Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02515/21.8BEPRT
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IDENTIDADE DA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DE SITUAÇÃO DE FACTO
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EMPREITADA
PLANO DE TRABALHOS
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152º do CPTA, só é admissível quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, o que pressupõe situações fácticas substancialmente idênticas.
II - Não há contradição sobre a mesma questão fundamental de direito quando as soluções divergentes foram assumidamente determinadas pela diferenciação dos pressupostos de facto sobre que recaíram e não por diversa interpretação dos mesmos critérios legais.
III - Tal é o que sucede entre dois acórdãos que, embora divergindo nas soluções - entendendo-se, num caso, que o plano de trabalhos não preenchia os requisitos legais necessários definidos nos artigos 43º nº 4 b), 57º nº 2 b) e 361º do Código dos Contratos Públicos em conjugação com as exigências das peças procedimentais, e, no outro caso, que a alegada incompletude do plano de trabalhos não era, “in casu”, motivo de exclusão da proposta -, assentaram expressamente as respetivas decisões nas diferentes situações fácticas em presença.
Nº Convencional:JSTA000P30273
Nº do Documento:SAP2022112402515/21
Data de Entrada:09/21/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE ALBERGARIA-A-VELHA, NA PESSOA DO SEU LEGAL REPRESENTANTE
Recorrido 1:A............, LDA. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “MUNICÍPIO DE ALBERGARIA-A-VELHA”, Réu na presente ação de contencioso pré-contratual, contra si (e contra a Contrainteressada “B…………, Lda.”) proposta pela Autora “A…………, LDA.”, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 152º do CPTA, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, do Acórdão proferido, nos autos, em 14/7/2022, pela referida Secção, o qual, negando provimento aos recursos de revista interpostos por si e pela Contrainteressada, manteve o Acórdão proferido pelo TCAN em 25/3/2022 (cfr. fls. 467 e segs. SITAF), que confirmou a sentença do TAF/Porto (JCP) de 14/1/2022 (cfr. fls. 233 e segs. SITAF), a qual anulara o ato de adjudicação da empreitada “Centro de Saúde de Albergaria-a-Velha” à proposta da Contrainteressada “B…………, Lda.” e o consequente contrato celebrado, e condenou o Réu Município de Albergaria-a-Velha a proferir decisão de exclusão da proposta dessa Contrainteressada e a proceder à adjudicação à proposta da Autora “A…………”, seguindo-se os demais trâmites no sentido da habilitação e, caso nada a tal obste, à celebração do contrato.

2. Para tanto, alega que o referido Acórdão proferido pela Secção de C.A. deste STA se encontra em “manifesta contradição”, quanto à “mesma questão fundamental de direito”, com o julgado em Acórdão antes proferido, em 3/12/2020, pela mesma Secção deste STA, no processo 02189/19.6BEPRT – que indica, pois, como “Acórdão fundamento”.

