Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01327/12
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PRINCÍPIO PRO ACTIONE
REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:I - O facto de a impugnação judicial respeitar a IVA e a IRC - sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento - não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de impostos (art. 104º do CPPT).
II - Decorrendo as liquidações adicionais de um mesmo facto, que foi a alteração da matéria tributável, efectuada por métodos indirectos, e baseando-se a anulação das liquidações adicionais no mesmo fundamento de facto e de direito, exigências de racionalidade de meios, da celeridade da decisão e até para evitar decisões contraditórias, tudo aponta também no sentido das liquidações em causa serem analisadas na mesma acção, devendo o art. 104º do CPPT ser interpretado à luz do princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efectiva.
III - Tendo o Mmº Juiz “a quo” fixado o prazo de um mês, a contar do trânsito em julgado da decisão, para os recorrentes apresentarem novas petições, se o presente recurso não tivesse efeito suspensivo, o seu provimento de nada valeria aos recorrentes, pelo que ao recurso deveria sempre ser atribuído efeito suspensivo pelo facto de o efeito devolutivo afectar o efeito útil do mesmo, nos termos do disposto no art. 286º, nº 2, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068163
Nº do Documento:SA22013030601327
Data de Entrada:11/30/2012
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART74 N3 ART92
CPPTRIB99 ART104 ART286 N2 ART199 N4 ART195
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0747/12 DE 2012/10/24
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED PAG508-509
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……. e B…….., melhor identificados nos autos, deduziram impugnação judicial contra o despacho do Director de Finanças de Faro, de 26 de Dezembro de 2011, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que decidiu absolver a Fazenda Pública da instância, podendo os impugnantes, apresentar novas petições, no prazo de um mês.

2. Não se conformando, os então impugnantes vieram interpor recurso para o STA, formulando as seguintes Conclusões das suas Alegações:
“A) Os ora Recorrentes na sua impugnação que deu origem aos autos em referência formularam um único pedido que foi o de ser anulado judicialmente o despacho do senhor Director de Finanças de Faro de 26 de Dezembro de 2011, que, homologando o parecer do perito tributário e admitindo como legal a adopção de métodos indirectos e indiciários, alterou a matéria tributável dos ora Recorrentes, relativamente aos anos de 2007 e 2008.
B) As consequências legais directamente decorrentes dessa peticionada anulação serão, obviamente, as anulações das liquidações adicionais de IRS e de IVA referentes a tais anos.
C) É claro que os ora Recorrentes, por tal impugnação, atacaram tal despacho por o considerarem ilegal e para obterem como consequência dessa pretendida anulação, as anulações das liquidações adicionais de IRS e de IVA referentes a tais anos.
D) Se esse Supremo Tribunal, ao contrário do entendimento ora expendido, vier a considerar, como o fez o senhor Juiz recorrido, que os ora Recorrentes em tal impugnação, o que peticionaram substancialmente foi a anulação de tais liquidações adicionais,
E) Então, deverão Vossas Excelências, contrariamente ao sustentado no despacho recorrido, considerar que tal cumulação dos pedidos é legalmente admissível, atento o disposto na segunda parte do artigo 104.º do C.P.P.T., pois que, a anulação de tais liquidações adicionais de IRS e de IVA decorre e fundamenta-se de facto e de Direito no mesmo acto tributário que consistiu na alteração da matéria tributável dos ora Recorrentes referentes aos anos de 2007 e 2008.
F) O despacho recorrido, ao considerar ilegal tal cumulação de pedidos e ao absolver da instância a Fazenda Nacional, interpretou e aplicou erradamente ao caso concreto o disposto na segunda parte do artigo 104.º do C.P.P.T,
G) Termos em que deve ser revogado por esse Supremo Tribunal com todas as consequências legais, quais sejam as de determinar o prosseguimento dos autos em referência para prolação de sentença.
H) Ao presente recurso deverá ser atribuído por esse Supremo Tribunal efeito suspensivo, contrariamente ao determinado pelo Mmº Juiz “a quo” que fixou o efeito meramente devolutivo, pois que, os ora Recorrentes prestaram garantia considerada suficiente pela Administração Fiscal para suspender a execução, o que se requer, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 286.º do C.P.P.T.
Assim julgando, como se espera farão Vossas Excelências a habitual Justiça.”

