Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0835/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Sumário:I - Nos recursos jurisdicionais em que o Supremo Tribunal Administrativo tem meros poderes de revista, cabe nos seus poderes de cognição apurar factos processuais praticados no âmbito do processo judicial tributário.
II - Resultando dos elementos documentais juntos aos autos que as dívidas exequendas provenientes de liquidações de IMI dizem respeito ao imóvel penhorado, e sabido que, nos termos do nº 2 do artº 240º do CPPT, os créditos exequendos não carecem de ser reclamados, sendo incluídos na graduação de créditos e graduados no lugar que lhes compete, impunha-se reconhecer aos créditos exequendos relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006 (1ª prestação), porque inscritos para cobrança, respectivamente, em 2005, 2006 e 2007, isto é, inscritos para cobrança no ano da penhora e nos dois anos anteriores, o privilégio creditório especial de que gozam à luz do disposto no artigo 122º n.º 1 do CIMI e dos artigos 735º e 744º n.º 1 do Código Civil.
III - De todo o modo, se alguma dúvida houvesse, a Mmª Juiz a quo, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos arts. 809º e 265º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi dos arts. 2.º e 246º do CPPT, deveria ter promovido as necessárias diligências para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.
Nº Convencional:JSTA000P14887
Nº do Documento:SA2201211210835
Data de Entrada:07/18/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra nos autos de verificação e graduação de créditos apensos ao processo de execução fiscal instaurado contra A…… por dívidas de Contribuição Autárquica dos anos de 1999 a 2002, Imposto Municipal sobre Imóveis dos anos de 2003 a 2007, e IRS do ano de 2003, na parte em que não reconheceu aos créditos exequendos de IMI privilégio imobiliário especial sobre o prédio urbano penhorado na execução fiscal, com o argumento de não se encontrar documentado se tais créditos exequendos dizem ou não respeito ao imóvel penhorado.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida em primeira instância, no âmbito dos presentes autos, na parte em que não reconheceu que os créditos exequendos, resultantes de Imposto Municipal sobre Imóveis, gozassem de privilégio creditório imobiliário;

B. Salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão recorrida, entendemos que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos elementos probatórios constantes dos autos, bem como uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço;

C. Junto aos autos a fls. (...) encontra-se uma certidão de dívidas emitida pelo Serviço de Finanças de Sintra 4 (Queluz), na qual se encontram descriminadas todas as dívidas do executado, nomeadamente dívidas de IMI dos anos de 2004, inscritas para cobrança em 2005, de 2005 inscritas para cobrança em 2006 e de 2006 inscritas para cobrança em 2007 - 1ª prestação.

D. Da análise da referida certidão de dívidas, as dívidas de IMI supra identificadas dizem respeito ao imóvel penhorado “Prédios: 111107 - U - 04790 – Z”, pelo que contrariamente ao doutamente decidido, encontra-se documentado nos autos que os créditos exequendos referentes a IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006 (1ª prestação) dizem respeito ao imóvel penhorado e gozam de privilégio creditório nos termos da lei.

E. Dispõe o art.° 13º n.º 1 do CPPT, corporizando o principio do inquisitório que enforma todo o processo tributário, que: “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”.

F. In casu, desconhecendo se as dívidas exequendas respeitariam, ou não, ao imóvel penhorado nos autos de execução fiscal a que se refere o presente processo, a decisão de que os créditos exequendos de IMI não gozam de privilégio creditório imobiliário, enferma de erro de facto e de direito.

G. Face à insuficiência ou deficiência de prova, incumbia, salvo o devido respeito, à Meritíssima Juiz - no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art.° 13.º n.° 1 do CPPT - realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, não bastando, deste modo, a mera constatação de que se desconhecem os factos relevantes para a decisão.

H. E tanto mais assim deveria ser, porquanto, terá de se atender ao facto de os créditos exequendos não carecerem de ser reclamados.

I. Pelo que deveria ter sido solicitada essa informação ao órgão da execução fiscal onde corre termos o respectivo processo de execução fiscal;

J. Ao não ter sido efectuada essa solicitação verificou-se um défice instrutório, que influi na decisão da causa.

K. Na verdade, caso dúvidas existissem quanto à origem dos créditos exequendos referentes a IMI, deveria o Tribunal a quo, atentos os princípios do inquisitório, da cooperação e da descoberta da verdade, requerer que a Administração Fiscal procedesse à junção de documentos que identificassem as dívidas de IMI, o que não se verificou.

