Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0233/12
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:REVERSÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
EXECUÇÃO FISCAL
ACTO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA
Sumário:I – O procedimento de reclamação graciosa previsto nos artigos 68º a 77º do CPPT não é o meio adequado para se impugnar perante a administração tributária o acto que considerou extemporâneo o exercício do direito de audição prévia ao acto de reversão da execução fiscal contra os devedores subsidiários.
II – Não é aplicável à execução fiscal a norma do artigo 66º da LGT que permite aos contribuintes reclamar dos actos ou omissões praticados no decurso do procedimento tributário.
III – O meio de defesa adequado para reagir contra o despacho que considerou extemporâneo o exercício direito de audição é a reclamação judicial prevista no artigo 276º do CPPT.
IV – Todavia, pelo princípio da impugnação unitária formulado no artigo 54º do CPPT, a ilegalidade resultante do desrespeito do direito de audição, pode ser invocada na reacção contenciosa que se tomar contra o acto de reversão.
Nº Convencional:JSTA00067659
Nº do Documento:SA2201206060233
Data de Entrada:03/01/2012
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART68 ART77 ART54 ART204 N1 B I ART276 ART153 ART97 N1 N ART44 ART278 ART70
LGT ART66 N2 ART57 N2 ART22 N2 ART103 N1 ART22 N4 ART54 N1 H ART97 N3
CPA ART161 ART162 ART120
CPC96 ART276
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC448/09 DE 2209/05/27; AC STA PROC358/11 DE 2011/06/13; AC STA PROC331/92 DE 1992/10/21; AC TC PROC80/2003 DE 2003/02/12; AC TC PROC160/07 DE 2007/03/06
Referência a Doutrina:ROGÉRIO SOARES - DIREITO ADMINISTRATIVO CURSO COMPLEMENTAR PAG156-157.
SOARES MARTINEZ - DIREITO FISCAL ED 2000 PAG251.
LIMA GUERREIRO - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA ED 2000 PAG421-422.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. A…… e B……, identificados nos autos, interpõem recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial interposta do acto que indeferiu a reclamação graciosa que apresentaram contra o despacho do órgão de execução fiscal que considerou extemporâneo o exercício de audição prévia à reversão da execução fiscal instaurada no Serviços de Finanças de Setúbal 2 contra C……, Lda.
Nas respectivas alegações, concluem o seguinte:
1º - A Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” entende que a reclamação graciosa não é o meio próprio para atacar um acto proferido no âmbito de um processo de execução fiscal, pelo que a decisão de indeferimento da mesma estaria correcta.
2º - Acontece porém, que os recorrentes atacaram um despacho do Serviço de Finanças — que considerou extemporâneo o exercício de audição prévia -, o qual não foi proferido no âmbito de um processo de execução fiscal, e não foi notificado aos ora recorrentes.
3º - Todos os actos devem ser notificados aos interessados (artigo 268, n°3 C.R.P.) e todos eles são impugnáveis (art. 9 n° 2 L.G.T. e 268 n°4 C.R.P.), e como tal aquele acto — repita-se, anterior à execução — não pode deixar de ser atacado fora da execução fiscal só porque o Serviço de Finanças entendeu citar os ora recorrentes para a execução sem lhes dar a conhecer e, consequentemente, sem lhes dar a possibilidade de reagir contra o anterior “erro” daquele Serviço de Finanças.
4º - No entender dos recorrentes, e salvo melhor opinião, ocorreu a preterição de uma formalidade anterior ao processo de execução fiscal, constituindo uma ilegalidade fundamento, não de oposição à execução, mas sim de reclamação graciosa nos termos do disposto no artigo 99° alínea d) ex vi o artigo 70º n°1 ambos do C.P.P.T.
5º - Além do que, o Serviço de Finanças ao ter conhecimento do erro por si cometido, deveria ter alterado imediatamente a sua decisão de não aceitar o exercício de audição prévia apresentado atempadamente pelos contribuintes, ao invés de se aproveitar do seu erro num verdadeiro “venire contra factum próprio”.