3. Não houve contra-alegações.

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, de acordo com o douto Parecer, onde se pode ler, entre o mais que: “Da norma constante do art. 104.º C.P.P.T, sob a epígrafe “cumulação de pedidos e coligação de autores”, resulta que para ser possível a cumulação de pedidos em impugnação têm de estar reunidos 3 requisitos:
a) identidade da natureza dos tributos;
b) identidade dos fundamentos de facto e de direito; e
c) identidade do tribunal competente para a decisão.
E com a identidade da natureza de tributos quis o legislador que se distinguisse conforme a natureza dos tributos, conforme fossem sobre o património, sobre o rendimento e sobre o consumo, sendo esta classificação a que resulta do art. 104.º da CRP, como do Direito Comunitário Europeu - assim, ac. do S.T.A. de 27-4-05, proferido no proc. 1897/03, acessível em www.dgsi.pt.
Ora, no caso concreto, os impugnantes cumularam pedidos quanto a IRS e IVA, cuja natureza, sendo, respectivamente, de imposto sobre o rendimento e sobre o consumo, é assim diferente.
Bem se decidiu ao se absolver a F.P. da instância -art. 288.º do C.P.C..
A consequência é a de os impugnantes poderem apresentar novas impugnações relativas a cada um dos impostos no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão final proferida no presente processo por aplicação do subsidiariamente previsto no art. 47º n.º 5 do C.P.T.A. /art. 2.º al. c) C.P.P.T (…)”.

