência da «taxa» dos autos e, por esta via, julgue procedente a presente oposição.
15. Mesmo que este fundamento da oposição não procedesse, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio e sem conceder, sempre se dirá que, se forem aplicáveis os preceitos dos Regulamentos do Exequente, à instalação de antenas de telecomunicações em propriedade privada, o mesmo é organicamente inconstitucional, uma vez que prevê um verdadeiro imposto e não uma taxa, na medida em que a quantia a pagar pela instalação de uma estação de telecomunicações não encontra qualquer contrapartida na actividade do município.
16. As normas constantes dos nº 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010 são inconstitucionais, por violação dos princípios da legalidade tributária, consagrado no art. 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição, na medida em que prevêem um verdadeiro imposto, inconstitucionalidade que expressamente se invoca, para todos os efeitos
17. Nos termos do art. 2.º, n.º 4, da mesma Lei Geral Tributária, as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
18. Daqui resulta que as taxas terão sempre origem num vínculo de carácter sinalagmático, donde resulta a sua natureza bilateral, a exigir uma equivalência - embora jurídica, e não apenas económica -, entre a prestação e a contra prestação em causa, que ultrapasse o teste da proporcionalidade e que lhes garante a sua natureza de taxa (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 558/98)
19. Não existe qualquer vínculo sinalagmático na exigência de uma taxa devida pela instalação de uma antena de telecomunicações, porque esta exigência não tem qualquer contrapartida na prestação de algum serviço por parte do município.
20. Nem se venha dizer que o pagamento da quantia exigida pelo Exequente a título de taxa teria contrapartida na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento do particular, como se diz na sentença recorrida.
21. Na verdade, o Tribunal Constitucional tem decidido uniformemente que só é legítima a imposição de uma taxa, como contrapartida da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento do particular, quando com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem público ou semipúblico (Acórdão do Tribunal Constitucional 558/98)
22. Por estas razões, a exigência constante do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, constitui um verdadeiro imposto e não uma taxa (Acórdãos 513/97, 558/98 e 339/04 do Tribunal Constitucional)
23. Deve assim concluir-se que a norma do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, na interpretação segundo a qual seria exigível o pagamento anual de uma determinada quantia, devida pela mera instalação de uma antena de telecomunicações, sem que exista qualquer contrapartida na actividade da Câmara Municipal, nem a utilização de bens públicos ou semipúblicos, prevê um tributo que não pode ser qualificado como taxa, e antes deve ser objecto do tratamento jurídico- constitucional reservado aos impostos.
24. Em consequência, a norma do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, são inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade tributária, consagrado no art. 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição, na medida em que prevêem um verdadeiro imposto, inconstitucionalidade que expressamente se invoca, para todos os efeitos.
25. Por outro lado, a exigência de uma taxa no montante dos autos, para a instalação de antenas de telecomunicações da Oponente, é manifestamente desproporcional, tendo em conta o custo da atividade administrativa do município e grau de utilidade prestada ao particular.
26. Em consequência, os mencionados n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e o art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, prevêem, não uma taxa, mas um verdadeiro imposto, tendo em consta a sua unilateralidade, em virtude da manifesta desproporção do valor em causa, o custo do serviço prestado pela autarquia e a utilidade retirada pelo particular.
27. Pode assim concluir-se que a exigência deste valor, a título de taxa, para a instalação de estações de telecomunicações, traduz uma «desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para» o utente, afectando claramente a relação sinalagmática que a taxa pressupõe - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 610/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
28. Esta conclusão é reforçada pela circunstância de o montante a pagar, nos termos do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, estar dependente da área ocupada pelas antenas de telecomunicações, logo «"completamente alheio" ao custo daquele serviço concretamente prestado, pois que nada na forma de cálculo permite supor uma ligação entre este custo e aquele montante» - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 610/2003, já citado.
29. Daqui resulta que o valor da prestação prevista como taxa no n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 ou no art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, não tem qualquer correspondência com o custo do serviço prestado e sua utilidade para a Impugnante, quer atendendo à manifesta desproporcionalidade entre ambos, quer atendendo à ausência de quaisquer critérios determinadores do respetivo montante, que atendam ao custo do serviço efetivamente prestado, o que o torna num montante absolutamente arbitrário e discricionário.
30. Deve assim concluir-se que as normas do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, na medida em que é impossível reconhecer uma relação proporcional directa entre a utilidade extraída dos serviços prestados e a instalação de uma estação de telecomunicações, prevêem um tributo que não pode ser qualificado como taxa, e antes deve ser objeto do tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos.
31. Em consequência, também por esta razão, as normas do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela Anexa ao Regulamento de 2010, são inconstitucionais, por violação dos princípios da proporcionalidade e da legalidade tributária, consagrados nos arts. 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.º 2, da Constituição, na medida em que prevêem um verdadeiro imposto, inconstitucionalidade que expressamente se invoca, para todos os efeitos.
32. Como decidido no acórdão do S.T.A. de 23.11.2011, Proc. 0945/10, a inconstitucionalidade das normas regulamentares que instituíram a taxa dos autos constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por estar em causa uma ilegalidade abstrata, não se consubstanciando num vício próprio do ato de liquidação da taxa, incorrido por ocasião da sua prática, mas da própria norma regulamentar que criou esse tributo, por inconstitucional e, por isso, incapaz de servir de alicerce ao ato de liquidação.
33. Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou os artigos 204.º, n.º 1, al. a) do CPPT, 10.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 11/2003, 3.º da Lei n.º 53-E/2006 e 204.º, 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição.
34. Por esta razão, deve ser revogada e substituída por outra que declare a inconstitucionalidade do n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 e do art. 21.º, n.º 30, da Tabela de taxas Anexa ao Regulamento de 2010, por violação dos princípios da proporcionalidade e da legalidade tributária, consagrados nos arts. 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.º 2, da Constituição e, em consequência, julgue procedente a presente oposição.
Nestes termos, e nos melhores de direito, os quais V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a oposição e, em consequência, determine a extinção da presente execução, como é de Lei e de JUSTIÇA!».


