Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0198/22.7BECTB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
AVALIAÇÃO DE PROPOSTAS
Sumário:Não é de admitir a revista em que as questões colocadas contendem com a correcção da exclusão da proposta da autora e da adjudicação à proposta da contra-interessada, se elas estão decididas de forma unânime e aparentemente correcta por ambos os tribunais de instância, e não se perfilam como de importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P32032
Nº do Documento:SA1202403210198/22
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. «A..., S.A.» - autora desta acção do contencioso pré-contratual - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 12.10.2023, complementado pelo acórdão de 25.01.2024 - que negou provimento à sua «apelação» e confirmou a sentença do TAF de Castelo Branco - de 27.01.2023 - que julgou improcedente a acção por ela intentada contra a «B..., S.A.» - entidade adjudicante - e duas contra-interessadas - «C..., LDA.» e «D... S. COOP./GRUPO D...».

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

Contra-alegaram a entidade adjudicante e a C... - adjudicatária - ambas defendendo - além do mais - a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Está em causa concurso público lançado pela sociedade B... visando o «fornecimento de autocarros eléctricos para transporte urbano de passageiros, equipamentos de carregamento e serviços de manutenção». Durante a respectiva tramitação foi pedido pelo júri esclarecimento à candidata D... sobre a sua proposta, foi excluída a proposta da ora autora - A... - e foi adjudicado o objecto do concurso à candidata C....

A autora pediu ao tribunal - fundamentalmente - a «anulação» da adjudicação à proposta da C..., que entende dever ser excluída, e a adjudicação à sua própria proposta, que defende dever ser admitida. Subsidiariamente pediu que se determine a retoma do procedimento na fase de elaboração do relatório preliminar, para que o júri, relativamente à sua proposta, reveja, agora em seu favor, os tópicos que serviram de fundamento à sua exclusão - tópicos atinentes ao «acesso das cadeiras de rodas ao veículo»; à «mobilidade e posicionamento interior das cadeiras de rodas»; à «orientação dos bancos fixos»; ao «factor de potência das estações de carregamento de oportunidade» - cuja rectificação oficiosa considera ilegal; ao «sistema de controlo da velocidade»; e ao «sistema de anticolisão».

O tribunal de 1ª instância - TAF de CASTELO BRANCO - apreciou os diversos fundamentos de ilegalidade invocados pela autora para justificar o pedido e «julgou-os improcedentes», isto é - em síntese - entendeu que a sua proposta foi bem excluída, e que a adjudicação feita à proposta da C... não se mostra ilegal.

O tribunal de 2ª instância - TCAS «subsecção de contratos» - negou provimento à «apelação» da autora e confirmou o decidido pela sentença do tribunal de 1ª instância. No seu afã, entendeu que a sentença não era nula por omissão de pronúncia - como alegava a apelante - nem padecia dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe eram apontados.

Novamente a autora discorda, e vem pedir revista do acórdão do tribunal de apelação apontando-lhe - essencialmente - «erros de julgamento de direito» baseados numa - diz - incorrecta apreciação dos factos dados como provados e numa interpretação ilegal e inconstitucional do direito aplicável, tudo resultando na ilegalidade da adjudicação uma vez que são vários - segundo defende - os vícios que inquinam a exclusão da sua proposta, cuja adjudicação é legalmente devida porque cumpre os necessários requisitos legais - defende que o sistema de controlo da velocidade por ela proposto cumpre as cláusulas 137ª e 138ª do CE; o sistema de anticolisão por ela proposto cumpre a cláusula 141ª do CE; o layout interior do veículo por ela proposto cumpre as cláusulas 44ª e 85ª do CE; e o factor de potência das estações de carregamento de oportunidade por ela proposto cumpre o especificado no Anexo C do CE. Alega - em súmula - que o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença do TAF e manter as decisões administrativas de exclusão da sua proposta e de adjudicação à proposta da C... violou uma miríade de princípios e de normas legais e constitucionais - refere os princípios da concorrência; da igualdade de tratamento; da não discriminação; da transparência; da proporcionalidade; da legalidade; da prossecução do interesse público; e da proibição do excesso; e refere os artigos 18º nº2, 266º nº1 e nº2, da CRP; 1º-A nº1 e nº4, 70º nº2 alínea b), 72º nº4, do CCP; 3º, 5º, 6º, 7º e 9º, do CPA. Alega, ainda, que o acórdão recorrido aplicou os artigos 70º nº1, e 72º nº1 e nº3, do CCP, numa «interpretação inconstitucional» porque violadora dos «princípios constitucionais da igualdade e não discriminação dos concorrentes [artigo 13º nº1, da CRP] e da imparcialidade [artigo 266º, nº2, da CRP]».

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que os dois tribunais de instância foram «unânimes» na decisão proferida, bem como na sua respectiva fundamentação, o que, obviamente, sem garantir a correcção do assim julgado, não deixa de constituir «sinal relevante» do seu aparente acerto. Dois tribunais, quatro juízes, convergiram num mesmo sentido, e fizeram-no, diga-se, alicerçados «numa análise jurídica dos factos provados» e «numa interpretação e aplicação do regime jurídico chamado a intervir» que se mostra lógica, coerente, sem contradições e sem erros manifestos, e, enquanto tal, justificativos da admissão da revista em nome da «clara necessidade de melhor aplicação do direito». E acrescente-se que as alegações de revista, que insistem no julgamento de procedência desta acção, não obstante serem doutas não se mostram capazes de fazer sucumbir a fundamentação levada à decisão unânime dos dois tribunais de instância. Também não se evidencia, atentos os concretos contornos da factualidade que foi apurada, qualquer conflito com jurisprudência já existente nos tribunais superiores da jurisdição.

Ademais, admitir este recurso seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei, sendo certo que as matérias que a recorrente pretende continuar a debater, que se prendem, sobretudo, com a alegada incorrecção da «exclusão» da sua proposta e da «adjudicação» feita à contra-interessada C... encontram-se abordadas e decididas, no caso, de forma convincente e aparentemente correcta, esmorecendo, assim, a importância fundamental de repetir a sua abordagem pelo tribunal de revista.

Diga-se, por fim, que as «questões da constitucionalidade» da interpretação aplicativa dos referidos artigos 70º nº1, e 72º nº1 e nº3, do CCP, não são por si só justificativas da admissão da revista, como esta Formação tem vindo a sublinhar, já que em relação a elas a intervenção do Supremo Tribunal não pode assegurar as finalidades inerentes à razão de ser do recurso excepcional de revista, de em termos finais decidir litígios ou orientar interpretações com vista a decisões futuras de casos semelhantes, já que em sede de constitucionalidade de normas, e de interpretações normativas feitas, a última palavra caberá ao Tribunal Constitucional. Daí que questões de constitucionalidade não são objecto próprio do recurso de revista pois poderão ser colocadas junto do Tribunal Constitucional, não carecendo do precedente da pronúncia do tribunal de revista.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.