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

2. DE FACTO E DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Em resultado de acção de inspecção externa à contabilidade do restaurante “C…….”, a Administração Tributária, recorrendo à adopção de métodos indiciários, propôs a realização de correcções à determinação da matéria tributável referente aos exercícios de 2007 e 2008.
Após pedido de revisão da matéria tributável por métodos indirectos, o perito da Administração Tributária manteve as liquidações adicionais de IRS referentes aos exercícios de 2007 e 2008, nos montantes de 92.855,18€ e 78.847,06€, respectivamente, tendo proposto, consequentemente, que os rendimentos líquidos desses exercícios fossem fixados em 131.939,82 € e 118. 921,64€, e que em matéria de IVA, também para esses anos de 2007 e 2008, fossem liquidados adicionalmente os montantes de 11.141,63 € e 9. 461,65€.
Por Despacho do Director de Finanças do Porto, de 26 de Dezembro de 2011, foi homologado o parecer do Perito da Administração Tributária no sentido apontado, tendo desta forma sido revista, em termos definitivos, a matéria tributável, nos termos do disposto no art. 92º da LGT.
Inconformados, os recorrentes deduziram impugnação, podendo ler-se na respectiva Petição inicial que visam impugnar tal decisão, com fundamento em ilegalidade decorrente da errónea quantificação dos rendimentos determinada por métodos indiciários, invocando, entre o mais, que, enquanto concessionários do referido restaurante, auferiram em 2007 o rendimento sem IVA no montante de 553.603, 20 €, e, em 2008, no montante de 509.997,68 €, sem IVA, conforme demonstração de resultados referentes a esses dois anos.
Ao longo da Petição, os impugnantes questionam a legalidade da adopção de métodos indirectos pela Administração Tributária para proceder à rectificação da matéria tributável, uma vez que no caso não se verificou nenhuma das circunstâncias que, em sede abstracta e genérica, permitam à Administração Fiscal recorrer à adopção de métodos indirectos para proceder à rectificação quantitativa da matéria tributável (art.128º da Petição de Impugnação), pelo que, “atento o disposto no nº 3 do art. 74º da Lei Geral Tributária, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação” (art. 129º da Petição de Impugnação).
Os impugnantes terminam pedindo:
· “(…) que a impugnação judicial seja “julgada provada e procedente e, em consequência, anulado o acto impugnado, com todas as consequências legais.
· “(…) Cabendo à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indirectos para a determinação da matéria tributável, uma vez que no caso em apreço não se verificou qualquer razão que permita considerar a existência de dúvida fundada quanto à quantificação da matéria tributável; (…)”.
A Fazenda Pública, notificada para contestar a impugnação, veio invocar que, estando em causa pedidos relativos a IRS e a IVA, tributos de natureza distinta, a cumulação seria ilegal, por força do estatuído no art. 104º do CPPT, sendo admissível o convite à parte para indicar qual a impugnação que pretende ver apreciada, à luz do disposto no art. 4º, nº 5, e 47º, nº 5, do CPTA, ex vi do art. 2º, alínea c), do CPPT.
Na sequência da notificação do despacho de 9/7/2012, proferido pelo Mmº Juiz “a quo”, onde se pode ler, entre o mais, “(…) notifique a Impugnante para, no prazo de 10 dias, indicar o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição quanto a todos os pedidos….”, vieram os impugnantes informar que o “pedido que pretendem ver apreciado no processo é o referente às liquidações de IRS”.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi proferido despacho, em 13 de Setembro, de 2013, com o seguinte conteúdo:
“Na petição inicial, os Impugnantes declararam pretender a análise “do despacho do Director de Finanças de Faro, de 26 de Dezembro de 2011, que, na sequência da acção de inspecção externa à contabilidade do restaurante “C…..” de que são concessionários, homologou o parecer do perito da Administração Tributária que, recorrendo à adopção de métodos indiciários, efectuou correcções à determinação da matéria tributável de IRS e IVA”.
Todavia, a fls. 534 vieram “informar que o pedido que pretendem ver apreciado no processo é o referente às liquidações de IRS” que, aliás, não são devidamente identificadas no articulado inicial, havendo uma mera referência ao seu montante.
Ora, embora os Impugnantes tenham posto em crise, literalmente, o despacho do Director de Finanças de Faro, resulta da posição assumida pelas partes (a Fazenda a fls. 530 e os Impugnantes a fls. 534), que aquilo que é verdadeiramente pretendido é a anulação das liquidações de IRS e IVA.
Mas, para o efeito, dada a insuficiência do articulado inicial (uma vez que se centrou no ataque a outro acto que não os de liquidação) e, uma vez que o processo se encontra na fase inicial, afigura-se-me que a melhor solução, tendo em vista a maior facilidade na tramitação e instrução do processo – que já tem 534 fls. antes da contestação – é começar de novo com foco no ataque às liquidações, que não ao despacho do Director.
Assim, face à cumulação ilegal de pedidos (IRS e IVA – cfr. art. 104º do CPPT), será a Fazenda absolvida da instância (art. 288º CPC), podendo ser apresentadas novas petições, no prazo de 1 mês a contar do trânsito em julgado desta decisão (art. 47º, nº. 6, CPTA).
Termos em que se absolve a Fazenda da instância. Sem custas.”
Contra este entendimento, vem o presente recurso, em que os recorrentes alegam, em síntese:
· “(…) na sua impugnação que deu origem aos autos em referência formularam um único pedido que foi o de ser anulado judicialmente o despacho do senhor Director de Finanças de Faro de 26 de Dezembro de 2011, que, homologando o parecer do perito tributário e admitindo como legal a adopção de métodos indirectos e indiciários, alterou a matéria tributável dos ora Recorrentes, relativamente aos anos de 2007 e 2008.
· “(…) É claro que os ora Recorrentes, por tal impugnação, atacaram tal despacho por o considerarem ilegal e para obterem como consequência dessa pretendida anulação, as anulações das liquidações adicionais de IRS e de IVA referentes a tais anos.
Alegam ainda os recorrentes que se se entender que “em tal impugnação, o que peticionaram substancialmente foi a anulação de tais liquidações adicionais”, então, “(…)”, contrariamente ao sustentado no despacho recorrido, deverá considerar-se “que tal cumulação dos pedidos é legalmente admissível, atento o disposto na segunda parte do artigo 104.º do C.P.P.T., pois que, a anulação de tais liquidações adicionais de IRS e de IVA decorre e fundamenta-se de facto e de Direito no mesmo acto tributário que consistiu na alteração da matéria tributável dos ora Recorrentes referentes aos anos de 2007 e 2008”.
Em face do exposto, a questão a decidir é a de saber se o despacho recorrido, ao considerar ilegal a cumulação de pedidos e ao absolver da instância a Fazenda Pública, interpretou erradamente o art. 104º do CPPT.
No ponto H das Conclusões, os recorrentes pedem ainda que seja atribuído ao recurso “(…) por esse Supremo Tribunal efeito suspensivo, contrariamente ao determinado pelo Mmº Juiz “a quo” que fixou o efeito meramente devolutivo, pois que, os ora Recorrentes prestaram garantia considerada suficiente pela Administração Fiscal para suspender a execução, o que se requer, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 286.º do C.P.P.T.”

