Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0347/13
Data do Acordão:07/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
IVA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Sumário:O crédito exequendo de IVA, embora não precise de ser reclamado (nº 2 do artigo 240º do CPPT), perde a preferência decorrente do privilégio mobiliário geral que, em princípio, lhe assistiria (artigo 736º, nº 1, do CC), no caso de bem penhorado na execução fiscal ser um veículo automóvel (artigo 865º, nº 4, alínea a), do CPC).
Nº Convencional:JSTA00068328
Nº do Documento:SA2201307030347
Data de Entrada:03/04/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC39 ART865 N4 A ART736 N1.
CPPTRIB99 ART240 N2.
CIRS01 ART111.
CIRC01 ART108
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0210/10 DE 2010/11/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I- RELATÓRIO

1. Por apenso à execução fiscal instaurada contra A……., L.DA, com os sinais dos autos, B…….., S. A., e a FAZENDA PÚBLICA deduziram admissão, graduação e reclamação de créditos provenientes de IVA, IRC, COIMAS e IRS, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, o qual, julgou verificados e reconhecidos os créditos reclamados, suportados pelo produto da venda dos bens penhorados.

2. Não se conformando com tal decisão, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando, após aperfeiçoamento da 2ª Conclusão, as Alegações, com as seguintes Conclusões:
“1. No âmbito do processo de execução fiscal n.° 0140200701006770, que corre termos no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, para cobrança coerciva das dívidas provenientes de IRC dos anos de 2004 e 2005, foi, em 22/07/2008, penhorado o veículo automóvel do tipo ligeiro de mercadorias, marca Toyota, modelo Dyna 150, matricula ……. , do ano de 1991, tendo a referida penhora sido registada definitivamente pela Ap. 10105 de 22/07/2008, garantindo a quantia exequenda no montante de €22.851,49;
2. Pela Fazenda Pública, na sequência de notificação nos termos do artigo 243.° do CPPT, foram reclamados créditos respeitantes a IVA referente ao período de tributação de Outubro a Dezembro do ano de 2003, IRC, referente ao ano de 2006, Coimas e Encargos de Processos de Contra-Ordenação, referentes ao ano de 2008, os quais gozam de garantia dada pelas penhoras do bem penhorado no processo principal, registadas em 20/11/2008, 12/5/2009, respectivamente, e IRS, referente aos anos de 2007 e 2008;
3. A sentença recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação do Direito, porquanto a mesma omitiu o reconhecimento e a verificação dos créditos reclamados de IVA, do ano de 2003, e de Coimas e Encargos de Processos de Contra-Ordenação, do ano de 2008, e respectivos juros de mora, os quais, beneficiavam de garantia dada pelas penhoras, registadas em 20/11/2008 e 12/05/2009, respectivamente, pelo que deveriam ter sido graduados em terceiro lugar;
4. Por outro lado, foi dado como assente na sentença que “Por apenso aos autos de execução fiscal n° 0140200701006770, instaurado contra a executada (...) para cobrança de dívidas relativas a IRC de 2004 e 2005 e correspondentes juros de mora (…)”, e no segmento decisório da mesma, que “(…) O crédito exequendo referente a IRS 2004 apenas beneficia de garantia de penhora.”, quando, na verdade, inexistem quaisquer créditos exequendos de IRS referente ao ano de 2004 (negrito nosso), graduando em terceiro lugar, “os restantes créditos exequendos e reclamados e respectivos juros de mora”, sendo certo que há créditos exequendos e reclamados tantos referentes a IRS como IRC.
6. Logo, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 240°, nºs 1 e 2, do CPPT, e 822°, n.° 1, do CC.
Nos termos vindos de expor e nos que V. ªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida substituindo-a por outra que admita, reconheça e gradue tais créditos no lugar que lhes competir, conforme se apresenta mais consentâneo com o
Direito e a Justiça,”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu o seguinte parecer:
“(…) Os créditos reclamados de I.V.A. não gozam de privilégio, mas apenas da garantia da penhora, o que é de sustentar com base no disposto no art. 865.º n.º 4 al. a) do C.P.C., em que se prevê genericamente que no caso da penhora de veículo não é admitida a reclamação com base em privilégio mobiliário ou imobiliário geral.
Tal o que vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência, conforme foi decidido no acórdão do S.T.A. de 10-11-10, proferido no proc. 0210/10.
Aliás, a F.P. não invoca já expressamente a existência de outro privilégio quanto a esse crédito e respectivos juros.
E quanto a coimas e encargos do processo de contra-ordenação de 2008 tal nem sequer tinha sido invocado na reclamação, mas apenas a garantia da penhora.
2.2 Quanto aos créditos exequendos de IRC de 2004 e 2005 e respectivos juros:
É de reconhecer poder ter havido um lapso quando se referir que o crédito exequendo de I.R.S. de 2004 que se referiu gozar apenas de garantia decorrente da penhora.
Com efeito, é o crédito exequendo de I.R.C. de 2004 e seus juros que se terá querido referir como gozando de tal garantia.
Certo é que o mesmo não goza de privilégio, não sendo de aplicar quanto ao mesmo o disposto no art. 116.º do C.I.R.C., mas o previsto no art. 949.º n.º 1 do C. Civil.
Por outro lado, quanto ao crédito exequendo de I.R.C. de 2005 e respectivos juros, tendo o mesmo sido graduado em 1.º lugar, o que não foi posto em causa, é de manter a graduação que quanto ao mesmo foi efectuada.
3. Conclusão.
O recurso parece ser de proceder, sendo ainda de verificar que os créditos reclamados de I.V.A. do ano de 2003, e de coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2008, e respectivos juros de mora, gozam de garantia resultante de registo.
É de corrigir a referência feita na verificação quanto ao crédito exequendo de I.R.S. de 2004 que é I.R.C. de 2004 e respectivos juros.
Resultando, assim, que os créditos referidos anteriormente se incluem na graduação efectuada em 3.º lugar como “restantes créditos exequendos e créditos reclamados” e que o crédito exequendo de I.R.C. de 2005, e respectivos juros foi graduado em 1.º lugar, é de manter no mais o decidido”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1. DE FACTO E DE DIREITO