6º - Como tal, conclui-se que o acto atacado pelos recorrentes, contrariamente ao decidido na Douta Sentença recorrida — e bem assim na decisão da reclamação graciosa -, não consta dos fundamentos elencados no artigo 204° C.P.P.T.
7º - Termos em que, e nos melhores de Direito, se requer a Vs. Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso pelos fundamentos supra indicados, e conhecer da ilegalidade invocada, fazendo-se assim justiça.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que se deve negar provimento ao recurso, porque o meio próprio para atacar o despacho de reversão é a oposição e não a impugnação, sendo certo que, por intempestividade, não é possível convolar o processo para a forma adequada.

2. A sentença deu como assente a seguinte factualidade:

1. Em 21/07/2004 foram instaurados os processos de execução fiscal com os n°s 3530200401026143, 3530200401031724, 3530200401034057 e 3530200401036432 contra a sociedade C……, Lda., por dívidas de IVA de 2001, 2002, 2003 e 2004 no montante total de €2.159.366,00 - (cfr. fls. 125/126 do apenso).
2. Em 10/05/2010 foram emitidos despachos para audição (reversão) dos ora impugnantes - (cfr. fls. 123/127 do apenso).
3. Em 28/05/2010 deu entrada na administração tributária o requerimento apresentado pelos ora impugnantes para efeitos do exercício por escrito do direito de audição prévia na qualidade de responsáveis subsidiários nos processos de execução fiscal referidos em 1) - (como consta dos documentos de fls. 132/138 do apenso).
4. O requerimento mencionado no ponto anterior foi enviado por registo postal datado de 27/05/2010 - (cfr. doc. de fls. 14).
5. Em 07/06/2010 foi proferido despacho com o seguinte teor “A notificação para exercer o direito de audição ocorreu em 17/05/2070, para o fazer no prazo de 10 dias. O direito de audição foi exercido em 28/05/2010, pelo que é extemporâneo. Prossiga a reversão” - (cfr. fls. 13).
6. Em 08/06/2010 foram emitidas as citações (reversão) dos ora impugnantes e enviadas através de carta registada com aviso de recepção (cfr. fls. 185 e 187 do apenso).
7. Os avisos de recepção mencionados no ponto anterior foram assinados em 15/06/2010 - (cfr. fls. 186/188 do apenso).
8. Em 03/09/2010 A…… e B…… apresentaram reclamação graciosa contra a decisão proferida pelo serviço de finanças de considerar extemporâneo o exercício do direito de audição prévia à reversão da execução - (cfr. teor de fls. 12/14 do apenso).
9. Em 21/10/2010 foi proferido despacho pela Chefe de Finanças Adjunta, por delegação, com o seguinte teor “É unânime na doutrina e na jurisprudência que a reclamação graciosa não é o meio processual adequado para o revertido recorrer do despacho que ordenou a reversão da execução fiscal contra os gerentes do sociedade executada, na qualidade de responsáveis subsidiários. (...) Assim, sendo que a forma de reacção judicial contra o despacho de reversão proferido na execução fiscal, por alguma ilegalidade de que o mesmo enferme, é a oposição à execução, por força do art. 151°/1 e 204° do CPPT, e de que, cada ilegalidade tem o seu meio próprio de reacção e que os processos judiciais têm formas legalmente definidas de acordo com o tipo de acto que visam atingir, não podem estes ser usados indiscriminadamente, determino o arquivamento dos presentes autos por não ser o meio próprio” - (cfr. fls. 204 do apenso).
10. Em 26/10/2010 foi emitido o ofício nº 12568 dirigido à mandatária dos ora impugnantes para efeitos de notificação do despacho sobre a petição de reclamação graciosa - (cfr. fls. 203 do apenso).