3. Rematou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 637 e segs. SITAF):

«I
1ª- Por acórdão de 14-07-2022 (acórdão recorrido), já transitado, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que as insuficiências ou deficiências dos planos de trabalho apresentados com as propostas não podem ser reconduzidas a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis, implicando a exclusão da proposta.
2ª- Por acórdão de 3.12.2020 (acórdão fundamento), também já transitado, o STA decidiu que a não apresentação dos planos exigidos na proposta só pode levar à exclusão de uma proposta quando, na situação concreta em que a questão se coloque, se comprove que a sua falta contende com a avaliação da mesma ou que resulte do caderno de encargos a sua essencialidade.
II
3ª- Nestes dois acórdãos o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em sentidos diametralmente divergentes sobre a mesma questão fundamental de direito.
4ª- As normas jurídicas interpretadas e aplicadas são as mesmas: os artigos 57º/2, al. b), 70º/2, a) e f), 72º/1, 146º/2, d) e 361º/1, em conjugação com o artigo 43º, todos do Código dos Contratos Públicos.
5ª- Este Supremo Tribunal já por algumas vezes entendeu que a situação fáctica dos dois acórdãos é substancialmente a mesma, não obstante num (acórdão fundamento) o modo de execução de trabalhos estar submetido à concorrência e a avaliação, e no outro (acórdão recorrido) o critério de adjudicação ser apenas o mais baixo preço.
6ª- A circunstância de o plano de trabalhos estar também sujeito a avaliação não altera a sua função inicial de termo ou condição. Se, depois disso, é também (na fase de avaliação) um atributo, sujeito a avaliação, isso não desconsidera a função que inicialmente desempenha, na fase de análise das propostas.
7ª- O sentido das normas dos artigos 361º/1 e 43º/4, b) do CCP não se altera, consoante o plano de trabalhos seja ou não um atributo, submetido à concorrência, e portanto a avaliação.
8ª- Seria de todo incongruente que num concurso (em que o modo de execução dos trabalhos está submetido a avaliação), um plano de trabalhos incompleto tivesse um tratamento (a admissão da proposta, e eventualmente a adjudicação), e noutro concurso (em que o preço é o único critério de adjudicação), um plano de trabalhos com as mesmas insuficiências tivesse outro tratamento (a exclusão da proposta).
III
9ª- A jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo vai no sentido do acórdão fundamento: Ac.STA de 7.10.2021 (proc. nº 0188/21.7BEAVR); de 27.01.2022 (proc nº 917/21.9BEPRT); de 23.06.2022 proc. 1946/20.5BELSB – apenas sobre o plano de equipamentos); Ac.STA de 14.07.2022 (proc. nº 627/20.4BEAVR).
10ª- No sentido do acórdão recorrido, o Ac.STA de 14.06.2018 (Proc nº 395/18) e o AcSTA de 7.04.2022 (proc nº 1513/20.3BELSB).
IV
11ª- Segundo o artigo 70º/2, a) CCP, a exclusão radical da proposta está prevista apenas para a falta dos documentos referidos nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 57º - assim ressalvando a falta dos documentos referidos no nº2 do artigo 57º.
12ª- Para a falta dos documentos referidos no nº 2 do artigo 57º (plano de trabalhos e cronograma financeiro), prevê-se que o júri proponha, fundamentadamente, a sua exclusão.
13ª- Se o legislador pretendesse que as faltas dos documentos referidos no nº 1 e no nº 2 do artigo 57º tivessem a mesma sanção (uma exclusão radical), tê-lo-ia dito no nº 2 do artigo 70º - e não o disse.
14ª- O labor de interpretação e de preenchimento de hipotéticas omissões e incompletudes dos elementos que hão-de integrar o contrato não pode deixar de ser assumido, em homenagem à salvaguarda da concorrência e da satisfação do interesse público, evitando-se a exclusão de propostas por eventuais vícios formais, que podem ser sanados por outras cláusulas contratuais e pela lei.
15ª- A celebração de um contrato integrado por um plano de trabalhos incompleto não viola quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, porque a lei prevê instrumentos que suprem eventuais insuficiências - o plano de trabalhos ajustado e os poderes de direcção e de modificação unilateral do contrato.
16ª- A previsão legal, expressamente assumida pelo CCP, de poderes de direcção e modificação unilateral do contrato, parte da configuração de um regime autoritário do contrato administrativo, centrado na preocupação de investir a Administração na titularidade de um estatuto de autoridade no âmbito das suas relações contratuais.
17ª- Tal previsão legal expressa de amplos poderes de direcção e modificação assenta no propósito de submeter os contraentes privados, no âmbito da relação contratual, a um estatuto de sujeição ou subordinação, ao qual corresponde um estatuto de supremacia jurídica do contraente público.
18ª- A exclusão de uma proposta reduz a concorrência, pelo que as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível leque de propostas.
19ª- Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva, e menos ainda, analógica.
20ª- Tal como na avaliação das propostas, saber se o nível de detalhe do plano de trabalhos é ou não o nível adequado para assegurar a boa execução da obra e o cumprimento dos seus prazos contratuais é matéria de avaliação pela entidade adjudicante, sobre a qual não cabe aos Tribunais pronunciar-se.
21ª- A pronúncia, por antecipação, sobre a adequabilidade dos meios disponíveis às futuras tarefas de fiscalização e acompanhamento, envolve juízos valorativos quanto à execução da obra, que são próprios da função administrativa, reservados à entidade adjudicante.
22ª- É a Administração que controla os instrumentos de fiscalização, nomeadamente os que decorrem dos documentos da proposta, pois só ela irá avaliar, acompanhar e fiscalizar a execução da obra, pelo que só ela, e não o tribunal, pode ajuizar antecipadamente da sua suficiência, dispondo sempre da alternativa de impor modificações e de dirigir injunções ao adjudicatário.
23ª- Com vista à futura fiscalização da execução da obra, a Administração dispõe de toda a autonomia técnica para aferir se os documentos da proposta (nomeadamente o plano de trabalhos) são os suficientes para o seu acompanhamento e fiscalização: só a Administração é que sabe como, quando e com o quê exercerá a fiscalização.
24ª- E se, no seu entender (o único que interessa, porque é o agente da fiscalização), os elementos não são suficientes, pode pedir os esclarecimentos ou, em fase de execução, pode dirigir ao adjudicatário as injunções que achar oportunas.
25ª- Aos tribunais não cabe o papel de contar os equipamentos e o pessoal adstrito à execução, nem de conferir o encadeamento das tarefas, não tendo que se pronunciar (nem podendo) sobre a sua eventual inadequação.
26ª- Os tribunais administrativos não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa.
27ª- O tribunal não pode, não só porque a lei o não contempla, mas também porque o exige o princípio constitucional da separação de poderes, excluir uma proposta, por entender que o plano de trabalhos não permite a fiscalização e acompanhamento da obra, porque estas são de tarefas de que a Administração está investida, pelo que só ela ajuizará, em cada caso concreto, se os meios propostos e a integrar no contrato são os suficientes.
28ª- No acórdão recorrido fez-se errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 57º/2, al. b), 70º/2, al a) e f), 72º/1, 146º/2, d) e 361º em conjugação com o artigo 43º, e desconsiderou-se o que está previsto nos artigos 302º a 305º, todos do CCP, e no artigo 3º/1 CPTA.