Da sentença recorrida, que não autonomizou os factos dados como provados, extrai-se a seguinte factualidade:
“Por apenso aos autos de execução fiscal n° 0140200701006770, instaurado contra a executada “A…….., Lda.”, para cobrança de dívidas relativas a IRC de 2004 e 2005 e correspondentes juros de mora — no qual foi penhorado a 22 de Julho de 2008, o veículo automóvel do tipo ligeiro de mercadorias, marca Toyota, do ano de 1991, registada a 22 de Julho de 2008, vieram:
• B………, SA, reclamar o seu crédito no montante € 1.396,08. Tal crédito encontra-se garantido por penhora registada a 01 de Outubro de 2004;
• A Fazenda Pública, nos termos do artigo 240°, n° 2 do CPPT solicitar/reclamar a admissão e graduação de:
Créditos provenientes de IVA referentes aos meses de Outubro e Dezembro de 2003 e respectivos juros de mora;
Créditos provenientes de IRC referente ao ano de 2006 e respectivos juros de mora;
Créditos provenientes de coimas e outros encargos de processos de contra-ordenação referente ao ano de 2008 e respectivos juros de mora;
Crédito proveniente de IRS referentes aos anos de 2007 e 2008e respectivos juros de mora.
Notificado o exequente e a executada das reclamações de créditos apresentadas, não vieram impugná-la.
Não tendo sido impugnados e porque é de lei, haverão, assim, de se dar por verificados e reconhecidos todos os créditos reclamados”.

2. Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública contra a sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, julgando verificados e reconhecidos os créditos reclamados, graduou-os, para serem pagos pelo produto da venda dos bens penhorados, pela seguinte forma:
“1. Em primeiro lugar, os créditos referentes a IRC de 2005 e respectivos juros;
2. Em segundo lugar, gradua-se o crédito reclamado por B…….. e respectivos
juros;
3. Em terceiro lugar, os restantes créditos exequendos e reclamados e respectivos juros de mora;
…”
Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública argumentando, em síntese, que:
· Foi omitido “o reconhecimento e a verificação dos créditos reclamados de IVA, do ano de 2003, e de Coimas e Encargos de Processos de Contra-Ordenação, do ano de 2008, e respectivos juros de mora, os quais, beneficiavam de garantia dada pelas penhoras, registadas em 20/11/2008 e 12/05/2009, respectivamente, pelo que deveriam ter sido graduados em terceiro lugar”;
· “(…) foi dado como assente na sentença que “Por apenso aos autos de execução fiscal n° 0140200701006770, instaurado contra a executada (...) para cobrança de dívidas relativas a IRC de 2004 e 2005 e correspondentes juros de mora (…)”, e no segmento decisório da mesma, que “(…) O crédito exequendo referente a IRS 2004 apenas beneficia de garantia de penhora.”, quando, na verdade, inexistem quaisquer créditos exequendos de IRS referente ao ano de 2004 (negrito nosso), graduando em terceiro lugar, “os restantes créditos exequendos e reclamados e respectivos juros de mora”, sendo certo que há créditos exequendos e reclamados tantos referentes a IRS como IRC.
Em face das Conclusões das alegações, que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
a) Saber se ocorreu errada interpretação e aplicação do Direito ao ter sido omitido o reconhecimento e verificação dos créditos reclamados de IVA do ano de 2003, e de coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2008, e respectivos juros de mora;
b) Da relevância quanto à alegada divergência entre o que ficou a constar na matéria assente da sentença quanto a execução visar a cobrança de IRC de 2004 e 2005 e correspondentes juros e na parte decisória o crédito exequendo ser referente a “IRS 2004”.