Vejamos.

3. Quanto ao erro de julgamento sobre a cumulação ilegal de pedidos

1. Como vimos, a dado passo do despacho recorrido pode ler-se que embora os impugnantes “tenham posto em crise, literalmente, o despacho do Director de Finanças de Faro, resulta da posição assumida pelas partes (a Fazenda a fls. 530 e os Impugnantes a fls. 534), que aquilo que é verdadeiramente pretendido é a anulação das liquidações de IRS e IVA”.
Mas, a ser assim, se bem se entende o despacho reclamado, então, “dada a insuficiência do articulado inicial (uma vez que se centrou no ataque a outro acto que não os de liquidação)”, conclui o Mmº Juiz “a quo” que “a melhor solução, tendo em vista a maior facilidade na tramitação e instrução do processo (…) será começar de novo com foco no ataque às liquidações, que não ao despacho do Director”, concluindo pela ilegalidade da cumulação de pedidos (IRS e IVA) em face do disposto no art. 104º do CPPT.
Ora, salvo o devido respeito, em primeiro lugar, não se percebe o alcance do despacho recorrido quando defende que os recorrentes em vez de impugnarem o despacho do Director de Finanças de Faro, de 26 de Dezembro de 2011, deveriam antes ter atacado as liquidações de IVA e de IRS.
Em relação a este aspecto do problema que vem posto, afigura-se que assiste razão aos recorrentes quando alegam que ao impugnarem o referido despacho, por o considerarem ilegal, têm como objectivo alcançar como consequência dessa pretendida anulação, as anulações das liquidações adicionais de IRS e de IVA referentes aos anos em causa (ponto C das Conclusões).
Como se pode ler das Alegações dos recorrentes, o despacho do Director de Finanças de Faro, proferido ao abrigo do art. 92º da LGT, “fixou administrativamente, de forma definitiva, a matéria tributável relativamente a esses dois anos, admitindo como correcta a adopção de métodos indirectos (cfr. ponto 11º das Alegações).
E no art. 12º das Alegações pode ler-se que “Da fixação da matéria tributável, corrigida para mais, nos montantes atrás referidos, resultou, consequentemente, uma liquidação adicional de IRS e de IVA”.
E, como realçam os recorrentes, no art. 16º das Alegações, “Foi esse despacho do senhor Director de Finanças de Faro de 26 de Dezembro de 2011 que, em definitivo, efectuou correcções à determinação da matéria tributável referente aos exercícios de 2007 e 2008, homologando o parecer do perito da Administração Tributária que, recorrendo à adopção de métodos indiciários, propôs correcções à determinação de tal matéria em tais anos”.
Por isso, segundo alegações dos recorrentes, é de tal despacho que resultou uma liquidação adicional definitiva de IVA e de IRS, ou seja, “essas liquidações adicionais de IRS e de IVA referentes aos anos de 2007 e 2008 decorreram de um mesmo facto, que foi a alteração da matéria tributável, efectuada por métodos indirectos…” (art. 20º das Alegações).
Em face do exposto, afigura-se que assiste razão aos recorrentes quando concluem que impugnaram, como não podia deixar de ser, o Despacho do Director de Finanças de Faro de 26 de Dezembro, “por o considerarem ilegal e para obterem como consequência dessa pretendida anulação, as anulações das liquidações adicionais de IRS e de IVA referentes a tais anos”. No fundo, as liquidações adicionais não são mais do que mera consequência do referido despacho e, como afirmam os recorrentes, no art. 31º das Alegações do presente recurso, “É evidente que, em última análise, o que os ora recorrentes pretenderam com a impugnação que deu origem aos autos em referência foi que as liquidações adicionais de IRS e de IVA fossem anuladas (…)”.
Não se concorda, pois, que, como julgado, que “se verifique insuficiência do articulado inicial (uma vez que se centrou no ataque a outro acto que não os de liquidação)…”
Não obstante o exposto, o Mmº Juiz “a quo” conclui que os recorrente pretendem a anulação das liquidações, mas decidiu que, tratando-se de liquidação adicional de IRS e de IVA, estaríamos perante uma “cumulação ilegal de pedidos, segundo estatuído no art.104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.

