Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:067/15
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:MAGISTRADO JUDICIAL
REDUÇÃO REMUNERATÓRIA
ESTATUTO
Sumário:I - O artigo 32º-A, nº1, aditado ao Estatuto dos Magistrados Judiciais pela Lei do Orçamento de Estado de 2011, porque de natureza «transitória» e de vigência «plurianual», não viola a «unicidade de estatuto»;
II - Atenta essa natureza e vigência temporária, bem como as razões e contexto que a ditaram, a «redução remuneratória» feita ao vencimento dos magistrados judiciais não viola o princípio da «independência dos juízes».
Nº Convencional:JSTA000P23440
Nº do Documento:SA120180620067
Data de Entrada:01/20/2015
Recorrente:ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES (ASJP)
Recorrido 1:TRIBUNAL DE CONTAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES [ASJP] - com sede no Edifício ARCIS, rua Ivone Silva, número 6, lote 4, 19º direito, Lisboa - intenta a presente acção administrativa especial [AAE] em representação dos «seus associados» Juízes Conselheiros do Tribunal de Contas – A……………………., B…………….., C…………….., D………….., E………….., e F……………… - contra o TRIBUNAL DE CONTAS [TC], formulando os seguintes pedidos:

a) Anulação dos actos administrativos de «processamento de vencimentos» dos representados pela autora, referentes ao mês de Outubro de 2014, e os entretanto efectuados, ao abrigo do artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09;

b) Condenação do réu a restituir as diferenças remuneratórias que lhes foram retidas ao abrigo da redução remuneratória plasmada nesse preceito legal, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;

c) Declaração de que os representados pela autora têm direito a auferir o seu vencimento sem essa redução remuneratória.

Como causa destes pedidos, invoca a «ilegalidade» dos actos impugnados, que deverão ser «anulados» [artigo 135º do CPA], uma vez que a «norma legal» que eles aplicam [artigo 2º da Lei nº75/2014, 12.09] é inconstitucional por violação do artigo 32º-A do EMJ [aditado pela LOE/2011], por violação da unicidade estatutária do EMJ [aprovado pela Lei nº21/85, de 30.07], por não sujeição da «redução remuneratória» a negociação colectiva [artigo 6º da Lei nº23/98, 26.05], e por violação do «princípio da independência dos juízes» [artigos 203º da CRP, 19º nº1 do TUE e 47º da CDFUE].

A autora sugeriu, desde logo, que fosse suscitado junto do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] «reenvio prejudicial» visando saber se o «princípio da independência dos juízes», tal como decorre dos artigos 19º nº1 do TUE, e 47º da CDFUE, e da jurisprudência do TJUE, deverá ser interpretado no sentido de que se opõe às medidas de redução remuneratória em causa.

2. O demandado TC juntou contestação, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos.

3. O Ministério Público - ao abrigo do artigo 85º do CPTA - veio suscitar a questão da «incompetência material dos tribunais administrativos» para poder conhecer do objecto do presente litígio. Caso sejam considerados competentes, diz, entende que «a acção deve ser julgada procedente».

4. A autora, ASJP, veio defender a improcedência da «questão» suscitada pelo Ministério Público.

5. Foi proferido despacho saneador que julgou como improcedente a questão da «incompetência material dos tribunais administrativos» para conhecer deste litígio, e verificados os demais pressupostos processuais.

6. Na parte final desse despacho, e prevenindo a hipótese de vir a ser suscitado o «reenvio prejudicial», foram as partes processuais convidadas a pronunciar-se quanto à utilidade e termos do mesmo.

7. A este convite apenas respondeu a autora, defendendo a utilidade do reenvio e sugerindo a «questão» a colocar ao TJUE.

8. Uma vez que na causa de pedir desta acção administrativa especial se incluía a alegada violação dos «artigos 19º, nº1, do TUE, e 47º da CDFUE», foi decidido suscitar junto do TJUE «reenvio prejudicial», sendo, em consequência, suspensa a instância nacional.

9. Tal «reenvio prejudicial» veio a obter pronúncia do TJUE através do acórdão que se encontra a folhas 180 a 194 destes autos, e damos por reproduzido.

