Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0302/11
Data do Acordão:07/06/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:SENTENÇA
NOTIFICAÇÃO
ADVOGADO
SOLICITADOR
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário:I – Sendo o valor do processo superior ao décuplo da alçada do tribunal tributário, de 1ª instância, é obrigatória a constituição de advogado em processo judicial tributário (artº 6º, nº 1 do CPT).
II – Não obstante estar também constituído solicitador como mandatário do contribuinte, é o advogado que deve ser notificado da sentença final proferida em processo de oposição à execução fiscal, pois é a ele que compete apreciar juridicamente a sentença de modo a melhor poder defender os interesses do seu constituinte.
III – Isto mesmo resulta do disposto no artº 40º do CPPT, onde na designação de mandatário não pode deixar de estar abrangida a figura do advogado.
IV – Deste modo, não é aplicável em processo judicial tributário o disposto no artº 253º, nº 3 do CPC.
Nº Convencional:JSTA00067077
Nº do Documento:SA2201107060302
Data de Entrada:03/29/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF LISBOA DE 2010/10/07.
PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART6 N ART40 N2.
CPC96 ART201 ART253 N3.
CONST97 ART268 N3.
ETAF02 ART6 N2.
LOFTJ03 ART24 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. – A…, melhor identificado nos autos, veio recorrer do despacho do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, proferido em 07.10.2010 (fls. 63/68), que julgou improcedente o seu pedido de nulidade de notificação de sentença ao seu mandatário (solicitador), apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) O despacho recorrido viola o disposto no art. 40º e artº. 2° do CPPT, ao aplicar subsidiariamente o artº. 253°, n.º 3 do CPC, ainda para mais, por o interpretar no sentido de que o mesmo permite a notificação ao solicitador de actos em que estão em causa questões de direito.
B) No que concerne às notificações aos mandatários, não existe nenhum caso omisso que justifique a aplicação do artº. 253°, n.º 3 do CPC.
C) O legislador regulou expressa e exaustivamente esta matéria no CPPT aprovado pelo DL 433/99, não tendo, de forma consciente e intencional, absorvido a norma contida no artº. 253°, n.º 3 do CPC introduzida pelo DL 457/90 de 10.10.
D) Isto porque, o direito à notificação do administrado é um direito constitucional consagrado no art. 268°, n.º 3 da CRP.
E) A interpretação do artº. 40º do CPPT no sentido de que existe um caso omisso - ou falta de regulamentação específica - quanto às notificações no caso de a parte estar representada simultaneamente por advogado e solicitador que justifica a aplicação subsidiária, ex vi do artº. 2° do CPPT, do disposto no artº. 253°, n.º 3 do CPC, é inconstitucional por violação do artº. 268°, n.º 3 da CRP, por corresponder a uma limitação não autorizada ou justificada do direito constitucional do administrado à notificação.
F) A notificação da decisão final à solicitadora consiste na prática de um acto que a lei não prescreve e na consequente omissão de outro que a lei ordena, a notificação nos termos do artº. 40° do CPPT, tudo com clara influência no processo, porque põe em causa o próprio princípio do contraditório, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10.08.2002, relator Francisco Rothes, proc. 6841/2002, disponível in www.dgsi.pt.
G) Pelo que a referida notificação é nula, nos termos do artº. 201° do CPC, ex vi artº. 2°, alínea e) do CPPT, bem como o processado subsequente.
H) Os acórdãos citados pelo despacho recorrido não se referem a processos tributários e não correspondem à posição mais recente dos nossos tribunais, conforme se conclui pelo acórdão da Relação de Guimarães de 18/01/2006 (in http://www.dgsi.pt /jtrg.nsf/c31b530030ea1c61802568d9005cd5bb/4cf8655bf68cfl0980257156004c5b2d?OpenDocument) e o acórdão da Relação de Coimbra de 12.09.2008, processo 520/04.8TBSCD-D.C1, Relator Desembargador Jacinto Meca, disponível in www.dgsi.pt.