2- Não foram produzidas contra-alegações

3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso com fundamento na inconstitucionalidade orgânica do regulamento municipal de 2006, que servira de base à liquidação da taxa, por violação do artigo 112.º, n.º 7 da CRP.

4- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.



II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 01/07/2003, deu entrada no Município do Montijo um requerimento da A…………, S.A com sede na Av. ………, nº …… em Lisboa requerendo a autorização municipal referente a 13 infra-estruturas de suporte de radiocomunicações já instaladas no Município do Montijo (cfr. doc. junto a fls. 1 do processo instrutor junto aos autos);
2. Por ofício de 14/10/2003 dirigido à Oponente e remetido para a morada Rua ………, nº …… - …… em Lisboa, o Município do Montijo solicitou a entrega de diversos elementos adicionais (cfr. doc. junto a fls. 90 do processo instrutor junto aos autos);
3. A Oponente respondeu ao pedido identificado no ponto anterior requerendo mais prazo para a entrega dos elementos em falta (cfr. doc. junto a fls. 91 do processo instrutor junto aos autos);
4. Por ofício de 15/12/2003 dirigido à Oponente e remetido para a morada Rua ………., nº …… - …… em Lisboa, o Município do Montijo deferiu o pedido de alargamento do prazo (cfr. doc. junto a fls. 94 do processo instrutor junto aos autos);
5. A oponente apresentou em 07/01/2004 os elementos solicitados pelo Município do Montijo (cfr. doc. junto a fls. 95 do processo instrutor junto aos autos);
6. Por ofício de 26/03/2004 dirigido à Oponente e remetido para a morada Rua ………, nº …… - …… em Lisboa, o Município do Montijo informou a Oponente que eram necessários mais elementos relativamente à infra-estrutura de Sarilhos Grandes e ainda que iriam ser pedidos diversos pareceres (cfr. doc. junto a fls. 275 do processo instrutor junto aos autos);
7. A Oponente respondeu ao pedido formulado pelo Município do Montijo tendo junto os elementos requeridos (cfr. doc. junto a fls. 293 do processo instrutor junto aos autos);
8. Dos pareceres emitidos pelo Município do Montijo é sempre indicada como morada da Oponente a Rua ………, nº ……, ……, em Lisboa (cfr. docs. juntos a fls. 262 e 296 do processo instrutor junto aos autos);
9. Por ofício de 16/12/2004 dirigido à Oponente e remetido para a morada Rua ………, nº …… - …… em Lisboa, o Município do Montijo informou a Oponente do parecer do Ministério da Defesa Nacional para conhecimento e cumprimento (cfr. doc. junto a fls. 380 do processo instrutor junto aos autos);
10. A oponente em 28/01/2005 respondeu ao ofício identificado no ponto anterior indicando como sede Av. ………, nº …… em Lisboa (cfr. doc. junto a fls. 394 do processo instrutor junto aos autos);
11. Por despacho de 27/01/2006 da Presidente do Município do Montijo foi deferida a autorização para a instalação das infraestruturas da Oponente (cfr. doc. de fls. 425 do processo instrutor junto aos autos);
12. Por ofício de 03/02/2006 remetido para Apartado ……, ……… em Lisboa, foi a Oponente notificada do despacho identificado no ponto anterior (cfr. docs. de fls. 426 e 427 do processo instrutor junto aos autos);
13. Por ofício de 23/05/2007 remetido para Apartado ……, ……… em Lisboa, foi solicitado à Oponente a apresentação da documentação referente à Estação Base de Pegões para cálculo das taxas devidas (cfr. docs. de fls. 430 do processo instrutor junto aos autos);
14. Por ofício de 03/08/2008 remetido para Apartado ……-, ………, em Lisboa, foi solicitado à Oponente o cumprimento do solicitado no ofício identificado no ponto anterior (cfr. docs. de fls. 430 do processo instrutor junto aos autos);
15. Por ofício de 16/09/2009 a Oponente remeteu a documentação solicitada nos dois ofícios identificados nos pontos anteriores (cfr. doc. junto a fls. 433 do processo instrutor junto aos autos);
16. Por ofício de 15/01/2010 remetido para Apartado ……-, ………, em Lisboa, à Oponente informando que esta deve proceder à liquidação das taxas devidas pela execução das infra-estruturas telefónicas no montante de € 95.199,27 (cfr. docs. de fls. 430 do processo instrutor junto aos autos);
17. Por ofício de 05/03/2010 a Oponente solicitou esclarecimentos sobre como foi obtido o valor de € 95.199,27 de taxas municipais e a que infra-estruturas as mesmas se reportam (cfr. doc. junto a fls. 442 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
18. Por despacho de 30/03/2010 foi ordenada a remessa à Oponente do mapa de taxamento à requerente (cfr. doc. junto a fls. 443 do processo instrutor junto aos autos);
19. Por oficio de 03/08/2010 o Município do Montijo remeteu à Oponente um ofício para a morada Apartado ……-, ………, em Lisboa, do qual consta que: "(...) as taxas calculadas dizem respeito a 13 infra-estruturas de telecomunicações, incluindo a de Pegões (apesar dos poucos elementos apresentados para esta estação). Mais se informa que esteve presente nos Serviços da Câmara um representante da VI empresa (sr. ………), e que foi esclarecido da situação.
(...)
MAPA DE TAXAMENTO PARA OFÍCIOS
Data:
Nr. Proc/Tipo: 12/03 – PCM Nr. Re./Tipo: PCM12/03 Nr. Guia: 502600268 A…………, S.A.