2. Acontece que, relação a este aspecto do problema, não podemos acompanhar o despacho objecto do presente recurso.
Como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/10/2012, proc nº 747/12 “(…) as impugnações respeitam a IVA e a IRC, sendo o IVA um imposto sobre a despesa e tratando-se do IRC um imposto sobre o rendimento. Estamos, contudo, em ambos os casos, perante tributos com a natureza de impostos, razão pela qual entendemos não faltar no caso dos autos o requisito da “identidade da natureza dos tributos”.
É esta, segundo nos parece, a interpretação do artigo 104.º do CPPT que, cabendo na letra da lei, obsta a que a especialidade criada pelo CPPT quanto à cumulação de impugnações (afastando-a do regime do processo administrativo a que antes deste diploma a cumulação de pedidos e de impugnações se sujeitava – cfr. o artigo 38.º n.ºs 1 e 3 da LPTA e afastando-a da hoje consagrada nos artigos 4.º, n.º 5 e 47.º, n.º 4 do CPTA), restrinja de forma injustificada, e sem que para tal houvesse habilitação na respectiva lei de autorização legislativa (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), a possibilidade de deduzir cumulativamente impugnações de actos tributários respeitantes a impostos diversos mas assentes em idênticos fundamentos fácticos e jurídicos, a aconselhar, por isso, em prol da racionalidade de meios, da celeridade da decisão e do são objectivo de evitar decisões contraditórias, a sua apreciação na mesma acção.
Ao contrário do que se estabelece no n.º 2 do artigo 71.º do CPPT para a cumulação de pedidos de reclamação administrativa, o legislador não exige no artigo 104.º a “identidade do tributo”, exige apenas a identidade “da natureza “destes, o que remeterá para a classificação de tributos, atenta a sua diversa natureza, estabelecida nos números 1 e 2 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária.
O facto de os impostos em causa incidirem sobre manifestações diversas de capacidade contributiva não obsta pois, segundo cremos e ao contrário do decidido, a que os autos prossigam, pois não houve ilegal cumulação de impugnações”.
Para além da mencionada jurisprudência, afigura-se importante realçar que, no caso em apreço, as liquidações adicionais em causa decorreram de um mesmo facto, que foi a alteração da matéria tributável, efectuada por métodos indirectos, homologada pelo despacho impugnado. E, por conseguinte, a eventual anulação das liquidações adicionais, na sequência da anulação do referido despacho, decorrem do mesmo fundamento de facto e de Direito e da anulação do mesmo despacho.
Com efeito, o que os recorrentes verdadeiramente questionam e constitui a causa de pedir é a utilização pela Fazenda Pública de métodos indirectos para proceder às correcções da matéria tributável e que originou as liquidações adicionais de IRS e de IVA.
Em face do exposto, tendo presente as circunstâncias concretas que o caso convoca, afigura-se que, por força do princípio pro actione, enquanto corolário do direito à tutela judicial efectiva, na dimensão em que impõe a eliminação de formalismos processuais que afectem desrazoavelmente a protecção judicial dos cidadãos, deve o art. 104º do CPPT ser interpretado no sentido de não constituir obstáculo ao prosseguimento da presente impugnação. É que para além do já sublinhado quanto à identidade de causa de pedir, a verdade é que a proceder a impugnação judicial a consequência será a anulação das correcções e consequentes liquidações pelo facto de se terem baseado em métodos indirectos, o que implicará a elaboração de novo relatório de inspecção. Em face deste circunstancialismo, por exigências de racionalidade de meios, da celeridade da decisão e tendo presente o objectivo de evitar decisões contraditórias, tudo aponta no sentido das liquidações em causa serem analisadas na mesma acção.
Atendendo às características que rodeiam a questão, tem de concluir-se que não havia fundamento para o indeferimento liminar da petição de impugnação judicial, havendo que revogar a decisão recorrida que o decretou e determinar a baixa dos autos para que prossigam, se a tal nada mais obstar.