10. Retomada a instância, foram as partes notificadas para alegações, que não apresentaram.

11. Com dispensa de «vistos», cumpre apreciar e decidir a acção.

II. De Facto

São os seguintes os factos articulados, provados, e pertinentes:

1- Os Juízes Conselheiros Dr. A……………, Dra. B……………., Dr. C…………….., Dr. D……………., Dr. E……………….., e Dr. F…………….., são associados da autora - ver documento de folha 48 dos autos;

2- No mês de Outubro de 2014 receberam, como contrapartida do exercício das suas funções, uma retribuição reduzida e efectuada nos termos do disposto no artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09 - documento de folhas 47;

3- A ASJP não foi convidada a pronunciar-se, nos termos da Lei nº23/98, de 26.05, sobre o diploma que viria a ser aprovado como Lei nº75/2014, de 12.09 - pacífico nos autos;

4- Mas pronunciou-se, nesse termos, sobre as medidas de redução remuneratória incluídas nas LOE/2011, LOE/2012, LOE/2013 e LOE/2014 - pacífico nos autos.

III. De Direito

1. Devidamente ponderado o conteúdo do articulado inicial da ASJP, são quatro as «questões» que se colocam no âmbito desta acção administrativa:

A) Saber se a redução remuneratória operada pelo artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.04, viola o artigo 32º-A do EMJ, aditado pela LOE/2011;

B) Saber se os «actos de processamento de vencimentos» dos ora representados da autora são ilegais, por se traduzirem na aplicação de norma inconstitucional por violar a unicidade do EMJ;

C) Saber se o são por violarem o princípio da independência dos juízes;

D) E, ainda, por violarem o artigo 6º, alínea a), da Lei nº23/98, de 26.05.

2. Sublinhe-se, antes de prosseguir, que as medidas de redução remuneratória, tal como a ínsita no artigo 27º da LOE/2011, também aplicável aos juízes [ver o nº9 alínea f) desse artigo 27º e o artigo 32º-A do EMJ], foram justificadas, nos sucessivos relatórios do Orçamento de Estado do Ministério das Finanças e da Administração Pública [MFAP], por imperativos de consolidação orçamental, tendo em conta, sobretudo, a decisão do Conselho da União Europeia, de 02.12.2009, que exortou o Estado Português a reverter a sua situação de défice excessivo [Relatório do Orçamento de Estado de 2011, Ministério das Finanças e da Administração Pública, disponível em www.portugal.gov.pt, página 26], e foi-lhes atribuído, sempre, carácter transitório.

E, em 09.10.2012, foi recomendado ao Estado Português que corrigisse o défice excessivo até 2014, o mais tardar [Recomendação do Conselho de 18.06.2013, seus considerandos 5 e 6].

Num tal contexto, de correcção de défice excessivo - disciplinado e monitorado pelas «instituições europeias» -, seguido de assistência financeira - concedida e regulada por actos jurídicos europeus - é difícil recusar que as medidas económicas e financeiras tomadas, nomeadamente a contenção da despesa concretizada na redução dos vencimentos dos representados da autora desta acção, o foram no quadro do direito da UE. No mínimo, podemos concluir pela sua origem também europeia.

Daí que, no âmbito da questão C), supra enunciada, uma vez que era invocada, também, a violação dos «artigos 19º, nº1, do TUE, e 47º da CDFUE», se tenha atendido o pedido de reenvio prejudicial formulado pela autora, que deu origem, como dissemos, ao acórdão do TJUE que se encontra a folhas 180 a 194 destes autos.

3. Ainda antes de prosseguir, vejamos o teor das normas legais em causa, e seu respectivo encadeamento.

A Lei nº55-A/2010, de 31.12, que aprovou o «Orçamento do Estado para 2011» [LOE/2011], no seu capítulo III, sobre «Disposições relativas a trabalhadores do sector público», Secção I, sob epígrafe de «Disposições remuneratórias», diz o seguinte:


Artigo 19º

Redução remuneratória


1. A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº9, de valor superior a 1500€, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

[…]

9. O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado:

[…]

f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

[…]

11. O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais em contrário, e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

[…]


Artigo 20º

Alteração à Lei nº21/85, de 30 de Julho


É aditado ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº21/85, de 30 de Julho, o artigo 32º-A, com a seguinte redacção:

Artigo 32º-A

Redução remuneratória


1- As componentes do sistema retributivo dos magistrados, previstas no artigo 22º, são reduzidas nos termos da lei do Orçamento do Estado.