11. Em 11/11/2010 foi enviada, por registo postal, a este tribunal a petição de impugnação de fls. 1/7.


3. A factualidade a considerar resume-se no seguinte: (i) no âmbito de um processo de execução fiscal, os responsáveis subsidiários da dívida exequenda foram notificados para exercerem o direito de audição prévia à reversão da execução; (ii) após terem apresentado a sua defesa, por requerimento remetido ao serviço de finanças por carta registada, o órgão de execução fiscal emitiu um despacho em que considerou extemporâneo o exercício do direito de audição, ordenando o prosseguimento da reversão; (iii) citados para a execução por reversão, os recorrentes deduziram reclamação graciosa contra o despacho que considerou extemporâneo o exercício daquele direito; (iv) a reclamação foi indeferida com fundamento em que o meio próprio para reagir contra a reversão é a oposição e não a reclamação graciosa; (v) dessa decisão interpuseram impugnação judicial com fundamento em que não reagiram contra a reversão, mas contra a preterição de uma formalidade essencial; (vi) a sentença recorrida julgou que «o processo de reclamação graciosa não é o meio processual idóneo para reagir contra a falta de audição prévia no âmbito do processo de execução fiscal, por reversão, pelo que a decisão de arquivamento por não ser o meio próprio mostra-se correcta».
Os recorrentes não concordam com esta decisão, argumentando que não impugnaram o despacho pelo qual foram citados para a reversão, mas apenas o despacho de 7/6/2010 que considerou extemporâneo o exercício do direito de audição prévia, o qual, por não ter sido praticado no âmbito do processo de execução fiscal, pode ser reclamado graciosamente, nos termos do disposto no artigo 99º, alínea d) ex vi artigo 70º do CPPT.
A questão de direito consiste assim em determinar se o potencial revertido pode usar meios de impugnação administrativa contra um acto preparatório do acto de reversão.
Apesar da complexidade da questão, na medida em que toca a um só tempo na natureza jurídica da execução fiscal e do acto de reversão, o procedimento de reclamação graciosa previsto nos artigos 68º a 77º do CPPT não pode ser meio adequado para impugnar perante a administração tributária um acto daquela natureza.
A reclamação graciosa prevista nessas normas tem por finalidade a anulação parcial ou total de «actos tributários», que são os actos de liquidação administrativa do imposto, actos integrados na fase constitutiva do procedimento tributário em que se apura quem é o devedor do imposto e se determina qual é o seu montante.
Mas não tem essa natureza o acto que recusa apreciar as questões levantadas pelo potencial revertido em sede de audição prévia. Perspectivando a audição formal do responsável subsidiário a partir do acto de reversão, verifica-se que ela corresponde ao que a doutrina designa correntemente por uma formalidade essencial relativa à formação da vontade manifestada pelo órgão de execução fiscal. Nessa perspectiva dinâmica, a audição do responsável subsidiário tem a natureza de acto preparatório do acto reversão, um pressuposto desprovido de autonomia funcional relativamente ao acto conclusivo, ou seja, um acto insusceptível de produzir efeitos jurídicos autónomos e exteriores ao acto final. Na distinção feita por Rogério Soares, tais actos «produzem efeitos jurídicos, mas efeitos jurídicos tais que, precisamente por advirem de actos não funcionalmente autónomos, vão exercitar-se somente através do acto principal» (cfr. Direito Administrativo – Curso Complementar, pág. 156 e 157).
E também não tem a natureza de «acto em matéria tributária», mesmo no sentido mais amplo desta expressão, uma vez que não é um acto preparatório ou prévio ao acto de liquidação, destacável ou autonomizável do respectivo procedimento tributário para efeitos de impugnação administrativa ou judicial. A reversão, ao serviço de quem foi praticado o acto preparatório, é um acto administrativo que visa apenas efectivar a responsabilidade subsidiária, produzindo o efeito substantivo de transferir a responsabilidade do sujeito passivo originário para outro sujeito, embora a título subsidiário e o efeito processual de modificação subjectiva da instância executiva, pelo chamamento de alguém que não figura no título executivo.