I) A decisão da oposição teria sempre que ser necessariamente notificada ao advogado constituído, sob pena de nulidade da mesma por omissão de uma formalidade prescrita por lei
Nestes termos e nos de mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e deve o despacho recorrido ser revogado, fazendo-se, assim, justiça.
2. Em contra alegações, a entidade recorrida veio a concluir da seguinte forma:
Iª)- O despacho recorrido não viola o disposto no art.º 40.° do CPPT, pois havendo uma omissão de uma norma específica no Código de Procedimento e Processo Tributária, teremos que nos socorrer sempre de normas subsidiárias, e no caso em apreço, são as normas do Código de Processo Civil, de acordo com o art.º 2.° al. e) do CPPT.
IIª)- Pois o facto de a notificação da decisão final ter sido feita na pessoa do solicitador e não a nenhum dos advogados constituídos, não confere nenhuma nulidade por omissão de formalidade prescrita na lei,
IIIª)- Reza o n.º 3 do art.º 253° do CPC que: “sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado-estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador.” (negrito e sublinhado nosso) - Vide Acórdão do STJ, no Processo n.º 078714 de 20/12/1990.
IVª) – Relativamente à devolução da notificação da sentença enviada à Sr.ª solicitadora, para a morada que consta da procuração, o Tribunal cumpriu as formalidades legais, uma vez que, até que lhe fosse comunicada a nova morada, o mesmo remete todas as notificações para o escritório ou domicilio indicado, respeitando deste modo a previsão do artº 254º do CPC.
Vª) - Pelo exposto deve a pretensão do Oponente ser indeferida e o despacho recorrido ser mantido na ordem jurídica.
3. O MP emitiu o parecer constante de fls. 70/71, no qual se pronuncia pela revogação da decisão impugnada que deve ser substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
“- procedência da arguição da nulidade
- devolução do processo ao TF Sintra para notificação da sentença ao oponente, na pessoa de qualquer dos mandatários judiciais advogados identificados na procuração.”
4. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
5. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se, estando em processo tributário constituídos como mandatários do contribuinte, advogado e solicitador, a este devem ser efectuadas as respectivas notificações, sem necessidade da notificação do advogado.
5.1. O despacho recorrido pronunciou-se neste sentido, louvando-se no disposto no artº 253º, nº 3 do CPC, que estabelece o seguinte:
“3. Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado-estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial sê-lo-ão sempre na do solicitador”.
Invocou ainda em favor da sua decisão jurisprudência e doutrina (v. fls. 65/66).
5.2. A recorrida Fazenda Pública acompanha a decisão recorrida louvando-se na mesma norma e em jurisprudência do STJ (v, fls. 54).
5.3. Entendimento diverso manifesta o MºPº que, no seu parecer de fls. 70/71, invoca o seguinte:
O artº 40º do CPPT regula as notificações aos mandatários e não prevê a intervenção de solicitadores como mandatários no processo judicial tributário, apesar de o legislador não ignorar o regime do CPC.
Sendo assim, é deliberada a exclusão da intervenção daqueles profissionais no processo judicial tributário, pelo que inexiste lacuna a integrar mediante aplicação supletiva da norma constante do artº 253º, nº 3 do CPC.
De qualquer forma, aquela aplicação supletiva nunca poderia contemplar a notificação da sentença final ao solicitador, quer porque a sentença exprime a solução de diversas questões jurídicas submetidas à apreciação do tribunal, matéria esta vedada ao solicitador, quer porque tal representaria uma violação da garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que coonestaria uma inaceitável restrição ao exercício eficaz do direito de defesa mediante interposição de recurso jurisdicional, para a qual aquele profissional não dispõe de competência legal.