2- Os subsídios de fixação e de compensação previstos nos artigos 24º e 29º, respectivamente, equiparados para todos os efeitos legais a ajudas de custo, são reduzidos em 20%.

[…]

A Lei nº64-B/2011, de 30.12, que aprovou o «Orçamento do Estado para 2012» [LOE/2012], no seu capítulo III, sobre «Disposições relativas a trabalhadores do sector público», Secção I, sob epígrafe de «Disposições remuneratórias», diz o seguinte:


Artigo 20º

Contenção da despesa


1- Durante o ano de 2012 mantêm-se em vigor os artigos 19º […] da Lei nº55-A/2010, de 31.12, alterada pelas Leis nºs 48/2011, de 26.08, e 60-A/2011, de 30.11 […]

[…]

16. O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais em contrário, e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

[…]

A Lei nº66-B/2012, de 31.12, que aprovou o «Orçamento do Estado para 2013» [LOE/2013], no seu capítulo III, sobre «Disposições relativas a trabalhadores do sector público, aquisição de serviços, protecção social e aposentação ou reforma», Secção I, sob epígrafe de «Disposições remuneratórias», diz o seguinte:


Artigo 27º

Redução remuneratória


1. A partir de Janeiro de 2013 mantêm-se a redução das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº9, de valor superior a 1500€, quer estejam em exercício de funções naquela data quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, conforme determinado no artigo 19º da Lei nº55-A/2010, de 31.12, alterada pelas Leis nºs 48/2011, de 26.08, e 60-A/2011, de 30.11, e mantido em vigor pelo nº1 do artigo 20º da Lei nº64-B/2011, de 30.12, alterada pela Lei nº20/2012, de 14.05, nos seguintes termos:

[…]

9. O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado:

[…]

f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

[…]

15. […] o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais em contrário, e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

[…]

A Lei nº83-C/2013, de 31.12, que aprovou o «Orçamento do Estado para 2014» [LOE/2014], no seu capítulo III, sobre «Disposições relativas a trabalhadores do sector público, aquisição de serviços, protecção social e aposentação ou reforma», Secção I, sob epígrafe de «Redução remuneratória», diz o seguinte:


Artigo 33º

Redução remuneratória


1- Durante o ano de 2014 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº9, de valor superior a [euro] 675, quer estejam em exercício de funções naquela data quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

[…]

9- O disposto neste artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal a seguir identificado:

[…]

f) Os juízes do Tribunal Constitucional e os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público e os juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

[…]

15- Salvo o disposto no nº11, o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

Por acórdão do Tribunal Constitucional, de 30.05.2014 - acórdão nº413/2014 -, foi declarada a «inconstitucionalidade, com força obrigatória geral», deste artigo 33º da LOE/2014, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP.

A Lei nº75/2014, de 12.09, veio determinar a aplicação com carácter transitório de reduções remuneratórias e definir os princípios a que deve obedecer a respectiva reversão [artigo 1º, nº1].

No seu artigo 2º, ao abrigo do qual foram reduzidos os vencimentos dos Juízes Conselheiros do TC, aqui representados pela ASJP, a partir de Outubro de 2014, diz, além do mais, o seguinte:

Artigo 2.º

Redução remuneratória

1- São reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº9, de valor superior a 1.500€, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

a) 3,5% sobre o valor total das remunerações superiores a 1.500€ e inferiores a 2.000€;

b) 3,5% sobre o valor de 2.000€ acrescido de 16% sobre o valor da remuneração total que exceda os 2.000€, perfazendo uma redução global que varia entre 3,5% e 10%, no caso das remunerações iguais ou superiores a 2.000€ até 4.165€;

c) 10% sobre o valor total das remunerações superiores a 4.165€.

[…]

9- A presente lei aplica-se aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados:

[…]

f) Os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas e o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

[…]

15- O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

[…]


Artigo 7º

Aplicação


O regime dos artigos 2º e 4º é aplicável para efeitos do disposto nos artigos 38º, 56º, 73º e 94º da Lei nº83-C/2013, de 31.12, alterada pela Lei nº13/2014, de 14.03.