A natureza de acto preparatório desse acto retira a possibilidade de se abrir uma impugnação contenciosa autónoma relativamente ao acto de reversão. A ilegalidade resultante do desrespeito do direito de audição, imputada a um acto preparatório, apenas pode ser invocada na reacção que se tomar contra o acto de reversão. É o que resulta do princípio da impugnação unitária expressamente formulado no artigo 54º do CPPT, segundo o qual só há impugnação judicial do acto final do procedimento, ou seja, do acto que, por fixar a posição final da administração tributária, afecta directamente a esfera patrimonial do contribuinte, embora as ilegalidades que afectem os actos preparatórios do acto final sejam impugnáveis em sede de impugnação deste.
Deste modo, como a reacção contra a reversão é feita através da oposição à execução fiscal, a preterição do direito de audição, que ponha em causa a validade desse acto, em princípio deve ser sindicada mediante esse meio processual (art. 204º nº 1, alíneas b) e i) do CPPT) e não através de reclamação prevista no artigo 276º do CPPT, até porque esta, em regra, é apenas apreciada posteriormente à realização da penhora e da venda coerciva (cfr. Ac. de 27/5/2009, rec nº 0448/09).
Diferente problema é a possibilidade de impugnação administrativa desse acto, desde que não se traduza numa reclamação graciosa. É que o artigo 66º da LGT prescreve que «os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de qualquer acto ou omissão da administração tributária». Embora o princípio da impugnação unitária também esteja consagrado no nº 2 desse artigo, aquela norma admite que as “decisões interlocutórias”, as tomadas antes do acto final, sejam objecto de reclamação administrativa imediata. Não se trata da reclamação graciosa prevista no artigo 68º do CPPT, mas sim da reclamação administrativa dirigida ao próprio autor do acto, que está regulada nos artigos 161º e 162º do CPA. A reclamação deve ser apresentada em 10 dias (nº 2 do art. 57º da LGT), para o próprio autor do acto, e sem efeito suspensivo sobre o procedimento.
Poderia este meio impugnatório ser usado no âmbito do processo de execução fiscal?
No nº 1 do artigo 22º da LGT afirma-se inequivocamente que a reversão do processo de execução fiscal instaurado contra o devedor originário é a forma de efectivar a responsabilidade tributária por dívidas de outrem. Portanto, a opção legal é no sentido da responsabilidade tributária dos devedores subsidiários ser apurada no âmbito do processo de execução fiscal instaurado contra o devedor originário e não no âmbito de um novo processo executivo exclusivamente a ele destinado. A reversão traduz-se, pois, numa manifestação do princípio da economia processual, ao possibilitar a penhora e venda dos bens necessários à satisfação do crédito no âmbito do mesmo processo de execução, sem necessidade de se instaurar um outro.
As vantagens desta solução em termos de eficácia são bem visíveis: (i) sendo a insuficiência dos bens do devedor originário um dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, naturalmente que faz todo o sentido que a efectivação dessa responsabilidade ocorra no âmbito do processo onde se constata aquela insuficiência; (ii) como as vicissitudes do processo instaurado contra o devedor originário, nomeadamente a satisfação superveniente da divida, o surgimento de novos bens penhoráveis, a eventual extinção do processo por prescrição ou anulação da dívida, têm repercussão imediata no devedor subsidiário, compreende-se a utilidade em haver um só processo para conhecer dessas situações.