L. Os créditos por dívidas de IMI gozam de privilégio imobiliário, por força do disposto nos artigos 122º n.º 1 do CIMI e 744º n.º 1 do CC.

M. Resulta do probatório que a penhora do imóvel foi efectuada em 07.11.2007, pelo que beneficiam de privilégio creditório os créditos de IMI, respeitantes ao imóvel penhorado, inscritos para cobrança nos anos de 2005, 2006 e 2007.

N. Encontrando-se nestas condições os créditos exequendos de IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006 (1ª prestação) inscritos para cobrança, respectivamente em 2005, 2006 e 2007, discriminados na certidão de dívidas junta aos presentes autos. Devem, os mesmos, ser graduados de acordo com o privilégio creditório de que beneficiam.

O. A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, merecendo, por isso, ser revogada.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por entender que assiste razão à Recorrente, pois, a «recusa de reconhecimento dos créditos exequendos com fundamento na insuficiência de prova documental da correspondência daqueles com a fracção autónoma penhorada viola o princípio do inquisitório, segundo o qual o juiz deve realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade, poder funcional correlativo do dever das autoridades e repartições públicas prestarem as informações necessárias ao bom andamento dos processos (art. 99º n.º 1 LGT; art. 13º n.º 1 CPPT). No caso concreto os créditos exequendos controvertidos emergem do incumprimento de pagamento de IMI (anos 2004, 2005 e 2006 1ª prestação), inscrito para cobrança em 2005, 2006 e 2007 respectivamente, conforme resulta da compulsação da certidão de dívidas a fls. 28, cujo teor foi acolhido no probatório al. B). Neste contexto os créditos exequendos de IMI supra identificados devem ser graduados em 1º lugar, a par do crédito reclamado pela Fazenda Pública, igualmente proveniente de IMI (ano 2006 2ª prestação).».

1. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Da sentença recorrida resultam como provados os seguintes factos:
A. A B……, S.A., é detentora dos créditos garantidos por hipoteca registada em 29/12/1998 e por penhora registada em 25/05/2007, sobre o direito de superfície penhorado no processo de execução de que o presente constitui apenso, no montante de € 118.988,89 (cfr. fls. 6 a 26 e fls. 50 a 52 do PEF).

B. O crédito reclamado pela Fazenda Pública está titulado pela certidão de fls. 31 dos autos e diz respeito a IMI de 2006, inscrito para cobrança em 2007, referente ao imóvel penhorado na execução.

C. Os créditos exequendos respeitam a: Contribuição autárquica de 1999 a 2002; IMI de 2003 a 2007; IRS de 2003 - (cfr. fls. 2, 5, 8, 11, 14, 15, 17, 19, 30, 31, 42, 46 e 48 do processo de execução fiscal).

D. Em 07/11/2007 foi registada a penhora efectuada pela Fazenda Pública sobre o direito de superfície, cuja extinção ocorrerá em 2054, relativo à fracção autónoma designada pela letra “......” do prédio urbano que corresponde ao ......, Porta ......, destinado a habitação, sito na ……, ……, no Pendão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia …… sob o art. 04790 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ....... sob o n.º 00878/100892-Z (cfr. fls. 50 a 52, do processo de execução fiscal).


3. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à única questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro por ter julgado que as dívidas exequendas provenientes de liquidações de IMI não gozam de privilégio imobiliário especial sobre o prédio urbano penhorado, dada a falta de prova documental de que essas impostos incidiram sobre o imóvel penhorado na execução fiscal.
Com efeito, com base em tal argumentação, a Mmª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou que não podia reconhecer às dívidas de IMI em cobrança no processo de execução fiscal, referentes aos anos de 2003 a 2007, o privilégio imobiliário especial previsto nos termos das disposições conjugadas do artº 122º do CIMI e dos arts. 735º e 744º do Código Civil, mas apenas da garantia conferida pela penhora efectuada na execução. O que levou à graduação dos créditos (exequendos e reclamados) da seguinte forma:
1. Crédito reclamado pela Fazenda Pública e respectivos juros, referentes ao IMI de 2006;
2. Crédito reclamado pela B……., SA, e respectivos juros até três anos, por força da garantia emergente da hipoteca (registo em 29/12/1998);
3. Crédito reclamado pela B…….., SA, na parte referente aos juros que excedem o limite temporal de três anos (penhora em 25/05/2007);
4. Créditos exequendos.