NESTES TERMOS
- Uniformizando-se a jurisprudência no sentido em que o acórdão fundamento decidiu, isto é, que a imperfeição do plano de trabalhos não é motivo de exclusão da proposta, podendo o júri pedir esclarecimentos e impor modificações,
- e anulando-se o acórdão recorrido,
se fará JUSTIÇA!».

4. Não foram apresentadas contra-alegações (cfr. fls. 686 e fls. 687 SITAF).

5. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA emitiu parecer (cfr. fls. 695 e segs. SITAF) no qual se pronunciou pela não admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência, pois que «não se mostra verificada a alegada contradição de acórdãos, atenta a diversidade do quadro factual subjacente aos mesmos, pelo que não ocorre identidade de questão fundamental de direito decidida, não se encontrando, pois, reunidos os requisitos legais previstos no art. 152º do CPTA para a uniformização de jurisprudência».

E fundamentou esta conclusão referindo, designadamente, que:

«(…) – 4 – (…) Na verdade, como o próprio recorrente reconhece, no âmbito do acórdão fundamento o plano de trabalhos constituía atributo sujeito à concorrência, enquanto que, no âmbito do acórdão recorrido, o plano de trabalhos não estava sujeito à concorrência, sendo o único critério de adjudicação o do preço mais baixo.

Este elemento de facto determina necessariamente a apreciação jurídica formulada em cada um dos acórdãos, e, em consequência, as respetivas decisões.

O próprio acórdão recorrido salienta precisamente a disparidade da situação de facto relativamente a um outro acórdão invocado pela recorrente, referindo expressamente o seguinte:
E não têm razão as Recorrentes quando alegam que a decisão recorrida viola a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vertida no acórdão de 27 de Janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 0917/21.9BEPRT, pois o que estava ali em causa era uma situação distinta em que o plano de trabalhos (a execução do contrato) constituía um elemento também sujeito à concorrência, o que não sucede aqui”.

Ora, do mesmo modo, tal como no acórdão proferido no Proc. 917/21.9BEPRT, também no acórdão fundamento invocado pelo recorrente se verifica que o plano de trabalhos aí em causa constituía elemento submetido à concorrência, o que não sucede na situação do acórdão recorrido, em que é o preço o único aspeto submetido à concorrência.