(Cfr. doc. junto a fls. 447, frente e verso, do processo instrutor junto aos autos);
20. Por ofício de 18/06/2012 foi remetido pelo Município do Montijo à Oponente para a morada Apartado ……-, ………, em Lisboa, do qual consta que decorreram 21 meses sobre a última notificação para efectuar o pagamento das taxas, concede novo prazo de 30 dias para o pagamento das taxas no montante de € 95.199,27 (cfr. doc. junto a fls. 449, frente e verso, dos autos);
21. Em 10/08/2012 foi extraída certidão de dívida que está na origem do presente processo executivo (cfr. doc. junto a f1s. 452 do processo instrutor junto aos autos);
22. A oponente nos seus requerimentos efectuados no âmbito do processo instrutor, indica sempre como sede a Av. ………, nº …… em Lisboa, seja fazendo referência directa à mesma seja porque do papel timbrado utilizado consta aquela morada como sua sede (cfr. docs. de fls. 1, 91, 95, 293, 394, 433 e 442 do processo instrutor junto aos autos);
23. A oponente foi citada em 20/08/2012, no âmbito do processo executivo identificado no ponto anterior por carta registada com aviso de recepção (cfr. doc. junto a fls. 38 a 40 do processo executivo junto aos autos);
24. A p.i. que deu origem aos presentes autos foi remetida por correio registado em 26/09/2012 para o Município do Montijo (cfr. fls. 78 dos autos);
25. As antenas de telecomunicações a que se reportam as taxas encontram-se instaladas em propriedade privada, com excepção de três antenas que se encontram instaladas em propriedades do Município com base em contratos de arrendamento (cfr. docs. juntos a fls. 114 a 189 dos autos);
26. O Município do Montijo quando procede à apreciação dos pedidos de instalação de antenas de telecomunicações tem de analisar se estão de acordo com o PMD e, algumas vezes, são pedidos pareceres a entidades externas (depoimento da testemunha do Município).

Factos não provados:
a) Não ficou provado que a Oponente tenha deduzido reclamação graciosa do acto de liquidação das taxas

2. Questões materiais a decidir
A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, aqui recorrida, foi proferida no seguimento do acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Abril de 2017 (proc. 1113/16), que julgou procedente o recurso interposto de uma primeira sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na qual se havia considerado que a oposição à execução fiscal não era uma via processual adequada para apreciar a ilegalidade da liquidação da taxa. No acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, antes mencionado, sufragou-se o entendimento de que não existia erro na forma de processo por estar em causa a “apreciação da ilegalidade abstracta da liquidação”, um fundamento adequado para que pudesse ser deduzida oposição à execução com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. É no seguimento da baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e da decisão por este de que a oposição deve ser julgada improcedente, quer porque o tributo em causa se deve qualificar como uma verdadeira taxa (“taxa pela remoção de um obstáculo jurídico”), quer porque a mesma não se revela desproporcionada, que foi interposto novo recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, do qual agora cumpre apreciar.