Inconformada com o decidido, a Fazenda Pública sustenta que se encontra documentado nos autos que essas dívidas exequendas de IMI dizem respeito a liquidações que incidiram sobre o imóvel penhorado na presente execução fiscal, isto é, à fracção autónoma designada pela letra “Z” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 04790, pelo que, contrariamente ao decidido, encontra-se comprovado que esses créditos dizem respeito ao imóvel penhorado, gozando, assim, do privilégio creditório especial previsto no art.º 122º, n.º 1, do CIMI, por se encontrarem preenchidas todas as condições legais para lhes ser reconhecido tal privilégio.
Mais acrescenta que, se dúvidas houvessem, sempre estaria a Mmª Juiz obrigada a promover a diligências consideradas úteis para o apuramento da verdade, atentos os seus poderes de direcção do processo, até porque os créditos exequendos não precisam de ser reclamados, havendo, assim, um défice instrutório em face do disposto no nº 3 do artº 265º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto nos arts. 2º, al. e), e 246º, ambos do CPPT.
No que lhe assiste inteira razão.
Desde logo, porque dos elementos documentais juntos aos autos, mais precisamente da certidão de dívidas junta a este apenso de reclamação de créditos, a fls. 27 a 33, resulta que os processos de execução fiscal que contra A……. correm para cobrança de dívidas de IMI dizem inequivocamente respeito aos “Prédios: 111107 - U - 04790 – Z”, pelo que, contrariamente ao decidido, encontra-se documentado que os créditos exequendos referentes a IMI dos anos de 2003 a 2007 dizem respeito ao imóvel penhorado.
Deste modo, e uma vez que esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que cabe nos seus poderes de cognição, nos recursos jurisdicionais em que tem meros poderes de revista, apurar factos processuais praticados no âmbito do processo judicial tributário (vide, por todos, o acórdão proferido em 17/11/2004, no processo nº 553/04, cuja doutrina sufragamos), e que nos termos do nº 2 do artº 240º do CPPT os créditos exequendos não carecem de ser reclamados, sendo incluídos na graduação de créditos e graduados no lugar que lhes compete da mesma forma que o são os créditos reclamados, julga-se procedente o invocado erro de julgamento.
Neste contexto, e visto que, tal como invoca a Recorrente, resulta do probatório que a penhora do imóvel foi efectuada em 07.11.2007, conclui-se que beneficiam de privilégio creditório especial os créditos provenientes de liquidações de IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006 (1ª prestação), porque inscritos para cobrança, respectivamente, em 2005, 2006 e 2007, isto é, inscritos para cobrança no ano da penhora e nos dois anos anteriores, devendo, assim, ser graduados de acordo com o privilégio creditório de que gozam à luz do disposto no artigo 122º n.º 1 do CIMI e dos artigos 735º e 744º n.º 1 do Código Civil.
De qualquer modo, e como também salienta a Recorrente, se alguma dúvida houvesse, a Mmª Juiz a quo, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809º e 265º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 2.º e 246º do CPPT, deveria ter promovido as necessárias diligências para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.
Pelo exposto, devem os aludidos créditos exequendos ser graduados em primeiro lugar, a par dos créditos reclamados de IMI, por estarem em condições de beneficiar do privilégio imobiliário especial decorrente da penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra “Z” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 04790.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e proceder à graduação de créditos pela seguinte forma:
1. Crédito reclamado pela Fazenda Pública e respectivos juros referentes ao IMI de 2006, bem como créditos exequendos de IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006 (1ª prestação), inscritos para cobrança, respectivamente, em 2005, 2006 e 2007;
2. Crédito reclamado pela B……., SA, e respectivos juros até três anos por força da garantia emergente da hipoteca (registo em 29/12/1998);
3. Crédito reclamado pela B……, SA, na parte referente aos juros que excedem o limite temporal de três anos (penhora em 25/05/2007);

4. Restantes créditos exequendos.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.