Veja-se ainda, nesta matéria, o recentíssimo acórdão deste STA proferido em 08/09/2022, Proc. nº 399/21.5BEAVR, em cuja fundamentação se sublinhou o seguinte :

2.3. Em relação ao erro de julgamento, cabe sublinhar que a questão em apreço – saber os requisitos que têm necessariamente que constar do Plano de Trabalhos (artigo 361.º do CCP) apresentado com a proposta artigo 57.º do CCP, sob pena de exclusão da mesma – tem sido objeto de inúmera jurisprudência recente deste STA, como se deixou consignado no acórdão de 14 de Julho de 2022 (proc. n.º 2515/21.8BEPRT), jurisprudência da qual se pode inferir o seguinte: “i) a de que o plano de trabalhos é, simultaneamente, um elemento essencial ao controlo da execução da obra e, nessa medida, um elemento de comparabilidade entre as propostas (artigo 361.º do CCP); ii) em razão da primeira função – de garantia do controlo de execução da obra – ele tem de incluir todos os elementos exigidos pela lei (artigo 361.º, n.º 1 do CCP) e preencher todas as características (nível de densidade) às quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule [artigo 57.º, n.º 1, al c) do CCP], pois esse nível de “pré-definição” da execução do contrato não submetido à concorrência (artigo 42.º, n.º 5 do CCP) é um elemento de perfeição da proposta, que, quando não verificado, leva à exclusão da mesma [artigo 70.º, n.º 2, al. a) do CCP]; iii) para além deste nível de pré-definição da execução do contrato exigido pela lei e pelo caderno de encargos, e quando este aspeto (o da execução do contrato) for também concebido no programa do concurso como um fator submetido à concorrência, a insuficiência ou incompletude do plano de trabalhos tem de ser tratada como um fator de avaliação da proposta e não como um critério de perfeição (exclusão) da mesma, pois aqui o que está em causa é “escolher” também o plano de execução dos trabalhos mais vantajoso.
Desta jurisprudência recente resulta igualmente claro que são os aspetos da casuística (os elementos especiais de cada caso, quer no que respeita às exigências do programa de concurso e do caderno de encargos, quer no tocante ao modo como em concreto cada proposta é apresentada) que determinam a solução do litígio. Os elementos essenciais do caso são determinantes neste particular litígio para identificar a solução do diferendo”.

No caso dos autos, o acórdão recorrido e o fundamento estão, nitidamente, baseados em situações de facto distintas, pelo que tem de concluir-se pela inexistência de identidade da questão de direito decidida em cada um deles.

(…) - 5 - Acresce ainda que a orientação perfilhada no acórdão recorrido se encontra de acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, na qual se distingue a solução adotada tendo em conta cada uma das diferentes situações de facto visadas: decidindo no sentido do acórdão fundamento quando o plano de trabalhos constitui atributo da proposta, submetido à concorrência; decidindo no sentido do acórdão recorrido quando o plano de trabalhos não constitui atributo da proposta, não se encontrando submetido à concorrência (como resulta claramente dos acórdãos citados pelo recorrente em ambas as vertentes)».

6. Submetido este parecer a contraditório, nos termos do art. 146º nº 2 do CPTA, não obteve resposta (cfr. fls. 405 e 406 SITAF).

7. Concedidos vistos, cumpre apreciar e decidir em Conferência.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. Nos termos do disposto no art. 663º nº 6 do CPC, aplicável “ex vi” dos arts. 1º e 140º nº 3 do CPTA, dão-se aqui por reproduzidos os factos relevantemente dados como provados nos Acórdãos recorrido e fundamento.
*

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. O recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no art. 152º do CPTA, tem como requisitos de admissão:

a) Existência de decisões contraditórias entre Acórdãos do STA ou deste e dos TCA’s ou entre Acórdãos dos TCA’s;
b) Contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”;
c) Verificação do trânsito em julgado quer do Acórdão recorrido quer do Acórdão fundamento (a qual se presume – art. 688º nº 2 do CPC), e da dedução do recurso no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do Acórdão recorrido;
d) não conformidade da orientação adotada no Acórdão recorrido com a jurisprudência mais recente consolidada do STA (cfr. nºs 1, 2 e 3 do referido art. 152º do CPTA).