Desta feita, a recorrente alega erro de julgamento por considerar que o acto de liquidação da taxa devida pela instalação das estações de telecomunicações é ilegal (ilegalidade derivada) por ser ilegal e inconstitucional a norma com base na qual aquele tributo foi liquidado. Importa, por isso, saber se:

· existia base normativa (legal e regulamentar) válida para a liquidação da taxa municipal pela instalação de infra-estruturas de suporte de radiocomunicações;

· o montante da taxa respeitava o princípio da proporcionalidade.


3. De direito

3.1. Da base legal e regulamentar da taxa pela autorização de instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios

3.1.1. Desde a aprovação do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho, que ficou patente na lei o modelo de privatização adoptado para o sector das telecomunicações: um modelo de concorrência entre redes. Daqui resultava, inevitavelmente, que para além das infra-estruturas e redes de serviço público já implantadas, as empresas operadoras e prestadoras destes serviços passariam a poder (a ser titulares do direito a) instalar no território nacional as suas próprias infra-estruturas. Neste sentido, pode ler-se, no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei n.º 151-A/2000 o seguinte: “(…) abandonou-se o princípio, consagrado no Decreto-Lei n.º 147/87, da utilização preferencial de meios afectos aos serviços de telecomunicações de uso público para satisfação de necessidades de comunicações privativas envolvendo a utilização de meios radioeléctricos. Desenhou-se outra solução equilibrada, assente na livre utilização de meios radioeléctricos também para comunicações privativas—redes privativas—, aliada ao recurso a instrumentos associados à gestão do espectro, nomeadamente a sua planificação e critérios de atribuição, e ao tarifário radioeléctrico”.
Essa instalação de novas infra-estruturas e redes (privativas) deveria, por imposições do direito da concorrência, basear-se em procedimentos de licenciamento simples, céleres, transparentes e não discriminatórios, mas o novo regime legal sectorial deixava também claro que a liberalização da actividade (v. artigo 7.º da Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, anterior regime jurídico do serviço de comunicações, em vigor na data em que foi requerida a licença), não estava associada a uma isenção de licenciamento municipal da implantação dessas infra-estruturas (v. artigo 20.º, n.º 2 do mencionado Decreto-Lei n.º 151-A/2000). Assim, podemos afirmar que desde 2000 resultava expressamente da lei a necessidade de licenciamento ou procedimento autorizativo prévio, da competência dos municípios, para a instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios. Um procedimento autorizativo que se destinava a tutelar “interesses diversos daqueles que estavam cometidos à entidade gestora do espectro radioeléctrico” (v. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 151-A/2000) e entre os quais se incluíam a estética das povoações, os interesses urbanísticos (por exemplo, a al. a), do n.º 1, do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 proíbe a instalação destas infra-estruturas em sítios que dificultem o acesso às chaminés ou a realização de trabalhos de reparação na cobertura dos edifícios) e a segurança das instalações e das populações (o que explica a obrigação prevista no n.º 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de afixação de sinalização informativa que alerte sobre os riscos decorrentes da instalação daquelas infra-estruturas).
Assim, o Decreto-Lei n.º 151-A/2000 deixou claras as seguintes ideias chave sobre a nova organização e funcionamento do “mercado de comunicações”: i) que as empresas poderiam passar a instalar “livremente” infra-estruturas (estações e redes de radiocomunicações) privadas para prestar os serviços; ii) que a regulação deste “mercado” passava a assentar na regulação do acesso ao espectro radioeléctrico e não na imposição do uso de infra-estruturas de titularidade pública ou de serviço público; iii) que neste novo contexto regulatório existiriam alguns controlos administrativos prévios estaduais associados ao exercício da actividade (licença de estação e licença de rede previstos e regulados nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000), que não se confundiam com (nem substituíam) outros actos de controlo administrativo prévio, designadamente municipais; e v) que a liberalização da implantação de redes privadas não eliminava a necessidade de os operadores interessados respeitarem o direito de propriedade privada (“a instalação de estações de radiocomunicações e respectivos acessórios, designadamente antenas, em prédios rústicos ou urbanos carece do consentimento dos respectivos proprietários, nos termos da lei” – artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 151-A/2000) e também os não dispensava de quaisquer outros actos de licenciamento ou autorização previstos na lei, designadamente os da competência dos órgãos autárquicos (v. artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 151-A/2000).
Mas o Decreto-Lei n.º 151-A/2000 não regulava estes procedimentos e os actos de licenciamento ou autorização de âmbito municipal relativamente à instalação de estações e redes de radiocomunicações.