Artigo 8º

Entrada em vigor


A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

[…]

Por fim, e já «durante a pendência da presente acção», a Lei nº159-A/2015, de 30.12 - com efeitos a partir de 01.01.2016 - veio «extinguir a redução remuneratória» prevista na Lei nº75/2014, de 12.09, nos termos do seu artigo 2º, no qual se determina o seguinte:


Artigo 2º

Regime aplicável


A redução remuneratória prevista na Lei nº75/2014, de 12.09, é progressivamente eliminada ao longo do ano de 2016, com reversões trimestrais, nos seguintes termos:

a) Reversão de 40% nas remunerações pagas a partir de 01.01.2016;

b) Reversão de 60% nas remunerações pagas a partir de 01.04.2016;

c) Reversão de 80% nas remunerações pagas a partir de 01.07.2016;

d) Eliminação completa da redução remuneratória a partir de 01.10.2016.

[…]

Acrescentemos ainda, para maior elucidação, o teor dos artigos do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ] - aprovado pela Lei nº21/85, de 30 de Julho - que são referidos no artigo 32º-A que lhe foi aditado pelo artigo 20º da LOE/2011:


Artigo 22º

Componentes do sistema retributivo


1- O sistema retributivo dos magistrados judiciais é composto por: a) Remuneração base; b) Suplementos.

2- Não é permitida a atribuição de qualquer tipo de abono que não se enquadre nas componentes remuneratórias referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 25º [este artigo diz respeito a «despesas de representação»].


Artigo 24º

Subsídio de fixação


Ouvido o Conselho Superior da Magistratura e as organizações representativas dos magistrados, o Ministro da Justiça pode determinar que seja atribuído um subsídio de fixação a magistrados judiciais que exerçam funções nas regiões autónomas e aí não disponham de casa própria.

[…]


Artigo 29º

Casa de habitação


1- Nas localidades onde se mostre necessário, o Ministério da Justiça, pelo Gabinete de Gestão Financeira, põe à disposição dos magistrados judiciais, durante o exercício da sua função, casa de habitação mobilada, mediante o pagamento de uma contraprestação mensal, a fixar pelo Ministério da Justiça, de montante não superior a um décimo do total das respectivas remunerações.

2- Os magistrados que não disponham de casa ou habitação nos termos referidos no número anterior ou não a habitem, conforme o disposto no nº2 do artigo 8º, têm direito a um subsídio de compensação fixado pelo Ministro da Justiça, para todos os efeitos equiparado a ajudas de custo, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes no mercado local de habitação.

4. Citadas as respectivas «normas», nos seus segmentos pertinentes, importará deixar vincado o seguinte: - de acordo com o objecto da acção, consubstanciado na impugnação dos actos de processamento de vencimentos dos representados da autora, referentes ao mês de Outubro de 2014, e todos os subsequentes, que foram efectuados ao abrigo do artigo 2º, da Lei 75/2014, de 12.09, apenas está em causa, no que respeita ao artigo 32º-A do EMJ, aditado pelo artigo 20º da LOE/2011, o seu nº1, e não, também, o seu nº2. Esta delimitação fica desde já feita, e não é de somenos importância, como na sequência da exposição se adivinhará; - além disso, e como se constata do teor das questões enunciadas no anterior ponto 1, as ilegalidades assacadas aos actos impugnados têm a ver com alegadas violações da CRP por parte da «norma legal» que eles aplicam em casos concretos, o que significa que, estando em causa «inconstitucionalidades concretas» para o seu conhecimento todos os juízes são «juízes constitucionais».

A ASJP, em nome dos seus representados, começa por invocar a «ilegalidade» dos respectivos actos de processamento de vencimentos a partir de Outubro de 2014, ou seja, a partir da efectiva entrada em vigor da «redução remuneratória» ditada pelo artigo 2º da Lei nº75/2014, porque, em seu entender, essa redução viola o artigo 32º-A aditado pela LOE/2011 ao EMJ [ver o anterior ponto 3].

E tem razão. Efectivamente, o nº1 desse artigo 32º-A que, como este Supremo Tribunal já entendeu [AC STA de 17.05.2018, AAE nº524/14], consubstancia uma norma de génese orçamental e de natureza temporária, mas plurianual, apenas permite a redução dos vencimentos dos magistrados judiciais, nas componentes previstas no artigo 22º do seu estatuto - remuneração base e suplementos -, «nos termos da lei do Orçamento de Estado». E o certo é que embora a Lei nº75/2014, no que tange às ditas «reduções remuneratórias», encontre a sua justificação na «declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral», do artigo 33º da «LOE/2014» [ver anterior ponto 3], ela não é uma lei do Orçamento do Estado.