Estes requisitos são de exigência cumulativa, pelo que o não preenchimento de qualquer deles impõe a não admissão do recurso.

10. Nos termos do nº 2 do aludido art. 152º do CPTA, «a petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrida».

Por outras palavras, nesta espécie de recurso, o Recorrente deve, nas suas alegações, alegar, precisa e circunstanciadamente: a contradição decisória sobre a mesma questão fundamental de direito; e os aspetos da identidade (de quadros normativos, substantivos ou processuais, e dos respetivos pressupostos de facto) que determinam a contradição alegada.

Ora, no presente recurso, o Recorrente identificou, nas suas alegações, a “questão fundamental de direito” sobre a qual alega verificar-se contradição decisória entre o Acórdão recorrido (da Secção de C.A. deste STA) e o Acórdão que indica como fundamento (anterior, também da Secção de C.A. deste STA).

Fê-lo da seguinte forma, nas suas próprias palavras (cfr. ponto 3 das alegações):

«Nestes dois acórdãos, o STA decidiu em sentidos “diametralmente divergentes” (AcSTA de 19.05.2022, proc. nº 627/20.4BEAVR):
Num, a insuficiência do plano de trabalhos não é motivo de exclusão da proposta.
No outro, as deficiências do plano de trabalho não podem ser reconduzidas a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis – levando à exclusão da proposta.
E mais do que decisões divergentes, existe entre ambas uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, tal como o exige o artigo 152º/1 CPTA».

E, nas suas conclusões 1ª, 2ª e 3ª sintetizou assim a sua alegação de contradição entre os Acórdãos:

«1ª- Por acórdão de 14-07-2022 (acórdão recorrido), já transitado, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que as insuficiências ou deficiências dos planos de trabalho apresentados com as propostas não podem ser reconduzidas a situações de meras irregularidades posteriormente supríveis, implicando a exclusão da proposta.
2ª- Por acórdão de 3.12.2020 (acórdão fundamento), também já transitado, o STA decidiu que a não apresentação dos planos exigidos na proposta só pode levar à exclusão de uma proposta quando, na situação concreta em que a questão se coloque, se comprove que a sua falta contende com a avaliação da mesma ou que resulte do caderno de encargos a sua essencialidade.
3ª- Nestes dois acórdãos o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em sentidos diametralmente divergentes sobre a mesma questão fundamental de direito».

E, a final, pede que, relativamente a tal questão de direito contraditoriamente decidida, se uniformize jurisprudência no sentido do Acórdão fundamento, isto é, estabelecendo-se que “a imperfeição do plano de trabalhos não é motivo de exclusão da proposta, podendo o júri pedir esclarecimentos e impor modificações”.

11. Sucede, porém, que, atentamente analisados ambos os Acórdãos, não é possível concordar com o Recorrente e concluir pela existência de verdadeira “contradição” entre os dois arestos em causa quanto à questão fundamental de direito invocada.

E isto, por duas razões cumulativas:

Em primeiro lugar porque, como ressalta dos Acórdãos em confronto, e por eles mesmos foi salientado – e como é sublinhado no parecer do Ministério Público –, assentaram eles em matéria de facto diferente (concretamente, correspondendo num caso, mas já não no outro, o plano de trabalhos exigido, a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência), sendo certo que esta diferença fáctica foi expressamente invocada como razão, ou fundamento, determinante das decisões neles adotadas.

Para além disto, e em segundo lugar, porque, como também os Acórdãos em confronto expressamente salientaram, a suficiência, ou a insuficiência, do conteúdo exigido nos planos de trabalho a apresentar com as propostas há-de resultar das caraterísticas próprias e específicas de cada contrato a celebrar, nomeadamente da importância, natureza e/ou complexidade da obra pública a empreender.

Vejamos estas duas razões.

