Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/08.6BELLE
Data do Acordão:02/20/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECTIFICAÇÃO
REFORMA
NULIDADE
Sumário:I - A lei processual diz que proferida a sentença - ou acórdão - fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo-lhe lícito, porém, rectificarerros materiais, suprir nulidadese reformara sentença - ou acórdão - nos termos que nela são fixados;
II - Assim, poderá rectificar erros de escrita ou de cálculo, ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto; poderá suprir nulidades nomeadamente por omissão de pronúncia; e poderá, não cabendo recurso da decisão, reformar o acórdão quando, por manifesto lapso seu, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, e ainda quando constem do processo documentos, ou outro meio de prova plena que, só por si, implique necessariamente decisão diversa da que foi proferida;
III - Atenta a necessária preservação da segurança jurídica, estas excepções ao esgotamento do poder jurisdicional são taxativas e de interpretação restritiva.
Nº Convencional:JSTA000P25636
Nº do Documento:SA1202002200768/08
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:EMPET-PARQUES EMPRESARIAIS DE TAVIRA, EM
Recorrido 1:A.............. E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. EMPET-PARQUES EMPRESARIAIS DE TAVIRA, E.M. [EMPET] - actualmente «EMPET-PARQUES EMPRESARIAIS DE TAVIRA, E.M., LIMITADA - EM LIQUIDAÇÃO» - «reclama» do acórdão deste STA, proferido nestes autos em 09.01.2020, invocando para tal os artigos 614º, nº1, 615º, nº1, alínea d), e 616º, nº2, alíneas a) e b), do CPC - aplicáveis ao abrigo dos artigos 685º do CPC e 140º do CPTA.

Alega, e em síntese, o seguinte:

- Que o acórdão reclamado deverá ser «rectificado» [artigo 614º nº1 do CPC] porque dos pontos LL) OO) W) QQ) TT) XX) GGG) PPP) e NNN) do provado resulta que o valor que estará em dívida é o de 1.712.773,32€, já com IVA incluído, e não o montante a que leva a condenação proferida;

- Que o acórdão reclamado deverá ser «reformado» [artigo 616º nº2 alíneas a) e b), CPC], porque não atendeu aos pontos YY), AAA), CCC), EEE) e GGG) do provado, porque não atendeu à confissão do autor que consta do ponto GGG) do provado, porque os montantes facturados nas várias alíneas dos pontos KK) MM) PP) QQ) RR) SS) do provado já incluem IVA, razão pela qual não será devido IVA sobre a quantia de 3.850.168,31€, e ainda porque viola o direito a um processo equitativo [artigo 20º, nº4, da CRP] ao condená-la a pagar ao autor quantia superior à devida;

- Que o acórdão reclamado padece de «nulidade» por omissão de pronúncia [artigo 615º, nº1 alínea d), do CPC], porque não se pronunciou sobre os pagamentos referidos nos pontos YY), AAA), CCC), EEE) e GGG) do provado, nem sobre a confissão do autor, que consta de GGG) do provado, nem sobre os seus pontos LL) OO) W) QQ) TT) XX) PPP) NNN), nem sobre a questão da multa [que devia ser deduzida ao montante devido ao autor] nem sobre a questão dos juros de mora do credor.

Termina pedindo a «revogação» do acórdão reclamado, ou, se assim não se entender, a «correcção» do mesmo ou a sua «reforma» no sentido da reclamante ser condenada a pagar quantia não superior a 1.712.773,32€, com IVA incluído, ou se assim não se entender, quantia não superior a 564.613,53€, a que acresceria o IVA sobre a quantia mencionada no dispositivo do acórdão reclamado, à taxa legal então aplicável de 21% [3.850.168,31€ x 21% = 808.535,35€], no total de 1.373.148,88€ [564.613,53€ + 808.535,35€], devendo, em qualquer dos casos, ser deduzida do valor de 791.022,85€ correspondente à multa contratual aplicada, e juros de mora apenas sobre as quantias acima mencionadas.

2. O consórcio autor da acção - e recorrido na «revista» - respondeu a esta reclamação da ré na acção - e recorrente na «revista» - advogando o seu total indeferimento uma vez que mais não traduz do que a discordância da reclamante com julgamento realizado no acórdão reclamado.

II. Apreciação

1. A lei processual - CPC ex vi 140º, nº3, do CPTA - diz que proferida a sentença - ou acórdão - fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo-lhe lícito, porém, rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença - ou acórdão - nos termos que nela são fixados [artigo 613º do CPC].

É assim que poderá rectificar erros de escrita ou de cálculo, ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto; poderá suprir nulidades por omissão de pronúncia; e poderá, não cabendo recurso da decisão, reformar o acórdão quando, por manifesto lapso seu, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, e ainda quando constem do processo documentos, ou outro meio de prova plena que, só por si, implique necessariamente decisão diversa da que foi proferida [artigos 614º, nº1, 615º, nº1 alínea d), 616º, nº2 alíneas a) e b), do CPC].

Atenta a necessária preservação da segurança jurídica, estas excepções ao esgotamento do poder jurisdicional são taxativas e de interpretação restritiva.

Ora, a «rectificação» reclamada pela EMPET não pressupõe qualquer correcção de erro de escrita ou de cálculo, nem qualquer correcção devida a omissão ou lapso manifesto. A reclamante discorda, isso sim, é do julgamento efectuado por este tribunal que, em seu entender, não julgou, de direito, em conformidade com a matéria de facto contida nos indicados pontos do provado [LL) OO) W) QQ) TT) XX) GGG) PPP) e NNN)].