Apesar de funcionalmente ligada ao processo executivo, a reversão não é um mero “acto de trâmite”, mas um verdadeiro acto administrativo, no sentido que lhe dá o artigo 120º do CPA. Os efeitos que constitui, impondo ao destinatário a obrigação material de pagar uma dívida tributária de outrem e também determinadas obrigações acessórias, como os juros e as custas, projectam-se para fora do processo executivo, como se tivessem surgido, nas palavras de Soares Martinez, no “desenvolvimento patológico” da relação jurídica de imposto (cfr. Direito Fiscal, Almedina, Coimbra 2000, pág. 251). Tanto assim é que o revertido só é chamado a responder pela dívida tributária quando esta não é paga pelo devedor originário e, uma vez instaurada a respectiva execução fiscal, este não possua bens para responder pela dívida ou sejam insuficientes para tal (cfr. nº 2 do art. 22º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT).
Mas, o facto de se tratar de um acto administrativo strito sensu não significa que o revertido possa usar contra ele os meios de defesa que normalmente são utilizados contra os actos tributários. Por se tratar de um acto praticado na execução fiscal, o meio de defesa idóneo para o responsável subsidiário sindicar contenciosamente o despacho de reversão não é a impugnação judicial, mas sim a oposição judicial à execução fiscal. Como se refere no acórdão deste Tribunal de 13/6/2011, rec. nº 0358/11, citando-se abundante jurisprudência sobre a matéria, “estando em causa um acto de reversão proferido no âmbito de processo de execução fiscal, o meio processual a utilizar para o impugnar será um dos que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses no meio processual executivo”, por isso, “a impugnação judicial não é meio processualmente idóneo para reagir contra esse acto, pois que sendo ele praticado no âmbito de um processo de execução fiscal terá de ser atacado através dos meios de defesa próprios desse processo - no caso, por via da oposição”.
De igual modo, vista a reversão na sua dimensão funcional, que considera a função desempenhada na execução fiscal, os meios de defesa contra os “actos processuais” destinados à formação da vontade manifestada no acto de reversão têm que ser aqueles que são próprios ou adequados ao processo de execução fiscal. Ora, a única reclamação que a essa forma processual conhece é a que está prevista no artigo 276º do CPC para os actos praticados pelo órgão de execução fiscal. Como em qualquer outro “processo judicial” podem ser arguidas nulidades processuais perante o órgão de execução fiscal ou interposta reclamação judicial (que a alínea n) do nº 1 do art. 97º do CPPT apelida de «recurso»), mas coerentemente não está previsto qualquer meio de “impugnação administrativa” para o órgão de execução dos actos por si praticados.
Diz-se coerentemente, porque o nº 1 do artigo 103º da LGT atribui à execução fiscal natureza judicial, impondo a obrigatoriedade de se moldar a tramitação da execução segundo as formas próprias dos processos judiciais, o que implica a aplicação supletiva das regras do processo civil. E nenhum obstáculo de ordem constitucional existe à feitura de um processo com esse figurino, desde que não se acometa ao órgão de execução fiscal a prática de actos jurisdicionais (cfr. acs. do TC nº 331/92, de 21/10/92, nº 80/2003, de 12/2/03 e nº 160/07, de 6/3/07).
Por isso mesmo, concorda-se inteiramente como o comentário que Lima Guerreiro faz ao artigo 103º da LGT, defendendo que «o processo de execução fiscal não tem, segundo o que a norma do numero 1 expressamente declara, natureza meramente administrativa ou mesmo mista, mas é unitária e integralmente um processo judicial. Essa natureza integralmente judicial do processo não prejudica, no entanto, a participação dos órgãos da administração tributária nos actos sem natureza materialmente jurisdicional, ou seja, na prática dos chamados actos materialmente administrativos da execução fiscal. Não é, pois, cindível o processo de execução em uma fase formalmente administrativa e outra administrativa judicial. Ele é unitariamente um processo de natureza judicial» (cfr. Lei Geral Tributária – Anotada – Editora, Rei dos Livros, 2000, pág. 421 e 422).
Se, do ponto de vista material, a reversão tem a natureza de acto administrativo, do ponto de vista funcional, não deixar de ser um “acto processual”, um acto praticado num processo executivo. E a mesma natureza têm os actos do órgão de execução fiscal que são praticados em vista da produção do acto de reversão. Todos eles são praticados no âmbito da execução fiscal, ainda que formalmente pudessem ser autonomizados num processo incidental.