12. Lê-se no Acórdão recorrido (onde o plano de trabalhos não era um elemento submetido à concorrência):

«(…) Podemos extrair das decisões antes mencionadas, com relevância para a questão que nos cumpre decidir, as seguintes premissas:
(…) iii) para além deste nível de pré-definição da execução do contrato exigido pela lei e pelo caderno de encargos, e quando este aspeto (o da execução do contrato) for também concebido no programa do concurso como um fator submetido à concorrência, a insuficiência ou incompletude do plano de trabalhos tem de ser tratada como um fator de avaliação da proposta e não como um critério de perfeição (exclusão) da mesma, pois aqui o que está em causa é ″escolher″ também o plano de execução dos trabalhos mais vantajoso.
(…) Transpondo estas premissas para o caso dos autos
(…) A questão que se colocou e a que as instâncias responderam nas decisões precedentes foi, portanto, a de saber se o plano de trabalhos apresentado pela contrainteressada preenchia os atributos legais necessários tal como definidos pelo artigo 361.º do CCP em conjugação com as exigências das peças processuais, tendo em conta que o plano de trabalhos não era, neste caso, um elemento submetido à concorrência, pelo que a decisão neste caso seria apenas de perfeição da proposta e admissão ou de não cumprimento das exigências legais e exclusão» (sublinhados nossos).

Por sua vez, expressou-se no Acórdão fundamento (onde, contrariamente ao caso dos presentes autos, o plano de trabalhos era um elemento submetido à concorrência):

«A apreciação de subfactores submetidos à concorrência, relativos à execução do contrato de empreitada, que no aspeto da sua avaliação, são pontuados na sua muito insuficiência não são manifestamente elementos suscetíveis de conduzirem à exclusão da proposta quer nos termos do artigo 146.º, n.º 2, al. d) do CCP quer nos termos do artigo 70.º, n.º 2 do mesmo CCP.
(…) Resulta do exposto que no âmbito do procedimento de formação de um contrato de empreitada de obra pública, todos os concorrentes devem indicar nas respetivas propostas, para além das declarações ou elementos referidos no n.º 1 do art.º 57.º do CCP, um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução e isso independentemente dessa exigência constar ou não do Programa do Procedimento. [cfr. n.º 2 do art.º 57.º].
Sendo obrigatória tal apresentação, importa aferir das consequências que resultam da incompletude na apresentação nos termos previstos nos supra referidos preceitos legais, designadamente, se tal falta conduz imediatamente à exclusão da proposta, como se entendeu na decisão recorrida.
(…) Ora, a falta de elementos que, em sede de avaliação, são pontuados na sua muito insuficiência não são manifestamente elementos suscetíveis de conduzirem à exclusão da proposta quer nos termos do artigo 146.º, n.º 2, al. d) do CCP quer nos termos do artigo 70.º, n.º 2 do mesmo CCP.
Se os planos apresentados são muito insuficientes e ainda assim são pontuados e avaliados, tal significa que, e porque estão em causa elementos relacionados com a execução do contrato, haverá ao longo do procedimento momento para uma maior densificação dos planos.
Dizer que uma proposta com estes planos muito insuficientes é avaliada e uma em que falte parte dos mesmos é excluída, sem mais, fere a lógica do procedimento.
Partindo do enquadramento legal que enunciámos e do supra exposto, consideramos que uma racional interpretação da lei, tendo em conta os elementos histórico, sistemático, teleológico e a unidade do sistema jurídico, nos leva a considerar que a não apresentação dos referidos elementos aqui em causa só pode levar à exclusão de uma proposta caso, na situação concreta em que a questão se coloque, se comprove que a sua falta contende com a avaliação da proposta».

Cremos que estas passagens dos dois Acórdãos em confronto são suficientes para demonstrar não só a diferente realidade fáctica dos dois casos – a circunstância de o plano de trabalhos não constituir um elemento submetido à concorrência no caso do Acórdão recorrido e de, pelo contrário, constituir um elemento submetido à concorrência no caso do Acórdão fundamento -, como a relevância determinante que esta diferença assumiu para as decisões em cada caso tomadas.

12.2 Que esta aludida diferença fáctica patentemente se verifica admite-o o próprio Recorrente, que, não obstante, pugna pela sua irrelevância, questionando: «Esta diferença afasta a identidade fáctica?» (cfr. ponto 4.2 das suas alegações).

E alega que não, porquanto este STA «já entendeu (ou deu a entender) que estas diferenças não afastam a identidade fáctica substancial», citando Acórdãos de 7/10/2021 (0188/21) e de 19/5/2022 (0627/20).