De todo o modo, a aplicação, aos representados da autora, da referida redução remuneratória ao arrepio do texto do nº1 do artigo 32º-A do EMJ, não implicará, pura e simplesmente, a «ilegalidade» dessa redução. Efectivamente, tal redução remuneratória - determinada pela Lei nº75/2014 - não faz alusão ao dito artigo 32º-A, pelo que apenas será susceptível de o violar se ele for a única norma capaz de justificar a aplicação dessa redução remuneratória aos magistrados judiciais. E não é. Na verdade, ele foi aditado ao EMJ, pela LOE/2011, para garantir que as reduções remuneratórias constantes das leis do Orçamento de Estado seriam efectivamente, sem sombra de dúvida, aplicadas aos magistrados judiciais, pois que nessa LOE/2011 e em todas as subsequentes leis do Orçamento de Estado, aparece uma «norma», ínsita no artigo referente às reduções remuneratórias, a dizer que «o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário […]». E trata-se, obviamente, de uma norma emanada da «Assembleia da República», ou seja, do órgão constitucionalmente competente para legislar em matérias, que, como esta, têm repercussão - excepcional e temporária - no EMJ [artigo 164º alínea m), CRP]. E no caso do artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09, verifica-se o mesmo. Trata-se de artigo emanado da Assembleia da República [artigo 161º, alínea c), CRP], com repercussão excepcional e temporária no EMJ, mas que contém norma idêntica àquela que vinha sendo inserida no respectivo artigo das leis orçamentais: «O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário […]» [ver anterior ponto 3].

É, pois, com base no artigo 2º, nº1, nº9 alínea f), e nº15, da Lei nº75/2014, de 12.09, que se mostra justificada a aplicação aos aqui representados pela autora da «redução remuneratória» processada nos seus vencimentos de Outubro de 2014 e meses subsequentes. Razão pela qual tais processamentos não são ilegais, como alega a autora, por violação do artigo 32º-A aditado ao EMJ pela LOE/2011.

5. Do que acaba de ser dito também decorre que não o são «por se traduzirem na aplicação de norma inconstitucional por violar a unicidade do EMJ».

Segundo o artigo 215º, nº1, da CRP, «Os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto».

Como já disse o Tribunal Constitucional [acórdão nº620/2007 de 14.01.2008], «A unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe 2 características essenciais: [a] um estatuto unificado, constituído por um complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; [b] um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional».

E relembremos ainda o que se escreveu no aresto deste STA, supra mencionado [AC STA de 17.05.2018, AAE nº524/14], a respeito da alegada violação da unicidade do EMJ, embora aí confinada ao artigo 32º-A aditado a este estatuto pelo artigo 20º da LOE/2011:

[…]

«A análise estritamente jurídica da norma em questão não poderá ignorar que a “redução remuneratória” estabelecida nas leis do orçamento [LOE/2011, LOE/2012 e LOE/2013] teve como objectivo final a diminuição do défice orçamental para um valor respeitador do limite estabelecido pela União Europeia, no quadro das regras da união económica e monetária. Para o efeito, foram calendarizadas etapas anuais, e assumida a sua consecução como compromissos do Estado Português perante instâncias internacionais [Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) + Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica + Memorando de Políticas Económicas e Financeiras].

A justificação económica para tal redução, dada no “Relatório” que acompanha a LOE/2011, é clara ao salientar que se insere num contexto de excepcionalidade, não visando qualquer tipo de retrocesso social, antes o cumprimento das metas resultantes do “PEC”. Aí se afirma que “Uma medida como a da redução remuneratória só é adoptada quando estão em causa condições excepcionais e extremamente adversas para a manutenção e a sustentabilidade do Estado Social. Não se pretende instituir qualquer tipo de padrão ou de retrocesso social, mas sim assegurar a assumpção das responsabilidades e dos compromissos do Estado Português, quer internamente, continuando a prestar serviço público de qualidade, quer internacionalmente, desde logo na esfera da União Europeia, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.

Trata-se, pois, de medida excepcional e integrada num programa cuja realização integral se estende no tempo, destinada, enquanto medida orçamental, a vigorar anualmente, mas vocacionada, enquanto necessária ao cumprimento do programa plurianual que a justifica e a integra, a ser reactivada nos anos seguintes. E esta “reactivação”, atento o objectivo final da medida, e toda a grave e excepcional circunstância que a justifica, surge ao legislador da LOE/2011 como certa. Seria medida a accionar anualmente, e em princípio até 2013. Há a convicção, assim, de que apesar da sua vigência anual, e sem pôr em causa o carácter transitório, ela terá uma duração plurianual.