E o mesmo se diga relativamente à sugerida «reforma» do acórdão. Lido todo o texto do mesmo, não se detecta qualquer erro na determinação de normas aplicáveis ou na qualificação jurídica de factos atribuível a lapso manifesto do julgador, nem, dos autos, consta qualquer meio de prova plena que imponha só por si decisão diversa da que foi proferida. O que se constata é que o tribunal encarou a factualidade reclamada [YY), AAA), CCC), EEE), GGG), KK), MM), PP), QQ), RR), SS), do provado], numa perspectiva diversa daquela que foi arguida pelo reclamante, isto é, perante a factualidade gregária que consta do provado, insusceptível de conduzir o tribunal a juízos assertivos sobre o montante em dívida, valorou particularmente a confissão de dívida feita pela ré, e foi essencialmente a partir dela que formulou o juízo sobre o que estava em dívida e sobre a inclusão ou não do respectivo IVA.

Mais uma vez, pois, o que está em causa nesta reclamação é a discordância da agora reclamante com o julgamento de direito efectuado no acórdão, sendo que este alegado erro não constitui, porque a lei não o permite, objecto de reforma do acórdão, e sendo certo que esta situação de eventual erro de julgamento de direito não se traduz numa violação do direito a um processo equitativo, como parece entender a reclamante.

Aquilo que a EMPET reclama a título de rectificação e de reforma do acórdão, é por ela usado, também, para arguir a «nulidade» do acórdão por omissão de pronúncia. Mas o certo é que a sua arguição alicerçada nos diversos pontos factuais invocados [LL) OO) W) QQ) TT) XX) GGG) PPP), NNN), YY), AAA), CCC), EEE), KK), MM), PP), RR), SS)] não configura a omissão de pronúncia sobre qualquer questão no sentido em que esta deverá ser entendida para o efeito de provocar a nulidade do acórdão [Antunes Varela, RLJ, Ano 122º, página 112; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, página 143; e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228; entre outros, AC STJ de 09.10.2003, Rº03B1816; AC STJ de 12.05.2005, Rº05B840; AC STA/Pleno de 21.02.2002, Rº034852; AC STA de 02.06.2004, Rº046570; e AC STA de 10.03.2005, Rº046862].

Não assim no tocante à invocada omissão de pronúncia sobre a «multa contratual» e sobre a «mora do credor», pois aqui estamos perante verdadeiras questões.

Porém, note-se que a «multa contratual» foi conhecida no acórdão reclamado a título de nulidade imputada ao acórdão aí recorrido, e tirado pelo tribunal de apelação. Na verdade, a apelante arguiu que o acórdão recorrido omitira pronúncia sobre a questão da multa contratual, definitivamente julgada pelo Supremo Tribunal [AC STA de 25.11.2015, in Rº1309/13], tendo-se escrito no acórdão reclamado, a esse respeito, nomeadamente o seguinte:

[…]

Porém, a mera junção desse aresto, que manteve a multa aplicada ao consórcio empreiteiro, não se arvorou em «questão» que se impusesse ao TCAS conhecer oficiosamente. De facto, para além do TCAS carecer de qualquer elemento factual sobre a multa no acervo provado nos autos, também desconhecia «se a mesma já tinha, ou não, sido paga pelo consórcio empreiteiro», de tal modo que a sua «dedução» no montante da condenação surgiria como aleatória e até temerária.

[…]

Temos, pois, que a questão que se impunha ao tribunal de revista conhecer era, não a da multa contratual propriamente dita, mas antes a da invocada omissão de pronúncia do tribunal de apelação sobre a dedução da multa no montante da condenação. E tal questão foi, obviamente, apreciada e indeferida.

A um juízo semelhante se chega relativamente à questão da mora do credor, que foi, em sede de apelação, invocada a título de omissão de pronúncia por parte do acórdão aí recorrido.

E a esse respeito escreveu-se no acórdão reclamado, além do mais, o seguinte:

[…]

Resulta ainda, diz [a aí apelante], de documentos juntos aos autos, que o consórcio credor se constituiu em mora relativamente à dação em pagamento referida nos pontos AA) e PPP) do provado, pois que, sem motivo justificado, protelou a respectiva escritura de transmissão da propriedade dos lotes. E defende que esta mora do credor «deveria ter sido apreciada pelo TCAS» já que se repercutia na responsabilidade pelos respectivos juros [artigos 813º e 814º do Código Civil].

[…]

«Por seu turno, constata-se que também nada consta - no mesmo acervo provado - sobre o lastro factual indispensável ao preenchimento dos requisitos legais da mora do credor, razão bastante para não se impor à 2ª instância o conhecimento oficioso de uma questão que, objectivamente, não se lhe impunha como pertinente.

Também aqui - como se vê - a questão a conhecer era a da alegada nulidade por omissão de pronúncia imputada ao acórdão aí recorrido, questão que foi claramente conhecida.

2. Ressuma do exposto, assim, que deverá ser julgada totalmente improcedente esta reclamação apresentada pela EMPET, enquanto ré na acção e recorrente na revista.

III. Decisão

Nestes termos, decidimos julgar improcedente a presente reclamação.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2020. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.