3.1.2. Assim, os termos em que o referido licenciamento ou autorização de instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios deveria ser concretizado, não foi imediatamente apreendido por todos os municípios e não foi, por isso, aplicado de modo uniforme, o que levou a que algumas autarquias locais não efectuassem qualquer controlo e outras interpretassem que aquele licenciamento não se diferenciava dos licenciamentos e autorizações em matéria urbanística.
Na verdade, só mais tarde, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro, foi possível, como se afirma expressamente no respectivo preâmbulo, “dar resposta ao vazio legislativo relativo à autorização municipal para a instalação e funcionamento de infra-estruturas de suporte de estações de radiocomunicações, tendo em conta a natureza atípica e específica das mesmas e a necessidade de uniformização da actuação dos municípios nesta matéria, garantido a celeridade de todo o processo, características fundamentais para o cumprimento das obrigações inerentes à prestação do serviço pelos operadores de telecomunicações móveis”.
De resto, é legítimo concluir que só com a aprovação e entrada em vigor do disposto no n.º 10, do artigo 6.º do mencionado Decreto-Lei n.º 11/2003 (ou seja, em Janeiro de 2003), se consagrou legalmente a imposição para o município quanto ao licenciamento ou autorização de instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e seus acessórios, bem como das respectivas taxas.
Veja-se que sob a epígrafe de “norma transitória”, o artigo 15.º do referido Decreto-Lei n.º 11/2003, consagra um verdadeiro regime retroactivo de obrigação de licenciamento para as infra-estruturas de suporte de radiocomunicações já instaladas, sempre que não tivesse havido deliberação ou decisão municipal favorável (ou seja, sempre que as mesmas não tivessem antes sido objecto de licenciamento ou autorização municipal), devendo os operadores requerer a respectiva autorização municipal no prazo de 180 dias a partir da data da entrada em vigor da lei. Um regime que se explica pela relevância do bem jurídico subjacente àquele controlo administrativo, que era a legalidade urbanística e a saúde pública, consubstanciada, esta última, na verificação e controlo do nível máximo de exposição da população a campos electromagnéticos, segundo os níveis de referência internacionalmente definidos para efeitos de avaliação da exposição.
A contrario, é de concluir ¯ como já afirmámos ¯ que até essa data (até 2003) os municípios ¯ que já estavam legalmente habilitados pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho, a submeter a licenciamento municipal a instalação das referidas infra-estruturas de telecomunicações ¯, legitimamente, submetessem o licenciamento da instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios ao procedimento do regime geral das licenças de urbanização e edificação.
Com efeito, na falta de lei especial, era adequado aplicar ao licenciamento daquelas infra-estruturas o procedimento de licenciamento de uma operação urbanística, definida no artigo 2.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (Regime jurídico da urbanização e da edificação), como “as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água” (destacado nosso), e, consequentemente, submeter a prática desse acto autorizativo ao pagamento de uma taxa prevista e regulada no mesmo regulamento municipal, cuja base legal para a respectiva aprovação era o artigo 3.º do mencionado Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.

3.1.3. Ora, o acto de licenciamento que nos cumpre apreciar corresponde a um caso de pedido de licenciamento a posteriori (i. e. após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 11/2003, uma vez que o pedido de licenciamento deu entrada nos serviços do Município em 1 de Julho de 2003) de “13 infra-estruturas de suporte de radiocomunicações já instaladas no Município do Montijo” (cf. ponto 1 da matéria de facto dada como provada), que, como se explica no artigo 18.º da contestação (ao pedido de oposição) apresentada pela Câmara Municipal do Montijo, era regulado pelo Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do concelho do Montijo, não obstante na sua tramitação terem sido já observados os trâmites procedimentais previstos no Decreto-Lei n.º 11/2003, designadamente a instrução do pedido com os pareceres referidos no artigo 6.º daquele diploma legal (nesse sentido v., por exemplo, pontos 6, 8 e 9 da matéria de facto dada como provada na sentença de 19 de Setembro de 2017).
E não se nos afigura que a aplicação aos actos de licenciamento de instalação de estações e redes de radiocomunicações do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do concelho do Montijo, conjugado com as regras do Decreto-Lei n.º 11/2003, se deva considerar ilegal por ser necessária a aprovação de um regulamento municipal especial para este procedimento de licenciamento, uma vez que nenhuma imposição regulamentar específica resulta das normas do Decreto-Lei n.º 11/2003.
Concluímos, portanto, que existiu base legal e regulamentar para a prática do acto de licenciamento de instalação de estações e redes de radiocomunicações e liquidação da respectiva taxa e que essa base legal e regulamentar eram as normas do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do concelho do Montijo, conjugadas com as regras do Decreto-Lei n.º 11/2003.