3. 1. Em primeiro lugar, alega a Fazenda Pública, como vimos, que a sentença recorrida terá “omitido o reconhecimento e verificação dos créditos reclamados de IVA do ano de 2003, e de coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2008, e respectivos juros de mora”.
Vejamos.
Como se realça no douto parecer do Ministério Público, “(…) Os créditos reclamados de I.V.A. não gozam de privilégio, mas apenas da garantia da penhora, o que é de sustentar com base no disposto no art. 865.º n.º 4 al. a) do C.P.C., em que se prevê genericamente que no caso da penhora de veículo não é admitida a reclamação com base em privilégio mobiliário ou imobiliário geral”.
Na verdade, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros no Acórdão de 10/11/2010, proc nº 210/10, que “O crédito exequendo de IVA, embora não precise de ser reclamado (nº 2 do artigo 240º do CPPT), perde a preferência decorrente do privilégio mobiliário geral que, em princípio, lhe assistiria (artigo 736º nº1 do CC), no caso de bem penhorado na execução fiscal ser um veículo automóvel (artigo 865º, nº 4, alínea a) do CPC)”, como é o caso dos autos.
Aliás, como também refere o Ministério Público, a recorrente “não invoca já expressamente a existência de outro privilégio quanto a esse crédito e respectivos juros.
E quanto a coimas e encargos do processo de contra-ordenação de 2008 tal nem sequer tinha sido invocado na reclamação, mas apenas a garantia da penhora.”
O que vem questionado, repete-se, é tão-só a pretensa omissão da sentença recorrida quanto à graduação destes créditos.
Afigura-se, porém, que não assiste à recorrente qualquer razão.
O Mmº Juiz “a quo” começou por graduar em primeiro lugar o crédito respeitante a IRS de 2005, e, em segundo lugar, o crédito reclamado pela B……., e respectivos juros, o que não vem questionado.
De seguida, como os créditos reclamados referentes a IVA do ano de 2003, e de coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2008, e respectivos juros de mora, apenas gozam da garantia dada pela data das penhoras, encontravam-se, por conseguinte, em pé de igualdade na graduação com os demais créditos.
Assim sendo, entendeu o Mmº Juiz “a quo” graduá-los em bloco em 3º lugar, tendo para o efeito utilizado a expressão sugestiva “(…) em 3º lugar são graduados “os restantes créditos exequendos e reclamados e respectivos juros de mora”.
Neste contexto, afigura-se que tais créditos se consideram implicitamente graduados em terceiro lugar. No mesmo sentido, defende o Ministério Público, no seu douto Parecer, “(…) Resultando, assim, que os créditos referidos anteriormente se incluem na graduação efectuada em 3.º lugar como “restantes créditos exequendos e créditos reclamados”.
Improcedem, desta forma, as alegações da recorrente devendo improceder o recurso e manter-se a sentença recorrida.

3.2. Quanto à segunda questão, dispõe o artigo 111° do Código de Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares que “para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente”.
Por sua vez, de acordo com o artigo 108° do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas “para pagamento do IRC relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente”.
No caso dos autos, a sentença recorrida conclui, o que não vem questionado, que os créditos reclamados pela Fazenda Pública relativos a IRC e IRS “só usufruem da garantia de penhora — nos termos do artigo 865°, n° 4, al. a), do CPC”.
O que a Fazenda Pública questiona é, como vimos, em primeiro lugar, o facto de a sentença recorrida fazer referência, na parte decisória da sentença, a créditos relativos a IRS de 2004.
Todavia, como foi dado como assente, antes da parte decisória da sentença, que “Por apenso aos autos de execução fiscal n° 0140200701006770, instaurado contra a executada (...) para cobrança de dívidas relativas a IRC de 2004 e 2005 e correspondentes juros de mora” e resulta igualmente da própria certidão executiva junto aos autos (fls. 3 do apenso), que está em causa é o IRC e não o IRS.
Assim sendo, como facilmente se conclui terá havido mero erro ou lapso de escrita quando na respectiva fundamentação da sentença se fala em “crédito exequendo referente a IRS 2004 apenas beneficia de garantia de penhora”, sem qualquer relevo na validade da sentença recorrida.
No mesmo sentido se pronuncia, aliás, o Ministério Público, no seu douto Parecer, onde a este propósito se pode ler que:
“É de reconhecer poder ter havido um lapso quando se referir que o crédito exequendo de I.R.S. de 2004 que se referiu gozar apenas de garantia decorrente da penhora.
Com efeito, é o crédito exequendo de I.R.C. de 2004 e seus juros que se terá querido referir como gozando de tal garantia”.
Trata-se, por conseguinte, de um lapso ou erro de escrita, que se impõe corrigir, devendo ler-se “IRC 2004” onde se lê “IRS 2004”.

III- DECISÃO

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida na parte em que procede à graduação dos créditos reclamados.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 3 de Julho de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.