A circunstância dos efeitos jurídicos da reversão se projectarem para fora do processo executivo, nomeadamente em sede de defesa do responsável subsidiário, ao dar início aos prazos de impugnação judicial e reclamação graciosa do acto tributário em execução (cfr. nº 4 do art. 22º da LGT), não lhe retira a natureza de “acto praticado na execução fiscal”, enquadrado na esfera de competência do órgão de execução. A função desempenhada pela reversão, ao redireccionar o processo contra o responsável subsidiário, em claro favor da eficácia do processo executivo, mostra claramente que a reversão se situa no âmago da execução fiscal: se se destina a chamar o responsável subsidiário ao processo, isso significa que há uma modificação subjectiva da instância, passando a ocupar a posição passiva na acção alguém que não é o devedor que figura no título.
Daqui decorrer a qualificação da reversão como um meio processual, ou seja, como um instrumento criado pela ordem jurídica para a prossecução de certos fins mediante um processo. Do ponto de vista do seu género próximo, a reversão aparece configurada como “acto processual” e não como um “acto procedimental”. Ao atribuir natureza judicial à execução fiscal, apesar de impulsionada e movida por um órgão administrativo, a lei afasta qualquer tentativa de o enquadra na categoria jurídica de procedimento administrativo. O que bem se compreende porque actualmente procedimento e processo são realidades teleológica e formalmente diferenciadas. O procedimento surge não só como um instrumento de racionalização da actividade decisória da Administração, mas também como instrumento de legitimação da Administração, enquanto entidade que determina e regula os interesses em conflito, e assim, tomando decisões em que está pessoalmente empenhada. Ora, não isso que acontece na execução fiscal, em que o órgão de execução fiscal evidencia um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigado a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio, mesmo que tenha que decidir contra si próprio, como acontece com o reconhecimento oficioso da prescrição.
Se bem repararmos, essa distinção é claramente assumido pelo legislador quando na alínea h) do nº 1 do artigo 54º da LGT e na alínea g) do nº 1 do artigo 44º do CPPT apenas inclui no âmbito do procedimento tributário a «cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza tributária». Como o «processo» de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal. Como frequentemente tem sido julgado pela jurisprudência deste Tribunal relativamente aos mais variados actos praticados na execução fiscal, as lacunas do processo de execução fiscal são integradas pelas normas do processo civil, o que bem acentua a natureza de «processo judicial» e não de «procedimento tributário».
Assim sendo não é aplicável à execução fiscal a norma do artigo 66º da LGT que permite aos contribuintes reclamar dos actos ou omissões praticados no decurso do procedimento tributário. Dada a natureza judicial do processo, os actos e omissões praticados ilegalmente no processo constituem nulidades processuais que devem ser arguidas perante órgão de execução fiscal, cabendo reclamação judicial, nos termos do artigo 276º do CPPT, da decisão que sobre elas for tomada.
No caso dos autos, o órgão de execução recusou apreciar as questões suscitadas pelo potencial revertido no exercício do direito de audição prévia à decisão final da reversão, com fundamento na intempestividade do pedido. Ora, podendo apenas socorrer-se dos meios de defesa que a lei prevê para os actos praticados na execução fiscal, o meio processual tributário próprio é a reclamação das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal, previsto e disciplinado nos artigos 276º a 278º do CPPT e não a reclamação administrativa ou mesmo a oposição à execução fiscal.
E não é possível convolar a reclamação graciosa, usando o mecanismo previsto no nº 3 do artigo 97º da LGT, porque a reclamação fora do prazo de 10 dias que a lei prevê: os recorrentes foram notificados em 15/6/2010 e a reclamação graciosa foi deduzida em 3/9/2010.
Tanto basta para o recurso deva improceder.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes
Lisboa, 6 de Junho de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.