3.2. Da inconstitucionalidade formal e orgânica das normas com base nas quais foi liquidada a taxa
3.2.1. Importa agora apurar se a prática dos actos autorizativos para a instalação das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações ao abrigo das normas do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do concelho do Montijo, seguindo a tramitação do disposto no Decreto-Lei n.º 11/2003, acompanhado da liquidação, em 2010, das correspondentes taxas prevista no Quadro VI do Anexo I do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, publicado pelo Edital n.º 86/2006, se deve considerar ilegal por o regulamento não referir expressamente como lei habilitante para a liquidação e cobrança desta taxa o mencionado Decreto-Lei n.º 11/2003 (designadamente, a norma habilitante do n.º 10 do artigo 6.º).
Salvo melhor, parece-nos que o requisito formal invocado pela recorrente de necessidade de referência expressa ao Decreto-Lei n.º 11/2003 na habilitação legal do regulamento ao abrigo do qual foi liquidada e cobrada a taxa, fundamentando a exigência desse requisito no n.º 7 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, sob pena de inconstitucionalidade do mesmo e consequente ilegalidade do acto de liquidação da taxa, não deve proceder. Vejamos.
Existe uma longa jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o tema das inconstitucionalidades formais dos regulamentos municipais por falta de indicação da lei habilitante. Sobre esta questão pode ler-se, em síntese, no acórdão n.º 564/2018 daquele Tribunal o seguinte:
«Assim, «o incumprimento do dever constitucional de citação da lei habilitante num regulamento que contém normas com evidente eficácia externa determina a inconstitucionalidade formal das normas nele contidas» (Acórdão deste Tribunal n.º 212/08, disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt).
Como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., p. 77), esta exigência de indicação expressa da lei habilitante visa, por um lado, «disciplinar o uso do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, a habilitação legal de cada regulamento)» e, por outro lado, garantir «a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo relevantes à luz da principiologia do Estado de direito democrático», dando a conhecer aos destinatários o fundamento do poder regulamentar exercido (cfr. Acórdão nº 220/01).
A norma é aplicável a todos os regulamentos, sejam eles emanados do Governo, dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas ou, como é o caso, dos órgãos próprios das autarquias locais, pois todos estão ligados à lei que necessariamente os precede. O papel da lei precedente é que não é sempre o mesmo, como se observou no Acórdão n.º 76/88: umas vezes a lei a referir é aquela que o regulamento visa regulamentar, como no caso dos regulamentos de execução stricto sensu ou dos regulamentos complementares, e outras vezes a lei a indicar é a que define a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão, como é o caso dos chamados regulamentos independentes.
Sobre o cumprimento do dever de citação da lei habilitante existe uma vasta jurisprudência deste Tribunal, como nos dá conta o Acórdão n.º 212/08:
«Entende o Tribunal, como pode ler-se no Acórdão n.º 375/94 (…), que “ao impor o dever de citação da lei habilitante, o que a Constituição pretende é garantir que a subordinação do regulamento à lei (e, assim, a precedência da lei relativamente a toda a actividade administrativa) seja explícita (ostensiva)”.
No Acórdão n.º 188/00 (…), explica-se, ainda, que a “orientação do Tribunal frisa, portanto, que – conforme se pode ler na norma constitucional que prevê tal exigência –, a indicação da lei que se visa regulamentar ou que define a competência objetiva ou subjetiva para sua emissão há-de ser expressa (questão, esta, da forma de citação que é, como se sabe, diversa da de saber se se devem admitir autorizações legais implícitas para a emissão de regulamento, relativa à forma da autorização legal)”.
É por esta razão, e nos termos do Acórdão n.º 665/94, que (…) se considera que “‘ainda que se pudesse identificar, com elevado grau de probabilidade, as normas legais que habilitavam a aprovação do regulamento em causa’, ‘a verdade é que a inconstitucionalidade formal se mantém, pois a função da exigência da identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, a habilitação legal de cada regulamento), mas também em garantir a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo à luz da principiologia do Estado de direito democrático’ (cfr. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1983, pág.516)”.
Em todo o caso, como se disse no Acórdão n.º 357/99 (…), “não impõe a lei constitucional que a indicação da lei definidora da competência conste de um qualquer trecho determinado do Regulamento”, exigindo-se porém, como já se referiu, que tal menção seja “expressa” e assim se recusando qualquer referência implícita à base legal autorizante (v. Acórdão n.º 345/01 (…).»