5.4. Finalmente, o recorrente entende que o despacho recorrido viola o disposto no artº. 40º e artº. 2° do CPPT, ao aplicar subsidiariamente o artº. 253°, n.º 3 do CPC, ainda para mais, por o interpretar no sentido de que o mesmo permite a notificação ao solicitador de actos em que estão em causa questões de direito.
Ora, no que concerne às notificações aos mandatários, não existe nenhum caso omisso que justifique a aplicação do artº. 253°, n.º 3 do CPC, já que o legislador regulou expressa e exaustivamente esta matéria no CPPT aprovado pelo DL 433/99, não tendo, de forma consciente e intencional, absorvido a norma contida no artº. 253°, n.º 3 do CPC introduzida pelo DL 457/90 de 10.10.
O direito à notificação do administrado é um direito constitucional consagrado no art. 268°, n.º 3 da CRP, pelo que a interpretação do artº. 40º do CPPT no sentido de que existe um caso omisso - ou falta de regulamentação específica - quanto às notificações no caso de a parte estar representada simultaneamente por advogado e solicitador que justifica a aplicação subsidiária, ex vi do artº. 2° do CPPT, do disposto no artº. 253°, n.º 3 do CPC, é inconstitucional por violação do artº. 268°, n.º 3 da CRP, por corresponder a uma limitação não autorizada ou justificada do direito constitucional do administrado à notificação.
A notificação da decisão final à solicitadora, quando devia ter sido notificado o advogado, consiste na prática de um acto que a lei não prescreve e na consequente omissão de outro que a lei ordena, a notificação nos termos do artº. 40° do CPPT, tudo com clara influência no processo, põe em causa o próprio princípio do contraditório, pelo que a referida notificação é nula, nos termos do artº. 201° do CPC, ex vi artº. 2°, alínea e) do CPPT, bem como o processado subsequente.
Vejamos então qual destes entendimentos, em nosso entender, colhe o apoio legal.
6. Determina o artº 6º, nº 1 do CPPT, o seguinte:
“ARTIGO 6º
Mandato judicial
1. E obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o décuplo da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Central Administrativo”.
Ora, sendo a alçada dos tribunais de comarca 1250 euros, por aplicação do disposto nos artºs 6º, nº 2 do ETAF e 24º, nº 1 da Lei nº 13/99, de 3 de Janeiro, e sendo o valor da causa de montante superior (v. fls. 8), era obrigatória a constituição de advogado nos autos.
Se a lei impõe a constituição de advogado, não faria sentido que depois fosse apenas notificado um solicitador também constituído como mandatário. Daí que, em nosso entender, tivesse de ser notificado um dos advogados constituídos.
Tal conclusão aliás, resulta do artº 40º do CPPT que estabelece o seguinte:
“ARTIGO 40º
Notificações aos mandatários
1. As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório.
2. Quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência.
3. As notificações serão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, podendo estes ser notificados pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal”.
Não distingue esta norma entre mandatário advogado (ou advogado estagiário) e mandatário solicitador, sendo certo que qualquer destes profissionais do foro pode ser constituído como mandatário judicial (artº 5º, nº 2 do CPPT).
Porém, se a lei exige a constituição de advogado, neste caso, o mandatário a notificar tem de ser o advogado, não havendo aqui que aplicar subsidiariamente o nº 3 do artº 253º do CPPT.
Entende-se assim, em consonância com o recorrente e o MºPº que nesta matéria o artº 40º do CPPT não contém qualquer lacuna a preencher pelo citado artº 253º, nº 3 do CPC.
Em face do que ficou dito, não tendo sido notificado o mandatário advogado, estamos perante omissão de notificação de mandatário, o que constitui a nulidade prevista no artº 201º, nº 1 do CPC que conduz à anulação de todos os actos processuais realizados posteriormente àquela omissão.
7. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a baixa dos autos para notificação da sentença ao mandatário - advogado constituído.
Custas pela recorrida neste Supremo Tribunal, uma vez que contra-alegou.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.