4. Quanto ao efeito suspensivo do recurso.

Nos termos do disposto no art. 286º, nº 2, do CPPT, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.
Em anotação ao referido preceito, pondera JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas editora, 2011, pp. 508/09.) que “(…) o que está em causa, na atribuição de efeito devolutivo ou suspensivo e na apreciação do efeito útil do recurso, é a própria suspensão de efeitos da decisão recorrida e não do processo em que ela foi proferida.”
O nº 2 do art. 286º do CPPT fala em prestação de garantia, sendo que para além das situações previstas no art. 199º do CPPT, deverá igualmente atribuir-se efeito suspensivo ao recurso sempre que a dívida esteja garantida quer por penhora, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, quer por constituição de hipoteca legal ou penhor, como se prevê no art. 195º do CPPT.
Alegam os recorrentes que ao presente recurso deve ser atribuído efeito suspensivo e não devolutivo, tal como fixado pelo Juiz “a quo” uma vez que “(…)prestaram garantia considerada suficiente pela Administração Fiscal para suspender a execução, conforme documento que anexaram aos autos.
O mencionado documento (junto aos autos a fls. 565 e 566) consiste numa cópia da certidão de registo de hipoteca voluntária sobre um imóvel constituída a favor da Fazenda Pública), com expressa referência de que se trata de uma garantia a prestar no âmbito do processo de execução fiscal nº 1058201201029592, a correr termos no Serviço de Finanças de Faro.
Note-se, porém, que, no caso sub judice, até pela natureza liminar do despacho em causa, a este propósito não vem fixada matéria de facto, nada se sabendo quanto ao facto de tal garantia ter sido considerada suficiente pela Administração Fiscal, como alegam os recorrentes.
De qualquer modo, ao presente recurso deveria sempre ser atribuído efeito suspensivo pelo facto de o efeito meramente devolutivo afectar o efeito útil do mesmo, nos termos do fixado no art. 286º, nº 2, do CPPT.
Na verdade, a situação dos autos enquadra-se naquelas em que a execução imediata do despacho recorrido, tornaria inútil o presente recurso em caso de provimento. Recorde-se que tendo o Mmº Juiz “a quo” fixado o prazo de um mês, a contar do trânsito em julgado da decisão, para os recorrentes apresentarem novas petições, se o presente recurso não tivesse efeito suspensivo, o seu provimento de nada valeria aos recorrentes, em virtude de entretanto se verificar a preclusão do referido prazo.
Termos em que deve igualmente ser revogado o despacho do Mmº Juiz “a quo”, de fls. 544 dos autos, em que fixou o efeito meramente devolutivo ao presente recurso.

III- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conceder provimento ao recurso e:
a) revogar a decisão recorrida que decidiu pela absolvição da instância, devendo os autos baixar à primeira instância para prosseguirem, se nada mais obstar.
b) revogar o despacho que fixou o efeito devolutivo ao presente recurso, fixando-se ao mesmo o efeito suspensivo.

Sem custas.
Lisboa, 6 de Março de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.