Mas dela não se retira que tenha de existir uma referência expressa a todas as normas legais reguladoras de procedimentos administrativos municipais pelos quais pode ser exigida a liquidação de uma taxa, sempre que essa taxa seja liquidada e cobrada ao abrigo de uma norma regulamentar municipal que expressamente refira a sua base legal habilitante e essa base legal se deva considerar adequada e suficiente para dar cumprimento à exigência do n.º 7 do artigo 112.º da CRP. É isso que se afirma no mais recente acórdão n.º 19/2019 do Tribunal Constitucional:
«Assim, e volvendo ao disposto no n.º 7 do artigo 112.º, da Constituição, considera-se que as referências constantes do regulamento municipal em questão são idóneas para dar a conhecer as normas que, no entender da Administração, lhes atribuem competência objetiva e subjetiva para a emissão do regulamento bem como a lei que visa regulamentar. Tanto basta para dar por cumprida a exigência constitucional. Deste modo, do ponto de vista constitucional, a indicação, no artigo 1.º, do RUEM de Cascais, do artigo 241.º, da Constituição, das normas que atribuem competência regulamentar às respetivas assembleia municipal e câmara municipal e, sobretudo, da lei que visa executar (o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, segundo habilitação expressa no seu artigo 3.º), revela cumprida a exigência contida no n.º 7 do artigo 112.º, da Constituição, não ocorrendo, assim, inconstitucionalidade formal que pudesse determinar a invalidade das normas regulamentares em crise».

No caso do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Montijo de 2006, ao abrigo do qual foi liquidado o tributo em apreço, também se faz referência, no respectivo preâmbulo, às normas habilitantes do poder municipal em matéria urbanística e de liquidação e cobrança das respectivas taxas, incluindo ao Decreto-Lei n.º 555/99 (cujos artigos 116.º e 117.º habilitam os municípios para a cobrança de taxas urbanísticas) e à Lei n.º 42/98 (a então vigente lei das finanças locais, que no artigo 16.º e 19.º habilitava igualmente o município a liquidar e cobrar taxas por operações urbanísticas). Não pode, por isso, afirmar-se que o regulamento não indicava expressamente a lei habilitante de modo a assegurar a transparência, a segurança jurídica e a disciplina do controlo regulamentar municipal, imposta pelo n.º 7 do artigo 112.º da CRP.
E não se diga que, neste caso, a taxa municipal a liquidar pelo procedimento previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 11/2003 exigiria uma habilitação legal específica, diferente da habilitação legal das taxas urbanísticas. É que não só uma tal exigência não se justifica – uma vez que este diploma não veio instituir uma obrigação de licenciamento nova, pois, como já mostrámos, ele veio apenas tornar inequívoca a obrigação de licenciamento municipal da instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, que já havia sido afirmada pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2000, e uniformiza-la –, como, se atentarmos na formulação do n.º 10 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, percebemos que a referência à taxa municipal a liquidar no âmbito deste procedimento de licenciamento não exclui que a mesma possa ser uma taxa prevista no regulamento de urbanização e edificação, desde que respeite os critérios definidos na lei, ou seja, na lei geral, porquanto este diploma nada diz quanto à forma de cálculo, estrutura ou pressupostos da fixação da taxa pelo licenciamento ou autorização de instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações.
Em suma, concluímos que, no caso em apreço, a norma regulamentar que foi aplicada na liquidação da taxa não enferma de inconstitucionalidade formal.

3.2.2. E, por tudo quanto já afirmámos e demonstrámos – a imposição legal de existência de um procedimento autorizativo ou licenciador municipal para a instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, que se destina a controlar bens jurídicos e interesses de âmbito municipal; e ii) a coerência na recondução deste procedimento licenciador ao universo das operações urbanísticas e respectivas regras regulamentares –, fica também afastada a inconstitucionalidade orgânica das normas constantes dos n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006, uma vez que o tributo aí consagrado é uma verdadeira taxa (é exigido como contraprestação jurídica da actividade de licenciamento municipal) e não um imposto ou uma contribuição financeira.