E esta constatação encontra suporte na própria letra da lei orçamental de 2012, e de 2013, já que, tanto o nº1 do artigo 20º da primeira, como o nº1 do artigo 27º da segunda, determinam que “se mantém em vigor a redução das remunerações…” ou seja, é o próprio legislador - ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA - a encarar esta medida no sentido da sua continuidade plurianual.

Assim, como já disse o Tribunal Constitucional [AC TC nº396/2011, de 21.09.2011] também a respeito do artigo 32º-A, em referência, “Estando estas medidas instrumentalmente vinculadas à consecução de fins de redução de despesa pública e de correcção de um excessivo desequilíbrio orçamental, de acordo com um programa temporalmente delimitado, é de atribuir-lhes idêntica natureza temporária, nada autorizando, no presente, a considerar que elas se destinam a vigorar para sempre”. Aliás, esse artigo 32º-A, aditado pela LOE/2011 ao EMJ tem - ao menos no seu nº1 - uma clara função orçamental, pois que se destina a permitir, e sem sombra de dúvida, a redução do vencimento dos magistrados judiciais “nos termos da lei do Orçamento de Estado”. Está imbricado com a fixação de verbas do mapa orçamental, relativas às despesas com pessoal, tendo imediata incidência orçamental. Nisso reside a sua “exclusiva função”. Não visa regular, de modo permanente, qualquer “aspecto estatutário”, antes surge como uma providência avulsa, com alcance temporal limitado às transitórias medidas de redução orçamental a contemplar nas LOE’s, com carácter de excepcionalidade, e de forma a garantir, num futuro próximo, o afastamento de uma situação de insustentabilidade económica e financeira do país.

Resulta, assim, que o artigo 32º-A, aditado ao EMJ pelo artigo 20º da LOE/2011, não configura uma “alteração estatutária”, mas, enquanto norma gerada na lei orçamental e destinada à execução orçamental, tem natureza transitória, sendo a sua vigência limitada, temporalmente, à necessidade plurianual de medidas de redução remuneratória.

Ao determinar que as componentes do sistema retributivo dos juízes «são reduzidas nos termos da lei do Orçamento de Estado», sem limitar tal redução a um concreto orçamento, fica aberta a possibilidade aplicativa transitória e plurianual.

Aliás, a firmeza desta intenção legislativa da Assembleia da República está bem patente nas três leis do Orçamento de Estado supra citadas, pois que em todas [LOE/2011 - artigo 19º nº11; LOE/2012 - artigo 20º nº16; e LOE/2013 - artigo 27º nº15] é dito que «O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais em contrário, e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos».

Poderemos concluir, assim, que não traduzindo uma “alteração estatutária”, o artigo 32º-A do EMJ - aditado pelo artigo 20º da LOE/2011 - não viola a “unicidade de estatuto” dos magistrados judiciais, constitucionalmente consagrada [artigo 215º, nº1, da CRP], e sendo esta norma, não obstante temporal, de aplicação plurianual, resulta que os actos de processamento de vencimentos, objecto desta acção, não se mostram ilegais quer por aplicarem norma “inconstitucional” quer por aplicarem norma “caducada”. […]»

Ora, este tipo de reflexão jurídica é perfeitamente transponível para o caso do artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09, porquanto embora inserido numa lei não orçamental ele visa corrigir os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade do respectivo artigo da LOE/2014 [artigo 33º]. Traduz-se, assim, e assumidamente, como norma imposta por todo um «contexto de excepcionalidade», com carácter «transitório» não só proclamado mas efectivado mediante a Lei nº159-A/2015, de 30.12. É neste contexto e com esta natureza que o dito artigo 2º inclui os juízes, e nomeadamente os representados pela autora, nas medidas gerais de redução salarial, impostas por imperativos de eliminação do défice orçamental excessivo e adstritas a um programa de assistência financeira da União Europeia. Assim, e apesar de se repercutir, obviamente, no «processamento do seu vencimento» mensal, dessa forma transitória, o «artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09», não rompe com a unicidade do estatuto dos juízes porque não é norma estatutária.