Mais diz que, no seu entender (do Recorrente), «o sentido das normas dos artigos 361º/1 e 43º/4, b), do CCP, não se altera consoante o plano de trabalhos seja ou não um atributo submetido à concorrência, e portanto a avaliação».

Mas o Recorrente parece olvidar que não está aqui em causa, nem em discussão, saber se os Acórdãos em confronto (recorrido e fundamento) decidiram bem ou mal ao entenderem que a circunstância de o plano de trabalhos constituir, ou não, elemento submetido à concorrência releva para a decisão sobre as consequências das suas eventuais incompletudes.

Pelo que é de todo despiciendo o que o Recorrente entende sobre a questão ou, mesmo, o que outras decisões do STA – que não as duas ora em confronto – entenderam sobre o assunto.

O que aqui interessa averiguar e decidir – ao menos neste momento liminar - é se existe entre os dois Acórdãos em confronto verdadeira contradição na resolução da questão fundamental de direito que vem invocada: as consequências da apresentação de um plano de trabalhos tido por insuficiente.

E já vimos que não, pois que as situações fácticas eram diferentes e que esta diferença foi considerada relevante para as decisões alcançadas, como elas próprias claramente expressaram.

E o Acórdão recorrido afasta todas as dúvidas que ainda pudessem restar sobre a relevância que assumiu, para a decisão, essa “situação fáctica distinta”, ao rematar esclarecidamente nos seguintes termos:
«E não têm razão as Recorrentes quando alegam que a decisão recorrida viola a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vertida no acórdão de 27 de Janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 0917/21.9BEPRT, pois o que estava ali em causa era uma situação distinta em que o plano de trabalhos (a execução do contrato) constituía um elemento também sujeito à concorrência, o que não sucede aqui».

Aliás, de uma forma semelhante se expressou o Acórdão fundamento:
«(…) E é neste ponto que a realidade fática dos presentes autos se distingue da referida no Ac. STA 0395/18 de 14/6/2018.
(…) O plano de trabalhos é, pois, naquele acórdão um atributo da proposta não submetido à concorrência.
O que não acontece no caso sub judice».

12.3 Acresce, por outro lado, e em segundo lugar, que a suficiência, ou a insuficiência, do conteúdo exigido nos planos de trabalho a apresentar com as propostas há-de resultar das caraterísticas próprias e específicas de cada contrato a celebrar, nomeadamente da importância, natureza e/ou complexidade da obra pública a empreender. Tanto mais que, para além das exigências legais (arts. 43º nº 4 b), 57º nº 2 b) e 361º nº 1 do CCP), relevam, em cada caso, as exigências das peças procedimentais, específicas e próprias de cada concurso.

Por isso, no Acórdão recorrido se sublinha este casualismo, ao dizer-se que:
«A questão que se colocou e a que as instâncias responderam nas decisões precedentes foi, portanto, a de saber se o plano de trabalhos apresentado pela contrainteressada preenchia os atributos legais necessários tal como definidos pelo artigo 361.º do CCP em conjugação com as exigências das peças processuais» (sublinhado nosso).

E também no Acórdão fundamento não deixou de se frisar a importância do “caso concreto”, ao referir-se que:
«A não apresentação dos planos de trabalhos exigidos na proposta só pode levar à exclusão de uma proposta quando, na situação concreta em que a questão se coloque, se comprove que a sua falta contende com a avaliação da mesma ou que resulte do caderno de encargos a sua essencialidade».

13. Em face de tudo o exposto, entendemos não se verificar entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento a necessária contradição sobre a questão fundamental de direito invocada pelo Recorrente, uma vez que os arestos se sustentaram em distintas situações fácticas, com assumida relevância determinante para as respetivas decisões.

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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Declarar não verificada a alegada contradição de julgamentos e, em consequência, em não tomar conhecimento deste recurso para uniformização de jurisprudência.

Custas a cargo do Réu/Recorrente “Município de Albergaria-a-Velha”.

D.N. (sem cumprimento do disposto no nº 4, “in fine”, do art. 152º do CPTA).

Lisboa, 24 de novembro de 2022. – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Cláudio Ramos Monteiro.