3.3. Da (des)proporcionalidade do valor da taxa
3.3.1. Alega, por último, a recorrente que o montante liquidado a título de taxa pela instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações é manifestamente desproporcionado relativamente à contraprestação a que respeita, tendo em conta o custo da actividade administrativa do município e o grau de utilidade prestada ao particular.
Ora, no que respeita ao controlo material da proporcionalidade da taxa (da “medida da tributação”) importa destacar os limites funcionais do controlo judicial nesta sede, uma vez que o Tribunal não pode deixar de ater-se a um juízo global de razoabilidade (proporcionalidade em sentido amplo) do montante exigido. Com efeito, não se inscreve no âmbito da fiscalização judicial da medida da taxa – como parece pretender a recorrente − um escrutínio da estrutura de custos que o município repercute no valor da mesma. O tribunal não é um “regulador económico” dos tributos bilaterais, mas tão só um garante, uma vez verificada a existência de bilateralidade, da razoabilidade económica dos montantes exigidos a título de taxa.
De resto, isso mesmo resulta do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) ao impor que os valores constantes das tabelas de taxas municipais sejam fixados com base numa “fundamentação económico-financeira” que contenha, designadamente, “os custos directos e indirectos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local”, sob pena de nulidade dessas normas (cfr. artigo 8.º, n.º 2, al. c do RGTAL). Exigência que, uma vez mais, limita o controlo judicial à verificação ou não da existência daquele estudo fundamentador do montante das taxas e aos pressupostos da sua validade. Já o respectivo conteúdo, ou seja, os pressupostos extrajurídicos (económicos, financeiros e contabilísticos) em que assenta a determinação ou modo de cálculo das taxas (controlado e fiscalizado por entidades com competência para o efeito), consubstancia, em regra, um limite funcional ao controlo judicial, o qual fica reservado para situações de contradições, incongruências, deficiências patentes e resultados manifestamente excessivos à luz do conhecimento comum, o que no caso concreto não se verifica.
O limite funcional do controlo que em sede judicial se pode realizar ao montante exigido a título de taxas fica, de resto, bem patente nos argumentos que complementarmente o recorrente carreou para a oposição, demonstrando a disparidade de valores que esta taxa alcança nos diferentes municípios. Essas disparidades mostram que cada autarquia adopta uma estrutura de custos a repercutir diferente e que será também diferente o nível de custos que este licenciamento representa para cada uma delas, não sendo possível inferir daí, como pretende a recorrente, que a disparidade é apenas fruto de uma arbitrariedade e não sendo o controlo jurídico-normativo o adequado para aquilatar da correcção ou incorrecção dessas diferenças.
Sucede que quando as taxas aqui em apreço foram liquidadas (Janeiro de 2010, segundo o ponto 11 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida) ainda decorria o período transitório para a adaptação dos regulamentos municipais ao RGTAL (cfr. Artigo 17.º do RGTAL) e, por isso, não era exigível o estudo económico financeiro fundamentar do montante da taxa, pelo que o controlo de proporcionalidade que aqui podemos fazer é apenas o mencionado controlo de razoabilidade.
Ora, o montante de global de € 95.199,27 exigido pelo Município do Montijo a título de taxa pelo licenciamento das infra-estruturas de comunicações instaladas, não se afigura manifestamente excessivo, atendendo, desde logo, ao número de infra-estruturas a licenciar e à complexidade do procedimento. Como também não se afigura desrazoável (globalmente desproporcionada) a unidade de medida da taxa constante do já mencionado n.º 33 do Quadro VI do Anexo ao Regulamento de 2006 (€ 155,00/por metro quadrado de área ocupada pelas antenas de telecomunicações e instalações anexas).
Por essa razão, em suma, o acto de liquidação não enferma também de ilegalidade por ser desproporcionado o respectivo valor relativamente à contraprestação (actividades municipais desenvolvidas no âmbito do procedimento de licenciamento ou autorização das infra-estruturas de comunicações).

Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
- A liberalização do mercado de prestação de serviços comunicações, assente no modelo de concorrência entre redes, ressalvou expressamente o controlo municipal prévio (licenciamento ou autorização) da instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios;
- Apesar de terem sido aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro normas procedimentais especiais para a autorização municipal de instalação e funcionamento das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respectivos acessórios (normas com intuitos uniformizadores das práticas que haviam sido adoptadas pelos municípios), a verdade é que na base destes procedimentos de controlo administrativo prévio por parte dos municípios estão, essencialmente, actividades equivalentes a operações urbanísticas, ou seja, à verificação dos requisitos referentes à implantação no solo e em edifícios daquelas infra-estruturas;
- Não é, por isso, formalmente inconstitucional a norma inserida no regulamento municipal de urbanização e edificação que contemple a taxa devida pelo licenciamento e autorização daquelas infra-estruturas, sem que dele conste uma referência expressa ao mencionado Decreto-Lei n.º 11/2003, desde que regulamento contenha expressamente a referência às leis habilitantes do poder exigir taxas pelos autos autorizativos em matéria urbanística;
- A taxa devida como contraprestação do procedimento de controlo municipal prévio (licenciamento ou autorização) da instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios tem uma estrutura bilateral e uma contrapartida específica bem identificada e fundamentada na protecção de interesses públicos locais, pelo que não enferma de inconstitucionalidade orgânica a norma do regulamento municipal que prevê a sua liquidação e cobrança;
- O controlo judicial da proporcionalidade do montante das taxas é sempre baseado num juízo global de razoabilidade (proporcionalidade em sentido amplo) do montante exigido e não numa específica verificação de custos imputados, como seria típico de um controlo no âmbito da regulação económica dos preços.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Lisboa, 4 de Dezembro de 2019. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.