6. Relativamente à invocada violação da «independência» dos juízes, o TJUE já declarou, no âmbito do reenvio prejudicial que, acerca da questão, foi suscitado neste processo, que «O artigo 19º nº1, segundo parágrafo, do TUE, deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência judicial não se opõe à aplicação aos membros do Tribunal de Contas [Portugal] de medidas gerais de redução salarial, como as que estão em causa no processo principal, associadas a imperativos de eliminação de um défice orçamental excessivo e a um programa de assistência financeira da União Europeia».

E para tanto considera: que «qualquer Estado-Membro deve assegurar que as instâncias que, enquanto órgão jurisdicional na acepção do direito da União Europeia, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União, satisfaçam as exigências de uma tutela jurisdicional efectiva»; que «para garantir essa tutela, é fundamental que seja preservada a independência […] inerente à missão de julgar»; independência que pressupõe «que a instância exerça as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas susceptíveis de afectar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões» [páginas 10 e 11 do acórdão do TJUE em referência].

Porém, feitas estas afirmações de princípio, o TJUE considera que «as medidas de redução salarial em causa […] foram adoptadas em razão de imperativos ligados à eliminação do défice orçamental excessivo do Estado português e no contexto de um programa de assistência financeira a esse Estado-Membro […] que previam uma redução limitada do montante da remuneração […] que foram aplicadas não apenas aos membros do Tribunal de Contas […] mas para que um conjunto de membros da função pública nacional contribua para o esforço de austeridade ditado pelos imperativos de redução do défice excessivo do orçamento do Estado Português […] com carácter transitório […] e segundo um processo progressivo de supressão […]», e concluiu que, nestas condições, «as medidas de redução salarial em causa […] não podem ser consideradas lesivas da independência dos membros do Tribunal de Contas» [páginas 11 e 12 do acórdão do TJUE em referência].

Uma vez que esta apreciação se mostra perfeitamente adaptável à aferição das «reduções remuneratórias» dos membros do Tribunal de Contas, representados pela associação autora, face à «independência dos juízes» tal como se mostra garantida na Constituição da República Portuguesa [203º da CRP], aqui a reiteramos para esse efeito, restando concluir no mesmo sentido, ou seja, que «o princípio da independência judicial não se opõe à aplicação aos membros do Tribunal de Contas de medidas gerais de redução salarial, como as que lhes foram aplicadas nos vencimentos auferidos no ano de 2013, associadas a imperativos de eliminação de um défice orçamental excessivo e a um programa de assistência financeira da União Europeia».

Não vemos que a independência judicial tenha, na nossa Constituição, um grau de protecção mais elevado, ou mais densificado, que a obtida no TUE e CDFUE.

7. A Lei nº23/98, de 26.05 - que fixa o «regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público» - estipula no seu artigo 6º, alínea a), que são objecto de negociação colectiva as matérias «relativas à fixação ou alteração: a) Dos vencimentos e das demais prestações de carácter remuneratório; […]». E diz no seu artigo 7º, nº1, que «A negociação geral anual deverá iniciar-se a partir do dia 1 de Setembro, com a apresentação, por uma das partes, de proposta fundamentada sobre qualquer das matérias previstas no artigo anterior, procedendo-se seguidamente à calendarização das negociações, de forma que estas terminem tendencialmente antes da votação final global da proposta do Orçamento, nos termos constitucionais, na Assembleia da República. […]»

A autora defende, ainda, que os «actos de processamento de vencimento» em causa são «ilegais» por aplicarem uma redução remuneratória sobre a qual não foi ouvida enquanto representante dos seus associados. Consta da factualidade provada que efectivamente assim foi, mas também consta que foi ouvida, «nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 6º da Lei nº23/98» relativamente à redução remuneratória constante do artigo 33º da LOE/2014, norma que, tal como vimos, veio a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral.

Ora, sendo o nº2 da Lei nº75/2018, precisamente o sucedâneo daquela norma declarada inconstitucional, sobre a qual a ASJP se pronunciou, uma nova audição sobre matéria fundamentalmente idêntica tornava-se dispensável.

8. Em face do exposto, deverá ser julgada improcedente a acção, e o demandado absolvido do pedido. Assim se decidirá.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos julgar improcedente a acção e absolver do pedido o Tribunal de Contas.

Custas pela autora.

Lisboa, 20 de Junho de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.